Antonin Artaud






"Não quero que ninguém ignore meus
gritos de dor e quero
que sejam ouvidos"

                                                                    

                  

                    Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica

 

 

 Regina Maués Machado

     

 

              

                            Genialidade e Loucura: Antonin Artaud

 

 

 

 

 

 

 

 

                                  Universidade Veiga de Almeida

2010

 

                

                 Regina Maués Machado

 

 

 

                                                                                       

 

 

 

 

 

 

           

                                                                                                                             

 

 

 

 

 

 

 

 

  Agradeço pelo apoio e compreensão das professora Gergina Cerquise e Aline Drumond que possibilitaram a realização deste trabalho.

 

 

 

 

 

 

          Resumo

          A pesquisa Antonin Artaud que pretendia analisar as vantagens da presença da arte no tratamento de doenças mentais torna-se, a partir da perplexidade e indignação de um paciente artista para com as contradições do mundo e para com a sua própria doença, a partir de sua revolta e abismo individual, e, ao mesmo tempo, a partir de sua genialidade, uma busca apaixonada sobre sua vida e obra, marcada por sintomas de meningite durante a infância, e por drogas e sessões de eletrochoque na fase adulta. Como postula Nise da Silveira, “É necessário se espantar, se indignar e se contagiar. Só assim é possível mudar a realidade” Artaud é assistido por especialistas, que o estimulam na produção de sua arte, em seus piores momentos. Seus altos e baixos revelam, entre tantos outros elementos importantes para a psicanálise, suas corajosas e repetidas tentativas de reinserção. Sua obra evidencia um Eu, que sem ela estaria sempre oculto. Através de textos, desenhos e peças, o artista- paciente guia a escuta.

Palavras-chave: Artaud. Arte. Artista.Psicanálise. Reinserção.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

          Abstract

         This research about Antonin Artaud that aimed to analyze the advantages of art in the treatment of mental illness, turned out to be one more testimony of what affirms Nise da Silveira:  “It’s necessary to get shocked, to revolt and to contaminate:  the only way to change reality.” The artist perplexity and indignation towards the contradiction of the world and towards his illness, towards the abysm of his life, and, at the same time, his geniality, guide the researcher through his work that is marked by symptoms of meningitis in his childhood and drugs and electroshock sessions later. Artaud is helped by specialists that stimulate him on his art production in his worst moments. His ups and downs reveal, among so many other important psychoanalytic elements, his courageous and repeated tries of reinsertion. Without his work, his self would have remained unrevealed. It is through his texts, drawings and plays, that the artist-patient guides our listening.

Key-words: Artaud. Art. Artist. Psychoanalysis. Reinsertion.


 

 

Sumário

 

 

 

Introdução                                                                              7

1.Antonin Artaud:  História de vida e obra..............................9

1.1   Família e enfermidade de Antonin Artaud............................14

2.Melancolia? Esquizofrenia? Genialidade?............................19

2.1. Sua saúde e doença por ele mesmo......................................26

2.2. Artaud: Seu Teatro e seus Personagens............................29

3.Artaud e os médicos.......................................................... 36

4. O delírio criativo................................................................42

5- Conclusão.........................................................................50

6-Bibliografia.........................................................................52

7- Anexos..............................................................................54

 

 

 

 


              Introdução

                                                          

Antonin Artaud não precisa de grandes apresentações. Não há no mundo da literatura, do teatro, da filosofia, quem não o conheça pelos seus controvertidos e admirados trabalhos, pelo seu modo peculiar de ser, de se comportar, de ver o mundo a seu redor.

Sobre a sua genialidade, sua obra é o testemunho. Muito se escreve sobre o autor mas não é fácil encontrar bibliografia traduzida para o português.  Além disso, é difícil f achar documentos que registrem informações confiáveis sobre sua doença, o que poderia ser útil para aqueles que tentam melhor compreender ambos, gênio e paciente, no decorrer de uma vida complicada, cheia de momentos de tristeza, decepção e revolta, mas felizmente, não ausente de reconhecimento. Artaud sabe de seu talento e, se não vê  recompensado financeiramente, sabe ao menos que o produto de seu trabalho é reconhecido.

Apesar dos obstáculos, este texto se dedica primeiramente, não a uma aproximação do seu quadro clínico, mas das construções extraordinárias do artista que evidenciam que a arte se constrói não a partir da doença, mas a partir da busca pela saúde. Esta pesquisa se pretende uma homenagem a coragem de um paciente genial, consciente de suas limitações, que luta como pode para mostrar à sociedade que há muito mais entre o homem e o louco do que supunha a nossa nada vã psiquiatria.           

Artaud tem amigos e admiradores que o acompanham de perto, mesmo durante seus períodos de internação. Vê o interesse pela publicação de sua obra. Talvez não fosse mais dono de uma compreensão suficiente para se sentir bem com isso. Para ele, felicidade e realização talvez fossem termos banais demais para quem já havia sofrido e, demasia. O fato é que teve toda a sua obra publicada e continua vivo e atual, principalmente no mundo do teatr. Seus gritos de dor, como formulou, foram e são ouvidos e desdobrados nesta pesquisa.

                                    “Porque o fim é o começo, e é o mesmo fim que elimina todos os meios.”

                                               Artaud Antonin. Oeuvres. Paris, 2004 Ci- Git, p.1152

 

 


 

Capítulo I   Antonin Artaud:  História de vida e obra

 

1896: nasce Antoine Marie Joseph Paul Artaud, em Marseille. Ele e o primeiro dos nove filhos que teriam Antoine Artaud e Euprhasie Nalpas, sendo que só três filhos sobreviveriam.

1901: Aos cinco anos de idade, Artaud sofre de meningite.

1905: Ele tem 10 anos quando perde sua irmã Germanine que tinha só sete anos de idade. A perda da irmã marca muito a vida de Artaud.

1910: Louis des Attides é o pseudônimo que usa em uma revista literária para lançar seus primeiros poemas. Artaud é leitor de Charles Baudelaire, de Arthur Rimbaud e de Edgar Alan Poe.

1914: Antonin Artaud tem forte crise de depressão. Desfaz-se de textos e livros e passa pela primeira vez por um sanatório, o de Rouguière, perto da cidade de Marselha. Seu diagnóstico é o de “Neurasthénie Aiguë”[1]. Esta será a primeira das numerosas passagens por casas de saúde.

1916: Convocado para o alistamento no exército, Artaud é dispensado nove meses depois por não ser considerado saudável.

1917: Passa por estações de cura e é submetido a tratamentos antissifilíticos, que também lhe deixarão seqüelas.

1918: Período de internação a Chanet, estabelecimento especializado em doenças nervosas, em Neuchâtel, na Suíça. Aqui, Artaud pinta e desenha paisagens e retratos. Infelizmente, para combater dores e angústia, o láudano, medicamento a base de ópio, lhe ministrado pelo doutro Dardel e Artaud passará muito tempo de sua vida em curas de desintoxicação para a dependência química.

1920: Nova possibilidade de melhoras com o doutor Toulouse, médico chefe do asilo de Villejuif que buscava estudar os “mecanismos dos gênios” como os escritores Zola, Mallarmé entre outros. O doutor não só dirige o asilo de Villejuif, mas é também responsável pela revista Demain, para a qual Artaud passará a escrever artigos sobre arte e literatura, sendo estimulado por seu próprio médico. Artaud deixa Chanet logo no início do ano. O médico, que se interessa bastante por Artaud, após sua saída de Charnet, o que recebe em sua casa. Muitas são as cartas escritas por Artaud a ele e a sua esposa.

1920/1921:  Faz parte da companhia de teatro L’Atelier de Charles Dullin.

1922: Conhece Gênica Athanasiou, comediante que faz parte da companhia e por ela se apaixona. Esta relação duraria até 1927. Participa de peças e filmes. Colabora com a revista “La Révolution surrealiste”. O pai de Artaud morre em 1924 e sua mãe se muda para Paris.

1923: De 1923 a 1927, Artaud troca de companhia (de Dullin vai para Tric-Trac du Ciel), faz teatro, escreve poemas, lança uma revista (Bilboquet), atua no cinema no curta-metragem de Claude Autant-Lara, publica o ensaio Comédia: A Evolução do Teatro, Começa a fazer parte, a convite de André Breton do grupo surrealista e assina manifestos do grupo. Entre 1925 e 1927, Artaud escreve, interpreta e funda, com seu grupo e colaboradores, o Teatro Alfred Jarry.

            Artaud é expulso do grupo de surrealistas em 1927 por causa de seu texto Au grand jour. Responde à expulsão à qual não parece dar importância, com um outro texto, o Bluff surréaliste. Dá continuidade a seu trabalho no teatro, escrevendo e encenando. O Doutor Toulouse o incentiva a desenhar. O retrato aqui anexado é de uma interna. O olhar, no entanto, é do próprio Artaud. O médico, reformador da instituição psiquiátrica, reconhece em seu paciente um grande artista. Com a sua participação no filme Napoléon, dirigido por Abel Gance, marca a sua participação no cinema e se torna conhecido. Os papéis no teatro se sucedem.

           No mesmo ano, passa um breve período em Marselha para desintoxicação.  Ele começa e interrompe após 10 sessões, seu acompanhamento psicanalítico com o Dr René Allendy. Tem acessos de delírio e períodos de extrema lucidez que se misturam às suas viagens com as drogas e à sua revolta contra a doença que o marginalizam aos olhos do mundo.

               

Fui doente durante toda a minha vida e quero continuar assim, porque os estados de privação da vida sempre me ensinaram muito mais sobre a superabundância de minha força, que as crendices pequeno-burguesas da boa e adequada saúde.[2]

 

1931: Artaud apresenta na Sorbonne a convite de seu Médico René Allendy, sua conferência La mise en scène et la métaphysique. (A encenação e a metafísica.)

1932: Primeiro manifesto do Théatre de la Cruauté. Mais um tratamento de desintoxicação.

1933: Segundo Manifesto e nova conferência: O Teatro e a Peste.

1935: Fracassa com a peça Os Cenci e conhece Cécille Schramme, uma atriz belga que se torna sua noiva.

1936: Viagem ao México, especialmente marcada pela sua iniciação ao rito de Peytol - o peuyote, híkuli na língua dos Tarahumaras, é uma planta alucinógena de uso restrito que os Chamanes ministram como unguento para curar doenças - que influenciará seus futuros trabalhos. Tenta participar da vida cultural, social e política do país. Visita museus e dá conferências universitárias, escreve artigos para jornais e vai para o norte do México onde tem contato com os índios Tarahumaras.  Artaud busca inspiração na cultura de um povo que possui, segundo o próprio Artaud, a mais civilizada cultura do planeta, seja pela sua espiritualidade, seja pelo seu respeito ao outro e à natureza. Curiosidade, vontade de aprender e compreender o mundo o levam até à Irlanda.

1937: Interrompe seu relacionamento com Cécile Schramme, talvez a única mulher com a qual tenha tentado estabelecer uma relação afetiva. Na Irlanda é obrigado a deixar o país por desrespeito à ordem pública. Naquele país, Artaud em seus surtos é Saint Patrick, padroeiro dos Irlandeses. Com uma bengala na mão, discursa para os passantes em uma língua que conhece pouco. No período em que passa na Irlanda,  escreve cartas ofensivas, rancorosas e vingativas em meio a discursos confusos sobre variados assuntos. São seus “sorts”: textos que falam sobre seu desejo de perder toda e qualquer identidade enquanto escritor. (Anexo A página 54) Acompanhados de um sinal triplo, o símbolo do sexo feminino que é o do planeta Vênus, aumentado por um traço oblíquo que sobe e cobre dois triângulos, seus primeiros “sorts” anunciam uma longa fase de isolamento.

1943: Primeiras séries de eletrochoques. Escreve ”Le rite du Peyotl”. Muito marcado pela sua viagem ao México e pelo contato com os índios, Artaud desenvolve todo um texto sobre linguagem e corpo.

1944: Sempre internado escreve a continuação sobre a viagem ao México e tem um período de produção intensa de desenhos e textos em seus cadernos. Começa a desenhar com grafite. Traduz e adapta poemas de Edgar Alan Poe.

1946: Como resultado de incessantes intervenções dos amigos que se mobilizam para que ele possa sair de Rodez, Artaud se reintegra à sociedade. Passa a morar em uma clínica, mas goza de liberdade. È muito bem recebido não só em encontros e debates, mas também pela publicação de suas Oeuvres Complètes pela Editora Gallimard entre as quais, a que data deste ano: Uma viagem ao país dos Trahumaras. Entre outros famosos que o apóiam estão Bataille, Picasso, Camus, Sartre, e Beauvoir. O artista possui questões a serem trabalhadas. Investe nestas questões. Passa anos refletindo sobre um mesmo elemento, aprimorando suas ferramentas técnicas e seu discurso literário. Desenha e escreve, mas não se perde, não perde o foco dizem seus admiradores. Artaud é reconhecido em sua própria “estranheza”, pela sua sensibilidade e arte.

1947/48: Exposição de desenhos e pinturas, a redação do famoso texto Van Gogh le suicidé de la société e ainda a gravação do polêmico texto radiofônico Pour en finir avec le jugement de dieu, que teve a transmissão proibida. Ano ainda da conferência Frente a Frente. Artaud choca seu público, agora com a volta do Artaud que não é Artaud, mas Artaud- Momo.

1948: Antonin Artaud é encontrado morto em seu quarto. Overdose? Suicídio?


 

 

1. 1  Família e enfermidade de Antonin Artaud

 

 “Você se conhece, mas nós te vemos, nós vemos bem o que você faz!”

“Sim, mas vocês não vêm meu pensamento.”

 

Perseguido por fortes dores de cabeça, uma de suas queixas mais comuns durante toda a vida, Artaud teve meningite na infância, aos cinco anos. Suas convulsões e problemas neurológicos fazem com que aos 19 anos ele seja internado pela primeira vez. O artista passa pelas mãos de um bom número de psiquiatras e psicanalista durante sua sofrida vida. Primeiramente diagnosticado como portador de uma neurastenia, numa época em que o conhecimento sobre doenças nervosas era insuficiente e controverso, também Artaud é vítima de tratamentos que não resolvem absolutamente seu problema. Sua sorte, no entanto, parece ter sido a de poder contar com bons profissionais que o estimulavam em suas produções, o que permitiu que o paciente falasse através das imagens, dos textos, dos movimentos.

Freud alertava para a grande quantidade de detalhes prevendo a impossibilidade de chamar tantos quadros clínicos pelo mesmo nome. Caracterizou a “neurasthénie” como estado de fadiga psíquica com a presença de dores de cabeça, dispepsia, constipação, parestesias espinais e empobrecimento da atividade sexual. Ele a inclui no quadro de neuroses, próxima à neurose de angústia[3]. Uma neurose “específica” para o pai da psicanálise.

Antonin, atormentado pelas dores, pelo que parece, teve sua vida sexual reduzida, muito provavelmente já por causa da doença, agravada talvez, após a desilusão amorosa e o rompimento com sua noiva.  O rompimento pode ser entendido como fator que traz a causalidade periférica que contribuiu para que seu estado de saúde tenha se agravado, não por acaso, no ano seguinte a este acontecimento, quando Artaud passará a negar a união entre os corpos.

Exemplificando melhor, apresentamos o texto do próprio Artaud, no qual explicita o que entendia sobre a relação entre um homem e uma mulher:

 

Fui um homem que quis ser amado com meu coração e para ele e todas as mulheres me deram as costas porque elas só compreendem o amor sensual e a partir do momento em que tentamos dar-lhes a alma, elas não o querem e o tomam por um tolo e um idiota.[4]

 

E não é esta também a temática do amor Cortez?  Conseguem as mulheres compreender um amor sem sexo? É possível receber a “alma” sem o corpo, fora dos textos literários? Artaud viveu cercado de mulheres sem ter com elas relação satisfatória? Ele não consegue estreitar laços devido a sua própria doença? Essas são as interrogações que parecem pertinentes para com a estrutura clínica do artista.

