Elisangela Gama

Afonso Murad, marxista, é pedagogo, com especialização em gestão pela Fundação Dom Cabral, é doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Autor de vários livros e artigos, publicou por Paulinas Editora: Aquele que passeia em nós e Maria, Toda de Deus e tão humana. Criou o projeto de educação ambiental Amigo da Água. Leciona na Faculdade dos Jesuítas e no Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) em Belo Horizonte ? MG.
O livro, Gestão e Espiritualidade: uma porta entreaberta ? atraente, convidativo ? acorda uma rica discussão sobre a gestão e a espiritualidade, atrelada a uma postura de liderança ético-espiritual, ligado ao confronto entre a teoria e a prática, consequenciando uma ação-reflexão promovedora da mudança de hábitos e atitudes. Apresenta a disparidade quanto ao profissionalismo no local de trabalho, seja em esfera educacional, empresarial ou organizações não-governamentais.
Tendo por referência Peter Drucker, um grande referencial da gestão, Afonso Murad trata em seu primeiro capítulo desta obra sobre os pilares da gestão: visão generalista; estrutura funcional flexível; política de mudança: abandonar, aperfeiçoar, aprender; inovação e continuidade; o âmbito da gestão: além dos próprios muros; e gestão de pessoas. A essência dos referidos pilares da gestão, apresentados por Drucker, consiste na capacitação e mobilização das pessoas para atuarem em conjunto, com coesão, sintonia e metas comuns. Desta forma, o foco deixa de ser o profissional em sua unidade, passando a ser o cliente principal alvo. Nesse contexto, se o alvo é atendido de maneira satisfatória, o retorno da ação conjunta vem para todos os internos envolvidos.
No contexto atual, no qual o saber aplicado transformou-se na grande fonte de riqueza, as organizações precisam, constantemente, desenvolver novas habilidades (= saber fazer) e conhecimentos. Elas estimulam a postura de constante aprendizagem. E os gestores coordenam e estimulam este processo. (MURAD 2007 p.23)

Paralelo aos pilares da educação, descritas por Jacques Delors (1998), o "saber fazer" está correlacionado ao "saber conhecer", "saber viver em grupo" e "saber ser". Em uma perspectiva de flexibilidade, as organizações não são imutáveis, inflexíveis, mas uma ferramenta "para tornar as pessoas produtivas no trabalho conjunto" (p.24). Não se remete aqui uma ausência de hierarquia, mas uma administração da mesma, frente à perspectiva de equipe e da rotatividade do saber, o que possibilita a descoberta de novos talentos na própria organização.
Nessa reflexão, Drucker, referenciado por Murad, elucida a descentralização do poder nas organizações, a promoção da autonomia, além da capacidade que as pessoas precisam ter para atuarem com agilidade e responsabilidade. Sob esse prisma, a gestão precisa permear por uma política de mudança que contemple o abono do ontem, promovendo um aperfeiçoamento organizado e explorando o sucesso. Compreende-se aqui que algumas instituições pecam por nutrirem um conservadorismo que foge a acelerada modernização e diversidade de comportamentos e opiniões entre seus parceiros. O comodismo aniquila a perspectiva do progresso, o diagnóstico das falhas, especialmente a implantação de uma política sistemática de inovação.
Paralelo ao parágrafo anterior, completa-se que a inovação traz receios aos gestores porque vem regado a riscos, estes que muitas vezes tolhem o gestor de conceberem excelentes oportunidades às organizações. Vale ressaltar que, aos gestores que validam a mudança com a premissa de inovar, precisam nutrir um necessário e perigoso equilíbrio entre mudança e continuidade. Falamos em perigoso, porque para que o equilíbrio aconteça, a gestão necessita ter consciência do valor das opiniões e contribuições de sua equipe, estando aberto a romper seus paradigmas; e para que o sucesso se mantenha, também se faz perigoso a ausência da continuidade desta inovação. Havendo equilíbrio e continuidade, desvinculado à autosuficiência, mas zelando pela formação continuada da equipe, em especial de talentos descobertos, os horizontes da organização se abrirão e os resultados aparecerão com reconhecimento.
