Resumo: O puro precisa tornar-se impuro, para produzir efeitos purificadores no âmbito da justiça e da moral

“Golpe” do PT – uma concepção pura

Ainda não consegui assimilar aquela revelação do Ministro Ayres Britto – Presidente do STF – segundo a qual o esquema do “mensalão”, além dos aspectos “mensaleiros”, isto é, além de verbas  circulantes em curto prazo, continha um investimento de maturação mais longa a que ouvimos Sua Excelência  chamar de “golpe” – “golpe” do PT.     

Aliás, não é bem assim. Na verdade o que ainda não consegui assimilar prende-se mais precisamente ao processo mental que o Ministro perlustrou para chegar à concepção do “golpe”.

Diferentemente do caráter  dialético desenhado no trato das questões especificas do “mensalão”, onde prevaleceu o rufo    argumentativo próprio de quem busca os louros da demonstração desconcertante, a revelação do “golpe” parece ter surgido na quietude de vislumbres apodícticos.

Esse tipo de conhecimento aproxima-se muito daqueles desdenhados pelas correntes culturais  racionalistas que  exigem provas materiais, evidências flagrantes e exaustivas de tudo o que se passa nos bastidores da vida pública.

Não me considero inimigo das compreensões assentadas na lógica e nas pilastras do intelecto. Mas não descarto, de modo algum, o contributo das percepções independentes do arcabouço conceitual em que se arrima o suntuoso e frágil edifício da hodierna sapiência.

Na verdade a minha posição consiste em aproveitar de cada uma das fontes o que tenham de melhor a oferecer, no momento certo,  na justa perspectiva dos interesses sociais.

Por exemplo, a concepção do “golpe” dada a lume  pelo Ministro Ayres Britto, há de ser levada a sério no âmbito do conhecimento puro, do tipo que dispensa demonstrações.

Todavia, para que produza efeitos não-puros, isto é, para que possa refletir-se concretamente no plano das transações sociais, o “golpe” precisa descer alguns degraus na escala epistemológica e lambuzar-se um pouco na lama, de preferência na lama do “mensalão”.

Aliás, nem a propósito, leio na Folha de São Paulo que o Sr. Marco Valério, exímio mergulhador, dispõe-se a borrifar um tipo especial de lama no ventilador da história, a fim de amenizar o duplo martírio das suas penas: da imposta pela Justiça e da imposta pela consciência do papel ridículo de bode expiatório.

Que venha a lama, a lama toda, inclusive aquela acaso retida em intestinos constipados.