Então, o poeta prossegue e “extrapola”, e os críticos e médicos tomam textos e comportamentos como sintomas que indicam que algo vai mal.

 

Quando os sentidos e os corpos se misturam, a alma e o coração se retiram... E amar de um amor eterno e não um amor curto, de passagem, ou não vale a pena amar e não é amor, mas bestialidade.[5]

 

Sempre romântico, mas com este toque final digno de um dandy, o artista tolera cada vez menos o sexo. Quem o pratica perde a alma e o coração e assim não ama eternamente. Não chega nem a amar. Artaud critica em Berlim o que chama de “obsessão de erotismo”. Convém ressaltar que, na psicose, coforme teorização lacaniana, o sujeito psicótico está fora da norma fálica, que demonstra a foraclusão do nome do pai, o que impossibilita a relação sexual, na medida em que o inconsciente está a céu aberto e a castração, foracluída. Artaud teve várias mulheres a seu redor. Teria sido um sedutor, mas não um amante? Sedutor por ter o real como expressão nas palavras escritas, e com elas, encantar as mulheres como tantos poetas?

          No tempo em que passa internado em Rodez, Artaud escreve cartas frequentemente. Escreve a seus ex-médicos, a amigos, à sua mãe. Suas mensagens falam diretamente a sociedade e revelam seu mais profundo sofrimento. Faz críticas veementes aos tratamentos ao qual é submetido. Seus monólogos são verdadeiros diálogos com ele mesmo. As palavras escritas parecem pesar bem menos que as faladas, tão evitadas e de uso teorizado ao mínimo necessário nas encenações teatrais.

          Nas cartas que escreve a sua mãe, não há praticamente mensagem que não comece ou termine com um agradecimento em forma de pedido: a mãe tem que parar de lhe mandar dinheiro. Tem que guardar o que tem para o próprio sustento. Não pode continuar a querer dividir com ele os parcos provimentos. Ele sabe que a mãe está doente, que passa por necessidades. Artaud se envergonha em receber presentes, chocolate, açúcar. Escreve a sua progenitora com muita lucidez. É carinhoso. Pede a ela que ore por ele.

Escreve à "mais atenciosa das mães". Queixa-se por não ter-lhe dado mais amor, explica: “As dificuldades da vida exterior fizeram com que se tornasse quase impossível para mim manifestar sentimentos.”[6]

           O tempo para a pesquisa e o material colhido não foram suficientes para afirmações categóricas, mas apesar de minuciosa procura nestas cartas à mãe, o nome do pai de Artaud não é nunca citado. Seu delírio místico-religioso sobre sua própria origem permite que se afirme a negação ao nome do pai quando em uma das cartas dirigidas à senhora Artaud, ele assina Antonio Nalpas. Em outra mensagem fala dele mesmo na terceira pessoa e explica: “a mãe de Nanaqui (que é ele mesmo), que não é sua mãe, porque ele não pode ter outra mãe que não seja a virgem Maria”.

E ainda, seu “amor” pelo Outro é muito curiosamente definido aqui, numa queixa em carta a sua própria amada mãe:

 

Se alguém me tivesse amado de verdade neste mundo, de amor verdadeiro, eu não estaria na situação em que me encontro, ele teria me dado tudo que eu preciso e que me falta para viver e reencontrar as minhas forças, porque ele teria reconhecido que eu não sou um inútil e sim que minhas capacidades estão a serviço de todos... e que eu mereço não desaparecer no nada.[7]

        

              Artaud se queixa de não ter sido amado de verdade ou não estaria na situação em que se encontrava. Afirma que se tivesse sido amado, teria sido reconhecido. Não reconhece o Outro em ninguém devido a sua própria impossibilidade de amar. Continua em tom sério, mas que devido à forte contradição, faz sorrir e adivinhar talvez uma outra verdade: “Digo disso à meus amigos. Quanto a você, fique tranquila, nos reveremos logo.”[8]

           Ainda em suas reflexões sobre o amor, muitas são as reflexões a serem feitas seja pelo pesquisador em literatura, seja por um especialista em teatro ou psicanálise. Em alguns momentos, ele parece não se saber incapaz de tal sentimento haja vista sua superioridade: “Vocês são eu e eu não sou vocês.” Em outros, as palavras substituem qualquer sentimento. “Eu traio, mas quero ter à minha volta alguns raros seres que eu adoro e que me adoram.” O leitor avisado logo descobre porque os trabalhos da análise da doença e aqueles da análise da obra artística se misturam e se completam tão perfeitamente. O próprio Artaud fala, ele mesmo, de sua doença e o faz também através da arte, elemento universal que uniu e une povos do mundo inteiro, numa tentativa de fala única que pretende ser universalmente compreendida.


 

   Capítulo II  Melancolia? Esquizofrenia? Genialidade?

 

 

O Artaud não saudável "está fechado do lado de fora" de si mesmo. Deu-se para ele uma exclusão, um "bota fora" de seu próprio inconsciente. Abandonado ao seu próprio exílio, Artaud sofre a saudade insustentável? A saudade "la nostalgie du père"? O "Vatersehnsucht" (nostalgia do pai) [9]? Em sua doença, o seu "não fazer parte" o destitui de um nome e de uma voz. Artaud assina trabalhos com nomes diferentes. Não é capaz de falar de si a não ser através de seus personagens, de suas cartas, em seus delírios. Excluído, em seus piores momentos, se isola ou é isolado e seu estado de saúde piora sempre.

           A foraclusão do nome do pai, a fratura que fechou Artaud de todas as inscrições, e que o impossibilitou a amarração dos significantes no inconsciente através da metáfora paterna, parece não permitir um retorno puro e simples deste exílio. A memória e a história do sujeito parecem perdidas para sempre.

Para Lacan, este estar fora do discurso é da ordem da linguagem e é a via de retorno ao real. Artaud conhece os caminhos do inconsciente e os explora em seus trabalhos, mas não tolera a psicanálise. Através da escrita de todas as suas cartas e expressões artísticas, dos seus textos para o teatro, de seus desenhos, que ele consegue uma ponte com a realidade e sofrer um pouco menos. Ele consegue ainda impedir, de alguma forma, a invasão do gozo do outro. Interação, afastamento e nova reinserção, ainda que temporários, no mundo a seu redor, através da voz das obras de Artaud, trazem o que poderia ter ficado para sempre excluído. É a sua voz que busca a constituição do sujeito e se repete em várias tentativas de encontrar a função do Nome do Pai foracluído.

     

“Um pai, um nome, uma voz: os termos da operação que permite ao sujeito se apropriar da linguagem."[10]

 

     O autor de Corpo sem Órgãos é também o autor de uma obra que queima etapas, uma obra que tem um único compromisso: o de não parar, porque a produção escrita incansável de seu dono é sua única saída. Artaud não para nunca de produzir. Seria seu fim, pois que sua obra é sua cura, ou pelo menos, sua sustentação. E são inúmeras suas contradições que encontramos: sua curiosidade e desdém pelo novo, seu crer e não crer, suas tentativas de inclusão e a tentação pelo que está à margem, a tentativa de banir o real pelo místico. Corre-se o risco de colocar a seriedade de uma pesquisa a perder, procurar analisar Artaud a partir de um poema, de uma peça, de um desenho ou personagem. Dificílimo, ainda, ler todos os vinte e dois tomos de suas “Obras Completas” em curto espaço de tempo, e pensar que o autor foi compreendido, ou, ainda mais grave, pensar que um diagnóstico conclusivo possa ser dado.

             Artaud, o paciente Artaud, não está mais entre nós. Por isso mesmo, encontra-se finalmente livre da necessidade de formulação de um diagnóstico. Contudo, estudos sobre este artista-paciente são material riquíssimo para a apreciação das artes e para reflexões de especialistas da mente em suas correlações entre arte e psicose.

             O estudo do texto sobre a metáfora do Corpo sem Órgãos e sua relação com a esquizofrenia torna-se atraente para alguns pesquisadores. Levando em conta a explicação que Artaud dá para a construção desta imagem de corpo sem órgãos, fica difícil relacioná-la à tentadora idéia de sadismo, de crueldade, de esfacelamento. Artaud afirma que “não há nada de mais inútil que um órgão”[11]. Esta inutilidade estaria ligada à insistente desarmonia do corpo com a mente a despeito de toda a harmonia entre a complicada engrenagem dos órgãos de um corpo. Afirma que a ideia de Corpo sem Órgãos está ligada à construção de um robô desprovido de órgãos sexuais, uma ideia muito anterior ao texto. O autor diz que havia trabalhado em uma comédia, em 1924, na qual havia a figura de um robô. Sua interpretação, como tantas outras que estaria por fazer, teria tido um efeito “terrível”. Os robôs eram apresentados como despidos de sensações e sem órgãos sexuais.

Daniel Lins, em O artesão do corpo sem órgãos[12], nos convida a experimentar Artaud invés de falar sobre ele. Escolhe, entretanto, evidenciar em sua produção os extremos entre carne e excrementos, dentro e fora, matéria e alma, parte e todo.

 Artaud quando escreve, enfrenta as palavras. Usa muitas vezes, para se fazer sentir, o vocabulário mais chulo. Sacode a hipocrisia dos que prefeririam não ouvir. Dejetos, secreções, chamados pelos seus nomes populares, misturam-se e dão forte colorido a textos polêmicos. Há nele a necessidade de “gritar” com a escrita, via de acesso à realidade circundante.  Há coerência no pensamento, nas ações e na obra de Artaud como um todo. De crítico de arte a defensor de minorias culturais, seus textos se misturam às suas tristezas e ataques de cólera. Em períodos de melhora de sua saúde, o artista é órgão integrante no corpo da sociedade, e responde à realidade vital que o circunda. Artaud é por excelência, um contestador. Seu talento, aliado a uma vida menos dura, teria, com certeza, trilhado caminhos menos árduos.

Seu quadro clínico tão cheio de altos e baixos, desde a infância, fosse ele esquizofrênico ou melancólico, observados os sintomas que sabidamente se confundem em ambos os quadros clínicos, permitiu momentos de pura beleza e leveza como o trecho a seguir, que parece se distanciar por completo da idéia de despedaçamento, mas ao contrário, parece se aproximar de uma reconstrução.

 

O homem é doente porque é mal construído

Se for feito de um corpo sem órgãos,

Vai ser livre de todos os seus automatismos

e terá sua verdadeira liberdade.

Reaprenderá a dançar pelo avesso

Como no delírio dos bailes sanfoneiros

e este avesso será seu verdadeiro lugar.[13]

 

          E ainda:

 

Deixem que dance enfim a anatomia humana.[14]

                       

            Seu próprio Eu é o objeto despedaçado de esquizofrenia? É esta perda subjetiva que o faz vagar em busca de seu “verdadeiro lugar” para finalmente dançar livremente? E este dançar livremente, esta “liberdade verdadeira” estariam ligados ao inconsciente à céu aberto? O corpo sem órgãos é um corpo sem automatismos, um corpo que liberta, que não mais aprisiona a um rótulo qualquer.

           Deixando de lado seu corpo para observar seu rosto, temos a certeza de que é o seu rosto, muito mais que seu corpo, o veículo do Eu nos trabalhos desenvolvidos por Antonin Artaud. Seus sofridos personagens têm o rosto do criador. Um rosto velho demais para sua idade está presente quase sempre. Um rosto sofrido, um olhar perdido e ao mesmo tempo penetrante. Porque seus poetas preferidos e citados como os autores mais lidos por ele, fazem todos parte de uma lista cuidadosamente rotulada de poetas “atormentados”, poetas “condenados” como Villon, Poe, Nerval, Baudelaire, Rimbaud? O próprio Artaud explica:

 

Eu amo os poemas dos esfomeados, dos doentes, dos parias, dos envenenados... Eu amo os poemas que pecam (fedem) pela falta, e não as refeições bem preparadas.[15]

 

Quantos riscos correrão os pesquisadores que insistirem em optar por uma tese que tente enquadrar um artista multifacetário, um paciente tão complexo, como o artista em questão!   Um trabalho que reúna material para defender esta ou aquela anomalia, abre imediatamente caminho para outras pesquisas que desconstroem caminhos. Agrupar características melancólicas em sua vida e obra para levantar a hipótese de melancolia é tentador, mas é também tarefa árdua e muito arriscada. Sua morte, apesar de ser portador de um cruel câncer no reto (“a besta que lhe devorava o cu”), sempre esteve ligada à possibilidade de suicídio. A dificuldade com a fala, seu distanciamento, seus momentos de exaltação e cólera seriam os principais sintomas.

Quando em O Suicida da Sociedade, falando de Van Gogh, afirma que ninguém se suicida sozinho e explica que “no minuto extremo da morte, há sempre alguém para nos despojar de nossa própria vida”, parece falar de si mesmo. Se não pudesse ser considerada sua obra prima, seria com certeza a mais profunda e de maior identificação com o outro. Van Gogh o incompreendido, o “expelido do mundo” é o Artaud incompreendido e a sua própria queixa contra psiquiatras, psicanalistas, produtores,família e mulheres.

Agrupar textos de Artaud, tentar analisá-los dentro deste ou daquele quadro clínico, já fez parte de objetivos de vários trabalhos de pesquisa, fossem eles textos escritos para personagens, fossem eles de Artaud sobre Artaud mesmo. Muitos destes escritos foram usados durante os movimentos de anti-psiquiatria. Por algumas décadas, ele foi menos citado entre especialistas em saúde mental. Talvez pelo equívoco de Lacan (o doutor L, como Artaud se refere ao médico), que, após examiná-lo, afirmou que ele jamais voltaria a escrever, talvez porque sua genialidade fosse grande demais para ficar somente associada a Não-razão.

Roudinesco, em Dicionário de Psicanálise, cita Artaud, entre outros, quando critica Foucault acusando-o de “rejeitar todo e qualquer diagnóstico”[16]. O que faz Foucault é alertar para o perigo de se taxar como “louco” o diferente. Se nem toda diferença é genialidade, com certeza, é na diferença que a genialidade habita. A falta de preparo da sociedade para lidar com as diferenças de comportamento, ideias e produção, faz com que ela seja muitas vezes a vilã contra a criação, a cerceadora da vida, a encarceradora dos amantes da liberdade. A complexidade das relações em sociedade leva a ações imediatistas, preconceituosas e injustas para com os que nela não se enquadram de bom grado. Gênios ou não, os “loucos” não podem ser rotulados e isolados. Não podem ter sua história construída à margem da vida.

           A arte é a expressão do real, do que não pode ser sensibilizado, portanto, não é material para estudo da doença ou da morte.  A obra prima de Antonin Artaud é sua força, sua determinação, que o fazem criar e construir apesar de todos, apesar dele mesmo. É sua parte saudável que luta contra as dores de cabeça, contra a fome a qual é obrigado a passar, contra o pesado olhar do outro sobre o seu ser diferente. Como nenhum outro, Artaud é criador e crítico de sua própria obra, e ao mesmo tempo, portador e analista de sua própria doença mental. E com que lucidez, descreve seus sintomas, seus medos, dores, limitações! E com que racionalidade rebate opiniões, diagnósticos e pareceres sobre seu quadro clinico!


 

 

2. 1  Sua saúde e doença por ele mesmo

 

   “A cada um dos estados da mecânica de meus pensamentos, há buracos, paradas, não no tempo... em uma espécie de espaço..”

 

Em uma carta de 1921, Artaud declara nada poder fazer em relação à sua doença, porque sabe que não melhoraria. Às vezes, acredita não estar mais doente, mas logo tem que admitir as compressões na cabeça e no alto da coluna, o peito apertado, os embotamentos (entorpecimentos), as ideias de sangue e de morte, a fraqueza sem nome, os horrores gerais nos quais ele se encontra mergulhado e que o tornam inútil.

Cabe aqui pensar: quantos pacientes, com ou sem o recurso da palavra, tentam em vão descrever sintomas e aflições tão bem como faz Artaud em suas cartas? Ele não teria ousado jamais fazê-lo em análise. Quantos outros podem ser ajudados através dos riscos e formas, das cores e dos sombreados, dos gestos, gritos e gemidos, cabendo ao analista relacioná-los, decodificá-los em uma leitura própria, em companhia do sujeito, seu objeto de estudo?