O segundo capítulo do livro de Afonso Murad trata sobre os empecilhos à gestão, tratando inicialmente sobre a visão estratégica. Oriunda de vocabulário militar, o autor apresenta que a palavra estratégia "evoca a arte de compreender a si mesmo e ao seu inimigo, potencializar suas forças e explorar a do adversário" (p.44).
Em uma abordagem pessoal e concordante com o autor, a delimitação deste entendimento ao capitalismo acaba tornando a visão estratégica das organizações insuficientes. Conforme já mencionada no corpo deste texto, a acelerada mudança que gera modernização e a alta concorrência demanda uma visão estratégica atrelada ao entendimento citado, pois se faz necessário conhecer-se, enquanto sucessos e insucessos da organização, para conhecer o outro, seus critérios diferenciados que, aos olhos da sociedade, tem mais ou menos êxito, para assim traçar novas metas e perspectivas de mudança. A visão estratégica é uma competência que precisa ser desenvolvida, aprimorada e exercida, de maneira que o profissional disponha de agilidade frente aos novos desafios.
Complementando a ideia, este capítulo acorda ainda enquanto empecilhos à gestão a imagem deturpada sobre o marketing, em que se almeja o reconhecimento externo, sem trabalhar a autoestima dos internos. Também elucida os riscos que sofrem as organizações quando estão sob a gestão de pessoas indicadas a cargos por afinidades pessoais ou parentesco, ou quando não se estabelece um critério de relação que acople visão profissional e valores humanizadores.
Compreende-se, portanto, que a gestão eficaz permeia por uma complexidade no sentido de estar atento ao perfil de profissional que se pretende por a frente de uma organização, bem como o grau de importância que precisa atribuir a elementos avaliativos diversificados para confronto de resultados, contemplando opiniões e ideias do cliente interno e externo. Mais uma vez se confirma a necessidade em perceber a realidade da organização e a implantação e manutenção de cursos de formação continuada a todos os membros envolvidos. É a partir da investigação e do conhecimento que as fraquezas vão sendo superadas.
O terceiro capítulo, intitulado gestão e missão, acorda inicialmente a conceituação sobre gestão como "a habilidade e a arte de liderar pessoas e coordenar processos, a fim de realizar a missão de qualquer organização" (p.71). Trata-se de um termo aplicável a distintas realidades. Deste modo, Murad acorda, embasado por Drucker, a gestão como um requisito necessário para liderar e capacitar pessoas, bem como respeitar sua cultura e inseri-lo a novos conhecimentos, metas e valores.
Destarte, a ausência de uma gestão em uma organização se compara a um carro guiado por um motorista sem noção de direção: não se tem domínio do que faz, nem tem noção de onde ou como se pretende chegar. Nos dias atuais se busca profissionais que realmente assumam o perfil da empresa, que se identifiquem com ela e que somem resultados pela coletividade, atrelados à simplicidade e colaboração. Neste século, se pensa mais na perspectiva humanista, desconectando a visão capitalista e dando espaço para a espiritualidade, para o afeto.
Sabe-se que tal discurso ainda não se faz validado nas organizações, se pensarmos na totalidade. Mas já se percebe que esta conquista não está mais centrada a realidades do terceiro setor. A exemplo, temos instituições públicas de ensino que conseguem sobreviver a partir de doações e, sobretudo, comprometimento da equipe ali inserida.
O quarto capítulo trata sobre serviços e mix de marketing. Este, atrelado aos já citados, também apresenta aspectos, dimensões, conceitos e compreensões da administração, aqui sempre entendida como gestão, ampliados pela prática e reflexão do autor, que traz a contribuição da espiritualidade na leitura que faz das exigências de gestão concebidas tanto pelas conquistas, como pelos lapsos da economia de mercado no contexto atual. Seu foco de discussão consiste em apresentar os serviços em sua diversidade de características que, mesmo não sendo palpáveis, são perceptíveis. Paralelo a discussão sobre este foco, também se apresenta o mix de marketing enquanto conjunto de elementos variáveis que influenciam a maneira como os consumidores respondem ao mercado, compondo assim as atividades de marketing.
