GESTÃO DEMOCRÁTICA NO PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM FRENTE ÀS CONTRIBUIÇÕES DE FREINET

Rosilda Carvalho dos Santos[1]

 

 

INTRODUÇÃO

 

Falar em Gestão Democrática ainda é algo recente, mas os indicadores educacionais têm mostrado dados significativamente relevantes para a educação, visto a necessidade de ter nas escolas uma gestão realmente comprometida com a democracia, com o pluralismo de ideias. Essa necessidade surge com o anseio de buscar a melhoria da qualidade em todas as modalidades de ensino e instituições educacionais.

Partindo deste principio, o texto visa elencar a importância da gestão democrática no processo ensino aprendizagem frente às concepções de ensino de Freinet, aplicadas entre 1921 a 1966.

Neste sentido, serão apresentadas quais inovações pedagógicas concebidas por Freinet, o gestor escolar tem utilizado atualmente na gestão democrática das Escolas Municipais de Juazeiro-BA, com vista a um ensino contemporâneo de qualidade. Para tanto, serão destacados: o perfil do gestor na gestão democrática, gestão democrática e o ensino aprendizagem e gestão democrática frente às contribuições de Freinet.

 

 

PERFIL DO GESTOR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA

 

 

A grande essência da gestão democrática está em propiciar um ambiente favorável, acolhedor a todos os protagonistas da escola – direção, coordenação pedagógica, professores, funcionários, pai, alunos e comunidade, com decisões coletivas que envolvam gradativamente um número cada vez maior de pessoas no processo.

A LDBEN 9394/96 preconiza a democracia e a autonomia como alicerce para uma gestão democrática associada ao conhecimento, habilidade e atitudes frente aos desafios da gestão administrativa, financeira e pedagógica, possibilitando à gestão escolar democrática uma autonomia mais sólida baseada nos princípios da Constituição Federal – equidade, legalidade, moralidade, transparência e ética. Desta forma, o gestor assume a liderança da escola de maneira consistente e eficiente, primando sempre à qualidade da educação.

A gestão democrática atualmente vem ganhando força pautada em reuniões do colegiado escolar – conselho escolar, conselho de classe, grêmios estudantis, isso implica a comunidade envolvida no processo. Entretanto, o cuidado que se deve ter é qual a visão de democracia tem o gestor escolar?

Há pessoas trabalhando na escola, especialmente em postos de direção, que se dizem democráticas apenas porque são “liberais” com alunos, professores, funcionários ou pais, porque lhes “dão abertura” ou permitem que tomem parte desta ou daquela decisão. Mas o que esse discurso parece não conseguir encobrir totalmente é que, se a participação depende de alguém que dá abertura ou permite sua manifestação, então a prática em que tem lugar essa participação não pode ser considerada democrática, pois democracia não se concede: não pode existir “ditador democrático” (PARO, 2001, p.18 e 19).

 

Esta questão pressupõe a ideia que gestão democrática se constitui da coletividade dos indivíduos envolvidos num tempo e espaço em busca da unificação de um bem comum, atrelado às histórias de vida que momentaneamente se fundem com a convicção que o melhor será vivenciado, aplicado e conquistado com o propósito de elevar os índices da instituição escolar no qual está inserido.

Segundo PARO (2008) é preciso se despir de práticas antieducativas, a escola não precisa de gestor autoritário, de um chefe; a escola se faz com um colaborador, um multiplicar de ideias que tenha atribuições, espírito de liderança, compromissos e responsabilidades diante do estado, mas que, estes não sejam colocados acima dos demais.

Vale ressaltar que o gestor democrático é um líder que distribui demandas, acredita no potencial do outro, investi nas habilidades e competências dos envolvidos nas ações, avalia os resultados conquistados com vista na melhoria e, por fim, implementa os resultados transformando em potencial todos os pontos negativos ocorridos no processo.