A leitura do quadro clínico deixa de ser a leitura da doença. Passa a ser a leitura, muito mais complexa, dos sinais de recusa do paciente às suas próprias lamentações, do seu rechaço ao que lhe é imposto, de seus sutis pedidos de ajuda para encontrar a saída da prisão de seu, como diz sempre Artaud, “estado de espírito”.

A leitura da descrição detalhada dos sofrimentos físicos e psíquicos do fundador do Teatro da Crueldade, feita por especialistas hoje, com certeza poderiam levá-lo a uma reinserção muito mais positiva à sociedade.

 

       Em post-scriptum, Antonin destaca: 

 

Em 24 horas, o pior de minhas dores cedeu, e a minha vida tornou-se mais suportável. Já era hora. Já tinha decidido acabar com ela. Garanto que era extremamente grave.[17]

 

              Não parece infundada a suspeita de que sua vida tenha sido abreviada por ele  mesmo.

              O artista fala de uma melhoria bem sensível após algumas injeções, que tornam sua vida menos insuportável. As injeções que são “uma espécie de relaxamento essencial do ser, uma diminuição de sua intelectualidade utilizável que mais tem a ver com o sentimento que ele tem de seu eu do que com o que ele mostra para os outros”18.

             Artaud vive só com suas “não-palavras”. Consciente de sua doença, luta contra os limites físicos, psíquicos e socioeconômicos que lhe são impostos, sendo que a sua Fuma espécie de ruptura interior da correspondência de todos os nervos”19. Poetizando sobre sua doença, como se precisasse de um autodiagnóstico, o poeta oferece material riquíssimo para pesquisa.

Pouco depois, escreve ao Doutor René Allendy, seu psicanalista, e se queixa como sempre das pressões na nuca que pioram, que ironia, quando escreve. Intercala momentos de intensa produção com períodos de inércia, períodos esses que ele descreve como “indiferença física, completa.” Pede sempre que o mediquem. Faz tudo com dificuldade e afirma que, em seu estado normal, se imporia, reagiria, se revoltaria diante de fatos e situações diversas. Em suas palavras:

 

“E se sente, quando se constata esta inércia profunda e que nos atola, uma indiferença física fortíssima, completa, que nos faz até mesmo esquecer o que poderíamos ter sido.”

             

Aqui podemos reler Freud em Luto e Melancolia[18] quando fala do luto provocado pela perda da libido. Desânimo profundo e desinteresse, redução da produtividade e diminuição de autoestima, embora façam parte esporádica de seu quadro clínico, alternam-se com momentos de produção intensíssima, com dizeres confiantes de um ego inflamado e de uma preocupação exagerada com tudo, seu período maníaco.

As viagens que Artaud faz, em 1935, para o México e, em 1937, para a Irlanda, na primeira para ir ao encontro de um mundo novo, menos racionalista, e na segunda para devolver a bengala que ele acredita ser de São Patrício, e durante a qual ele prega pelas ruas e é recolhido e devolvido à França pela polícia, contribuem para sua produção futura, mas são também um marco na piora de seu quadro de alucinações e medos, conflitos de personalidade e reações agressivas em períodos de abstinência. Tratado novamente com repetidas sessões de eletrochoque durante dez anos, é surpreendente que sua saída de Rodez, mesmo com todo o apoio de amigos e intelectuais da época, lhe proporcione ainda momentos de lucidez para continuar escrevendo. e já realizando o que Foucault sonharia, sem perceber que o sonho já tinha se tornado realidade quando escreve em 1964 que “o insuportável chegaria à serenidade do positivo”.

 


 

2 .2 Artaud: Seu Teatro e seus Personagens

 

“Escrita, pintura, música, teatro, são meios diferentes de fazer surgir o que há de grave no fundo de nós mesmos.”Le théâtre et son Double

 

Em o "Teatro e seu Duplo" (Le Théâtre et son Double), Antoine Marie Joseph Artaud defende um teatro não mais feito somente de palavras. Defende uma aproximação do público ao palco, aos atores, a própria peça. Voz, gestos, atos, deveriam ser substitutos da palavra. Também os objetos e o cenário são de fundamental importância para a leitura de significados. Seu novo teatro, incompreendido pelo público da época e hoje exaustivamente estudado, colecionava insucessos, o que lhe  causava muita tristeza. Magoado com as críticas, explicava que com O Teatro e a Peste, por exemplo, espetáculo durante o qual sua atuação causou verdadeiro repúdio de tanto “verdadeira” o autor declara:

 

                         “Eu quero lhes dar a própria peste para que eles se aterrorizem e despertem.”[19]

 

Inevitável lembrar de Freud quando afirma em sua chegada à America que é o portador, também ele, de uma peste. Peste nestes dois casos como metáfora do novo, do desconhecido, do dubitável. A peste que chega para abrir os olhos de quem se prevê cego.

        Com termos bombásticos, Artaud não só recheia textos e poesia, mas nomeia seus trabalhos de forma a fazer pensar aos mais variados porquês. Sobre seu Teatro da Crueldade, tantas vezes erroneamente interpretado a partir do título, este também é explicado por ele mesmo: “Uso a palavra crueldade no sentido da vida, rigor cósmico e necessidade implacável, no sentido gnóstico de turbilhão e vida que devora as trevas.”[20]

Flashes tão geniais do pensamento que marcaram a história do teatro, fizeram com que não poucos intelectuais duvidassem da doença de Artaud. Até mesmo seu delírio mais longo, quando ele recusa seu próprio nome por anos, passando a assinar Antonin Nalpas, encontra explicações que não sejam a perda da realidade, a dificuldade de identificação com ele mesmo. É verdade que com o teatro o objetivo era reproduzir situações reais ao máximo, a ponto de fazer sentir ao público algo o mais próximo possível do drama narrado. Assim, Artaud estaria, com o que chamavam de loucura, vivendo sim, um personagem dele mesmo.

Tentando evitar as armadilhas que os dizeres de seus personagens, ou as próprias apreciações ou críticas de Artaud a terceiros ou ainda suas críticas a ele mesmo, o estudo de suas cartas parece ser o atalho para compreendê-lo, mesmo sem que se tenha a certeza do quanto de real possa haver no conteúdo de algumas mensagens. Uma carta preciosa em relação a seu estado de saúde física e psíquica é aquela escrita no dia 27 de janeiro de 1927 e endereçada a Ablel Garce na qual declara: “Não tenho muitas pretensões no mundo, mas tenho esta de compreender Edgar Poe e de ser eu mesmo um tipo como Maitre Usher."21

Ora, Edgar Alan Poe, autor apreciado por Antonin desde pequeno, constrói seu personagem Roderick como um sujeito portador de uma hipersensibilidade. Tudo o incomoda: barulhos, cheiros, luz muito forte.  Maitre Usher é também hipocondríaco e ansioso. É um tipo bizarro, que vive isolado em sua mansão e que vive atormentado pela idéia de que sua irmã, cataléptica possa ser enterrada viva. Como Artaud é dono de habilidades artísticas.

Artaud continua:  "A minha vida é a de Usher."

Sua identificação com a personagem o leva a afirmar: "Eu tenho a pestilência dentro da alma dos meus nervos, e sofro por isso."

         Roderick possui para Artaud "uma qualidade de sofrimento nervoso que nem o maior ator do mundo pode vivenciar, se um dia não o possuiu."

Ele, Artaud, o viveu e diz pensar como Usher. E insiste:

 

“Todos os meus escritos o provam. Quando os sentidos e os corpos se misturam, a alma e o coração se retiram... E amar de um amor eterno e não um amor curto, de passagem, ou não vale a pena amar e não é amor, mas bestialidade.[21]

 

Sempre romântico, mas com este toque final digno de um dandy, nosso paciente-artista parece tolerar cada vez menos o sexo. Quem o pratica perde a alma e o coração e assim, não ama eternamente. Artaud critica em Berlim o que chama de “obsessão de erotismo”. Artaud tem mesmo horror ao sexo? Artaud teve várias mulheres a seu redor. Teria sido um sedutor, mas não um amante? Sedutor por ter em seu possesso as palavras escritas e com elas encantar as mulheres como tantos poetas? Quando se despede de uma de suas mulheres escreve que precisa de uma mulher simples, equilibrada para não piorar seu “estado de espírito. Uma mulher só dele que ele encontrasse em sua casa a qualquer hora para apaziguar o horror de sua solidão. Uma mulher que se ocupasse dele o tempo todo para todas as pequenas coisas. Uma mulher que nem precisaria ser trés jolie. Bastaria que lhe estivesse do lado.

 

Em “Scenari” (Cenários), na história Dezoito Segundos, um personagem louco é levado para o hospício. A descrição é comovente. O autor, que revê cenas para ele familiares, consegue fazer visualizar com a emoção, uma sequencia de detalhes dolorosos. A força inútil do paciente que se debate contra não só aqueles que o amarram naquele momento, mas contra todo um mundo que não o aceita.

 

De repente batem à porta. Os tiras entram. Eles se jogam em cima dele. Metem nele a camisa de força: ele é levado para junto dos loucos. Ele fica louco realmente. Visão do homem que se debate contra as grades. Encontrarei, grita, o problema central, aquele ao qual todos estão pendurados como as frutas em cachos, e então:            Mais loucura, mais mundo, mais espírito, sobretudo, mais nada.[22]

 

Contando uma história dentro de uma outra história, Artaud conta a história de sua própria doença. O doente-personagem tornou-se incapaz de corresponder aos pensamentos. ‘Conservou a lucidez inteira, mas a alguns pensamentos ele não dá formas, não consegue traduzi-los em gestos ou palavras apropriadas. As palavras necessárias lhe faltam, não respondem ao seu apelo e ele vê desfilar imagens contraditórias e sem muita relação umas com as outras. Numa análise incrível do que sente o personagem, o “relatório clínico” é dos mais perfeitos para a leitura de um caso, se o pesquisador, mais uma vez, deixa-se levar por um só texto, desta vez material ainda mais tentador, exatamente porque é um louco o personagem. E a explicação do estado de isolamento continua. “Isso o torna incapaz de se misturar a vida dos outros e de se dedicar a uma atividade.” Mais adiante, o médico dá sua “sentença” e o personagem doente reflete: “Justo no momento em que eu ia começar a viver! E conquistar o coração da mulher que amo.”

              Afirmar que na construção de seu personagem, Artaud se pergunta sobre sua própria vida e dificuldades, entre elas, aquela de amar uma mulher, deixaria Artaud furioso. O louco da trama, que se passa toda em 18 segundos, se mata com uma bala na testa ao se ver aprisionado e sem a sua amada, mas não antes da historinha dentro da história na qual  um senhor que pode ter tudo, um rei corcunda, que não é que a efígie dele mesmo, toma sua mulher e quer roubar-lhe o espírito. Peças para roteiros que parecem sonhos que convidam a interpretação, são obras de arte deste artista completo, que, quando lidas, ensinam, quando encenadas, emocionam, e por isso mesmo, quando interpretadas pelo próprio Artaud, chocavam tanto na veracidade, que muitas vezes resultavam na retirada em bandos de um público interessado em diversão e não em autoconhecimento.

Obra e vida, amalgamadas em Dezoito Segundos, talvez mais que em qualquer outro texto, evidenciam a inversão de valores, o desarranjo de uma ótica standard, o deslocamento da perspectiva, a desconstrução da lógica, elementos essenciais buscados pelo escritor de Cenários para criar um novo teatro, feito para “traduzir os sonhos”.

No tempo em que passa internado em Rodez, Artaud escreve cartas frequentemente. Escreve a seus ex médicos, a amigos, à sua mãe. Suas mensagens falam diretamente à sociedade e revelam seu mais profundo sofrimento. Faz críticas veementes aos tratamentos ao qual é submetido. Seus monólogos são verdadeiros diálogos com ele mesmo.

Nas cartas que escreve para sua mãe, não há praticamente mensagem que não comece ou termine com um agradecimento em forma de pedido: a mãe tem que parar de lhe mandar dinheiro. Tem que guardar o que tem para o próprio sustento. Não pode continuar a querer dividir com ele os parcos provimentos. Ele sabe que a mãe está doente, que passa por necessidades. Artaud se envergonha em receber presentes, chocolate, açúcar. Escreve a sua progenitora com muita lucidez. É carinhoso. Pede a ela que ore por ele.

Escreve à "mais atenciosa das mães". Queixa-se por não ter-lhe dado mais amor, explica: “As dificuldades da vida exterior fizeram com que se tornasse quase impossível para mim, manifestar sentimentos.”[23]

         O tempo para a pesquisa e o material colhido não foram suficientes para afirmações categóricas, mas apesar de minuciosa procura nestas cartas à mãe, o nome do pai de Artaud quase nunca é citado. Seu delírio místico-religioso sobre sua própria origem permite que se afirme a negação ao nome do pai quando em uma das cartas dirigidas à senhora Artaud, ele assina Antonio Nalpas. Numa outra mensagem fala dele mesmo na terceira pessoa e explica: “a mãe de Nanaqui [ele mesmo] que não é sua mãe porque ele não pode ter outra mãe que não seja a virgem Maria.”

E ainda, seu “amor” pelo Outro é muito curiosamente definido aqui, numa queixa em carta a sua própria amada mãe:

 

Se alguém me tivesse amado de verdade neste mundo, de amor verdadeiro, eu não estaria na situação em que me encontro, ele teria me dado tudo que eu preciso e que me falta para viver e reencontrar as minhas forças, porque ele teria reconhecido que eu não sou um inútil e sim que minhas capacidades estão a serviço de todos... e que eu mereço não desaparecer no nada.[24]

 

Artaud se queixa de não ter sido amado de verdade ou não estaria na situação em que se encontrava. Afirma que se tivesse sido amado, teria sido reconhecido. Não reconhece o Outro em ninguém devido a sua própria impossibilidade de amar. Continua em tom sério, mas que devido à forte contradição, faz sorrir e adivinhar uma outra verdade:

 

“Digo disso a meus amigos. Quanto a você, fique tranquila, nos reveremos logo.”[25]

 

Ainda em suas reflexões sobre o amor, muitas são as questões que poderiam ser abordadas seja pelo pesquisador em literatura que por um especialista em teatro ou psicanálise. Em alguns momentos, Artaud parece não se saber incapaz de experimentar tal sentimento haja vista a superioridade com que fala dele: “Vocês são eu e eu não sou vocês.” Em outros, as palavras substituem qualquer sentimento. “Eu traio, mas quero ter a minha volta alguns raros seres que eu adoro e que me adoram.” O leitor experiente logo descobre porque os trabalhos da análise da doença e aqueles da análise da obra artística se misturam e se completam tão perfeitamente no caso Artaud. O artista fala, ele mesmo, de sua doença e utiliza a arte, elemento universal que uniu e une povos do mundo inteiro, numa fala única que pode ser universalmente compreendida, assim como “falarão” os pacientes que possam usar dela para tentar uma amarração.


 

Capítulo III  Artaud e Os Médicos 

 

          A relação que Artaud mantém com seus médicos é sempre cercada de desconfiança que é declarada, cantada e fundamentada.

 

 A doença é um estado

a saúde não é que um outro

como os obstinados heróis

os médicos não foram nunca para mim

mais que covardes que.. 26   

 

Um pouco mais adiante, quem também é desiludido quando o assunto é médico e já se divertia com a poesia, se perde. Entram em cena então os leitores do além-palavra que falam de códigos históricos e pré-históricos e buscam ritmos e sons codificados para explicar o versinho final sobre estes “heróis obstinados”:

 

ra tra la

e tra la

tralina

ra traline

e trati trala.26

 

Que tipo de poética seria essa? Ou seria uma tremenda gozação a seu público alvo? Seria uma acurada seleção de sílabas para exprimir perfeitamente seu deboche? Significante? Nenhum significado? Um neologismo? O que seriam na verdade as glossolalias? Presentes em muitos autores na poesia moderna, estavam presentes em escritos primitivos na busca de uma linguagem anterior, menos complexa, mais direta, capaz de ir direto ao ponto: o equilíbrio de quem a utiliza. (Anexo B, p. 55)  Ler os trabalhos de Artaud e os trabalhos sobre Artaud são uma viagem riquíssima de conhecimento sobre o sujeito e a sua doença.

