Geografia nas séries iniciais: perspectivas e desafios na alfabetização geográfica, junto ao Curso Normal Médio Indígena Povos do Pantanal - MS

 

 

SÍNTESE DA EXPERIÊNCIA

 

 

O Curso Normal Médio Indígena Povos do Pantanal/SED-MS visa a formação de professores indígenas a partir de uma perspectiva intercultural e diferenciada. A segunda turma teve inicio no ano de 2011 com 40 cursistas matriculados das etnias Guató, Atikum, Ofayé e Terena.

O curso foi estruturado a partir dos seguintes componentes curriculares: Ciências Sociais; Língua e Lingüística; Matemática; Metodologias de Ensino; Ciências da Natureza e Cultura dos Indígenas da região do Pantanal desenvolvidos em diferentes etapas.

 

 

             1. Etapas do curso

 

 

O curso tem uma carga horária diferenciada, com a disponibilidade de tempo para execução das atividades propostas, estágio supervisionado e interação comunitária, sendo assim distribuído:

 

 

1.1.       Tempo Escolar (TE): É o período em que os cursistas deslocam de suas comunidades para desenvolver o estudo presencial dos componentes curriculares presentes no quadro do curso.  O TE ocorreu nos meses de janeiro e julho por um período de 22 e 15 dias respectivamente.

 

 

1.2. Encontros de Pólo: Serve de aprofundamento dos conteúdos estudados durante as etapas presenciais. O Encontro de Pólo ocorre nos meses de maio e outubro por um período de 3 dias.

 

 

1.3. Tempo Escolar na Comunidade (TEC): É o período em que o cursista desenvolveu suas atividades em sua comunidade de origem tendo um acompanhamento pedagógico.

O TEC envolveu ações e reflexões pedagógicas, além de atividades de pesquisa e relatórios que retrataram o conhecimento da realidade, a produção de materiais e sua ação docente.

 

 

2. Ensino de Geografia

 

 

            O Curso Normal Médio Indígena – Povos do Pantanal tem como componente curricular as seguintes áreas do conhecimento: Ciências Sociais, Línguas e Lingüística, Fundamentos da Educação, Matemática, Ciências Naturais, Cultura dos Povos Indígenas da Região do Pantanal, Metodologia do Ensino e Didática de Ensino e Estágio Supervisionado.

De acordo com estes componentes curriculares o ensino de Geografia está inserido no componente curricular de Ciências Sociais, junto com as ciências de História/Etnologia/Antropologia/Etnoarqueologia, que envolve um conjunto com outros ramos do conhecimento.

O Curso busca sempre trabalhar na perspectiva do professor pesquisador, onde o professor constrói seus instrumentos de pesquisa.

Nesta perspectiva o eixo de ciências sociais aborda os seguintes pontos:

            Etnocentrismo; Cultura; Mudança cultural; Cosmologia; História das aldeias indígenas de Mato Grosso do Sul e sua relação com os demais contextos históricos; Compreensão do funcionamento da sociedade brasileira; Estudo da legislação e dos direitos indígenas; Utilização da história oral do grupo, compartilhando e divulgando o confronto das diferentes visões e versões; Momentos de rupturas; Orientação e uso de fontes etnográficas, mapas, plantas e outros; Organização do espaço nas aldeias e sua relação com os entorno local, regional, estadual, nacional e internacional; Compreensão do espaço geográfico como uma totalidade que envolve espaço e sociedade, natureza e homem.

As propostas consideraram os conteúdos relacionados com as discussões presentes no RCNEI (Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas). Os eixos procuraram envolver aspectos relacionados com a chamada Educação Intercultural, Especifica e Diferenciada.

 

De acordo com o RCNEI:

 

Intercultural: Porque deve reconhecer e manter a diversidade cultural e lingüística; promover uma situação de comunicação entre experiências socioculturais, lingüísticas e históricas diferentes, não considerando uma cultura superior à outra; estimular o entendimento e o respeito entre seres humanos de identidades étnicas diferentes, ainda que se reconheça que tais relações vêm ocorrendo historicamente em contextos de desigualdade social e política.

 

Bilíngue/multilingüe: Porque as tradições culturais, os conhecimentos acumulados, a educação das gerações mais novas, as crenças, o pensamento e a prática religiosa, as representações simbólicas, a organização política, os projetos de futuro, enfim, a reprodução sociocultural das sociedades indígenas são, na maioria dos casos, manifestações através do uso de mais de uma língua. Mesmo os povos indígenas que são hoje monolíngues em língua portuguesa continuam a usar a língua de seus ancestrais como um símbolo poderoso para onde confluem muitos de seus traços identificatórios, constituindo, assim, um quadro de bilingüismo simbólico importante.