GESTÃO DEMOCRÁTICA E O ENSINO APRENDIZAGEM

 

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a gestão da aprendizagem se caracteriza pela liberdade e responsabilidade para elaborar a proposta pedagógica atendendo às necessidades peculiares, incluindo currículo, organização escolar e zelar pela aprendizagem de seus alunos. Compreende-se a aprendizagem como a aquisição de competências básicas inerentes ao indivíduo para a sua inserção na sociedade de forma justa e igualitária, onde todos têm o direito de aprender.

 

Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:

I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

III - zelar pela aprendizagem dos alunos;

 IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;

V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;

VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Partindo deste pressuposto, o gestor escolar em meio às inovações pedagógicas contemporâneas, busca possibilidades proativas para delegar atividades pertinentes ao que concerne a gestão da aprendizagem significativa, tendo o projeto político pedagógico da escola como norteador das ações pedagógicas atendendo aos pilares da educação – aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

É notório o esforço da gestão democrática em direcionar suas ações nos resultados de aprendizagem dos alunos. Essa é uma análise que permeia o cenário da educação regional e nacional nas últimas décadas. É a concretização das ações políticas de valorização da aprendizagem como meta para a educação brasileira.

A aprendizagem precisa acontecer de forma prazerosa, e para isso, segundo Freinet, é essencial que o educador tenha a sensibilidade de perceber quando o aluno tem sede de conhecimento, caso contrário, será como falar com um surdo e, consequentemente, não haverá a assimilação e acomodação do conhecimento.

Se psicológica ou pedagogicamente não conseguimos bons resultados, é porque fazemos manobras erradas, como quem aprende a guiar e vira para a direita em vez de virar para a esquerda, sobe na calçada proibida, ou à noite lança o farol alto sobre o automóvel da frente, quando queria acender o farol baixo. [...] Manobra errada sobre o conhecimento. Ensinaram-nos que é como juntar um grão de areia após o outro, virar uma página depois da outra, colocar uma pedra em cima da outra. (FREINET apud LEGRAND, p.53).

A aprendizagem significativa se dá partindo da história particular do aluno como parte do processo de ensino, ou seja, as aulas devem e precisam ser ilustradas com a particularidade do aluno; é preciso que a valorização dos conceitos já adquiridos antes do ensino formal seja respeitados e citados como ilustração nas aulas; é preciso que os elogios sejam em abundância, sem restrições, destinados especificamente a cada aluno de maneira especial, assim ele se sentirá parte do processo; é preciso que toda informação dada seja vivenciada – teoria e prática quando andam juntas os resultados são engrandecedores; é preciso que os erros sejam vistos como parte do processo de construção do conhecimento; é preciso que o educador se aproprie das várias habilidades de seus educandos, ou seja, que conheça individualmente a maneira como cada um adquire o conhecimento – se de forma impulsiva ou reflexiva, de maneira flexível ou rígida; é preciso que o educando aprenda a aprender, que ele sinta a necessidade de continuar aprendendo. Para tanto, parece ser difícil a tarefa do gestor diante do processo ensino aprendizagem, mas, é preciso que o mesmo tenha ao seu lado uma equipe de docentes comprometidos com o direito de aprender do educando e, assim, viabilizarem  estratégias de ensino articulados com a prática e as especificidades de cada comunidade escolar.

As crianças têm necessidade de pão, do pão do corpo e do pão do espírito, mas necessitam ainda mais do seu olhar, da sua voz, do seu pensamento e da sua promessa. Precisam sentir que encontraram, em você e na sua escola, a ressonância de falar com alguém que as escute, de escrever a alguém que as leia ou as compreenda, de produzir alguma coisa de útil e de belo que é a expressão de tudo o que trazem nelas de generoso e de superior (FREINET apud LEGRAND, p. 65).

 

O gestor, por sua vez, como líder com a visão macro pedagógica da escola, sabe aonde quer chegar, “alguém que incentive o grupo a pensar, analisar, planejar e pôr a mão na massa para executar o que foi previsto (PROGESTÃO, 2011, p. 43)”. Significa dizer que o gestor é o condutor mestre da engrenagem, capaz de propor estratégias que permitam despertar o interesse de todos que fazem a escola a participarem da ação educativa com foco sempre na aprendizagem significativa.