          E Antonin filosofa, tocando o princípio da própria psicanálise, mas que será atacada fortemente por ele em vários momentos.

 

pois saber o que é o eu

é não estar lá onde estamos,

mas além.     

 

E ainda:

 

curar uma doença é um crime

é reprimir o ser da vida...[26]

 

A proposta da psicanálise, que não promete a cura, mas sim a descoberta de si mesmo, a aproximação deste ser reprimido para que ele não fique de fora, não estaria aqui bem representada? Mas ele mesmo responde a quem tenta analisá-lo colocando-se fora do jogo “papai-mamãe” para que não o aprisionem no que ele considera uma tola armadilha da psicanálise. A alusão irônica sobre o Eu e o Outro tornou-se famosa:

 

Eu, Antonin Artaud, sou meu filho,

meu pai, minha mãe,

e eu,

nivelador do périplo imbecil onde se fecha a procriação

o périplo papai-mamãe

e criança.

“saída” muito mais da vovó

que do papai-mamãe.[27]

 

            Artaud é de origem grega por parte de pai e mãe. Seriam as “glossolalias” influências da língua grega, ou seriam as sequencias de palavras sem sentido?    Presentes ainda em surtos psicóticos, as de Artaud, hora são lidas como combinações geniais, hora como o discurso desconexo de um psicótico. A verdade é sempre uma só: seus delírios alimentam sua arte assim como sua arte vai alimentando seus delírios. A presença do inconsciente na obra é a base da contradição entre o real e o imaginário, entre o que pode ou não ser aceito pela sociedade, que nem sempre se mostra muito receptiva ao que não é uniforme. 

Em cartas endereçadas a seus médicos, sempre em Rodez, Artaud oscila entre lucidez e delírios. Denuncia erros médicos. Diz-se virgem, e portando, não pode ser portador de sífilis. Explica a hipertrofia por ingestão de medicamentos que o envenenam. Fala do “estado de dor e ansiedade” que o martiriza e que não permite que ele trabalhe. Tem a certeza de ter sido envenenado. Seus episódios de confronto com a polícia o fazem afirmar que ela sempre esteve a serviço do Anticristo e do demônio.

        Demônios o afligem dia e noite. Acrescenta explicação por ter sido trancafiado no asilo. O povo francês da época, do lado do Anticristo, quer que ele se alimente dele mesmo (sêmen e excremento). Há de se ajudar Deus para que os homens de boa vontade não tenham que sofrer neste regime do inferno. Um artista doente, mas que não se cansava de se rebelar contra o status quo.

        Seus gritos incomodavam a psiquiatria que, segundo ele, era uma fábrica de doentes mentais. Curioso que hoje, o “louco Artaud” seja referência para estudos sobre experimentos no teatro, nas artes, na poesia e na linguística, e ainda, na psicanálise e no movimento antipsiquiatria.

Artaud encontra-se no período mais agudo de sua doença, mas é porta-voz de um mundo sombrio baseado em práticas que hoje estão praticamente abolidas no tratamento de portadores de doenças mentais. Em momentos mais e menos lúcidos ele mostra a genialidade de sua loucura que funciona como um veículo de denúncia. Rodez está “cheia de demônios”.

Em Artaud o Momo, há uma passagem que afirma a existência de um momento no qual se deve optar entre renunciar a ser homem ou tornar-se um alienado evidente. E numa auto-análise incansável reflete sobre a loucura:

 

“Aquele que me disser: “Antonin Artaud, você é o louco”, eu lhe responderei: “Você é cínico e eu o conheço há mais de um dia”.”[28]

 

Fácil entender porque deliciava intelectuais e artistas em busca de um novo conceito de arte, contra o duvidoso conceito de bem estar de uma sociedade que sai destruída da guerra e que tem pressa para reconstruir-se como um todo, sem tempo para a singularidade. Inteligente, contundente, perspicaz, e completamente sem barreiras, dispara contra seu alvo com sutileza na argumentação. Observar só o negativo da doença é não deixar espaço para o que é diverso. Sem um conceito claro de saúde, não se podem rotular doentes.

 É preciso que o sujeito e a doença sejam considerados separadamente, levando em conta as diferenças entre os sujeitos, já que a manifestação dos sintomas não se dará da mesma forma neste ou naquele sujeito. É necessário ainda, observar as variáveis de tempo e do ambiente para evitar uma análise superficial. A escuta atenta, seja qual for a forma de comunicação, inclusive, o delírio é o que possibilitará a descoberta de novos caminhos. Assim como a febre é um sinal de reação do corpo contra a doença física, o delírio é uma reação da mente contra os fantasmas que a assolam, uma tentativa de construção da metáfora delirante que vem em suplência à falta da metáfora paterna. Artaud revela:

 

“Os médicos são os inimigos natos do delírio, enquanto que o delírio, ou seja, a imaginação reivindicadora, é a regra da realidade.”[29]

 

Interpretando as paisagens de Van Gogh produz em texto delirante:

 

Desconfie das belas paisagens turbilhonantes e pacíficas,

Convulsionadas e pacificadas.

É a saúde entre duas recaídas da febre ardente que vai passar

É a febre entre duas recaídas de uma insurreição de boa saúde.

Um dia a pintura de Van Gogh armada de febre e de boa saúde

Voltará para lançar no ar a poeira de um mundo enjaulado que seu

[coração já não podia suportar.[30]


         Capítulo IV O delírio criativo

 

É de 1943 o relato em uma carta onde Artaud conta sua própria história, mas na qual ele é Nanaqui, nome com o qual assina também cartas à sua mãe. Artaud é o narrador. Num passeio com uma empregada, fazia calor, e ele quis tomar um sorvete. Teve um pressentimento: o sorvete estava envenenado. Notou uma atmosfera inexplicável a seu redor. Todos a sua volta ficavam maus de repente. A presença das pessoas o asfixiava. Encontravam-se todos contaminados pelo pecado e o ameaçavam. O sorvete o ameaçava. As pessoas más e o sorvete estavam ligados. Mas como e porque o sorvete teria sido envenenado assim, gratuitamente, ao primeiro que passasse? Ele teria sido o “escolhido”. Não fazia muito sentido. Ele era só uma criança que não tinha feito mal a ninguém. Tudo inadmissível, mas o sorvete o envenenou. Este pode ter sido o primeiro indício de perseguição em sua história, narrado com cuidado e detalhes.

Seu precário estado de saúde, agravado em 1937, ano em que se encontra sozinho em Dublin, pode ser observado em múltiplas cartas repletas de delírios entrecortados, disposição peculiar dos textos no papel e forma de apresentação dos textos em geral. Artaud perfura e mancha as folhas, faz gráficos interpretados das mais variadas maneiras. Anuncia os acontecimentos maléficos resultantes do contato físico, deseja manter-se longe dos pecados imundos da carne. Entre seus momentos mais atormentados e mais lúcidos, encontra-se este de mais rara beleza: um poema que escreve à esposa de André Breton:

 

Le trésor perdu sous la Mer c'est Vous. Et il serait idiot d'envoyer les scaphandriers. Les trésors sour la mer sont faits pour qu'on y rêve. Il ne faut pas y toucher c'est -à-dire que Personne ne peut vous atteindre.[31]

 

Beleza que não resiste a uma tentativa de tradução suprimindo o tratamento formal para permitir maior aproximação à doçura do texto.

 

“O tesouro perdido no Mar é Você. E seria idiota enviar escafandristas. Os tesouros no mar são feitos para nos fazer sonhar. Não se tocam, ou seja, ninguém pode alcançá-la.” 

 

Artaud em sua doença é capaz de reconhecer o quanto ela própria é responsável pela sua incapacidade de amar? Ele afirma que quando os sentidos e o corpo se misturam, a alma e o coração se retiram e que o amor propriamente dito se perde. O amor só vale a pena se amado de um amor eterno? Artaud se diz casto e são os não castos o mal da humanidade. Mas um sintoma a ser analisado conforme a teorização de Lacan: Antonin está fora da norma fálica, portanto, não consegue manter nenhum laço amoroso-erótico-sexual.

 No tomo 26 de Obras Completas, Freud é citado como aquele que “fez escândalo em sua época esfolando a libido” e fala da “dor do ser sem ser, dentro ou fora, mas nunca dentro no não-lugar”. Segue sua interpretação do mestre falando de um desejo sem pé nem cabeça, une volonté sans pardon, e afirma que o único erro de Freud foi o de querer organizar uma explicação e de chegar a um conceito. Ele, Artaud, filosofa sobre o inexplicável desejo do homem. “Além do que Freud chamou de libido, continua, está o caos...”

Traduzir Artaud, que em seus primeiros trabalhos não é fácil, e vai ficando cada vez mais difícil. Impossível ter a certeza de que se trate de uma palavra inventada propositalmente, um termo usado ironicamente, um devaneio, uma não-palavra ou um neologismo.

O certo é que ele não se cansa de reanalisar interpretações psicológicas lidas nos livros ou quem sabe, dirigidas a ele mesmo. Artaud recusa mais uma vez a “equação papai-mamãe”, algo que opera sem a intervenção do Complexo de Édipo. Em suas palavras, o sujeito está a mercê do gozo do Outro, sem barra da psicose.

 

“Há um estado no qual matamos pai e mãe necessariamente. É quando alguém nos recusa a vida, quando já nos tiraram de nós mesmos... para se oferecer o grande luxo da operação pai-mãe, paternidade-maternidade”

 

Buscando atentamente traços analíticos, o leitor que já não tem mais certezas sobre o que é lúcido ou menos lúcido nos textos que percorre, se depara com uma inegável força de vida em mais um belo trecho literário que propõe um outro eu:

 

Você se acreditava só

não é verdade

você é uma multidão

você acreditava ter um corpo

ele é um outro

você se acreditava dono do seu corpo

não,

ele pertence a outros

a um outro

ao outro[32]

 

Todo e qualquer trabalho sobre Artaud que tenha que se limitar a uma linha de pesquisa, diante de tantas possíveis pistas para a compreensão de um artista complexo e multifacetário, será um trabalho árduo, pois a bibliografia é extensa e polêmica. A margem para questões sobre obras ou fatos não é menor. Cultuado ou atacado, medicado ou drogado, vaiado, admirado, o artista é ator de teatro, em seguida de cinema, acreditando-se poeta, tenta publicar suas poesias e consegue,  invés da publicação das obras, a publicação de suas cartas, material este que entremeia os textos e traduções para o teatro, palestras, o trabalho com o cinema, a defesa de sua poesia, seus desenhos e a arte em geral. Reveladoras, as cartas, muitas vezes não enviadas, são depoimentos sobre o que sente Artaud sobre si mesmo e sobre o mundo.

              Em 1943 a situação do hospital de Rodez é péssima. Os pacientes passam por privações, encontram-se subnutridos e é grande a falta de pessoal. No entanto, a medicina avança. O doutor Ferdiére torna-se responsável pela diminuição das perdas de pacientes com tratamentos modernos e uso de novos medicamentos em substituição ao Gardenal.

               Antonin Artaud é o caso na tese do doutor Jacques Latrémolière, apresentado na Observação VII:

 

Antonin Artaud, um ex-viciado em drogas, portador de psicose alucinatória crônica com delirantes polimorfas, dupla personalidade, e « bizarro » sistema metafísico:

- Eu me redimi a humanidade, aceitando o sofrimento sob o domínio dos demônios. Ideias sobre renovações na reprodução do homem devido a impureza do sexo: Ideias de múltiplas influências,  hipocondríacas)

 

a-      Na sua internação, ocorrida a 11 de fevereiro de 1943, o estado geral é bom, os músculos são normais. T.A a 17/10

 

b-      Um exame detalhado mostra desigualdade entre as pupilas, os reflexos são normais e não apresenta problemas musculares. O L.C.R. também é normal.

 

c-      Observa-se uma ligeira escoliose dorsal direita, com ápice D6, não fixa, equilibrada há muito tempo.

 

d-      O doente engordou cinco quilos  desde que o tratamento  de choque começou em 20 de junho.

 

e-      Desde a segunda sessão, ele fala de dores nas costas, que se tornaram violentas a terceira crise: dores bilaterais, construtivas, que aumentam a qualquer movimento, a tosse...[33]

 

Perfeitamente compreensível a defesa da figura de tão importante artista, por parte de seus fãs e amigos para que Antonin Artaud e toda a sua arte não ficasse nunca assim resumido a uma fria avaliação clínica de uma tese científica. Artaud declara que se é um poeta ou ator, não o é para declamar poesias, mas para vivê-las. Um ator não deve recitar para ser aplaudido, mas para sentir tremer os corpos de homens e mulheres em uníssono com o seu. Um artista portador desta tremenda sensibilidade, simplesmente não cabe, segundo seus seguidores, dentro de uma observação técnica e formal.

O paciente da tese do doutor Ferdiére é um psicótico. Freud já alertava para o cuidado que se deveria ter nos diagnósticos de paranoia e de esquizofrenia, mostrando o quanto os sintomas podem variar. Como Artaud, muitos são os casos de psicose a serem tratados sim, com o acompanhamento de analistas. Ele mesmo passou por um psicanalista e preferiu não ficar com ele. Seu psicanalista, o doutor Allendy, membro da Societé psychanalytique de Paris era muito conhecido e também o apoiava em seus projetos, principalmente os teatrais.

Talvez possamos inferir, que para Artaud, seu analista não fosse seu “sujeito suposto saber” e por isso mesmo não o tenha feito entender que não estava ali, como ele mesmo criticava, para “curá-lo”. Suas limitações das quais muitas ele era bem consciente, não impediram seu sucesso e ele teve a possibilidade de ser reconhecido e de ver seu trabalho publicado em vida, coisa negada a tantos outros artistas não portadores de limitações sérias como as suas. Ele teve o privilégio ainda, de escolher o material que seria publicado. Os desenhos, que ele chama de documentos, vão intercalando cartas, anotações e fatos. Ele os denomina de “testemunhos brutos da vivência psiquiátrica”, dando já o conceito de arte bruta para as obras que são realizadas “fora” do circuito social ou mental. (Anexo C, p.56)

Contra valores pré-estabelecidos de uma sociedade que se agarra a religião como fuga do pensamento, as armas de Antonin são a revolta, o obsceno, a violência. Sua angústia maior parece ser o mistério do nascimento, do sexo e da morte. A droga, sua companheira mais constante de vida, o leva do uso de medicamentos, à toxicomania, às viagens de descobertas, e  ao fim de sua resistência física. Basta perguntar a um amante de literatura ou teatro sobre Artaud para sabê-lo presente e atuante: “Aquele do teatro da crueldade?” Sim, não por acaso “aquele” do teatro que pretendia liberar forças inconscientes da plateia. .... “Ah, o cara que escreveu sobre Van Gogh?” Sim, o dono do texto famoso por mostrar a contradição maior e a linha limite mais sutil entre o que é saúde e o que é doença quando pessoas, arte e sociedade se encontram e se desencontram no pensamento. 

Em Mensagem ao Papa Artaud, aos gritos de “papa cachorro”, afirma: "Não estamos no mundo, oh papa confinado no mundo."

           O mundo não pode ser só o que ele conhece. Um mundo de doença, sofrimento, drogas e solidão. Seus pensamentos o abandonam. Há algo, como diz o próprio Artaud, que destrói seu raciocínio. Consciente de sua doença, Artaud se isola mais e mais.

           Percebendo a doença, que às vezes o paralisa completamente, não deixa de procurar tratamentos. Mesmo sendo descrente, busca ajuda para organizar-se. Os choques fizeram um Artaud ainda menos bem sucedido na tentativa de reconstrução. Frase e ideias entrecortadas compõem a maioria dos textos de 46. Artaud não é dono de sua alma, não é dono de seu corpo. Fala de si como “a merda”. A merda é o combustível que o mantém vivo. A céu aberto, escreve sobre masturbação, ânus, excremento, vagina, prazer e não-prazer, construindo uma tela surreal da qual Cristo e a Virgem Maria são ora pincelados, ora riscados, como se devessem ser substituídos pelas imagens dos homens e mulheres que fizeram parte de sua vida. 