 

Especifica e diferenciada: Porque concebida e planejada com reflexo das aspirações particulares de cada povo indígena e com autonomia em relação a determinados aspectos que regem o funcionamento e orientação da escola não-indígena. (RCNEI, 1998).

 

A partir dessa organização a etapa do curso (Julho/2012) buscou discutir os seguintes eixos temáticos envolvendo o ensino de Geografia e o processo de alfabetização:

 

 

  • Atividade de pesquisa
  • Análise do Livro didático de Geografia
  • Planejamento – Ensino de Geografia para séries iniciais
  • Construção das propostas de trabalho

 

 

3. Etapa do trabalho

 

 

            Inicialmente os cursistas assistiram o filme “Escritores da Liberdade” (Freedom Writers, EUA, 2007) . O filme apresenta a atuação de uma jovem professora num contexto escolar marcado pela violência e descriminação.  Isto possibilitou a organização de um debate com os cursistas sobre os desafios e dilemas enfrentados pelos professores em sala de aula.

 

 

            3.1. Atividade de pesquisa

 

 

A atividade foi planejada com o objetivo de proporcionar a utilização de diversas fontes que estão a disposição do professor (livros, revistas, internet e principalmente a conversa com as pessoas mais velhas).

Neste sentido, foram organizado grupos para pesquisar as seguintes temáticas: O nascimento do Universo; Preservar a natureza, por quê? E por último a História da Maquiagem, sempre levando em consideração os conhecimentos universais e os conhecimentos tradicionais, de maneira que o cursista/professor pode explorar o máximo possível de cada conhecimento, sempre instigando a curiosidade pela pesquisa.

 

  • O nascimento do Universo

 

A pesquisa envolveu a discussão sobre questões que envolveram a origem do universo e do próprio homem. O objetivo era apresentar aos demais cursistas as teorias (religiosa e cientifica) da nossa origem, Com isso apareceram vários mitos de origem dos povos indígenas. Alguns povos presentes não se lembravam de seu mito de origem, no entanto o povo Terena apresentou uma versão do seu mito de origem, onde eles foram encontrados em um buraco por um pássaro e um ser conhecido como Orekajuvaká  retirou o povo Terena deste buraco.

 

  • Preservar a natureza, por quê?

 

Este tema foi escolhido pelo grupo, uma vez que o grupo alegou que muito se fala em preservar a natureza, mas não entendem o porquê. O grupo partiu da linha consumista, explicando o que é ser consumista e apresentaram para os demais que tudo que é consumido pelo homem, vem da natureza, e que este consumo desenfreado causa um desequilíbrio na natureza. Mostraram que a natureza precisa de um determinado tempo para se recompor.

 

  • A História da Maquiagem

                      

Buscar a origem de um objeto, animal, vegetal enfim qualquer que seja o ente é preciso muita pesquisa, e quando falamos de educação escolar indígena o tema torna ainda mais complexo, pois a visão e a vivencia de mundo que cada etnia tem difere muito. O tema a historia da maquiagem foi escolhido após uma brincadeira na sala, e após algumas pesquisas, os cursistas/professores descobriram que o tema maquiagem está relacionado com a vida dos povos indígenas desde sempre, os cursistas perceberam e relacionar muito bem os conhecimentos tradicionais e o conhecimento cientifico do tema escolhido.

 

 

Para o desenvolvimento da pesquisa foram organizados grupos de trabalho. A partir da escolha dos temas cada grupo utilizou a internet para obter as informações necessárias. Ao final da pesquisa cada grupo apresentou os resultados destacando os diferentes passos do trabalho (obtenção dos dados, sistematização das informações, organização da apresentação para os demais colegas).

 

 

3.2.       Analise do Livro didático de Geografia

 

 

Com o objetivo de mostrar o quanto é importante um livro didático e por mais que o tema abordado no livro não contemple a realidade da comunidade, o conceito universal pode e deve ser aproveitado, o principal objetivo desta analise é apresentar o quando é difícil apresentar dados específicos de apenas uma etnia, pois em nosso Estado, Mato Grosso do Sul, temos 09 etnias distintas, cada uma com seu modo de ver e vir e falar o mundo. E o papel do professor é fazer esta tradução do livro didático para a realidade local.

Apresentamos o livro A geografia de Campo Grande, destinado para o publico do 3º e 4º ano, e a coleção de livros De Olho no Futuro.

Com as perguntas: É possível utilizar este material na escola indígena? Os livros apresentam informações sobre as populações indígenas?de que forma eles são apresentados?

