GRACILIANO RAMOS: FALANDO DE EDUCAÇÃO ATRAVÉS DA LITERATURA 

Resumo

Na obra do escritor alagoano Graciliano Ramos, o Sertão sempre esteve presente, servindo de cenário para suas narrativas. Dentre os tantos eixos temáticos que daí brotam, analisaremos com mais afinco a questão educacional, pois em várias de suas obras percebemos que a mesma apresenta um papel de destaque, refletindo vivências do autor que ocupou cargos como de secretário municipal de Educação e prefeito, sendo um militante do Partido Comunista Brasileiro. Dessa forma, buscaremos realizar uma leitura voltada mais à Educação do à própria Literatura, através de obras como “São Bernardo” e “Infância”, visando compreender as ideias que o autor coloca acerca do que representa a educação para ele, bem como de sua visão crítica sobre a forma como era utilizada no contexto espaço-temporal em que Graciliano viveu. Através desse estudo, questionaremos os valores políticos e sociais imbuídos na educação e verificaremos o que, de lá para cá, permanece e o que já evoluiu.

Palavras-chave: Graciliano Ramos.Literatura.Educação

INTRODUÇÃO

        Graciliano Ramos nasceu em Alagoas, vivendo uma infância conturbada devido ao difícil relacionamento com seus pais, o que foi retratado com maior riqueza de detalhes em “Infância” (1945). O pequeno Graciliano cresceu e tornou-se um jovem visto como rebelde, comunista, subversivo, dentre outros adjetivos utilizados na época, com a finalidade de denominar aqueles que tinham opiniões e ideias próprias e que não temiam em expô-las à sociedade.

           Desse anseio por fazer ser ouvido, Graciliano começou a escrever e não poderia iniciar tal atividade em melhor companhia, pois conheceu Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, entre outros, que juntos formaram a Geração de 30 do Modernismo Brasileiro. Tal tendência literária buscou denunciar através de romances as mazelas sociais que assolavam nosso País, principalmente o Sertão Nordestino.

REFERENCIAL TEÓRICO

            Historicamente, a Geração de 30 estava inserida no Estado Novo, na Ditadura Vargas.

            Filosófica e politicamente, os escritores da Geração de 30 inspiravam-se nas ideias de Karl Marx, amplamente perseguidas pelo poder dominante da época, quando eram realizadas verdadeiras “caças às bruxas”, prendendo e até proporcionando “desaparecimento” de pessoas, proibindo e censurando livros, jornais e toda forma de expressão. O pensamento marxista de maior influência em nossos romancistas foi o da exploração do homem pelo homem, como podemos observar no trecho: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.” Tal concepção retrata com clareza a realidade do Sertão, onde os grandes proprietários de terras eram chamados de coronéis, seus agregados deveriam-lhe obediência de vassalos e a hereditariedade era um fator dominante, porém, mesmo quando um proletário conseguia ascender economicamente, esquecia suas origens e passava a seguir o padrão opressor de sua nova condição, como o fez o personagem Paulo Honório em São Bernardo.

            As relações de poder perpetuavam-se com a ajuda da Educação ou com o controle dela, para que a segunda não se desenvolva a ponto de limitar a primeira, fato que, infelizmente, não ocorria somente nos tempos de Graciliano Ramos, já ocorria antes e permanece ocorrendo até nossos dias.

            Diante dessa realidade, muitos se levantaram e criaram formas de manifestação contrária a isso, uns como escritores, poetas, romancistas, jornalistas, filósofos e educadores. Em nossa educação brasileira, cabe um destaque especial a Paulo Freire.

            “Hegelianamente, diríamos: a verdade do opressor reside na consciência do oprimido”. (FREIRE, 1982, p. 04). Eis uma pequena frase, mas dotada de um conhecimento que vai além do acadêmico, desvenda as entranhas de nosso sistema que continua a reproduzir esse conceito, apesar de já estarmos vivendo no 3° Milênio. O fato de existirem opressores encontra respaldo na permissão dos oprimidos, óbvio que existem casos e casos, pois alguns são tão frágeis que a submissão é uma forma de sobrevivência.

            Freire via a educação como o instrumento de libertação ou de opressão dos indivíduos, cabe a cada educador optar pelo que quer servir, que tipo de educação está disposto a vivenciar. Assim, constatamos que as idéias de Paulo Freire iam ao encontro também dos escritores literários da época, talvez por essa razão que Graciliano tenha abordado tanto a temática educacional em seus romances.

            Iniciaremos com “Infância” publicado em 1945, o livro é autobiográfico em que o autor relata seus primeiros anos de vida, de forma amargurada e com muitos traumas psicológicos, causados em sua maioria pelo pai.

            Na obra, os capítulos que podemos destacar como análise de nosso interesse são: Leitura, Escola, D. Maria e O Barão de Macaúnas.

