GOTTLOB FREGE: CONTRIBUIÇÕES PARA A FILOSOFIA ANALÍTICA E O DESENVOLVIMENTO DE UMA LINGUAGEM FORMAL

 

Maria do Livramento Rodrigues Soares Salgado[1]

RESUMO

 A presente pesquisa tem como objetivo apresentar as contribuições de Frege para filosofia analítica e explicitar o que ele trata em sua obra Sobre o sentido e a referência, mostrando os problemas levantados por ele em relação à linguagem, e como pode resolver os problemas de linguagem através da criação de um sistema de representação simbólica.

Palavras-chave: Linguagem; Sentido; Referência; Lógica.

Apesar de Gottlob Frege ter contribuído para o surgimento da Filosofia Analítica[2], como afirmam muitos de seus intérpretes, não podemos considerar um filósofo analítico, devido sua concepção de filosofia não partir da análise da proposição da mesma forma que as de Russell[3] e de Wittgenstein[4], mas sabemos da sua influência de sua concepção de lógica e de linguagem, principalmente de sua teoria do significado, no desenvolvimento da filosofia analítica. De certa forma seria de bom grado analisarmos os pontos principais da contribuição de Frege para a tradição analítica. Ele se ocupa em investigar as áreas de lógica e matemática, que é onde inicia a constituição de sua contribuição para o desenvolvimento da filosofia analítica e da filosofia da linguagem. Um de seus objetivos é o de restaurar a importância para a filosofia do papel da lógica, defendendo a autonomia da lógica em relação à psicologia e à metafísica. Em resumo podemos dizer que foram três as teses que ajudaram Frege a fazer parte do desenvolvimento tanto da filosofia analítica como da linguagem tendo importância central na investigação filosófica. Aqui seguem as teses as quais foram citadas acima:

  1. A necessidade de separação do lógico e do psicológico, do objetivo e do subjetivo.
  2. A necessidade de construção de uma linguagem lógica que expresse a estrutura do pensamento.
  3. A necessidade de distinguir sentido e referência na constituição do significado linguístico.

O que Frege percebe é que há a necessidade de se diferenciar entre um objeto de conhecimento e seu reconhecimento. Manter a diferença entre os atos de afirmar algo, que são subjetivos, e o conteúdo objetivo afirmado, que é o objeto da investigação lógica (semântica). Pretende eliminar a influência que as palavras da linguagem ordinária possam ter sobre a filosofia, ele vai construir uma linguagem formal.

Na sua obra intitulada Sobre o sentido e a referência[5] aprofunda as questões acima mencionadas. Tratando do sentido e da referência diz que os nomes possuem tanto sentido como referência, esta é aquilo que o nome denota, ou seja, é o objeto denotado pelo homem e aquele é o modo de apresentação do objeto denotado. Os nomes designam algo (objeto).

A conexão regular entre o sinal, seu sentido e sua referência é de tal modo que o ao sinal corresponde um sentido determinado e ao sentido, por sua vez, corresponde uma referência determinada, enquanto que a uma referência (a um objeto) não deve pertencer apenas um único sinal.[6]

É por meio de um sinal que exprimimos seu sentido e designamos sua referência. A referência de um nome próprio é o próprio objeto que por seu intermédio designamos. Como podemos ver no exemplo abaixo:

 ESTRELA DA MANHÃ = ESTRELA DA TARDE

VÊNUS

A referência (Vênus) tem dois sentidos diferentes (estrela da manhã; estrela da tarde), enquanto que o modo de apresentação (estrela da manhã; estrela da tarde) só possui uma referência (Vênus).

A uma referência pode haver vários sentidos (modo de apresentação), mas a um sentido só pode corresponder um objeto. Existem casos em que a referência não corresponde a nenhuma palavra. Neste exemplo estrela da manhã é um sentido e estrela da tarde é outro sentido que têm como referência o planeta Vênus, podendo então o sentido assegurar sua referência, mas se não houver referência que correspondam a nenhuma palavra da proposição não tem como a referência ser assegurada. Observe o seguinte exemplo: “o corpo celeste mais distante da Terra”.

Ele tem um sentido, mas provadamente não tem uma referência, por isso que Frege acredita que um sentido nunca assegura sua referência.

