INTRODUÇÃO

Geografia de Dona Benta é uma obra do grande escritor brasileiro Monteiro Lobato, que tem função Paradidática, ou seja, o ensino de alguma ciência (neste caso a Geografia), de forma divertida e didática. Lobato foi o autor que primeiro se preocupou em escrever para as crianças, pois acreditava que nelas se depositavam as esperanças de mudança do mundo.
"A criança é um ser onde a imaginação predomina em absoluto", defendia. O meio de interessá-la é falar-lhe à imaginação. Escrever para crianças! - exclamou em resposta a um repórter ? é admirável... Elas não têm malícia, aceitam tudo, tudo compreendem." (PROJETO MEMÓRIA)
É necessário destacar, muitas vezes, o autor faz uso de explicações da ordem do "senso comum" para dar um caráter mais "heroico" a alguns fatos históricos. Acredita-se que esse comportamento é observado pelo fato da obra ser destinada a crianças, o que não justifica o mesmo, se pensarmos no âmbito científico. Se o objetivo é o ensino de uma ciência, a realidade deve ser mantida mesmo se utilizando técnicas lúdicas, para que a criança cresça com a mente aberta, livre do fantasma da anti-ciência, que assombra nossa sociedade desde os tempos mais remotos.
Em todo caso, em relação a termos técnicos, o autor faz o uso devido da ciência e transmite um amplo conhecimento, até mesmo para adultos, já que utiliza uma linguagem simples e métodos eficazes para este propósito.
Esse trabalho tem por objetivo, uma análise geral desta obra literária, visando destacar os pontos positivos e negativos da mesma. Bem como, uma crítica mais específica, tendo em vista os aspectos geográficos, que é o assunto mais evidente.

1. GEOGRAFIA DE DONA BENTA, MONTEIRO LOBATO
O livro de Monteiro Lobato, Geografia de Dona Benta, faz parte da coleção de livros de Literatura infantil do autor, conhecida como Paradidática[1], técnica a qual ele foi pioneiro. A obra possui trinta capítulos, sendo que, os cincos primeiros são destinados à explicação de termos mais científicos e o restante, descreve as viagens de "O Terror dos Mares" (navio de faz-de-conta, em que os personagens embarcam para estudar a Geografia do Mundo).
O autor fazia parte da Escola Pré-Modernista[2] de Literatura, embora não tenha se destacado na mesma, pela dificuldade encontrada em se expor críticas sociais (direta ou indiretamente) para uma sociedade tão embasada em uma mentalidade colonial e atrasada. Por esse motivo, Monteiro Lobato foi impulsionado a começar escrever para as crianças, pois assim, poderia estimular os pequenos a crescerem vendo o Mundo com outros olhos. Por isso, seu livro possui uma linguagem simples e de fácil entendimento.
Outro ponto relevante é o fato de Lobato, utilizar-se de termos mais comuns às pessoas, para explicar termos técnicos, ou seja, baseia-se em objetos conhecidos, para explicar os desconhecidos. Isso pode ser observado em vários trechos da obra, como por exemplo, quando Dona Benta explica os pontos cardeais, utilizando a casa do sítio como referência (Capítulo II ? A Terra vista da Lua, pág.11).
A compreensão da obra é facilitada em muitos aspectos e geralmente, a explicação de um fato remete a outro. Assim, é necessário adquirir uma visão mais ampla do assunto, para que se possam entender todos os termos que estão sendo discutidos.

2. A QUESTÃO DO PETRÓLEO
Embora o livro seja escrito em terceira pessoa, o narrador aparece em poucos trechos. Na maior parte do tempo, Dona Benta em interação com seus netos, "narra" toda a História. Nesse ponto, pode-se perceber de forma bem clara, a opinião real do autor sobre cada assunto abordado, embora ele demonstre imparcialidade ao falar, na maioria dos casos. Isto não acontece, por exemplo, quando descreve cidades, estados ou países, que eram ricos em petróleo e que utilizavam comercialmente o combustível, percebemos implicitamente a opinião pessoal do autor e uma supervalorização dessa questão.
Para entender melhor esse fato, é preciso contextualizar a época em que Geografia de Dona Benta foi escrita com o cenário histórico que se passava na vida de Monteiro Lobato. A publicação data de 1935, tempos em que o autor travava uma luta, com os "grandes" do Brasil, que queriam manter em segredo a questão do petróleo no país. O escritor discordava desse modo de pensar e defendia sua exploração a qualquer custo. Por isso, em seus escritos, ele referia-se a áreas prósperas que utilizavam o combustível, como forma de ilustrar o que em tese, aconteceria ao Brasil se fizesse o mesmo:
"Num auditório abarrotado em Belo Horizonte, Lobato resume: Compreendi ser o petróleo a grande coisa, a coisa máxima para o Brasil, a única força com elementos capazes de arrancar o gigante do seu berço de ufanias" (PROJETO MEMÓRIA)