          Em seus últimos escritos, a monotonia da obscenidade e do nonsence é quebrada por sons e imagens tolas e infantis que fazem achar graça de tão triste loucura:

 

“ L”âme c'est le cu pétant

le coeur le con vit rotant.”

 

“Peidos e arrotos” explicam o que não tem explicação. Nem escrever é mais possível. Muito distante do seu discutido “Corpo sem Órgãos”, suas ideias, enfim, se “despedaçam” em meio a bizarrias, mas traduzem bem a sua precariedade: “Os seres se oferecem a mim, eu não me ofereço mais a eles. Eu os perco.”

          Artaud finalmente se perde. Perdemos Artaud.

              

 


 

Conclusão:

           

            “Esquizofrenia ou melancolia?”, a questão proposta no início do estudo sobre Antonin Artaud, se revela, durante o estudo sobre artista tão genial, questão secundária, quando os caminhos percorridos pelo pesquisador vão e voltam, dos palcos aos hospitais, dos textos e desenhos às consultas aos especialistas, das dores desesperadoras aos encontros com as palavras e a arte de representar.

           Atormentado, Artaud encontra na produção, a saída para suas maiores crises, e no autoconhecimento e reconhecimento de sua capacidade criadora, a única possibilidade para continuar e ir além. Sempre em conflito com seus médicos e com a Psicanálise, não perderia a oportunidade de ironizar sobre mais um trabalho dedicado a ele, sob a ótica desse campo de pesquisa. Esse trabalho, que se pretendia muito menor, e que tinha como principal objetivo simplesmente focar semelhanças e diferenças entre as psicoses, e que parece não querer chegar ao fim, inevitavelmente foi se tornando paixão e admiração, tamanha a comoção que provoca a tentativa de comunicação do autor com o mundo, mesmo não o reconhecendo como digno de suas palavras.

              Para os amantes da psicanálise, eis o legado de Antonin Artaud para constantes reflexões:

 

Você sabe bem da repugnância, sobretudo instintiva e nervosa, que manifestava quando eu o conheci através deste tratamento. Você conseguiu me fazer mudar de ideia, se não do ponto de vista intelectual, já que há nesta curiosidade, nesta penetração de minha consciência feita por uma inteligência desconhecida, uma espécie de prostituição, de impudor, que eu vou rechaçar sempre, mas enfim, do ponto de vista experimental, eu pude constatar o bem que me fez, e, se necessário, eu me colocaria novamente a disposição para uma tentativa análoga, mas do mais profundo de minha vida eu insisto em fugir da psicanálise...[34]

 

 


 

 

Bibliografia

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______. Oeuvres Completes.  Paris: Gallimard,1986.

 

               Oeuvres. Paris, Quarto Gallimard, 2004

 

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FOUCAULT, MICHEL. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

 

______. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 2005.

 

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______.  Coleção Memória da Psicanálise, Número 4. 2009

 

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LAPLANCHE, JEAN; PONTALIS, JEAN-BERTRAND. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo : Martins Fontes, 2000.

 

LAUFER, LAURIE. L’Ènigme Du Deuil. Presse Universitaire de France, 2006.

 

Les Psychoses, la perte de la réalité. Paris: Tchou,1985.

 

LINS, DANIEL. Antonin  Artaud: O artesão do corpo sem órgãos. Rio de Janeiro: Relume, 1999.

 

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PLAN, MICHEL; ROUDINESCO, ELIZABETH. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1998.

 

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VIRMAUX, ALAIN ; VIRMAUX, ODETTE. Antonin Artaud, Qui êtes vous? Paris: La Manufacture, 1996. 

 

 

                                                Anexos

Anexo A

 

 

 

 

 

 

Anexo B

 

 

 

 

 

 

 

Anexo C

 

 

Antonin, Artaud. Bibliotéque Nationale de France. Paris: Gallimard, 2006 p. 19,p.37 e p.63



[1] Neurastenia  aguda.

[2] "J'ai été malade toute ma vie et je ne demande qu'a continuer car les états de privation de la vie m'ont toujours renseigné beaucoup mieux sur la pléthore de ma puissance que les crédences petites bourgeoises de : la bonne santé suffit." ARTAUD, Antonin. Les Malades et les médecins. In. : ARTAUD, Antonin. Œuvres Completes.  Paris: Gallimard,1986.

[3] LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Pscicanálise. São Paulo : Martins Fontes, 2000, p. 265.

[4] “J’etais un home qui voulait être aimer avec mon Coeur et pour lui et toutes les femmes m’ont tourney les dos parce qu’elles ne comprennent que l’amour sensual et dès qu’on essaie de leur donner de l’âme, elle n’en veulent pas et vous vous prennent pour un niais et un idiot.” ARTAUD, Antonin.  Œuvres Completes.

[5] “quand les sens et les corps s'en mêlaient, l'âme et le coeur se retiraient... Et aimer c'est aimer d'un amour éternel et non de passade et de passage, ou alors ce n'est pas la peine d'aimer et ce n'est pas l'amour mais de la bestialité.” Idem.  Œuvres Completes

[6] “les difficultés de la vie extérieur m'on rendu a peu prés impossible de manifester mês sentiments.” Ibidem.

[7] “Si quelq'un n'avait aimé vraiment sur cette terre, d'amour, je n'en serais pas dans la situation où je suis ....mais il mais il m'aurait apporté tout ce que me faut et qui me manque pour vivre et retrouver mês forces parce qu'il aurait reconnu que je ne suis pas un inutile mais que mês capacités sont au service de touts et peuvent le redresser lui-même quand je les retrouverai et que je mérite de ne pas diasparaître sous rien.” Ibidem.

[8] “Ceci est dit pour mês amis [mas a carta é endereçada à mãe], quant à toi, sois tranquille, nous nous reverons bientôt.” Ibidem.

[9] FREUD, Sigmund. Totem et Tabou. Gallimard, 1993, p.298.

[10] "Un pére, un nom, une voix: les termes de l'operation qui permet au sujet de s'aproprier du langage." RABINOVITCH, Solal. La forclusion: Enfermé dehors. Paris.  

[11] "Il n'y a rien de plus inutile qu'un organe" ARTAUD, Antonin. Œuvres Completes, XIII 104.

[12] LINS, Daniel. Antonin  Artaud: O artesão do corpo sem órgãos. Rio de Janeiro: Relume, 1999.

[13] "L'homme est malade parce qu'il est mal construit.../Lorsque vous lui aurez fait un corps sans organes,/alors vous l'aurez délivré de tous ses automatisme/et rendu à sa veritable liberté./Alors vous lui réapprendrez à danser à l'envers/comme dans le délire des bals musette/et cet envers sera son véritalble endroit." ARTAUD, Antonin. Pour en finir... In : ARTAUD, Antonin. Œuvres Completes XIII 104 

[14] "Faites danser enfin l'anatomie humaine." Idem. Œuvres Completes 109.

[15] « J'aime les poèmes des affamés, des malades, des parias, des empoisonnés. .. J'aime les poèmes qui puent le manque et non les repas bien préparés. » Ibidem. IX 170 et 171.

[16] PLAN, Michel. ROUDINESCO, Elizabeth. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1998.

[17]18 19« Amélioration très sensible obtenue à la suite de quelques piqûres. Dans l'espace de 24 heures le gros de mes douleurs a cédé et la vie m'es devenue plus supportable. Il n'etait que tem´s car j'étais décidé à en finir. Je vous assure que c'ètait extrêment grave. » ARTAUD, Antonin. Œuvres Completes.

[18] FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In.: FREUD, Sigmund. Obras completas en español. Lacan_freud_obras completas_spanish.rar - Arquivo RAR, tamanho descomprimido 158.496.924 bytes.

[19] Galeno, Alex.  Antonin Artaud: A revolta de um anjo terrível. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005, p. 150.

[20] 21 Galeno, Alex.  Antonin Artaud: A revolta de um anjo terrível, p. 83.

[21] “quand les sens et les corps s'en mêlaient, l'âme et le coeur se retiraient...Et aimer c'est aimer d'un amour éternel et non de passade et de passage, ou alors ce n'est pas la peine d'aimer et ce n'est pas l'amour mais de la bestialité.”  ARTAUD, Antonin.  Oeuvres Completes.

[22] “Tout à coup on frappé à la porte. Des sbirre entrent. On se jette sur lui. On lui met La camisole de force: Il est emporté chez les fous. Il devient fou réellement. Vision de l’homme se débattant avec dês barreaux. Jê trouverai, crie-t-il, Le probléme central, celui auquel tous lês autres pendent comme lês fruits à La grappe, ET alors:

Plus de folie, plus de monde, plus d’esprit, sourtout, plus rien.” Idem.  Oeuvres Completes, tomo III  p.11. 

[23] “les difficultés de la vie extérieur m'on rendu a peu prés impossible de manifester mes sentiments”. Ibidem.

[24]   “Si quelq'un n'avait aimé vraiment sur cette terre, d'amour, je n'en serais pas dans la situation où je suis ....mais il mais il m'aurait apporté tout ce que me faut et qui me manque pour vivre et retrouver mês forces parce qu'il aurait reconnu que je ne suis pas un inutile mais que mês capacités sont au service de touts et peuvent le redresser lui-même quand je les retrouverai et que je mérite de ne pas diasparaître sous rien.” Ibidem.

[25] “Ceci est dit pour mês amis [mas a carta é endereçada à mãe], quant à toi, sois tranquille, nous nous reverons bientôt.” Ibidem.

[26] “La maladie est un état/ la santé n'en est qu'un autre / comme les obstinés heroes/ les médicins ne furent jamais pour moi / que les lâches qui.../ra tra la /e tra La / tralina /  ra traline /e trati trala./ car savoir ce que c'est le moi / c'est n'être pas là ou on est /mais ailleurs./ guérir une maladie est un crime / c'est réprimer l'être de la vie..” Ibidem.

[27] "Moi, Antonin Artaud, je suis mon  fils, / mon père, ma mére, / et moi, / niveleur du périple, imbécile où s'enferre l'engen-drement, / le périple papa-maman / et l’enfant, / suie du cu de la grand-maman / beaucopu plus que du pére-mère." Ibidem, XII 77.

 

[28] "Et celui qui me dira: Antonin Artaud, tu es le fou, je lui répondrai: Tu es le cynique, et voilà plus d'un jour que te connais." Ibidem, XII 216.

[29] "Les médecins sont les ennemis-nés du délire, alor que le délire, c'est-à-dire l'imagination revendicatrice, est la règle de la réalité." Ibidem, XII 218.

[30] Artaud, Antonin. Van Gogh: O Suicida da Sociedade. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

[31] Artaud Antonin.  Oeuvres Completes.

[32] “Vous vous croyez seul/ ce n'est pas vrais / vous êtes une multitude / vous vous croyez votre corps,/ il est un autre. Vous vous croyez le maître de votre corps, / non / il appatient à d'autres, /à un autre / à l'autre...”

[33] « Observation VII:

       Antonin Artaud, ancien toxicomane, atteint de psychose hallucinatoire chronique, avec des idées délirantes polymorphes luxuriantes (dédoublement de la personnalité, système métaphysique bizarre:

      "Je rachète l'humanité en acceptant de souffrir sous l'empire des démons." ; rénovations de la reproduction de l'homme, à cause de l'impureté du sexe: Idées d'influences multiples, hypocondriaques)

A son entrée le 11 février 1943, l'état général est bon, la musculature est normale. T.A à 17/10

       Un examen détaillé montre une inégalité pupillaire pure, les réflexes accommodateurs et photo-moteurs sont normaux; rien à signaler dans la musculature extrinsèque. Le L.C.R. est d'ailleurs normal.

      A noter une légère scoliose dorsale droite, à sommet en D6, non fixée, équilibrée depuis longtemps.

      Le malade a grossis 5 kilos lorsque le 20 juin le traitement de choc est institué.

      Dès la deuxième séance, il parle de douleurs dorsales vagues, qui deviennent violentes au réveil de la troisième crise: bilatérales, constructives, augmentées par le moindre mouvement , la toux ... » ANTONIN Artaud. Biblioteque Nationale de France. Gallimard. 2006.

[34] "Vous savez assez quelles répugnances surtout instinctives et nerveuses je manifestais quand je vous ai connus pour ce monde de traitement. Vous êtes parvenu à me faire changer d'avis, sinon du point de vue intellectuel, car il y a dans cette curiosité, dans cette pénétration de ma conscience par une intelligence étrangère un sorte de prostitution, d'impudeur que je repousserai toujours, mais enfin du point de vue expérimental j'ai pu constater le bienfaits que j'en avais retirés et au besoin je me prêterai de nouveau à une tentative analogue mais du plus profond de ma vie je persiste à fuir la psychanalyse,...» ARTAUD, Antonin.  Oeuvres Completes.







O Artaud não saudável "está fechado do lado de fora" de si mesmo. Deu-se para ele uma exclusão, um "bota fora" de seu próprio inconsciente. Abandonado ao seu próprio exílio, Artaud sofre a saudade insustentável? A saudade "la nostalgie du père"? O "Vatersehnsucht"1? Em sua doença, o seu "não fazer parte" o destitui de um nome e de uma voz. Artaud assina trabalhos com nomes diferentes. Não é capaz de falar de si a não ser através de seus personagens, de suas cartas, em seus delírios. Excluído, em seus piores momentos, se isola ou é isolado e seu estado de saúde piora sempre.

A Foraclusão, a fratura que fechou Artaud de todas as inscrições, e que o fez romper com os significantes do inconsciente, parece não permitir um retorno puro e simples deste exílio. A memória e a história do sujeito parecem perdidas para sempre. Perdidas para sempre?
Para Lacan, este estar fora do discurso é da ordem da linguagem e é a via de retorno ao real. Artaud conhece os caminhos do inconsciente e os explora em seus trabalhos, mas não tolera a psicanálise. Nem poderia, tamanha a sua aversão a palavra. Mas é através dela, não do texto pronunciado diretamente por ele, mas através de todas as suas cartas e expressões artísticas, dos seus textos para o teatro, de seus desenhos, que ele sobrevive, que sofre um pouco menos, já que pode gozar de várias por assim dizer reincerções, ainda que temporárias, no mundo a seu redor. É a voz das obras de Artaud que trazem o que poderia ter ficado para sempre excluído. É ela que busca a constituição do sujeito e vem como novas versões da função do Nome do Pai perdido.


"Um pai, um nome, uma voz: os termos da operação que permite ao sujeito se apropriar da linguagem."


O autor de Corpo sem Órgãos é também o autor de uma obra que queima etapas, uma obra que tem um único compromisso: o de não parar, porque a produção escrita incansável de seu dono é sua única saída. Artaud não para nunca de produzir. Seria seu fim, pois que sua obra é sua cura, ou pelo menos,

1 Totem e Tabou Gallimard 1993 p.298
2 Rabinovitch, Solal. La forclusion. Enfermé dehors. Paris, 1008 "Un pére, un nom, une voix: les termes de l'operation qui permet au sujet de s'aproprier du langage."
sua sustentação. E são inúmeras suas contradições: sua curiosidade e desdém
pelo novo, seu crer e não crer, suas tentativas de inclusão e a tentação pelo que está à margem, o desejo pelo real e pelo místico. Impossível, com o risco de colocar a seriedade de uma pesquisa a perder, analisar Artaud a partir de um seu poema, de uma sua peça, e um seu desenho ou personagem. Dificílimo ainda, ler todos os vinte e dois tomos de suas "Obras Completas" em curto espaço de tempo, e pensar que o autor foi compreendido, ou ainda mais grave, pensar que um diagnóstico conclusivo possa ser dado.

Artaud, o paciente Artaud, não está mais entre nós. Por isso mesmo, encontra-se finalmente livre da necessidade de formulação de um diagnóstico. Contudo, estudos sobre este artista-paciente são .
material riquíssimo para a apreciação das artes e para reflexões de especialistas da mente.

