GÊNEROS E TIPOS TEXTUAIS1

Valtenir Muller Pernambuco

Marinês Ulbriki Costa

Curso de Pós-Graduação em Análise do Discurso

11/06/12

Resumo:

Este artigo apresenta reflexões acerca dos gêneros textuais e um estudo especial voltado para a crônica. Inicialmente apresentamos os conceitos de gêneros e tipos textuais, a partir das concepções de Bakhtin (2003). Na sequência, expomos as considerações de Irande Antunes (2010) e Luiz Antônio Marcuschi (2002) sobre fundamentos e questões envolvidas na análise de textos e a importância de inseri-la para a prática da interpretação dos diferentes gêneros discursivos na escola.  Neste âmbito, num segundo momento se aborda uma análise sobre a crônica. A partir da teoria apresentada por Maria Imaculada Pereira (2010), acreditamos que a presença do gênero citado, nas escolas, seja de suma importância, pois reconhecer e utilizar o recurso da narração e da argumentação como ferramenta pedagógica nos diferentes gêneros textuais é capacitar para compreensão e produção de sentidos nos diferentes contextos comunicativos.

 

 

 

 

 

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1. Artigo apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Análise do Discurso pela URI-Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Frederico Westphalen/RS.

Reflexões Introdutórias

O presente artigo tem a pretensão de teorizar acerca dos gêneros discursivos e tipos textuais atrelados à proposta de ensino e de aprendizagem a partir da compreensão da crônica. O objetivo apresentado parte dos pressupostos teóricos de Luiz Antônio Marcuschi (2002) que ressalta que os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente ligados à vida cultural e social e que contribuem para ordenar e estabilizar atividades comunicativas do dia-a-dia e amplia sua teoria demonstrando a diferença entre gêneros e tipos textuais: narrativos, dissertativos e descritivos.

A partir dos pressupostos teóricos elencados, embasamos o gênero textual crônica. E como referência, optamos pelas considerações de Pereira (2010) que enriquece as informações sobre esse gênero. Nesse âmbito, num segundo momento abordamos uma análise de textos, seus fundamentos e práticas, tendo como foco os aspectos globais. Percebemos que esses aspectos estão voltados ao ensino no uso cotidiano apenas da gramática, atrelados aos manuais didáticos, deixando de lado a real importância do texto, da sua compreensão interativa para assim desenvolver competências, pois isso é essencial para a produção e compreensão de textos, no exercício da linguagem, na constituição enquanto sujeitos, favorecendo também a interação humana e sua participação social na sociedade letrada.

1-Gêneros textuais: Conceituações

Marcuschi (2002, p.19) afirma que os gêneros são entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis de qualquer situação comunicativa e que apresentam alto poder interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo. No entanto, mesmo apresentando características textuais altamente maleáveis e dinâmicos, os gêneros não são instrumentos estanques da ação criativa, mas surgem com as necessidades e atividades socioculturais, bem como na relação com inovações tecnológicas.

De acordo com Marcuschi (2002) os povos de cultura essencialmente oral desenvolveram um conjunto limitado de gêneros.  Após a invenção da escrita alfabética por volta do século VII A.C., multiplicam-se os gêneros surgindo os típicos da escrita. Numa terceira fase, a partir do século XV, os gêneros expandem-se com o florescimento da cultura impressa para, a fase intermediária de industrialização iniciada no século XVIII, dar início a uma grande ampliação. Hoje, em plena fase da denominada cultura eletrônica, presenciamos a explosão de novos gêneros e novas formas de comunicação, tanto na oralidade como na escrita.

Segundo Marcuschi (2002) os gêneros caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. São de difícil definição formal, devendo ser contemplados em seus usos e condicionamentos sócio-pragmáticos caracterizados como práticas sócio-discursivas. Quase inúmeros em diversidade de formas, obtém denominações nem sempre unívocas e, assim como surgem, podem desaparecer.

Como exposto anteriormente, os gêneros textuais não se caracterizam como formas estruturais estáticas e definidas. Eles são eventos linguísticos, mas não se definem por características linguísticas, mas enquanto atividades sócio-discursivas, sendo assim não há como definir uma lista fechada de todos os gêneros. Como afirma Marcuschi (2008 p 29). “quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares”, o que permite dizer que as definições de conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição características em determinada situação comunicativa caracterizam o gênero textual e sua funcionalidade.

Luiz Antônio Marcuschi (2002) faz uma distinção relevante entre gênero textual e tipo textual. E, partindo de um pressuposto básico, ele afirma que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero. Assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por um texto. Em outras palavras, a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual.