Contudo, para ser esse condutor, o gestor dentro das ações já desenvolvidas por ele com vista na gestão da aprendizagem, é preciso organizar o trabalho escolar de caráter administrativo; organizar o ensino atendendo ao disposto na LDBEN/96 com foco prioritariamente ao que apresentem dificuldades de aprendizagem; organizar o tempo escolar atendendo ao disposto da LDBEN/96, “art. 24. Inciso I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais”, com tempo destinado a planejamento; e organizar o espaço escolar interno e externo da escola, visando à utilização dos espaços para atividades pedagógicas afins.

GESTÃO DEMOCRÁTICA FRENTE ÀS CONTRIBUIÇÕES DE FREINET

 

 

Célestin Freinet nasceu em 15 de outubro de 1896, na cidade de Gars, Alpes marítimos franceses, grande data hoje em que se comemora o dia do professor no Brasil, vindo de uma família de camponeses e pastor de ovelhas. Ingressou na escola em 1908, formou-se na Escola Normal de Professores na cidade de Nice. Devido a uma grave doença causada por gases tóxicos na primeira guerra mundial, Freinet foi hospitalizado de 1917 a 1920 e em 1921 iniciou sua trajetória com a educação como escritor e educador, partindo do princípio filosófico que o aluno deve viver e entender o mundo.  

Suas contribuições para a educação contemporâneas são inúmeras, visando a renovação de paradigmas tradicionais da época, inovando com aulas interativas partindo das necessidades de experimentações e documentações realizadas pelos alunos, objetivando dar ênfase à prática educacional centrada na criança com trabalhos manuais, acreditando que a experimentação propiciará à criança um conhecimento ativo, dinâmico e interativo.

Considerada uma das primeiras inovações, as aulas passeio tinham como objeto a interação com o meio, proporcionando posteriormente um encadeamento de ideias mediadas pelo professor e transformando-se em um texto produzido coletivamente sobre as concepções construídas pelos educandos. Nesta concepção os gestores escolares da rede municipal de Juazeiro/BA desenvolvem essa articulação entre o ambiente e o saber construído de maneira prazerosa, incentivando a equipe docente nos planejamentos a proporcionarem momentos de aprendizagem fora do espaço escolar, fora das quatro paredes da sala de aula. As aulas passeio proporcionam um aprendizado consistente onde o educando consolida a teoria e prática simultaneamente e, posteriormente, o conhecimento construído é exposto em forma de texto tanto individual como coletivo. Como exemplo prático desta dinâmica, a Escola Municipal Dois de Julho, no distrito de Maniçoba, realizou uma excursão à cidade de Exú/PE, com o propósito de conhecer a história de Luiz Gonzaga. O resultado desta excursão foi surpreendente: confecção de mural temático, confecção de jornal informativo, resgate de danças regionais, estudo sobre dialeto regional além de ampliar a comunicação entre os envolvidos. A Escola Municipal Eurídice Viana produz bimestralmente o Jornal “O Quipá”. Nele encontram-se dicas pedagógicas dadas pelos docentes aos pais, sugestões de melhorias para a escola feita pelos discentes, notícias sobre os acontecimentos pedagógicos e os resultados de cada turma no diagnóstico bimestral. O jornal é produzido pelos docentes e discentes no laboratório de informática da escola.

Outra inovação de Freinet, implementada pela gestão democrática da rede municipal de Juazeiro, foi o intercâmbio de correspondência denominada por ele como correspondência interescolar.

[...] pela qual uma escola comunica a outras o essencial desses testemunhos individuais, escolhidos de forma democrática em sala e editados coletivamente para sua comunicação. A comunicação, que equivale à socialização, torna-se instrumento por excelência do acesso à escrita (FREINET apud LEGRAND, 2010, p.16).

O intercâmbio de correspondência realizado pelas Escolas Municipais CAIC, Carmem Costa e Helena Araújo proporcionou aos discentes a valorização da carta, como instrumento de comunicação, a oportunidade de autoavaliação, autocorreção dos textos individuais e coletivos, a oportunidade de aula passeio nos ambientes envolvidos no processo e daí mais novidades para contar nas correspondências enviadas e, por fim, uma socialização das três escolas envolvidas na quadra da Escola Municipal CAIC, onde todos tiveram a oportunidade de se conhecer.