O estudo da metáfora do Corpo sem Órgãos e sua relação com a esquizofrenia torna-se atraente para alguns pesquisadores. Levando em conta a explicação que Artaud dá para a construção desta imagem de corpo sem órgãos, fica difícil relacioná-la à tentadora idéia de sadismo, de crueldade, de esfacelamento. Artaud afirma que "não há nada de mais inútil que um órgão"1. Esta inutilidade estaria ligada à insistente desarmonia do corpo com a mente a despeito de toda a harmonia entre a complicada engrenagem dos órgãos de um corpo. Afirma que a idéia de Corpo sem Órgãos está ligada à construção de um robot desprovido de órgãos sexuais, uma idéia muito anterior ao texto. Diz que havia trabalhado em uma comédia, em 1924, na qual havia a figura de um robot. Sua interpretação, como tantas outras que estaria por fazer, teria tido um efeito "terrível". Os robots eram apresentados como despidos de sensações e sem órgãos sexuais. Daniel Lins em O Artesão do Corpo sem órgãos, nos convida a experimentar Artaud invés de falar sobre ele. Escolhe, entretanto, evidenciar em sua produção os extremos entre carne e excrementos, dentro e fora, matéria e alma, parte e todo. Artaud quando escreve, enfrenta as palavras. Usa muitas vezes, para se fazer sentir, o vocabulário mais chulo. Sacode a hipocrisia dos que prefeririam não ouvir. Dejetos, secreções, chamados pelos seus nomes populares, misturam-se e dão forte colorido a textos polêmicos. Há nele a necessidade de "gritar" com a escrita,via de acesso à realidade circundante. Há coerência no pensamento, nas ações e na obra de Artaud como um todo. De crítico de arte a defensor de minorias culturais, seus textos se misturam às suas tristezas e ataques de cólera. Em períodos de melhora de sua saúde, o artista é órgão integrante no corpo da sociedade, e responde à realidade vital que o circunda. Artaud é por excelência, um contestador. Seu talento, aliado a uma vida menos dura, teria, com certeza, trilhado caminhos menos árduos. Seu quadro clínico tão cheio de altos e baixos, desde a infância, fosse ele esquizofrênico ou melancólico, observados os sintomas que sabidamente se confundem em ambos os quadros clínicos, permitiu momentos de pura beleza e leveza como o trecho a seguir, que parece se distanciar por completo da idéia de despedaçamento, mas
1"IL n'y a rien de plus inutile qu'un organe" (XIII 104)

ao contrário, parece se aproximar de uma reconstrução.

"O homem é doente porque é mal construído
Se for feito de um corpo sem órgãos,
Vai ser livre de todos os seus automatismos
e terá sua verdadeira liberdade.
Reaprenderá a dançar pelo avesso
Como no delírio dos bailes sanfoneiros
e este avesso será seu verdadeiro lugar."

E ainda:

"Deixem que dance enfim a anatomia humana."1

Seu próprio Eu é o objeto perdido? É esta perda subjetiva que o faz vagar em busca de seu "verdadeiro lugar" para finalmente dançar livremente? E este dançar livremente, esta "liberdade verdadeira", estaria ligada a renuncia de seu próprio Eu? O corpo sem órgãos é um corpo sem automatismos, um corpo que liberta, que não mais aprisiona a um rótulo qualquer.

Deixando de lado seu corpo para observar seu rosto, temos a certeza de que é o seu rosto, muito mais que seu corpo, o veículo do Eu nos trabalhos desenvolvidos por Antonin Artaud.Seus sofridos personagens têm o rosto do criador. Um rosto velho demais para sua idade está presente quase sempre. Um rosto sofrido, um olhar perdido e ao mesmo tempo penetrante. Porque seus poetas preferidos e citados como os autores mais lidos por ele, fazem todos parte de uma lista cuidadosamente rotulada de poetas "atormentados", poetas "condenados" como Villon, Poe, Nerval, Baudelaire, Rimbaud? O próprio Artaud explica:



"Eu amo os poemas dos esfomeados, dos doentes, dos parias, dos envenenados... Eu amo os poemas que pecam (fedem) pela falta, e não as refeições bem preparadas."2



1"L'homme est malade parce qu'il est mal construit.../Lorsque vous lui aurez fait un corps sans organes,/alors vous l'aurez délivré de tous ses automatisme/et rendu à sa veritable liberté./Alors vous lui réapprendrez à danser à l'envers/comme dans le délire des bals musette/et cet envers sera son véritalble endroit."
(Pour en finir... XIII 104)
"Faites danser enfin l'anatomie humaine."
(XIII 109)

2"J'aime les poèmes des affamés, des malades, des parias, des empoisonnés. .. J'aime les poèmes qui puent le manque et non les repas bien préparés." (IX 170 et 171)

Quantos riscos correrão os pesquisadores que insistirem em optar por uma tese que tente enquadrar um artista multifacetário, um paciente tão complexo, como o artista em questão. Um trabalho que reúna material para defender esta ou aquela anomalia, abre imediatamente caminho para outras pesquisas que desconstroem caminhos. Agrupar características melancólicas em sua vida e obra para levantar a hipótese de melancolia é tentador, mas é também tarefa árdua e muito arriscada. Sua morte, apesar de ser portador de um cruel câncer no reto ( "a besta que lhe devorava o cu") 1, sempre esteve ligada à possibilidade de suicídio. A dificuldade com a fala, seu distanciamento, seus momentos de exaltação e cólera seriam os principais sintomas. Quando em O Suicida da Sociedade, falando de Vab Gogh, afirma que ninguém se suicida sozinho e explica que "no minuto extremo da morte, há sempre alguém para nos despojar de nossa própria vida", parece falar de si mesmo. Se não pudesse ser considerada sua obra prima, seria com certeza a mais profunda e de maior identificação com o outro. Van Gogh o incompreendido, o "expelido do mundo" è o Artaud incompreendido e a sua própria queixa contra psiquiatras,psicanalistas, produtores,família e mulheres.



Agrupar textos de Artaud, tentar analisá-los dentro deste ou daquele quadro clínico, já fez parte de objetivos de vários trabalhos de pesquisa, fossem eles textos escritos para personagens, fossem eles de Artaud sobre Artaud mesmo. Muitos destes escritos foram usados durante os movimentos de anti-psiquiatria. Por algumas décadas, ele foi menos citado entre especialistas em saúde mental. Talvez pelo equívoco de Lacan (o doutor L?), que após examiná-lo, afirmou que ele jamais voltaria a escrever, talvez porque sua genialidade fosse grande demais para ficar somente associada a Não-razão. Roudinesco em Dicionário de Psicanálise, cita Artaud, entre outros, quando critica Foucault acusando-o de "rejeitar todo e qualquer diagnóstico". O que faz Foucault é alertar para o perigo de se taxar como "louco" o diferente. Se nem toda diferença é genialidade, com certeza, é na diferença que a genialidade habita. A falta de preparo da sociedade para lidar com as diferenças de comportamento, idéias e produção, faz com que ela seja muitas vezes a vilã contra a criação, a cerceadora da vida, a encarceradora dos amantes da liberdade. A complexidade das relações em sociedade, leva a ações imediatistas, preconceituosas e injustas para com os que nela não se enquadram de bom grado. Gênios ou não, os "loucos" não podem ser rotulados e isolados. Não podem ter sua história construída à margem da vida.

A arte é a expressão da saúde e da vida, portanto, não é material para estudo da doença ou da morte. A obra prima de Antonin Artaud é sua força, sua determinação, que o fazem criar e construir apesar de todos, apesar dele mesmo. É sua parte saudável que luta contra as dores de cabeça, contra a fome a qual é obrigado a passar, contra o pesado olhar do outro sobre o seu ser diferente. Como nenhum outro, Artaud é criador e crítico de sua própria obra, e ao mesmo tempo, portador e analista de sua própria doença mental. E com que lucidez, descreve seus sintomas, seus medos, dores, limitações! E com que racionalidade rebate opiniões, diagnósticos e pareceres sobre seu quadro clinico!
.



Sua saúde e doença por ele mesmo

"A cada um dos estados da mecânica de meus pensamentos, há buracos, paradas, não no tempo...em uma espécie de espaço.."

Em uma carta de 1921, ele declara nada poder fazer em relação à sua doença, porque sabe que não melhoraria. Às vezes, acredita não estar mais doente, mas logo tem que admitir as compressões na cabeça e no alto da coluna, o peito apertado, os embotamentos (entorpecimentos), as idéias de sangue e de morte, a fraqueza sem nome, os horrores gerais nos quais ele se encontra mergulhado e que o tornam inútil.
Quantos pacientes, com ou sem o recurso da palavra, tentam em vão descrever sintomas e aflições tão bem como faz Artaud em suas cartas? Ele não teria ousado jamais fazê-lo em análise. Quantos outros podem ser ajudados através dos riscos e formas, das cores e dos sombreados, dos gestos, gritos e gemidos, cabendo ao analista relacioná-los, decodificá-los em uma leitura própria, em companhia do sujeito, seu objeto de estudo? A leitura do quadro clínico deixa de ser a leitura da doença. Passa a ser a leitura, muito mais complexa, dos sinais de recusa do paciente às suas próprias lamentações, do seu rechaço ao que lhe é imposto, de seus sutis pedidos de ajuda para encontrar a saída da prisão de seu, como diz sempre Artaud, "estado de espírito".
A leitura da descrição detalhada dos afanos físicos e psíquicos do fundador do Teatro da Crueldade, feita por especialistas hoje, com certeza poderiam levá-lo a uma reinserção muito mais positiva à sociedade.


Meses depois, em post-scriptum destaca:

"Em 24 horas, o pior de minhas dores cedeu, e a minha vida tornou-se mais suportável. Já era hora. Já tinha decidido acabar com ela. Garanto que era extremamente grave."1

Compreensível a suspeita de que sua vida tenha sido abreviada por ele mesmo.
O artista fala de uma melhoria bem sensível após algumas injeções, que tornam sua vida menos insuportável. As injeções que são "uma espécie de relaxamento essencial do ser, uma diminuição de sua intelectualidade utilizável que mais tem a ver com o sentimento que ele tem de seu eu do que com o que ele mostra para os outros". Artaud vive só com suas "não-palavras". Consciente de sua doença, luta contra os limites físicos, psíquicos e sócio-econômicos que lhe são impostos. Sua doença "afeta a alma dentro de sua realidade mais profunda. Uma verdadeira paralisia. Uma espécie de ruptura interior da correspondência de todos os nervos".
Pouco depois, escreve ao Doutor Allendy e se queixa como sempre das pressões na nuca que pioram, que ironia, quando escreve. Intercala momentos de intensa produção com períodos de inércia,

1 Amélioration très sensible obtenue à la suite de quelques piqûres. Dans l'espace de 24 heures le gros de mes douleurs a cédé et la vie m'es devenue plus supportable. Il n'etait que tem´s car j'étais décidé à en finir.
Je vous assure que c'ètait extrêment grave.


períodos esses que ele descreve como "indiferença física, completa." Pede sempre que o mediquem. Faz tudo com dificuldade e afirma que, em seu estado normal, se imporia, reagiria, se revoltaria diante de fatos e situações diversas.

"E se sente, quando se constata esta inércia profunda e que nos atola, uma indiferença física fortíssima, completa. que nos faz até mesmo esquecer o que poderíamos ter sido."


Parece a própria descrição de Freud em Luto e Melancolia quando fala do luto provocado pela perda da libido. Desânimo profundo sim, mas desinteresse, redução da produtividade e diminuição de auto-estima, embora façam parte esporádica de seu quadro clínico, alternam-se com momentos de produção intensíssima, com dizeres confiantes de um ego inflamado e de uma preocupação exagerada com tudo.

As viagens que Artaud faz em 1935 para o México e em 1937 para a Irlanda, na primeira para ir ao encontro de um mundo novo, menos racionalista, e na segunda para devolver a bengala que ele acredita ser de São Patrício, e durante a qual ele prega pelas ruas e é recolhido e devolvido à França pela polícia, contribuem para sua produção futura, mas são também um marco na piora de seu quadro de alucinações e medos, conflitos de personalidade e reações agressivas em períodos de abstinência. Tratado novamente com repetidas sessões de eletro-choque durante dez anos, é surpreendente que sua saída de Rodez, mesmo com todo o apoio de amigos e intelectuais da época, lhe proporcione ainda momentos de lucidez para continuar escrevendo e já realizando o que Foucault sonharia, sem perceber que o sonho já tinha se tornado realidade quando escreve em 1964 que "o insuportável chegaria à serenidade do positivo".





Artaud: Seu Teatro e seus Personagens:

"Escrita, pintura, música, teatro, são meios diferentes de fazer surgir o que há de grave no fundo de nós mesmos."

Em o "Teatro e seu Duplo" (Le Théâtre et son Double), Antoine Marie Joseph Artaud defende um teatro não mais feito de palavras, simplesmente. Defende uma aproximação do público ao palco, aos atores, a própria peça. Voz, gestos, atos, deveriam ser substitutos da palavra. Também os objetos e o cenário são de fundamental importância para a leitura de significados. Seu novo teatro, incompreendido pelo público da época e hoje exaustivamente estudado, ao colecionar insucessos, causava muita tristeza. Magoado com as críticas, explicava que com o Teatro e a Peste, por exemplo, espetáculo durante o qual sua atuação causou verdadeiro repúdio de tanto "verdadeira" o autor declara:
"Eu quero lhes dar a própria peste para que eles se aterrorizem e despertem."galeno 150
Inevitável lembrar de Freud quando afirma em sua chegada à America que é o portador, também ele, de uma peste. Peste nestes dois casos como metáfora do novo, do desconhecido, do dubitável. A peste que chega para abrir os olhos de quem se prevê cego .
Com termos bombásticos, Artaud não só recheia textos e poesia, mas nomeia seus trabalhos de forma a fazer pensar aos mais variados porquês. Sobre seu Teatro da Crueldade, tantas vezes erroneamente interpretado a partir do título, este também é explicado por ele mesmo:

"Uso a palavra crueldade no sentido da vida, rigor cósmico e necessidade implacável, no sentido gnóstico de turbilhão e vida que devora as trevas." pag 83 galeno

Flashes tão geniais do pensamento que marcaram a história do teatro, fizeram com que não poucos intelectuais duvidassem da doença de Artaud. Até mesmo seu delírio mais longo, quando ele recusa seu próprio nome por anos, passando a assinar Antonin Nalpas, encontra explicações que não sejam a perda da realidade, a dificuldade de identificação com ele mesmo. É verdade que com o teatro o objetivo era reproduzir situações reais ao máximo, a ponto de fazer sentir ao público algo o mais próximo possível do drama narrado. Assim, Artaud estaria, com o que chamavam de loucura, vivendo sim, um personagem dele mesmo.


Tentando evitar as armadilhas que os dizeres de seus personagens, ou as próprias apreciações ou críticas de Artaud a terceiros ou ainda suas críticas a ele mesmo, o estudo de suas cartas parece ser o atalho para compreendê-lo, mesmo sem que se tenha a certeza do quanto de real possa haver no conteúdo de algumas mensagens. Uma carta preciosa em relação a seu estado de saúde física e psíquica é aquela escrita no dia 27 de janeiro de 1927 e endereçada a Ablel Garce na qual declara:

"Não tenho muitas pretenções no mundo, mas tenho esta de compreender Edgar Poe e de ser eu mesmo um tipo como Maitre Esher."



Ora, Edgar Alan Poe, autor apreciado por Antonin desde pequeno, constrói seu personagem Roderick como um sujeito portador de uma hipersensibilidade. Tudo o incomoda: barulhos, cheiros, luz muito forte. Maitre Usher é também hipocondríaco e ansioso. É um tipo bizarro, que vive isolado em sua mansão e que vive atormentado pela idéia de que sua irmã, cataléptica possa ser enterrada viva. Como Artaud é dono de habilidades artísticas.
Artaud continua:

"A minha vida é a de Usher."