A expressão tipo textual é usada para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição tais como: aspectos léxicos, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas. Em geral os tipos textuais abrangem as categorias conhecidas como: argumentação, narração, exposição, descrição, injunção. A expressão gênero textual é usada para referir os textos materializados da vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.

A expressão gênero sempre esteve ligada aos gêneros literários, mas hoje é mais usado para referir a uma categoria distintiva de qualquer discurso falado ou escrito, com ou sem aspirações literárias. Assim, um gênero pode não ter uma determinada propriedade e ainda continuar sendo aquele gênero.

Outro aspecto interessante nos textos é a sua caracterização híbrida, com formatos de certos gêneros, porém com objetivos de outros. Isso configura uma estrutura inter-gêneros de natureza híbrida que se evidencia como uma mescla de funções e formas de gêneros diversos num dado gênero.

Conforme Marcuschi (2002) a questão da intertextualidade deve ser distinguida da questão da heterogeneidade tipológica do gênero, que diz respeito de um gênero realizar várias sequências de tipos textuais. Segundo ele, a intertextualidade inter-gêneros é um gênero com a função de outro, enquanto que a heterogeneidade tipológica é um gênero com a presença de vários tipos.

Ele ainda acrescenta que os gêneros de mídia têm sido objeto de inúmeras descrições nos últimos anos, com uma grande diversidade de enfoques e função, cada texto com suas características que abrangem outros gêneros, constituídos de um dizer sobre o dizer, imediato ou recente. A escola também passou a estudá-los com o objetivo de formar leitores críticos e construtores de diversos textos que circulam na sociedade.

Assim, o estudo aprofundado dos gêneros textuais em sala de aula facilita a compreensão do texto pelo leitor que, ao deparar-se com os elementos típicos que compõem o enunciado, compreende a sua função e o seu enfoque em uma determinada situação.

2- Questões envolvidas na análise de textos

De acordo com Antunes (2010), a tarefa de ‘analisar’ texto implica ‘separar os elementos’ de um conjunto, e, em um texto nada é separável totalmente. Tudo está intimamente entrelaçado e se interdepende. Uma questão que parece ser só de gramática pode estar inteiramente relacionada com o entendimento global do que é dito. De maneira que vale a pena não perder de vista, em qualquer momento, a relação de cada recurso com uma visão de conjunto de texto. Embora possa focalizar um ou outro aspecto particular, na medida em que cada unidade constitui um elo do sentido maior expresso pelo todo.

Todo texto exige um estudo específico. Antunes (2010) defende a ideia no âmbito da linguística de texto, o princípio de que muitos fatos da língua, sobretudo aqueles relativos a seu funcionamento, não cabem nos limites da frase. De fato, somente no texto é possível encontrar justificativa para, por exemplo, a escolha dos artigos, das expressões dêiticas para a compreensão de relações semânticas entre frases encadeadas sem a presença de conectivos explícitos; para as propriedades referenciais de substantivos e pronomes, sem falar nas muitas funções textuais e discursivas da repetição de uma palavra ou da substituição de uma por outra equivalente.

Conforme a autora, a frase, como unidade isolada, é bastante limitada. É um recorte, uma espécie de fragmento de um hipotético contexto. Como tal, não deixa de ver a imensa complexidade do funcionamento sociocomunicativo da linguagem. Nesse sentido, a ideia proposta é que seja deixada de lado a prática tão comum de análise de frases soltas, inventadas, frases artificiais, sem contextos reais, exatamente ao contrário do que acontece quando falamos ou ouvimos, escrevemos ou lemos.

Um texto também difere de um conjunto de frases porque, neste espaço, qualquer frase pode seguir-se a qualquer outra. A ordem em que elas aparecem não afeta em nada o sentido do conjunto, uma vez que não há exigências de continuidade ou de restrições contextuais. No âmbito do texto, ao contrário, temos que assegurar uma sequência da qual resulte a unidade, a coerência, linguística e pragmática, pretendida. O texto é diferente de frases; é diferente de um conjunto de frases. Exige um estudo específico.

O que se faz quando se analisa um texto? Pois bem, seguindo as colocações da autora em referência, analisar textos é procurar descobrir, entre outros pontos, seu esquema de composição; sua orientação temática, seu propósito comunicativo; é procurar identificar suas partes constituintes; as funções pretendidas para cada uma delas, as relações que guardam entre si e com elementos da situação, os efeitos de sentidos decorrentes de escolhas lexicais e recursos sintáticos. È procurar descobrir o conjunto de suas regularidades, daquilo que costuma ocorrer na sua produção e circulação, apesar da imensa diversidade de gêneros, propósitos, formatos, suportes em que eles podem acontecer.

