GOVERNANÇA E FRAGILIDADE INSTITUCIONAL NO BRASIL
Mafalda Rolf


Estudantes de cursos voltados para a área pública aprendem a indignar-se com o fato de alguns fornecedores do setor público inflacionarem seus preços quando vendem para governo. Fornecedores honestos querem oferecer preços justos e acessíveis, no entanto, perante mais uma troca de governo, uma situação absurda se repete: comparando-se ao melhor "estilo Hugo Chávez", alguns governos suspendem por meses contratos vigentes, muitos deles com importância estratégica. A justificativa é a necessidade de avaliação. Mas devemos lembrar que estes contratos já passaram pelo crivo legal e atendem a lei vigente (Lei 8.666/1993). É muito correta a permanente revisão de contratos, mas deve ser feita sem criar uma situação de paralisia e de interrupção das garantias legais.

Sabemos que não são todos os governos que demonstram tamanho despreparo. Um exemplo é o Estado de São Paulo, que também fará avaliação e revisão dos contratos vigentes. Entendendo a seriedade do tema, respeitando os marcos legais e as regras estabelecidas, fará esta revisão sem a suspensão acima mencionada.

Quantas empresas já "quebraram" ou vêm "quebrando" por causa de uma decisão unilateral de um governo que decide abruptamente suspender contratações resultantes de licitações? Quantos fornecedores que entregaram suas propostas, que têm seus tributos e encargos em dia já enfrentaram a impotência de ter seus contratos suspensos porque um novo governo não tem a capacidade de avaliar o que está em andamento?


Na prestação de serviços ou na consultoria este fato é ainda pior, já que não estocamos pessoas nem a sua capacidade de produzir. A Lei vigente ainda não permite criar um limbo temporal que suspenda as obrigações trabalhistas, os compromissos legais, nem que se crie um "seguro desemprego empresarial" que proteja fornecedores do governo frente a decisões tão unilaterais e brutais como essas.

Quem é contratado pelo governo já passa pelo processo legal de contratação, atende todos os tramites e exigências, alem de enfrentar um teste de paciência, já que dependendo da modalidade de licitação, centenas de páginas e formulários precisam ser preenchidas, dezenas de certidões impressas para atestar a inexistência de dívidas com o próprio governo, despesas com cartório devem ser pagas, etc. Ganhando-se a licitação, ao se firmar o contrato, as garantias legais deveriam ser asseguradas, uma vez que a lei Federal tem supremacia sobre decretos estaduais.

Parecido com à condenada Venezuela, no Brasil também não respeitamos os contratos públicos.

O Contrato é o resultado de um acordo entre as partes: o governo precisa de auxilio em uma determinada questão, e o prestador de serviços é contratado para resolver. No momento em que há suspensão das atividades a essência da mudança torna-se fadada ao fracasso.

Além disso, pode-se afirmar que há um multiplicador negativo, ou seja, uma empresa prestadora de serviços idônea e respeitosa com as regras da Federação pode se transformar em refém da conjuntura política, já que pela própria situação pode passar a condição de devedora de tributos e como isto inapta a prestar serviço a órgãos públicos. O paradoxo se faz como conseqüência de atos desrespeitosos dos agentes públicos não conscientes da gestão que deveria ter foco na esponsabilidade social.

O que me pergunto é qual a defesa legal frente a um decreto de um governador que por incompetência de avaliação da sua gestão se dá ao luxo de suspender todo resguardo legal dos fornecedores por meses, em lugar de trabalhar mais arduamente e fazer as revisões necessárias enquanto da continuidade a gestão do seu governo? Pagará os juros e os prejuízos causados por esta incompetência?

A situação é tão absurda que nem os seguros cíveis mais sérios cobrem os fornecedores públicos brasileiros desta tão preocupante situação. Estes seguros existem e são prática habitual em vários países, inclusive da América Latina. Mas a fragilidade legal num país no qual os decretos valem mais que as leis, levam a que no Brasil os fornecedores do governo não consigam ser segurados. Estamos imensamente vulneráveis a governos irresponsáveis como esses, que tomam decisões de formas unilaterais, absolutamente desprovidas de transparência, enfrentando a lei e a constituição.

Aonde vamos chegar com a continuidade dessas práticas? A inflacionar os preços de serviços e produtos públicos? A manter distância dos bons fornecedores?

Ou aprendemos e exigimos dos governos o cumprimento das regras e leis existentes ou um grande desserviço público continuará a ser feito cada vez que uma transição política leve a uma "nova dança das cadeiras" culminando com a suspensão de todos os direitos dos fornecedores.

Se quisermos um setor público eficiente, que possa ter os melhores serviços e produtos deverá existir respeito às regras. Caso contrario seremos mais parecidos com países que autoritariamente as quebram, do que um país justo, democrático e transparente que almejamos ser.