Sua identificação com a personagem o leva a afirmar:

"Eu tenho a pestilência dentro da alma dos meus nervos, e sofro por isso."

Roderick possui para Artaud "uma qualidade de sofrimento nervoso que nem o maior ator do mundo pode vivenciar, se um dia não o possuiu."
Ele, Artaud, o viveu e diz pensar como Usher. E insiste:

"Todos os meus escritos o provam."

"Quando os sentidos e os corpos se misturam, a alma e o coração se retiram... E amar de um amor eterno e não um amor curto, de passagem, ou não vale a pena amar e não é amor mas bestialidade."1

Sempre romântico, mas com este toque final digno de um dandy, nosso paciente-artista parece tolerar cada vez menos o sexo. Quem o pratica perde a alma e o coração e assim, não ama eternamente. Não chega nem a amar. Artaud critica em Berlim o que chama de "obsessão de erotismo". Artaud tem mesmo horror ao sexo? Artaud teve várias mulheres a seu redor. Teria sido um sedutor, mas não um amante? Sedutor por ter em seu possesso as palavras escritas e com elas encantar as mulheres como tantos poetas? Quando se despede de uma de suas mulheres escreve que precisa de uma mulher simples, equilibrada para não piorar seu "estado de espírito. Uma mulher só dele que ele encontrasse em sua casa a qualquer hora para apaziguar o horror de sua solidão. Uma mullher que se ocupasse dele o tempo todo para todas as pequenas coisas. Uma mulher que nem precisaria ser trés jolie. Bastaria que lhe estivesse do lado.p´0

Em "Scenari"(Cenários), na história Dezoito Segundos, um personagem louco é levado para o hospício. A descrição é comovente. O autor que revê cenas para ele familiares, consegue fazer visualizar com a emoção, uma seqüência de detalhes dolorosos. A força inútil do paciente que se debate contra não só aqueles que o amarram naquele momento, mas contra todo um mundo que não o aceita.

"De repente batem à porta. Os tiras entram. Eles se jogam em cima dele. Metem nele a camisa de força: ele é levado para junto dos loucos. Ele fica louco realmente. Visão do homem que se debate contra as grades. Encontrarei, grita, o problema central, aquele ao qual todos estão pendurados como as frutas em cachos, e então:
Mais loucura, mais mundo, mais espírito, sobretudo, mais nada."2

Contando uma história dentro de uma outra história, Artaud conta a história de sua própria doença. O doente-personagem tornou-se incapaz de corresponder aos pensamentos. ?Conservou a lucidez inteira, mas à alguns pensamentos ele não dá formas, não consegue traduzi-los em gestos ou palavras apropriadas. As palavras necessárias lhe faltam, não respondem ao seu apelo e ele vê desfilar imagens contraditórias e sem muita relação umas com as outras. Numa análise incrível do que sente o personagem, o "relatório clínico" é dos mais perfeitos para a leitura de um caso, se o pesquisador, mais uma vez, deixa-se levar por um só texto, texto este, desta vez material ainda mais tentador, exatamente porque é um louco o personagem. E a explicação do estado de isolamento continua. "Isso o torna incapaz de se misturar a vida dos outros e de se dedicar a uma atividade." Mais adiante, o médico dá sua "sentença" e o personagem doente reflete: "Justo no momento em que eu ia começar a viver! E conquistar o coração da mulher que amo."


1 Artaud Antonin. Oeuvres Completes. Gallimard:Paris, 1986
"La maladie est un état/ la santé n'en est qu'un autre / comme les obstinés heroes/ les médicins ne furent jamais pour moi / que les lâches qui.../ra tra la /e tra La / tralina / ra traline /e trati trala./ car savoir ce que c'est le moi / c'est n'être pas là ou on est /mais ailleurs./ guérir une maladie est un crime / c'est réprimer l'être de la vie.."

2 Artaud Antonin. Oeuvres Completes. Gallimard:Paris, 1978. Tomos III p.11 "Tout à coup on frappé à la porte. Des sbirre entrent. On se jette sur lui. On lui met La camisole de force: Il est emporté chez les fous. Il devient fou réellement. Vision de l?homme se débattant avec dês barreaux. Jê trouverai, crie-t-il, Le probléme central, celui auquel tous lês autres pendent comme lês fruits à La grappe, ET alors: ? Plus de folie, plus de monde, plus d?esprit, sourtout, plus rien."






Arriscar-se a afirmar que na construção de seu personagem, Artaud se pergunta sobre sua própria vida e dificuldades, entre elas, aquela de amar uma mulher, deixaria Artaud furioso. O louco da trama, que se passa toda em 18 segundos, se mata com uma bala na testa ao se ver aprisionado e sem a sua amada, mas não antes da historinha dentro da história na qual um senhor que pode ter tudo, um rei corcunda, que não é que a efígie dele mesmo, toma sua mulher e quer roubar-lhe o espírito. Peças para roteiros que parecem sonhos que convidam a interpretação, são obras de arte deste artista completo, que, quando lidas, ensinam, quando encenadas, emocionam, e por isso mesmo, quando interpretadas pelo próprio Artaud, chocavam tanto na veracidade, que muitas vezes resultavam na retirada em bandos de um público interessado em diversão e não em auto-conhecimento.
Obra e vida, amalgamadas em Dezoito Segundos, talvez mais que em qualquer outro texto, evidenciam a inversão de valores, o desarranjo de uma ótica standard, o deslocamento da perspectiva, a desconstrução da lógica, elementos essenciais buscados pelo escritor de Cenários para criar um novo teatro, feito para "traduzir os sonhos".
No tempo em que passa internado em Rodez, Artaud escreve cartas freqüentemente. Escreve a seus ex-médicos, a amigos, à sua mãe. Suas mensagens falam diretamente à sociedade e revelam seu mais profundo sofrimento. Faz críticas veementes aos tratamentos ao qual é submetido. Seus monólogos são verdadeiros diálogos com ele mesmo.
Nas que escreve a sua mãe, não há praticamente mensagem que não comece ou termine com um agradecimento em forma de pedido: a mãe tem que parar de lhe mandar dinheiro. Tem que guardar o que tem para o próprio sustento. Não pode continuar a querer dividir com ele os parcos provimentos. Ele sabe que a mãe está doente, que passa por necessidades. Artaud se envergonha em receber presentes, chocolate, açúcar. Escreve a sua progenitora com muita lucidez. É carinhoso. Pede a ela que ore por ele.
Escreve à "mais atenciosa das mães". Queixa-se por não ter-lhe dado mais amor, explica:
"As dificuldades da vida exterior fizeram com que se tornasse quase impossível para mim manifestar sentimentos."2

O tempo para a pesquisa e o material colhido não foram suficientes para afirmações categóricas, mas apesar de minuciosa procura nestas cartas à mãe, o nome do pai de Artaud quase nunca é citado. Seu delírio místico-religioso sobre sua própria origem permite que se afirme a negação ao nome do pai quando em uma das cartas dirigidas à senhora Artaud, ele assina Antonio Nalpas. Numa outra mensagem fala dele mesmo na terceira pessoa e explica: "a mãe de Nanaqui (ele mesmo) que não é sua mãe porque ele não pode ter outra mãe que não seja a virgem Maria.



1"quand les sens et les corps s'en mêlaient, l'âme et le coeur se retiraient...Et aimer c'est aimer d'un amour éternel et non de passade et de passage, ou alors ce n'est pas la peine d'aimer et ce n'est pas l'amour mais de la bestialité." Artaud Antonin. Oeuvres Completes. Gallimard:Paris, 1986
2 "les difficultés de la vie extérieur m'on rendu a peu prés impossible de manifester mes sentiments" Idem
E ainda, seu "amor" pelo Outro é muito curiosamente definido aqui, numa queixa em carta a sua própria amada mãe:


"Se alguém me tivesse amado de verdade neste mundo, de amor verdadeiro, eu não estaria na situação em que me encontro, ele teria me dado tudo que eu preciso e que me falta para viver e reencontrar as minhas forças, porque ele teria reconhecido que eu não sou um inútil e sim que minhas capacidades estão a serviço de todos... e que eu mereço não desaparecer no nada."

Artaud se queixa de não ter sido amado de verdade ou não estaria na situação em que se encontrava. Afirma que se tivesse sido amado, teria sido reconhecido. Não reconhece o Outro em ninguém devido a sua própria impossibilidade de amar. Continua em tom sério, mas que devido à forte contradição, faz sorrir e adivinhar uma outra verdade:

"Digo disso a meus amigos. Quanto a você, fique tranqüila, nos reveremos logo."

Ainda em suas reflexões sobre o amor, muitas são as reflexões a serem feitas seja pelo pesquisador em literatura que por um especialista em teatro ou psicanálise. Em alguns momentos, ele parece não se saber incapaz de tal sentimento haja vista sua superioridade: "Vocês são eu e eu não sou vocês." Em outros, as palavras substituem qualquer sentimento. "Eu traio, mas quero ter a minha volta alguns raros seres que eu adoro e que me adoram." O leitor avisado logo descobre porque os trabalhos da análise da doença e aqueles da análise da obra artística se misturam e se completam tão perfeitamente. O próprio Artaud fala, ele mesmo, de sua doença e o faz também através

"Si quelq'un n'avait aimé vraiment sur cette terre, d'amour, je n'en serais pas dans la situation où je suis ....mais il mais il m'aurait apporté tout ce que me faut et qui me manque pour vivre et retrouver mês forces parce qu'il aurait reconnu que je ne suis pas un inutile mais que mês capacités sont au service de touts et peuvent le redresser lui-même quand je les retrouverai et que je mérite de ne pas diasparaître sous rien." 3
"Ceci est dit pour mês amis (mas a carta é endereçada à mãe), quant à toi, sois tranquille, nous nous reverons bientôt." 4



da arte, elemento universal que uniu e une povos do mundo inteiro, numa fala única que pode ser universalmente compreendida, assim como "falarão" os pacientes que possam usar dela para tentar uma comunicação, quando não com o mundo, pelo menos com eles mesmos.



Artaud e Os Médicos:

A relação que Artaud mantém com seus médicos é sempre cercada de desconfiança. Desconfiança declarada, cantada e fundamentada.
"A doença é um estado
a saúde não é que um outro
como os obstinados heróis
os médicos não foram nunca para mim
mais que covardes que.."

Um pouco mais adiante, quem também é desiludido quando o assunto é médico e já se divertia com a poesia, se perde. Entram em cena então os leitores do além-palavra que falam de códigos históricos e pré-históricos e buscam ritmos e sons codificados para explicar o versinho final sobre estes "heróis obstinados":
ra tra la
e tra la
tralina
ra traline
e trati trala."

Coisa de doido? Uma tremenda gozação a seu alvo? Uma acurada seleção de sílabas para exprimir perfeitamente seu deboche? Significante? Nenhum significado? O que seriam na verdade as glossolalias? Presentes em muitos autores na poesia moderna, estavam presentes em escritos primitivos na busca de uma linguagem anterior, menos complexa, mais direta, capaz de ir direto ao ponto : o equilíbrio de quem a utiliza. Ler os trabalhos de Artaud e os trabalhos sobre Artaud são uma viagem riquíssima de conhecimento sobre o sujeito. Linguagem com sentido porque rica de significado e real para quem dela faz uso.



E ele se arrisca na filosofia, tocando o princípio da própria psicanálise, mas que será atacada fortemente por ele em vários momentos.
" pois saber o que é o eu
é não estar lá onde estamos
mas além."

E ainda:
"curar uma doença é um crime
é reprimir o ser da vida..."1

A proposta da psicanálise, que não promete a cura, mas sim a descoberta de si mesmo, a aproximação deste ser reprimido para que ele não fique de fora, não estaria aqui bem representada? Mas ele mesmo responde a quem tenta analisá-lo colocando-se fora do jogo "papai-mamãe" para que não o aprisionem no que ele considera uma tola armadilha da psicanálise.

"Eu, Antonin Artaud, sou meu filho,
meu pai, minha mãe,
e eu,
nivelador do périplo imbecil onde se fecha a procriação
o périplo papai-mamãe
e criança.
"saída" muito mais da vovó
que do papai-mamãe."

A alusão irônica às teorias sobre o Eu e o Outro, ficou famosa.
"Moi, Antonin Artaud, je suis mon fils, mon
père, ma mére,
et moi,
niveleur du périple, imbécile où s'enferre l'engen-
drement,
le périple pap-maman
et l2enfant,
suie du cu de la grand-maman
beaucopu plus que du pére-mère."
( XII 77.)

Artaud é de origem grega por parte de pai e mãe. Seriam as "glossolalias" influências da língua grega, ou seriam as seqüências de palavras sem sentido? Presentes ainda em surtos psicóticos, as de Artaud, hora são lidas como combinações geniais, hora como o discurso desconexo de um psicótico. A verdade é sempre uma só: seus delírios alimentam sua arte assim como sua arte vai alimentando seus delírios. A presença do inconsciente na obra é a base da contradição entre o real e o imaginário, entre o que pode ou não ser aceito pela sociedade, que nem sempre se mostra muito receptiva ao que não é uniforme.
Em cartas endereçadas a seus médicos, sempre em Rodez, Artaud oscila entre lucidez e delírios. Denuncia erros médicos. Diz-se virgem, e portando, não pode ser portador de sífilis. Explica a hipertrofia por ingestão de medicamentos que o envenenam. Fala do "estado de dor e ansiedade" que o martiriza e que não permite que ele trabalhe. Tem a certeza de ter sido envenenado. Seus episódios de confronto com a polícia o fazem afirmar que ela sempre esteve a serviço do Anticristo e do demônio. Demônios o afligem dia e noite. Acrescenta explicação por ter sido trancafiado no asilo. O povo francês da época, do lado do Anticristo, quer que ele se alimente dele mesmo (sêmen e excremento). Há de se ajudar Deus para que os homens de boa vontade não tenham que sofrer neste regime do inferno. Um artista doente, mas que não se cansava de se rebelar contra o status quo. Seus gritos incomodavam a psiquiatria que, segundo ele, era uma fábrica de doentes mentais. Curioso que hoje, o "louco Artaud" seja referência para estudos sobre experimentos no teatro, nas artes, na poesia e na lingüística, e ainda, na psicanálise e na anti-psiquiatria.
Artaud encontra-se no período mais agudo de sua doença, mas é porta-voz de um mundo sombrio baseado em práticas que hoje estão praticamente abolidas no tratamento de portadores de limitações mentais. Em momentos mais e menos lúcidos ele mostra a genialidade de sua loucura que funciona um veículo de denúncia. Rodez está "cheia de demônios".
Em Artaud o Momo, há uma passagem que afirma a existência de um momento no qual se deve optar entre renunciar a ser homem ou tornar-se um alienado evidente. E numa auto-análise incansável reflete sobre a loucura:

"Aquele que me disser: "Antonin Artaud, você é o louco, eu lhe responderei: "Você é cínico e eu o conheço a mais de um dia."

Fácil entender porque deliciava intelectuais e artistas em busca de um novo conceito de arte, contra o duvidoso conceito de bem estar de uma sociedade que sai destruída da guerra e que tem pressa para reconstruir-se como um todo, sem tempo para a singularidade. Inteligente, contundente, perspicaz, e completamente sem barreiras, dispara contra seu alvo com sutileza na argumentação. Observar só o negativo da doença é não deixar espaço para o que é diverso. Como evidencia Foucault no Nascimento da Clínica, é impossível separar as ciências do homem da negatividade, mas também da positividade em que aparecem. Sem um conceito claro de saúde, não se pode rotular doentes. Observar a doença e o sujeito que a porta como elementos separáveis já que a manifestação da mesma não se dará da mesma forma neste ou naquele sujeito, e ainda, observar as variáveis de tempo, do ambiente é afastar-se da análise superficial, é olhar, aproximar-se do sujeito, é ouvi-lo com a máxima atenção possível, seja qual for a sua forma de comunicação, inclusive, claro, o delírio. Assim como a febre é um sinal de reação do corpo contra a doença física, o delírio é uma reação da mente contra os fantasmas que a assolam. Artaud sabe muito bem disso.