O exame de tais regularidades é que nos permite levantar expectativas e construir modelos de como os textos são construídos e funcionam. O conhecimento desses modelos é fundamental para ampliação de nossas competências comunicativas, uma vez que, somente nos comunicamos através de textos, nem que eles tenham apenas uma palavra. Buscar descobrir estas regularidades textuais é mais do que perguntar sobre “o que diz o autor”. É, além disso, perguntar como é dito o que é dito, com que recursos lexicais e gramaticais, com que estratégias discursivas, quando e por que é dito, para quem e para provocar que efeitos, implícita e explicitamente.

Para Antunes, as finalidades da análise de textos, em termos mais específicos, objetiva ampliar nossas capacidades de compreensão, nosso entendimento do que fazemos quando nos dispomos a processar as informações que ouvimos ou lemos. A própria atividade de análise, reiterada e consciente, é fundamental para desenvolver nossa capacidade de perceber, de enxergar, de identificar os fenômenos ou fatos que ocorrem nos textos. Evidentemente, nossas atividades de fala ou de escrita também ganham com a prática da análise, pois, por ela, passamos a entender melhor certos aspectos dos processos cognitivos, linguísticos, textuais e pragmáticos envolvidos em nossas interações verbais.

Na terminologia escolar do ensino de Português, é comum a expressão interpretação de texto, fruto de uma análise que consta logo a seguir aos textos que compõem cada unidade do livro didático. Antunes (2010) argumenta que o fato de estes exercícios contarem, praticamente, depois de todos os textos e a forma meio mecânica com que eles têm sido vivenciados, passou a significar uma atividade simples de encontrar respostas para um conjunto de perguntas. Esta prática está mais voltada para a identificação de um conjunto de unidades gramaticais e, não ao que propõe a análise de textos para a compreensão num todo.

Numa perspectiva escolar, vale, no entanto, apontar alguns cuidados que devem ser tomados quanto a essa escolha do material a ser objeto de análise. Evidentemente a escolha desse material se prende a determinadas circunstâncias, como, por exemplo, o tipo ou o gênero em estudo ou alguma particularidade relacionada a um deles. De qualquer forma a motivação da escolha deve ser, sobretudo, a análise de aspectos pertinentes à natureza, à função, à construção do texto. No que se refere à oralidade, deve ser de interesse da escola promover diferentes situações de interação, com distintas finalidades e destinada a grupos variados de interlocutores do mesmo ou de outros grupos. Na verdade a escola deve assegurar ao aluno a convivência com a diversidade de intervenções e de contextos da comunicação oral pública, para que ele possa ultrapassar a simples oralidade da conversa informal entre pares do mesmo grupo social.

Nessa perspectiva, cabem as iniciativas, conforme propõe Antunes (2010), para promover atividades que ponham o aluno em contatos reais com gêneros orais mais complexos e formais como: debate, seminário, apresentação de trabalhos em grupo, defesa ou justificativa de pontos de vista, de propostas, exposição de pontos teóricos ou de ideias, entrevista, apresentação de pessoas, de programas, de eventos, etc. A análise de textos orais deve ser, portanto, um largo espaço nas atividades de sala de aula. Em se tratando da análise de materiais escritos é recomendável que os textos sejam adequados, quanto à temática, à estruturação linguística e ao tamanho, à faixa etária dos alunos, contextualizações geográfica e culturais; diversidade de gêneros, dialetos, recursos visuais, etc.

Ao tratar sobre quais elementos analisar em um texto, Irandé Antunes (2010) diz que tudo pode ser analisado em textos. De fato, neles toda a língua, em suas múltiplas dimensões, pode estar presente. Evidentemente, um determinado texto não abarca todos os aspectos linguísticos e todos os fatores responsáveis pela sua funcionalidade e sociointerativa. Assim a autora afirma que os textos são o campo natural para análise de todos os fenômenos da comunicação humana. Neles é que os aspectos da produção e da recepção de nossas atuações verbais se tornam acessíveis à observação.

Essa abertura de possibilidades não implica que, metodologicamente, não escolhamos um recorte entre as questões analisáveis. Em suma, o texto é que deve ser o centro, o objeto dos estudos, das análises, das descrições. A gramática, evidentemente, está presente como componente funcionalmente essencial e insubstituível. O que se tem que descobrir é, exatamente, essa funcionalidade de cada recurso gramatical.