Segundo Frege um nome próprio (palavra, sinal, combinação de sinais) exprime seu sentido e designa ou refere-se a sua referência, ou seja, por meio de um sinal exprimimos sua referência. É importante que não deixemos de investigar o sentido e a referência de uma sentença assertiva completa. Visto que esta contém um pensamento. E a questão é: este pensamento deve ser considerado como seu sentido e ou como sua referência? Vamos analisar as seguintes proposições: “a Estrela da Manhã é um corpo iluminado pelo sol”; “a Estrela da Tarde é um corpo iluminado pelo sol”.

Se por ventura, alguém não soubesse que a Estrela da manhã é a Estrela da Tarde poderia afirmar um pensamento como verdadeiro e o outro como falso.

Se admitirmos que determinada sentença possua referência e se substituirmos uma palavra desta por outra que possua a mesma referência, mas sentido diferente, isso não terá nenhuma influência sobre a referência da sentença. Vimos que o pensamento muda. Então, fica claro que o pensamento não pode ser considerado como a referência da sentença e sim como o sentido da mesma.

A referência de uma sentença só poderá ser procurada onde a referência de seus componentes esteja envolvida, apenas quando estamos investigando seu valor de verdade (a circunstância da sentença ser verdadeira ou falsa).

Alguém poderia ser levado a conceber a relação do pensamento com o verdadeiro, não como a do sentido com a referência, mas como a do sujeito com o predicado. Pode-se realmente dizer: “O pensamento de que 5 é um número primo é verdadeiro.” Porém um exame mais acurado mostra que esta sentença nada acrescenta ao que foi dito na simples sentença “5 é um número primo”. [...] Um valor de verdade não pode ser uma parte de um pensamento, tal como não pode ser o sol, posto que ele não é um sentido, mas um objeto.[7]

 Toda sentença que for assertiva deve ser considerada como um nome próprio, e sua referência, caso tenha, é ou verdadeiro ou falso. Fazer essa designação de valores de verdade como objetos parece algo sem fundamento, ou um jogo de palavras. Frege afirma ter deixado claro sobre estas questões. Mas continua dizendo que a relação do pensamento com o verdadeiro não é para ser comparada com a relação entre sujeito e predicado. Estes dois são parte do pensamento, havendo a combinação entre eles um pensamento é elaborado, sendo que nunca se passa de um sentido para sua referência, de um pensamento para seu valor de verdade. Um valor de verdade não pode ser uma parte de um pensamento, pois ele não é um sentido e sim um objeto.

Sabendo que, se o valor de verdade de uma sentença é sua referência, então todas as sentenças verdadeiras têm a mesma referência, mas isso também acontece com as sentenças falsas. Por isso que Frege diz que não devemos nos ater apenas à referência de uma sentença. O pensamento por si só não nos dá nenhum conhecimento, isso acontece quando está junto a sua referência/valor de verdade.

O valor de verdade de uma sentença não sofre nenhuma alteração quando uma expressão é nela mesma substituída por uma outra que tenha a mesma referência. Analisando essas expressões, pode-se perceber que haverá exceções, pois quando as sentenças estiverem em discurso direto se referem à outra sentença e em discurso indireto se referem a um pensamento.

Assim, será necessário trabalharmos com as sentenças subordinadas, estas ocorrem como partes de uma sentença composta, que do ponto de vista lógico é uma sentença independente. Os gramáticos as dividem em substantivas, adjetivas e adverbiais.

Então quando as subordinadas forem adjetivas, introduzidas pelo “que”, a referência não é um valor de verdade, mas um pensamento, pois tomam a forma de um discurso indireto e a sua verdade não tem importância para a verdade do todo. Observemos a seguinte proposição “João não acredita em Papai Noel.” Se papai Noel existe ou não altera ou muda a verdade dessa assertiva.

Nas sentenças que possuem expressões que indicam uma referência no pensamento como: “parece que”, “penso que”, ou seja, estão como se uma crença fosse base de outra, assim como nas sentenças adverbiais finais, pois tem a mesma forma das sentenças de referência indireta.