"Os médicos são os inimigos natos do delírio, enquanto que o delírio, ou seja, a imaginação reivindicadora, é a regra da realidade."
E ainda, descrevendo as paisagens de VanGogh, avisa:

"Desconfie das belas paisagens turbilhonantes e pacíficas,
Convulsionadas e pacificadas.
É a saúde entre duas recaídas da febre ardente que vai passar
É a febre entre duas recaídas de uma insurreição da boa saúde.
Um dia a pintura de Van Gogh armada de febre e de boa saúde
Voltará para lançar no ar a poeira de um mundo enjaulado que seu coração já não podia suportar.

"Les médecins sont les ennemis-nés du délire, alor que le délire, c'est-à-dire l'imagination revendicatrice, est la règle de la réalité." XII 218



É de 1943 o relato em uma carta onde Artaud conta sua própria história, mas na qual ele é Nanaqui, nome com o qual assina também cartas à sua mãe. Artaud é o narrador. Num passeio com uma empregada, fazia calor, e ele quis tomar um sorvete. Teve um pressentimento: o sorvete estava envenenado. Notou uma atmosfera inexplicável a seu redor. Todos a sua volta ficavam maus de repente. A presença das pessoas o asfixiava. Encontravam-se todos contaminados pelo pecado e o ameaçavam. O sorvete o ameaçava. As pessoas más e o sorvete estavam ligados. Mas como e porque o sorvete teria sido envenenado assim, gratuitamente, ao primeiro que passasse? Ele teria sido o "escolhido". Não fazia muito sentido. Ele era só uma criança que não tinha feito mal a ninguém. Tudo inadmissível, mas o sorvete o envenenou. Este pode ter sido o primeiro indício de perseguição em sua história, narrado com cuidado e detalhes.
Seu precário estado de saúde, agravado em 1937, ano em que se encontra sozinho em Dublin, pode ser observado em múltiplas cartas repletas de delírios entrecortados, disposição peculiar dos textos no papel e forma de

"Et celui qui me dira: Antonin Artaud, tu es le fou, je lui répondrai: Tu es le cynique, et voilà plus d'un jour que te connais." XII 216


apresentação dos textos em geral. Artaud perfura e mancha as folhas, faz gráficos interpretados das mais variadas maneiras. Anuncia os acontecimentos maléficos resultantes do contato físico, deseja manter-se longe dos pecados imundos da carne. Entre seus momentos mais atormentados e mais lúcidos, encontra-se este de mais rara beleza: um poema que escreve à esposa de André Breton:
"Le trésor perdu sous la Mer c'est Vous. Et il serait idiot d'envoyer les scaphandriers. Les trésors sour la mer sont faits pour qu'on y rêve. Il ne faut pas y toucher c'est -à-dire que Personne ne peut vous atteindre."8

Beleza que não resiste a uma tentativa de tradução suprimindo o tratamento formal para permitir maior aproximação à doçura do texto.

"O tesouro perdido no Mar é Você. E seria idiota enviar escafandristas. Os tesouros no mar são feitos para nos fazer sonhar. Não se tocam, ou seja, ninguém pode alcançá-la."





8 Artaud Antonin. Oeuvres Completes. Gallimard:Paris, 1986


Artaud em sua doença é capaz de reconhecer o quanto ela própria é responsável pela sua incapacidade de amar? Artaud afirma que quando os sentidos e o corpo se misturam, a alma e o coração se retiram e que o amor propriamente dito se perde. O amor só vale a pena se amado de um amor eterno? Artaud se diz casto e São os não castos o mal da humanidade. Mas um sintoma a ser analisado. Artaud tem sua sexualidade comprometida.
Difícil não seguir esta pista. Este amor lhe teria dado tudo aquilo que faltava, inclusive as suas próprias forças. Teria reconhecido que quando não compreendido, Artaud é um gênio, é o que vê além, e sua utilidade para com a sociedade, que é imensa. Ele é uma pessoa especial demais para amar somente a mãe simplesmente, e de dispensar a ela sua atenção. Suas capacidades intelectuais têm que estar a serviço de todos. Será que podemos ler aqui também que por isso mesmo não poderia estar só "à serviço" de sua mãe? Pode-se pensar que Artaud se coloque com grande superioridade e observar este comportamento como mais um elemento que compõe seu quadro clínico? É freqüente seu controle exagerado sobre tudo e não é raro que ele se veja como um grande. Momentos de cuidado e de auto-estima, ou indícios de mania? No teatro, quer ocupar-se de todos os detalhes: do texto às vestimentas, dos som à luz. No tomo 26 de Obras Completas, Freud é citado como aquele que "fez escândalo em sua época esfolando a libido" e fala da "dor do ser sem ser, dentro ou fora, mas nunca dentro no não-lugar". Segue sua interpretação do mestre falando de um desejo sem pé nem cabeça, une volonté sans pardon, e afirma que o único erro de Freud foi o de querer organizar uma explicação e de chegar a um conceito. Ele, Artaud, filosofa sobre o inexplicável desejo do homem. "Além do que Freud chamou de libido, continua, está o caos..." Traduzir Artaud, que em seus primeiros trabalhos, já não é fácil, vai ficando cada vez mais difícil. Impossível ter a certeza de que se trate de uma palavra inventada propositalmente, um termo usado ironicamente, um devaneio, uma não-palavra.
O certo é que ele não se cansa de reanalisar interpretações psicológicas lidas nos livros ou quem sabe, dirigidas a ele mesmo. Artaud recusa mais uma vez a "equação papai-mamãe"
"Há um estado no qual matamos pai e mãe necessariamente. É quando alguém nos recusa a vida, quando já nos tiraram de nós mesmos...para se oferecer o grande luxo da operação pai-mãe, paternidade-maternidade"1
Buscando atentamente traços analíticos, o leitor que já não tem mais certezas sobre o que é lúcido ou menos lúcido nos textos que percorre, se depara com uma inegável força de vida em mais um belo trecho literário que propõe um outro eu:
"Você se acreditava só
não é verdade
você é uma multidão
você acreditava ter um corpo
ele é um outro
você se acreditava dono do seu corpo
não,
ele pertence a outros
a um outro
ao outro" 2
Todo e qualquer trabalho sobre Artaud, que tenha que se limitar a uma linha de pesquisa, diante de tantas possíveis pistas para seu ser complexo e multifacetário, será um trabalho árduo. A bibliografia é imensa. A margem para polêmicas sobre obras ou fatos não é menor. Cultuado ou atacado, medicado ou drogado, vaiado, admirado, o artista é ator de teatro, em seguida de cinema, acreditando-se poeta, tenta publicar suas poesias e consegue, inves disso, a publicação de suas cartas, material este que entremeia os textos e traduções para o teatro, palestras, o trabalho com o cinema, a defesa de sua poesia, seus desenhos e a arte em geral. Terapêuticas, as cartas, muitas vezes não enviadas, são depoimentos sobre o que sente Artaud sobre si mesmo e sobre o mundo.

2 "Vous vous croyez seul/ ce n'est pas vrais / vous êtes une multitude / vous vous croyez votre corps,/ il est un autre. Vous vous croyez le maître de votre corps, / non / il appatient à d'autres, /à un autre / à l'autre..."


Em 1943 a situação do hospital de Rodez é péssima. Os pacientes passam por privações, encontram-se subnutridos e é grande a falta de pessoal. No entanto, a medicina avança. O doutor Ferdiére torna-se responsável pela diminuição das perdas de pacientes com tratamentos modernos e uso de novos medicamentos em substituição ao Gardenal.

Antonin Artaud é um caso na tese do doutor Jacques Latrémolière.

"Observação VII:

Antonin Artaud, um ex-viciado em drogas, portador de psicose alucinatória crônica com delirantes polimorfas, dupla personalidade, e « bizarro » sistema metafísico:
 "- Eu me redimi a humanidade, aceitando o sofrimento sob o domínio dos demônios." Idéias sobre renovações na reprodução do homem devido a impureza do sexo: Idéias de múltiplas influências, hipocondríacas)

Na sua internação, ocorrida a 11 fevereiro de 1943, o estado geral é bom, os músculos são normais. T.A a 17/10

        Um exame detalhado mostra desigualdade entre as pupilas, os reflexos são normais e não apresenta problemas musculares. O L.C.R. também é normal.

       Observa-se uma ligeira escoliose dorsal direita, com ápice D6, não fixa, equilibrada há muito tempo.

       O doente engordou cinco quilos desde que o tratamento de choque começou em 20 de junho.

      Desde a segunda sessão, ele fala de dores nas costas, que se tornaram violentas na terceira crise : dores bilaterais, construtivas, que aumentam a qualquer movimento, a tosse ..." 9

Observation VII:

«Antonin Artaud, ancien toxicomane, atteint de psychose hallucinatoire chronique, avec des idées délirantes polymorphes luxuriantes (dédoublement de la personnalité, système métaphysique bizarre:
"Je rachète l'humanité en acceptant de souffrir sous l'empire des démons." ; rénovations de la reproduction de l'homme, à cause de l'impureté du sexe: Idées d'influences multiples, hypocondriaques)
A son entrée le 11 février 1943, l'état général est bon, la musculature est normale. T.A à 17/10
Un examen détaillé montre une inégalité pupillaire pure, les réflexes accommodateurs et photo-moteurs sont normaux; rien à signaler dans la musculature extrinsèque. Le L.C.R. est d'ailleurs normal.
A noter une légère scoliose dorsale droite, à sommet en D6, non fixée, équilibrée depuis longtemps.
Le malade a grossis 5 kilos lorsque le 20 juin le traitement de choc est institué.
Dès la deuxième séance, il parle de douleurs dorsales vagues, qui deviennent violentes au réveil de la troisième crise: bilatérales, constructives, augmentées par le moindre mouvement , la toux ... »


Perfeitamente compreensível a defesa da figura de tão importante artista, por parte de seus fãs e amigos para que Antonin Artaud e toda a sua arte não ficasse nunca assim resumido a uma fria avaliação clínica de uma tese científica. Artaud declara que se é um poeta ou ator, não o é para declamar poesias, mas para vivê-las. Um ator não deve recitar para ser aplaudido, mas para sentir tremer os corpos de homens e mulheres em uníssono com o seu. Um artista portador desta tremenda sensibilidade, simplesmente não cabe, segundo seus seguidores, dentro de uma observação técnica e formal.

Este trabalho que se pretendia muito menor, e que tinha como principal objetivo simplesmente focar semelhanças e diferenças entre as psicoses e que parece não querer chegar ao fim, inevitavelmente foi se tornando paixão e admiração tamanha a comoção que provoca a tentativa de comunicação do autor com o mundo, mesmo não o reconhecendo como digno de suas palavras.

O paciente da tese do doutor Ferdiére é um psicótico. Freud já alertava para o cuidado que se deveria ter nos diagnósticos de paranóia e de esquizofrenia, mostrando o quanto os sintomas podem variar. Como Artaud, muitos são os casos de psicose a serem tratados sim, com o acompanhamento de analistas. Ele mesmo passou por um psicanalista e preferiu não ficar com ele. Seu psicanalista, o doutor Allendy, membro da Societé psychanalytique de Paris era muito conhecido e também o apoiava em seus projetos, principalmente os teatrais. Talvez não fosse seu "sujeito suposto saber" e por isso mesmo não o tenha feito entender que não estava ali, como ele mesmo criticava, para "curá-lo". Suas limitações das quais muitas ele era bem consciente, não impediram seu sucesso e ele teve a possibilidade de
9 Antonin Artaud. Biblioteque Ntionale de France. Gallimard. 2006

ser reconhecido e publicado em vida, coisa negada a tantos outros artistas não portadores de limitações sérias como as suas. Ele teve o privilégio ainda, de escolher o material a ser reunido para a publicação. Os desenhos, que ele chama de documentos, vão intercalando cartas, anotações e fatos. Ele os denomina de "testemunhos brutos da vivência psiquiátrica", dando já o conceito de arte bruta para as obras que são realizadas "fora" do circuito social ou mental. Contra valores pré-estabelecidos de uma sociedade que se agarra a religião como fuga do pensamento, as armas de Antonin são a revolta, o obsceno, a violência. Sua angústia maior parece ser o mistério do nascimento, do sexo e da morte. A droga, sua companheira mais constante de vida, o leva do uso de medicamentos, à toxicomania, às viagens de descobertas, e também ao fim de sua resistência física. Basta perguntar a um amante de literatura ou teatro sobre Artaud para sabê-lo presente e atuante: "Aquele do teatro da crueldade?" Sim, não por acaso "aquele" do teatro que pretendia liberar forças inconscientes da platéia. .... "Ah, o cara que escreveu sobre Van Gogh?" Sim, o dono do texto famoso por mostrar a contradição maior e a linha limite mais sutil entre o que é saúde e o que é doença quando pessoas, arte e sociedade se encontram e se desencontram no pensamento.
No ano de sua morte escreve:
"Ainda não estamos no mundo."

O mundo não pode ser só o que ele conhece. Um mundo de doença, sofrimento, drogas e solidão. Seus pensamentos o abandonam. Há algo, como diz o próprio Artaud, que destrói seu raciocínio. Consciente de sua doença, Artaud se isola mais e mais. Consciente da doença que às vezes o paralisa completamente, não deixa de procurar tratamentos. Mesmo sendo descrente, busca ajuda para organizar-se. Os choques fizeram um Artaud ainda menos sucedido na tentativa de reconstrução. Frase e idéias entrecortadas compõem a maioria dos textos de 46. Artaud não é dono de sua alma, não é dono de seu cormo. Fala de si como "a merda". A merda é o combustível que o mantém vivo. A céu aberto, escreve sobre masturbação, ânus, excremento, vagina, prazer e não-prazer, construindo uma tela sulreal da qual Cristo e a Virgem Maria saõ ora pincelados, ora riscados, como se devessem ser substituídos pelas imagens dos homens e mulheres que fizeram parte de sua vida. Em seus últimos escritos, a monotonia da obscenidade e do nonsence é quebrada por sons e imagens tolas e infantis que fazem achar graça de tão triste loucura:

" L"âme c'est le cu pétant
le coeur le con vit rotant."

Peidos e arrotos explicam o que não tem explicação. Nem escrever à mais possível. Muito distante do seu discutido "Corpo sem Órgãos", suas idéias enfim se "despedaçam" em meio a bizarrias, mas traduzem bem a sua precaridade: "Os seres se oferecem a mim, eu não me ofereço mais a eles. Eu os perco."

Artaud finalmente se perde. Perdemos Artaud.


Para os amantes da psicanálise, eis o legado de Artaud para constantes reflexões:
"Você sabe bem da repugnância sobretudo instintiva e nervosa que manifestava quando eu o conheci através deste tratamento. Você conseguiu me fazer mudar de ideia, se não do ponto de vista intelectual, já que há nesta curiosidade, nesta penetração de minha consciência feita por uma inteligência desconhecida, uma espécie de prostituição, de impudor que eu vou rechaçar sempre, mas enfim, do ponto de vista experimental, eu pude constatar o bem que me fez e se necessário eu me colocaria novamente a disposição para uma tentativa análoga, mas do mais profundo de minha vida eu insisto em fugir da psicanálise..."1
1 "Vous savez assez quelles répugnances surtout instinctives et nerveuses je manifestais quand je vous ai connus pour ce monde de traitement. Vous êtes parvenu à me faire changer d'avis, sinon du point de vue intellectuel, car il y a dans cette curiosité, dans cette pénétration de ma conscience par une intelligence étrangère un sorte de prostitution, d'impudeur que je repousserai toujours, mais enfin du point de vue expérimental j'ai pu constater le bienfaits que j'en avais retirés et au besoin je me prêterai de nouveau à une tentative analogue mais du plus profond de ma vie je persiste à fuir la psychanalyse,...»
10 Artaud Antonin. Oeuvres Completes. Gallimard:Paris, 1986

Bibliografia

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VIRMAUX, ALAIN ; VIRMAUX, ODETTE. Antonin Artaud, Qui êtes vous? Paris: La Manufacture, 1996. 

 

 

                                                Anexos

Anexo A