            Em Leitura, o pai opressor tem uma atitude que podemos chamar de positiva, incentiva o filho a aprender a ler, afirmando que tal habilidade é uma “arma poderosa”, todavia não contribui para a alfabetização de Graciliano, pois o pressiona a ler rapidamente, sem respeitar o tempo que o menino necessita para aquisição da leitura, fato que torna o processo angustiante e frustante:

A forma como os pais manejam a satisfação ou a restrição dos desejos de seus filhos (Freud), a forma como respondem a suas condutas exploratórias e as suas iniciativas (Erickson), a forma como agem diante de sua teimosia ou suas graças (Wallon), a forma como moldam com reforços diferenciais a s condutas sociais de seus filhos (aprendizagem social) são consideradas essenciais no desenvolvimento de um caráter mais acanhado ou mais onipotente, mais seguro de si mesmo ou mais cauteloso, com mais confiança ou mais inseguro. (HIDALGO; PALACIOS, 2004, P. 184)

            O processo de alfabetização engloba aquisição de diversas habilidades cognitivas do educando, incluindo também questões emocionais e psíquicas, influenciadas pelo meio e pelas pessoas que convivem com quem está aprendendo, que podem contribuir positivamente ou não, dificultando e até travando o desenvolvimento da escrita e da leitura.

 

            Trata-se de um problema de dimensões sociais do que da consequência de vontades individuais. Por essa razão, acreditamos que em lugar de ‘males endêmicos’, deveria se falar em seleção social do sistema educativo; em lugar de se chamar ‘deserção’ ao abandono da escola, teríamos de chamá-lo de expulsão encoberta. E não se trata de uma mudança de terminologia, mas de um outro referencial interpretativo, porque a desigualdade social e econômica se manifesta também na distribuição desigual de oportunidades educacionais (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p.20).

            O menino Graciliano não sofria de problemas econômicos, porém o aspecto social entravava sua alfabetização ao ponto que as pessoas de suas relações, principalmente o pai, não auxiliavam em seu processo, muito ao revés, o pai atrapalhava com seu afobamento em desejar que o filho aprenda a ler como em um passe de mágica, pois critica e humilha o garoto por ele não conseguir tal façanha, assim tornando-o inseguro e incapaz de lograr seu objetivo.

            Como as autoras pontuam, a alfabetização passa por diversas questões que a influenciam, auxiliam ou atrapalham, dependendo da forma como é vista, incentivada ou imposta. Esses pensamentos resultam no êxito ou não do processo, que não pode ser atribuído exclusivamente ao educando e ao educador, já que são muitos os demais agentes no processo.

            Em Escola, o autor descreve sua primeira experiência com a instituição, que contribuiu para aumentar a aflição do menino, principalmente quando relata a palavra “ter-te-ão”, a qual ninguém conhece o significado, inclusive a professora. Tal termo refere-se à conjugação verbal no Futuro do Presente, em 3ª pessoa do plural, na forma de mesóclise, pronome entre o verbo que seria, numa forma gramaticalmente inadequada, porém compreensível aos iniciantes em conhecimentos vernáculos “te terão” ou “terão a ti”.

            Nesse capítulo, o escritor critica o sistema de ensino que não está ao nível dos educandos e sequer dos educadores, questionando assim sua eficácia, já que se mostra inadequado e fora de contexto.

            Em D. Maria, existe um pouco de alento no coração do garoto Graciliano, a figura da professora, uma mulher doce, carinhosa e compassiva, que perdoava os erros de seus alunos, atitude que nosso protagonista desconhecia em suas relações interpessoais, pois todos exigiam dele e ninguém jamais demonstrava atitudes de afetividade e compreensão. Apesar disso, fica transparente a falta de preparo e domínio de conhecimento da professora e sabemos dessa importante característica, como FREIRE (1996) aponta que “ensinar exige rigorosidade metódica e pesquisa”, além de “competência profissional”.

            Em O Barão de Macaúnas, Graciliano consegue vivenciar suas primeiras leituras e encontra-se com o livro que dá nome ao capítulo, todavia a experiência não é descrita como positiva, pois a linguagem é demasiadamente rebuscada, de difícil compreensão, que poderia ser classificada como um vício de linguagem denominado pelos linguistas como concussão ou prolixidade, em que as palavras são postas nas frases como que recortadas e coladas de dicionários, apenas para uma aparente demonstração de conhecimento, sem representar um sentido ao ler e até mesmo ou próprio escritor. Além de criticar a linguagem no aspecto linguístico, Graciliano aponta os problemas da escola literária parnasiana, cuja abordagem da escrita se dá nesse conceito de leitura maçante e de pouco significado.

            Realizadas reflexões acerca de “Infância” (1945), passaremos a nossa proposta de análise da obra “São Bernardo” (1934).

            O cenário e a realidade social são os mesmos nas duas obras, a principal diferença está no personagem protagonista Paulo Honório, um adulto que vem de origem humilde, cresce economicamente, porém sua evolução para no material e não chega ao afetivo.

            PH é um homem opressor e impiedoso, constrói a fazenda São Bernardo e casa-se com a jovem professora Madalena, unicamente com o objetivo de constituir família, sem demonstrar por ela afeto e consideração.

            Os conflitos com a esposa começam na concepção política, Madalena tem uma visão de mundo baseada na solidariedade humana, na construção de valores educacionais de liberdade e na cidadania, exatamente o oposto ao marido.

            Diante das diferenças, o ciúme brota a ponto de oprimir Madalena tanto até levá-la ao suicídio e PH à esquizofrenia. Nesse contexto de desgraça humana, há um relato de como Madalena via a educação, talvez fosse a visão também do autor, baseada nos ideais freirianos, tão difundidos pelo mundo, pois nosso educador viveu exilado por muitos anos.

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[1] Graduada em Letras Português, Espanhol e Respectivas Literaturas, especialista em Psicopedagogia Institucional. Professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental e Psicopedagoga do CREAS