Nessa linha, compreende-se mais para um viés administrativo, a interdependência entre o mix de marketing e os serviços, uma vez que esses pressupostos não podem ser estabelecidos isoladamente. Em verdade, mesmo podendo existir uma supremacia com relação ao marketing, deve existir uma plena integração e coerência entre as diferentes medidas sob a condição de se comprometer a eficácia e objetivos pretendidos e/ou em desenvolvimento na organização atendida. Além disso, também se precisa ter coerência com relação às necessidades e características do mercado.
Este capítulo também remete a questão humanística, focando entendimento no terceiro setor quando a questão do "preço" também existe, mas para cobrir custos necessários. O cuidado com os serviços e marketing também são fundamentais, pois falar em espiritualidade consiste em também falar na confiança que deve haver com o outro, bem como nas ações por ele apresentadas.
Nos quatro capítulos decorrentes desta obra, "Espiritualidade na gestão"; "Espiritualidade libertadora"; "Lidar com o fascínio do poder"; e "Gestão da mudança", Murad traz espaço no qual se desenvolverá sua contribuição mais original referente às concepções de espiritualidade, mas traduzindo-as para o viés das organizações empresariais.
No quinto capítulo, "Espiritualidade na Gestão", resgata-se a conceptualização de gestão, agora em paralelo com a espiritualidade. Aqui se entende por espiritualidade e sua tradução no modelo de gestão, na qualidade das relações com os colaboradores, com os clientes, fornecedores e meio ambiente. Em concordância com o autor, consideramos que a espiritualidade esteja relacionada às qualidades do espírito humano, como compaixão, paciência, capacidade de perdoar, responsabilidade, aprendizado, tanto para si, como para o próximo. A espiritualidade na gestão consiste em viver em harmonia com as distintas crenças e culturas no ambiente de trabalho, entendendo que este transcende os aspectos materiais. É perceber que fracassos e insucessos devem ser vistos como fonte de análise e aprimoramento para novas posturas e atuações. Um forte elemento aqui presente está no investimento da qualidade de vida, reconhecendo que em um ambiente harmônico a felicidade e satisfação melhoram o trabalho e que a perspectiva do lucro pode conviver com harmonia nas relações e com o princípio ético.
No sexto capitulo, "Espiritualidade Libertadora" percebe-se um maior estreitamento com relação à religiosidade, com a fé. Aborda-se sobre a perspectiva do profetismo enquanto fé estimuladora da visão crítica e liberdade "no espírito", nas organizações e nas próprias igrejas, trazendo também a hostilização sofrida pelas pessoas que assumem atitudes proféticas. Nesse âmago, o autor assume como meio de acesso para articular gestão e espiritualidade o pensamento complexo, uma nova visão de mundo, que aceita e procura compreender as mudanças constantes do real e não pretende negar a multiplicidade, a aleatoriedade e a incerteza, mas conviver com elas, não reduzindo o multidimensional a explicações simplistas.
Lembrando que a partir deste capítulo o grau de entendimento passa a ser mais complexo, especialmente por tratar mais diretivamente sobre os preceitos da fé, contribuímos com o entendimento que a espiritualidade se faz libertadora no momento em que se acredita que ela transforma e faz novas todas as coisas. Este capítulo nos faz pensar na libertação do preconceito aos desfavorecidos, também aos que profetizam seu credo. Na sociedade globalizada aumentam imensamente as vítimas da exclusão: pobres, desempregados... Em todos esses rostos, muitos dos quais sem esperança ou perspectiva de futuro, fica a esperança no Cristo libertador para darmos o passo decisivo na direção do próximo, para valorizar, promover e restituir a todos quanto cruzarem nossos caminhos à dignidade e à vida. Profetizar e gerir constituem uma tensão produtiva e necessária. A complexidade do pensamento existe, mas é a visão construtiva da mesma que comunica que é possível e necessário uma proposição de qualidade de vida e relacionamento sadio e equilibrado na organização, promovendo uma economia mais justa e sustentável.