3. CARACTERÍSTICAS GEOGRÁFICAS DA OBRA
Com relação à questão que mais interessa no momento, pode-se dizer que Geografia de Dona Benta, não é um livro indicado para se analisar esse assunto sob a visão acadêmica, já que essa ciência mudou, e muito, desde que esta obra foi escrita. A maioria dos dados presente na mesma encontra-se ultrapassados em termos de números e das previsões que Monteiro Lobato faz. Um exemplo pode ser percebido quando ele fala da URSS, fazendo um sutil comentário sobre o futuro progresso da mesma, o que Lobato e a maioria das pessoas da época não contavam, era com o fim dessa nação, após Queda do Muro de Berlim e fim da Guerra Fria, em 1989.
Esse livro apresenta resquícios da Geografia descritiva[3], já que o escrito é de 1935 e a Geografia Moderna, começada por Milton Santos, só foi apresentada a partir de 1986. Trata das desigualdades sociais, utilizando uma comparação entre homens e formigas (Capítulo IX - Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, pág. 32).
Ainda no âmbito geográfico, mas partindo um pouco pra história, o autor descreve o Descobrimento do Brasil, tal qual o senso comum. Apesar do sentimento nacionalista que Lobato apresentou durante toda sua vida e de utilizar-se da verdade para ensinar às crianças (assim como fez na explicação da origem do Universo) nesse aspecto, o escritor peca (Capítulo IX - Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, pág. 35).
A obra apresenta também inúmeros dados Geológicos e citações de muitos outros livros dos mais variados autores como: A volta ao mundo em 80 dias e Os filhos do Capitão Grant, Júlio Verne; A Fome, Rodolfo Teófilo; Os sertões, Euclides da Cunha; A filha das neves, Jack London; The Jungle Book, Rudyard Kipling; entre muitos outros. Livros esses que, como ficou claro, acompanharam-no durante toda sua juventude, e inspiraram grande parte de sua obra.

4. A QUESTÃO AMBIENTAL.
No início do século XX, a questão do meio ambiente não era um forte. A maioria das pessoas pregava uma exploração descontrolada e sem limites, visando lucros. É possível, que esse jeito de pensar, tenha feito parte da vida de Monteiro Lobato, pois em muitas partes do livro, pode-se perceber certa inclinação para essa metodologia.
Vale a pena transcrever uma pequena parte, para ilustrar melhor a afirmação:
"Sábios consideram a Amazônia uma terra ainda em formação. (...) Dia virá, porém, em que o homem há de conquistar aquela bacia para transformá-la na mais maravilhosa das fazendas".
Por esse trecho pode-se avaliar, que o autor defende a exploração da Amazônia. Existem partes, em que há um incentivo à caça e utilização da pele de animais silvestres (Capítulo XVI Terra Nova, Canadá e Círculo Ártico ? pág. 65), à exploração de pinheiros para fazer papel (Capítulo XVI Terra Nova, Canadá e Círculo Ártico ? pág. 65) e a desvalorização da espécie animal, pois Quindim é utilizado para ganhar dinheiro de forma humilhante (Capítulo XIV Os Andes, Vulcões e Nova Iorque pág. 57).
Não se pode, porém, condenar esse tipo de pensamento na época, pois desde que a Revolução Industrial chegou a seu auge, e os países Imperialistas se lançaram a outros países em busca de matéria-prima, a exploração, foi a palavra chave. Para que se preocupar com termos como: Desenvolvimento Sustentável ou Preservação do ambiente, se os lucros eram tudo que visavam? Por esse tipo de atitude, as gerações que procederam a esse período já vinham com uma ideia pré-determinada de exploração como fonte de renda. A maioria, não se preocupava, pois a matéria-prima era abundante e "infinita".
"Podemos depreender da citação que essas relações ambientais, surgidas em meados de 1972, somente a partir do Relatório de Brundtland, têm seu marco inicial devido à disseminação do conceito de desenvolvimento sustentável, em 1987." (MOURA, 2010)

5. AS DESCOBERTAS IMPERIAIS.
Deixando de lado a questão ambiental e continuando a discussão sobre as Descobertas Imperiais, existem dois trechos, em que se percebe claramente uma referência a esse tema. Um em que Pedrinho assume um caráter imperialista, e fala em derrotar os índios e impor seu nome ao continente conquistado (Capítulo XVI Terra Nova, Canadá, Círculo Ártico pág. 67) e outro em que Dona Benta fala da Grécia:
"A Grécia foi um clarão, cuja luz até hoje ilumina o mundo. Quando eu digo ?mundo? refiro-me ao Ocidente, porque para o orgulho do Ocidente o resto do mundo não é mundo". (Capítulo XXV No Mediterrâneo ? pág.109).
Não é possível saber claramente a opinião do autor sobre esse tema, pois em contraposição a esses dois trechos, existem outros dois, que entram em contradição. É interessante transcrevê-los, pois os mesmos são os mais críticos da:
"Os grandes povos da Europa consideram-se os primeiros do mundo porque dominam os fracos. Mas dum ponto de vista mais elevado, o simples fato de ainda serem povos guerreiros, isto é, dos que só conseguem as coisas por violência, prova que estão muito longe do que constitui a verdadeira civilização". (Capítulo XX A velha China ? pág. 83).

