Qual o espectro da palavra 'cultura'? Abordemos essa questão inicialmente, pois cultura tem um amplo significado e, ao mesmo tempo, carrega uma simbologia muito forte consigo. Além dos diversos estudiosos e suas devidas definições, podemos obter nos dicionários, alguns conceitos sobre cultura.

            Trago para reflexão, um fragmento desses dicionários virtuais que me chamou a atenção: “arte, modo de cultivar, lavoura.” Adotemos para fins sociais e antropológicos, que cultura é a soma de todo material físico e dos hábitos de determinados grupos de indivíduos. Agora alinhemos este significado ao fragmento retirado do dicionário.

            Analogamente, podemos observar que o processo de disseminação cultural, bem como a transmissão dos ensinamentos e das tradições de determinados povos, são semelhantes à manutenção das culturas de grãos e de vegetais. Tanto o signo social, quanto o signo ligado a atividade agrícola, exigem cuidados e procedimentos específicos de acordo com características peculiares, sejam estas ligadas ao tipo de alimento ou ao tipo de grupo social.

            O que no campo, à grosso modo, poderíamos dividir entre: preparar o solo, plantar as sementes, fertilizar o local, entre outros, até chegar a hora da colheita; podemos dizer que os hábitos bem como os produtos culturais são introduzidos ao longo da história, pouco a pouco, como sementes. Estas sementes são expostas a reação dos demais indivíduos pertencentes ao povo e se adaptadas às condições e expectativas de vida da maioria, trazem consigo frutos que serão transmitidos para as novas gerações.

            A esse processo de transmissão e aprendizagem com o meio, chamamos de endoculturação do indivíduo. As gerações posteriores carregam, portanto, a responsabilidade de transmissão e propagação de todo ambiente e de toda tradição aprendida para as demais que a sucederem.

            Tal responsabilidade não deixa de ser hábito cultural. Ao longo do tempo, a humanidade foi criando e introduzindo ferramentas que melhoraram não só o modo de vida, bem como a própria manutenção de suas culturas.

            Desde os primórdios, nos diferenciamos em diversos aspectos culturais e sociais. Mesmo apresentando pontos em comum com outros povos, carregamos laços ancestrais fortes e arquétipos de hábitos de vida ideais.

            Dessa maneira, quando caminhamos rumo a um esboço significativo, do que podemos chamar de "globalização", através das grandes navegações, ligamos povos desconhecidos até então e obtivemos um grande choque cultural. Desde então, o ser humano veio violentamente tentando buscar uma cultura ideal.

            A exemplo dessa máquina de intolerância, baseada num modelo pré-concebido, nossos próprios nativos foram colonizados e massacrados ao longo da história. Não só nossos povos aborígenes sofreram, bem como diversas civilizações encontraram seu fim e deixaram apenas memórias vagas de acordo com seu conjunto de materiais, por um ideal de transmissão a força do que seria a cultura "ideal".

            O Holocausto idealizado por Hitler, não foi só um movimento social político, mas também representou uma imposição cultural arraigada aos fatores biológicos de indivíduos tipicamente europeus. Os árabes por sua vez, trazem também em suas jihads fatores culturais ligados a religião.

            Assim como diversos povos, a tentativa de uma padronização cultural imposta pela força sempre esteve presente na maioria dos conflitos armados. Heródoto já dizia que se houvesse oportunidade de sermos expostos ao conhecimento de diversos modelos culturais, ainda preferiríamos os nossos costumes.

            Realmente, apresentamos uma predisposição a acreditar que nosso modelo cultural seja o mais adequado, tendo em vista o reflexo da endoculturação na qual fomos educados. Entretanto, vivemos a era da informação, na qual através de mecanismos tecnológicos somos capazes de 'conhecer' outras estruturas sociais a partir de um campo virtual, o que facilita um processo do qual podemos chamar de "globalização cultural".

            A partir deste contato mais ágil, presenciamos a adoção de hábitos e costumes gerais de outros povos, por parte de indivíduos criados no nosso modelo social. Sejam nas vestimentas, nos adereços, na prática de meditação, em atividades, nos esportes, na alimentação, na própria comunicação e entre outros fatores, começamos a absorver cada vez mais as diversas culturas espalhadas pela Terra.

            Aos poucos, aproximamos Ocidente e Oriente ao passo de que somos expostos ao serviço de 'fast food' de comida árabe, em um bairro tipicamente brasileiro. Confúcio dizia que: " A natureza do homem é a mesma, são os seus hábitos que os mantém separados ". Hoje, cada vez mais, presenciamos uma internacionalização de hábitos, diminuindo essa distância constatada por Confúcio.

            Não podemos ignorar o fato de que a distância entre as diversas organizações culturais ainda é grande e que a informação além de despertar interesse em muitos, também choca, culturalmente, vários demais. Mas como reflexo de um lento progresso, podemos observar que o ser humano vem realizando uma incorporação seletiva de hábitos e costumes, deixando de se fixar somente aos modelos pré-concebidos ao longo de sua formação.

            Hoje é possível observar um cidadão brasileiro adotando práticas da filosofia budista, bem como povos, que não são considerados civilizados, tendo acesso a políticas públicas presentes no território onde se encontram.

            Vemos também, jovens que são concebidos em modelos mais rígidos e ditatoriais tendo acesso ao modo de vida de jovens de outros países, de modo com que estes passem a questionar a validade da imposição cultural presente e a partir daí possam lutar pelos direitos que acreditem ser válidos.

            Como já dizia a máxima, “o conhecimento liberta”, o processo de assimilação e de junção de diversas culturas pode trazer grandes benefícios para o convívio dos seres humanos. Por uma qualidade de vida real, ainda devemos cumprir normas e deveres da sociedade a qual fomos concebidos. Entretanto, nossa capacidade de questionamento e adaptação do meio não deve ser acomodada.

            A cultura deve ser reinventada ao passo de que todos seus elementos rumem sempre a uma evolução da qualidade de vida do ser humano. Desde as normas até as ferramentas criadas, o homem deve estar sempre buscando uma otimização e reciclagem da mesma, de forma que seus hábitos e seus costumes possam iluminar as novas gerações.

            Muitos são batizados e ao longo do tempo optam por outras religiões ou por uma crença baseada apenas na ciência e nos resultados empíricos. Assim como não deixam de respeitar a Igreja Católica e seus devotos, não se prendem a este modelo de filosofia e regem suas vidas da melhor maneira possível.

            Analogamente, podemos dizer que o processo de "globalização cultural" está na capacidade de respeitar as peculiaridades, de outras culturas, que não sejam adequadas para o indivíduo e na responsabilidade de incorporar os aspectos positivos das mesmas, com o intuito de cada vez mais diminuir essa distância relatada por Confúcio.