 Dentro dessa conveniência de se proceder a um recorte das questões a serem exploradas, e de se escolher ora um, ora outro foco de análise, um critério poderia ser: O exame do texto como um todo ou o exame de uma ou outra de suas partes. Enfim, é quase impossível enumerar exaustivamente o que podemos analisar nos textos. Uns podem oferecer uma quantidade maior de elementos; outros, menos, na dependência de uma série de fatores, que, como sabemos, são determinantes para a sua composição.

“Toda análise é orientada por um corpo de princípios que regulam seu percurso”, Antunes (2010, p.58). A análise do texto pode acontecer, quer no plano global quer no plano local, e, ainda, sob diversos outros aspectos. Vale salientar, no entanto, que qualquer análise, de qualquer segmento deve ser feita, sempre, em função do sentido, da compreensão, da coerência, da interpretabilidade do que é dito. O que significa admitir que, em qualquer análise, a questão maior é sempre a compreensão do que se diz e de como e para que se diz o que é dito.

Antunes (2010) afirma que no ensino da língua, o apelo maior deve ser orientado para a descoberta e a compreensão dos sentidos, das intenções e da função com que as coisas são ditas. O fundamental, portanto, é perceber a função pretendida para cada uso, para cada escolha. Em tudo os que dizemos, como se sabe, as escolhas não são aleatórias. Em geral, fica-se muito no estudo das formas linguísticas, como se nada mais houvesse além delas. É, portanto, na perspectiva de ver a interação verbal acontecendo que se deve empreender o trabalho de análise dos textos que circulam ou que circularam entre nós.

Na perspectiva elegida por Antunes (2010), é natural que se evite recorrer à prática, que foi tão comum, de retirar do texto um ou outro segmento, apenas, para identificar a classe gramatical ou a função sintática de certas palavras, ou para classificar tais palavras segundo um ou outro critério morfossintático. Por sinal, tal prática nem chegava a ser análise textual, uma vez que estava em jogo apenas a identificação e a classificação das unidades, em geral desvinculadas do texto e do contexto onde elas se situam.

A propósito dessas habilidades de identificação ou de classificação, parece pertinente afirmar que pode ser útil recorrer a atividades desse tipo, desde que estejam em jogo, primeiramente, a percepção de como as unidades a serem classificadas são significativas para a compreensão dos sentidos e das intenções. Ou seja, podemos ver que aquelas atividades de meras identificações e classificações nos privam de perceber o mais relevante, se focarmos somente a elas, no entanto, elas podem ajudar a focalizarmos para a compreensão do todo. Na verdade, é usuário da língua quem conhece o caráter significante e significador da linguagem, mesmo que não saiba apontar as classes a que suas unidades pertencem.

Ainda em referência as questões envolvidas na análise de textos, Antunes (2010) orienta alguns procedimentos a serem adotados. Para ela, tais procedimentos são muitos e podem variar de uma situação a outra, na dependência de muitos fatores, com a própria finalidade da análise, inclusive. O importante é manter o interesse por um estudo flexível, aberto, amplo, que atinja o que é fundamental no uso da linguagem: sua função como meio de promover a interação entre as pessoas para o cumprimento das diferentes funções comunicativas. Esse interesse, uma vez ativado, nos torna capazes de ir descobrindo, de ir inventando e reinventando cada dia jeitos mais significativos de atuas com nossos alunos.

A propósito desse ponto, vale a pena destacar o cuidado ressaltado por Antunes (2010) de não imprimir à análise em espécie de fórmula, como se todo texto seguisse, com absoluta rigidez, um modelo absolutamente estável e fosse independente de suas condições de produção e circulação. Um texto concreto, apesar de poder ser enquadrado num protótipo qualquer, que o faz ser reconhecido como determinado gênero, está sujeito a variações que dependem das decisões dos agentes do discurso no curso das interações, Estas interações acontecem de forma ilimitada e em constante variação. Nossas análises, portanto, devem acomodar-se às condições concretas de cada objeto e podem trazer um elemento particular, que se origina na própria particularidade histórica do texto concreto.

3-Fundamentos para a análise de textos:

O primeiro interesse, na análise de textos, deve estar orientado para apreensão de seus aspectos globais, em que haja o entendimento do texto como um todo. Alguns elementos podem não ter muita relevância para a construção do sentido, mas é de extrema importância apreender os elementos que definam a mensagem e os propósitos globais.

Segundo Irande Antunes (2010) em geral, as análises mais comuns empreendidas na escola incidem sobre fragmentos, sobre questões pontualmente localizadas ou sobre particularidades morfossintáticas das classes de palavras, obscurecendo, assim, a visão do que é dito e porque isto é feito. Sobre esta visão há inúmeros aspectos que podem corroborar para a compreensão geral do texto. Vejamos alguns.