"(...) O grande período das Conquistas, que na História figura como o mais heroico de todos, não passa do período em que a Pirataria Organizada alcançou seu apogeu. (...)". (Capítulo XXII Oceania ? pág. 96).
Outro ponto interessante E até mesmo irônico é quando o autor fala sobre a escravidão, no Capítulo XXIV Mar Vermelho e África ? pág.105. Monteiro Lobato trata o assunto de uma forma "romântica", já que conta que a escravidão foi algo tão horrível e a tragédia que ela causou foi tão grande, que os ingleses por "arrependimento", tomaram a dianteira e fizeram leis pra acabar com o comércio dos navios negreiros. É verdade que os ingleses fizeram mesmo um combate ao tráfico negreiro, mas com certeza não foi por arrependimento ou algo do tipo, e sim, por pura ambição comercial[4].

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obra de Monteiro Lobato, Geografia de Benta, é um livro que apresenta características Geográficas, que pouco podem ser aproveitadas nos dias de hoje, cientificamente falando. Isto demonstra que, ao contrário do que muitos pensam, a Ciência Geográfica é totalmente mutável, não só no seu método de ensino, mas principalmente, na sua forma de enxergar o mundo e as relações sociais que o movem. Em todo caso, quando analisamos o objetivo principal da literatura lobatiana, que era despertar o interesse das crianças pelos elementos que nos cerca, a obra é totalmente válida.
Através de críticas sutis, dados históricos (nem sempre contados pela versão histórica, e sim pela popular), dados geográficos, entre outros, o autor induz as crianças a crescerem com uma visão diferente do mundo. Num momento em que a realidade das escolas era a presença de professores carrancudos que passavam as matérias de forma maçante e metódica, perceber a Geografia pelos olhos dos personagens do sítio era algo inimaginável para as crianças. Está claro que a obra apresenta falhas, e se fossemos trazê-la para os dias atuais, muitas coisas precisariam ser mudadas ou adaptadas, mas para a época em questão, a mesma foi um marco importante.
Não se pode esquecer a magnitude dessa grande figura nacional (Monteiro Lobato), que teve influência não só na Literatura Brasileira, mas também no âmbito político e social, e que nos presenteou com a magia de obras que perduram até os dias de hoje.


BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS
CIDADE DE CANTANHEDE ? MA ? BRASIL ? Dia do Livro Infantil. Disponível em: http://www.cantanhede.ma.gov.br/2009/todas-as-materias-especiais/602-especial-de-domingo-dia-do-livro.html. Acessado em: 15/07/2011.

HISTÓRIA DO MUNDO ? URSS: União soviética ? Disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/urss.htm. Acessado em 15/07/2011.

LUCCI, Elian Alabi ? Uma visão Premonitória: Homenagem ao Geógrafo Milton Santos ? disponível em: http://www.hottopos.com/mirand13/elian.htm, acessado em 29/03/2008.

MOURA, Mara Aguida Pofírio ? Abordagem Epistemológica da Gestão Ambiental. I Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental: Bauru, SP, novembro 2010. Disponível em: http://www.ibeas.org.br/Congresso/Trabalhos2010/I-004.pdf. Acessado em 15/07/2011.

PROJETO MEMÓRIA ? Monteiro Lobato e a Juventude ? Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/. Acessado em 15/07/2011.

SUERTGARAY, Dirce M. A ? Geografia, Transformações sociais e engajamento profissional: O trabalho do Geógrafo no Brasil ? Scripta Nova: Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Vol. VI, n. 119, agosto de 2002. Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119139.htm, acessado em 28/03/2008.

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[1] Literatura Paradidática: destinada às crianças, visa o ensino de matérias como: matemática, história, geografia, entre outras, de forma divertida.
[2] Pré-Modernismo: Estilo Literário em que as obras de Monteiro Lobato estão inseridas. Não é considerada uma Escola Literária, mas sim, um período de transição entre essas.
[3] Geografia Descritiva: Método geográfico antigo que não assumia compromisso, com a questão da transformação social. Foi substituída pela Geografia Crítica.
[4] Durante a Revolução Industrial, os ingleses, foram os pioneiros na transformação de matéria-prima em materiais manufaturados. Ao passo que aumentava a produção, eles precisavam que alguém consumisse esses produtos. Enquanto os escravos continuassem escravos, não poderiam fazer isso, pois não eram assalariados. Foi então que resolveram defender o fim da escravidão, para que aumentasse o número de pessoas economicamente ativas, que pudessem comprar seus produtos e aumentar assim, seus lucros.