No sétimo capítulo, "Lidar com o Fascínio do Poder", Murad acorda uma interessante discussão a partir de exemplos do texto bíblico a concepção do poder enquanto tentação, compreendendo poder como posições de liderança em escalas distintas, proporcionais ao tipo de organização, ao seu grau de formalidade, hierarquização, prestígio e, obviamente, de riqueza. Ele também traz que o crescimento humano resulta do exercício constante de autoconhecimento. Em sua abordagem conclusiva do referido capítulo, ele se faz louvável ao trazer com simplicidade a experiência de Dom Helder Camara que, ao participar de um programa de TV, clamou a Jesus em sua experiência do "domingo de Ramos", conseguindo se fazer sereno atingindo o objetivo proposto.
Partindo desta análise, sabe-se que o poder sempre exerceu grande fascínio nas pessoas e a sua busca egocêntrica contribuiu para intensificar o abrutamento e para proliferar a desigualdade social. Ainda observamos que existem muitas pessoas exercendo gerências sem consideração, às quais se sobressai o desejo de subjugar o outro. No entanto, a modernidade já perpassa por outras exigências, a citar: competência, aprendizado continuado e humanismo. Compreendemos que o próprio meio cultua e oferece tentações para o fascínio pelo poder, mas a espiritualidade, a fé e o diferencial humanizador e visionário de uma equipe gestora conseguem sobrepor este fascínio com sapiência.
No oitavo e último capitulo desta obra, a "Gestão da Mudança" é tratada em paralelo com a liderança, autoridade e mudança, citando os oito passos para o processo de gestão da mudança enquanto referência, desprovido da hipótese de ser uma receita milagrosa, inquestionável e com garantia de resultados exequíveis. No entanto, percebe-se certa deturpação no sentido de pô-los em prática a partir de adaptações condizentes com as necessidades reais. Mesmo ciente que os passos são pertinentes e bem elaborados, ainda se percebe lacunas quanto ao processo de implantação.
Recordamos com isso a experiência acompanhada em escolas públicas ? exemplo mais estreito à nossa realidade ?, em que alguns educadores pecam por quererem aplicar propostas metodológicas com fidelidade aos exemplos que recebem prontos. Se não houver coerência de adaptação a realidade em que atua, de nada vale a qualidade das sugestões propostas. O mesmo ocorre com os passos citados para que ocorra a gestão da mudança.
A mudança refere-se a um fenômeno descontínuo, rápido e imprevisível. Assim sendo, o gestor deve estar preparado para responder à incerteza do seu meio de atuação. Durante a discussão do segundo capítulo deste trabalho, falávamos em mudança e continuidade. Decerto, a gestão da mudança também consiste em falar na gestão da continuidade da mudança. Porém, amplia-se aqui que além da necessidade de manutenção da formação continuada, deve-se também manter a postura oriunda da mudança e que acarreta a qualidade no relacionamento com o outro e, especialmente, consigo.
Em uma abordagem conclusiva, de momento, compreende-se esta obra como promissora, uma vez que se abre em razão de demandas da prática, colocadas pelo cenário contemporâneo, enfrentadas por gestores de diferentes organizações ao procurar articular a realidade da empresa, seja de ordem pública ou privada, administrativa ou educacional. Também se abre a demandas de ordem teórica, em que está o desafio de elaborar conceitos, mediações e modelos de gestão que sirvam de referência e inspiração tanto as organizações propriamente ditas como para os cursos de formação de gestores em suas mais diversas modalidades.
O texto apresenta-se com um estilo agradável de leitura, de fácil entendimento, mesmo ciente que se trata de um misto entre o compreensível e o complexo. Em meio a sua riqueza de informações e interpretações, vale ressaltar que seu destino se estende a todas as áreas de estudo, porque a teologia, a administração e a educação são áreas de forte presença neste trabalho, mas não são únicas quando se está em busca do prazer da leitura e do conhecimento.

REFERÊNCIAS:

DELORS, Jacques. Educação, um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI. Brasília, MEC, UNESCO e Cortez, 1988.

MURAD, Afonso. Gestão e Espiritualidade: uma porta entreaberta. 3 ed. São Paulo: Paulinas, 2007.