 

 

3.3.     Planejamento – Ensino de Geografia para séries iniciais

 

 

            Com o desenvolvimento da atividade de pesquisa os cursistas foram orientados na organização do planejamento de aula. Para auxiliar no desenvolvimento dessa atividade foi utilizado o site portal do professor – MEC.

            A partir dessa ferramenta de apoio os cursistas desenvolveram seus planejamentos tendo com eixo a interculturalidade com os seguintes temas:

 

 

  • A geografia de Miranda/MS
  • A geografia de Corumbá/MS

 

 

3.4.     Construção das propostas de trabalho

 

 

A última etapa de trabalho consistiu na organização e construção das atividades propostas nos planejamentos com o objetivo de analisar e compartilhar o material produzido (troca de experiências).

 

 

 

                       

3.4.1     A Geografia de Miranda/MS

 

 

A escolha do tema partiu após os cursistas/professores entrarem em contato do o livro A Geografia de Campo Grande, embora esta obra seja especifica do município de Campo Grande/MS, os cursistas puderam perceber como trabalhar a sua realidade, ligados a cada tema que o livro traz como proposta.

O grupo utilizou os temas: transporte, lixo e a parte física do município (relevo, fauna, flora e rios), relacionado ao 3º ano das séries iniciais,

A primeira dificuldade enfrentada pelo grupo estava relacionada a contemplação dos dados levantados, pois, Miranda é um município que possui 9 aldeias da etnia terena, e na construção do trabalho pedagógico os cursistas/professores de depararam com o seguinte questão. “Vamos apresentar todas as aldeias, vamos escolher apenas um?” Está é uma questão muito importante, uma vez que os cursistas/professores conseguiram visualizar quanto é difícil contemplar todas as aldeias do município, e começaram a repensar o livro didático, que não contempla todas as etnias e aldeias do Brasil.

Os temas apresentados estavam no livro A geografia de Campo Grande, então o tema foi copiado, mas os resultados não, uma vez que eles partiram da realidade de cada grupo para preencher os temas. Além da realidade do município, os cursistas/professores pesquisaram a realidade das aldeias também.

 

 

3.4.2     A Geografia de Corumbá/MS

 

 

A escolha do tema partiu após os cursistas/professores entrarem em contato do o livro A Geografia de Campo Grande, embora esta obra seja especifica do município de Campo Grande/MS, os cursistas puderam perceber como trabalhar a sua realidade, ligados a cada tema que o livro traz como proposta.

 

O grupo escolheu os temas: paisagem natural X paisagem humanizada e setores econômicos.  Ambos apresentados no livro destinado para o publico do 4º ano, aproveitaram os conceitos utilizados no livro para cada um dos temas, comparando uma paisagem natural e uma paisagem humanizada e mais importante mostrando em qual contexto esta as populações indígenas no município.

Em relação aos setores econômicos o grupo apresentou a classificação dos setores: primário, secundário e terciário, trazendo para a realidade do município, mostrando como estes setores são preenchidos no município de Corumbá, também expuseram a realidade da aldeia Uberaba (etnia Guató), como os moradores da aldeia vivem economicamente e utilizando as categorias primárias, secundárias e terciárias, fizeram uma classificação para os moradores da aldeia.

 

 

4. Considerações finais

 

 

A formação de professores indígenas envolve varias frentes de trabalho, uma vez que o professor indígena é o intermediador de culturas. O curso Normal Médio Indígena – Povos do Pantanal possibilita que o cursista/professor apresente o panorama indígena de educação confrontando com o conhecimento cientifico ou ocidental, sempre na perspectiva intercultural e diferenciada.

No Entanto estes conteúdos, tanto indígena como não indígena devem obedecer algumas regras para o seu melhor aproveitamento, entre as regras podemos destacar o planejamento, pois, bem organizado não deixa o ensino perder a qualidade.

O livro didático também é uma boa ferramenta para a melhor aplicação de aula, más, ele também é um desafio para ser posto em qualquer comunidade, principalmente por ser um instrumento que está direcionado aos grandes públicos, e no nosso trabalho de formação de professores indígenas, é ainda mais difícil encontrar livro didático especifico para cada etnia ou comunidade, no entanto podemos concluir com a fala da cursista Ingrid, que o livro didático é uma ferramenta de apoio, que seu conteúdo deve ser ampliado com os conhecimentos do professor.

“Ao analisar o livro de Geografia no qual concluímos que é possível trabalhar com o material, mas não fugindo da realidade da comunidade, ou seja, adaptar a realidade indígena” cursista Ingrid, índia terena da aldeia Brejão município de Nioaque/MS.

Assim utilizamos diferentes ferramentas de apoio (livros, artigos, revistas, internet...) possibilitou o planejamento e a organização de um conjunto de ações com o objetivo de explorar um universo multicultural.