As sentenças subordinadas substantivas apresentam sua referência costumeira, e não apresentam um pensamento como sentido e nem um valor de verdade como referência. Elas se iniciam por “quem”; se reduzem a um nome próprio e tem como sentido um modo de apresentação de um objeto, a referência dessa mesma sentença só pode ser um objeto.

Nas sentenças adjetivas o seu sentido é encerrado por um adjetivo, pois na falta de um sujeito independente, não temos como expressar o seu sentido numa sentença independente, assim sua referência não é um valor de verdade.

Há uma semelhança entre as sentenças adverbiais de tempo e lugar e os nomes próprios, por seus sentidos não poderem ser expressos por uma sentença independente, suas referências não são um valor de verdade nem seus sentidos são um pensamento.

Se, em geral, julgamos que o valor cognitivo de “a=a” e “c=c” é diverso, isto se explica pelo fato de que, para determinar o valor cognitivo, é tão relevante o sentido da sentença, isto é, o pensamento por ela expresso, quanto sua referência, a saber, o valor de verdade. Se a=b, então realmente a referência de “b” é a mesma que a de “a”, e portanto, também o  valor de verdade “a=b” é o mesmo que o de “a=a”. A pesar disto, o sentido de “b” pode diferir do de “a” e, portanto, o pensamento expresso por “a=b” pode diferir do expresso por “a=a”; neste caso, as duas sentenças não têm o mesmo valor cognitivo. Se, como anteriormente, entendemos por “juízo” a trajetória do pensamento para seu valor de verdade, podemos também dizer que os juízos são diferentes.[8]

Segundo Frege, nem sempre uma sentença vai se referir a um valor de verdade, pode ser substituível por outra com o mesmo valor de verdade; tratando-se da questão de igualdade, nos diz que a=b tem o mesmo valor de verdade de a=a, pois a e b têm a mesma referência, no entanto, por possuírem sentidos diferentes, “o pensamento expresso por a=b sendo diferente do expresso por a=a”, pois a e b exprimiriam distintos modos de apresentação do mesmo objeto. Essa diferença entre sentido e referência foi a maneira que encontrou de explicar a diferença de valor cognitivo entre duas igualdades citadas acima, nos autorizando a fazer o uso do sinal de igualdade sem haver perplexidade filosóficas. Ficou justificado o uso da distinção entre o sentido e referência na construção de uma linguagem artificial científica e no entendimento de uma sentença ou nome próprio.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

FREGE, G. Sobre o Sentido e a Referencia. In. Lógica e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Cultrix, 1996.

CARVALHO, Maria Cecília Maringone de. Paradigmas filosóficos da atualidade. Campinas, SP: Papirus, 1989.

 

 



[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual vale do Acaraú – UVA, cursando a disciplina Filosofia Analítica, no 8º período.

[2]A Filosofia analítica é uma vertente do pensamento contemporâneo, reivindicada por filósofos bastante diferentes, cujo ponto comum é a ideia de que a filosofia é análise - a análise do significado dos enunciados - e se reduz a uma pesquisa sobre a linguagem.

[3] Russell nasceu em 1872, no auge do poderio econômico e político do Reino Unido, e morreu em 1970. Durante sua longa vida, Russell elaborou algumas das mais influentes teses filosóficas do século XX, e, com elas, ajudou a fomentar uma das suas tradições filosóficas, a assim chamada Filosofia Analítica.

[4] Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (Viena26 de Abril de 1889 — Cambridge29 de Abril de 1951), filósofo austríaco, naturalizado britânico, foi um dos principais atores da virada linguística na filosofia do século XX. Suas principais contribuições foram feitas nos campos da lógicafilosofia da linguagemfilosofia da matemática e filosofia da mente.

[5] Em "Sobre o Sentido e a Referência" (1892) Frege apresenta um paradoxo envolvendo semântica e epistemologia, e também uma solução para o mesmo. O paradoxo envolve sinônimos e a possibilidade de uma pessoa desconhecer a relação de sinonímia.

 [6] FREGE, Friedrich Ludwig Gottlob. Sobre o sentido e a referência. p.63.

[7] FREGE, Friedrich Ludwig Gottlob. Sobre o sentido e a referência. p.p 69-70.

[8] FREGE, Friedrich Ludwig Gottlob. Sobre o sentido e a referência. p.86.