A gestão democrática enfatiza seu trabalho na coletividade de ações e ideias. Por este princípio, seu trabalho se consolida com o conselho escolar pautado nas orientações do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, eleição para gestores escolares, eleição de alunos para representantes de turma, unidade executora nas escolas através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/MEC. Esses colegiados partem da influência de Freinet sobre cooperativa.

[...] a cooperativa se torne um lugar de reflexão, de elaboração de projetos, de tomadas de decisão, de contabilidade e de avaliação das possibilidades futuras. Seu funcionamento requer a eleição de responsáveis e reuniões periódicas de discussão e controle (FREINET apud LEGRAND, 2010, p. 17).

As contribuições de Freinet na gestão democrática confirma a ideia de que o caminho percorrido por ele buscando a inovação, um ensino de qualidade, onde a experimentação era o anseio de promover o amplo desenvolvimento da criança, demonstra que a educação nacional  está no caminho certo, onde a valorização da educação e a qualidade do ensino são metas prioritárias no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Freinet introduziu sua pedagogia sobre aprendizagem há 92 anos e ainda continua atual em nosso contexto nacional. Suas experimentações, assim denominada por ele, enfatizaram que o professor é um mediador e o aluno é o sujeito da aprendizagem que se consolida em diversos ambientes. A conquista por ter em sala de aula não mais que 25 alunos, extremamente necessária, tendo em vista a dificuldade de se trabalhar com turmas numerosas e que, infelizmente, essa conquista atente apenas à Educação Infantil em nível nacional. 

Freinet trabalhava o que era da necessidade de seus alunos aprenderem, o que era significativo, que fazia parte do cotidiano das crianças por acreditar que o conhecimento se constituiria de maneira prazerosa, com participação efetiva das crianças, não havendo reservas de dúvidas sobre as informações repassadas. Para ele, “é bom qualquer método que abra o apetite de saber e estimule a poderosa necessidade de trabalho” (FREINET apud LEGRAND, 2010, p. 44).  Para tanto, é extremamente importante que o líder reconheça em sua equipe, os talentos, competências, habilidades e atitudes que contribuam com o processo ensino e aprendizagem dos discentes.

A pesquisa propiciou um entendimento macro sobre as contribuições de Freinet para a educação municipal no qual a gestão democrática como elo integrador da corrente educacional, é uma grande aliada no processo ensino aprendizagem. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LEGRAND, Louis. Célestin Freinet; tradução e organização: José Gabriel Perissé. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangano, 2010. 150 p.: il – (Coleção Educadores)

PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. 3ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2008.

GROSBAUM, Marta Wolak. Progestão: Como promover o sucesso da aprendizagem do aluno e sua permanência na escola? Módulo IV / Marta Wolak Grosbaum, Claúdia Leme Ferreira Davis; coordenação geral Maria Aglaê de Medeiros Machado. --Brasília: CONSED – Conselho Nacional de secretários de Educação, 2001.

Pernambuco. Secretaria de Educação. Construindo a excelência escolar: curso de aperfeiçoamento: Módulo III – Gestão democrática, instrumento de gestão e diálogo com a comunidade / Secretaria de Educação. – Recife: Secretaria de Educação do Estado, 2012. 51f.: il.

Pernambuco. Secretaria de Educação. Construindo a excelência escolar: curso de aperfeiçoamento: Módulo X – Competências e gestão de pessoas / Secretaria de Educação. – Recife: Secretaria de Educação do Estado, 2012. 50f.: il.

BRASIL. Casa Civil: Lei nº 9394/1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm acessado em: 31 de mar. 2013.



[1] Mestranda em Ciências da Educação pela Universidade da Madeira/Portugal. Pós-graduada em Psicopedagogia e Gestão Escolar, técnica da Secretaria Municipal de Educação de Juazeiro/BA, professora da rede estadual de Pernambuco. E-mail: [email protected]