3.1- O universo da referência

Conforme Antunes (2010), um texto tem como enquadramento cognitivo entidades, relações, propriedades de um mundo real ou de um mundo fictício no interior das quais as informações e ideias tem que ser entendidas. Dentro deste universo de referência podemos identificar o campo social discursivo em que se insere, conforme se distingue aos campos científicos, didáticos, religiosos, políticos, de divulgação, de entretenimento, entre muitos outros.

Em relação a este item, pode ser lembrada a questão da adequação contextual do texto. Segundo Antunes (2010), presentemente, as discussões em torno do bom texto têm destacado a primazia da sua adequação a seu contexto de produção e circulação. Com a reiteração desse princípio, espera-se, entre outros resultados, enfraquecer a visão reduzida de que, para um texto ser bom, basta que ele esteja correto. Um texto, em princípio, pode até não estar correto, mas se estiver social e discursivamente adequado a seu contexto de circulação, é um bom texto. É importante destacar também, conforme a autora, a questão dos destinatários previstos. É de extrema importância tê-los em vista pelo fato de a linguagem ser endereçada a alguém como uma atividade interativa entre dois ou mais interlocutores, pressupondo-se sempre a presença de outro.

Embora pareça tão óbvio esse princípio, devemos considerar que as atividades de língua portuguesa que visam treinar pontos específicos da gramática não devem estar em frases descontextualizadas, sem nenhum interlocutor previsto para ocupar o lugar do outro lado. Como regular o que e como dizer, se não sabemos com quem interagimos?

3.2- A unidade semântica

Nas considerações de Antunes (2010) um texto se desenvolve em torno de um tema, ou de um tópico ou, daquilo que, convencionalmente, chamamos de ideia central. Essa unidade funciona como um fio, um eixo, que faz cada segmento girar em torno de um centro. Essa unidade é que permite a elaboração de uma síntese ou de um resumo, o entendimento dos títulos e dos subtítulos, a localização dos subtópicos, o discernimento entre as ideias e aquelas outras secundárias.

Segundo Antunes (2010) é esta unidade temática que deixa o texto com um conjunto demarcado, com um terreno delimitado. A análise dos elementos que caracterizam esta unidade temática do texto, oral ou escrito, recobra uma importância fundamental na exploração dos usos das linguagens. É interessante lembrar que para a unidade em questão, concorrem os diferentes recursos da coesão, que promovem a articulação entre suas várias partes, de maneira que não se pode reconhecer uma sequência de fatos, de informações, de ideias, de argumentos, de comentários, etc.

Outro fator relevante sobre esta questão é o saber reconhecer o ponto de vista a partir do qual o tema é tratado. Ou seja, mesmo escrito sobre um tema particular, o autor assume um determinado ponto de vista, o qual também define as condições de sua coerência global. Por isto é que textos sobre um mesmo tema podem se desenvolver à volta de pontos de vista diferentes.

A autora argumenta, ainda, que a concentração do texto em determinado tema lhe dá unidade. Evidentemente, em seu percurso, esse tema vai-se progredindo e algo diferente vai sendo acrescentado. Há de se esperar que o interlocutor identifique o que se diz do tema, alimentando-o para novos parâmetros de ideias num processo a que chamamos de progressão, encadeamento de ideias, em uma articulação de várias partes em um todo. Lembramo-nos de que, é diante do que lemos e ouvimos, experimentamos a sensação de que estamos diante de uma unidade, de que somos capazes de reconhecer seu começo e seu fim.

3.3- O propósito comunicativo

Segundo Antunes (2010), todo o texto acontece com uma finalidade que se pretenda cumprir um determinado objetivo. Este propósito, que é parte de qualquer atividade de linguagem, pode ser apontado como: expor, explicar, convencer, persuadir, defender um ponto de vista, propor uma ideia, apresentar uma pessoa, informar, etc. A série desses propósitos é praticamente inesgotável. Pode-se relatar um fato com o propósito de convencer alguém de alguma coisa; pode-se trazer uma informação com o propósito de defender um ponto de vista. Assim podemos dizer que entender um texto supõe a habilidade de identificar este propósito, discernindo entre o que é o propósito e o que são as estratégias para se conseguir este objetivo.

Sobre este tema, a autora ressalta que toda a ação de linguagem é argumentativa, no sentido de que há sempre, clara ou vedada, uma pretensão de se conseguir a adesão do interlocutor e ganhar sua concordância. O reconhecimento destes argumentos verbais e não verbais é alcançar a genuína compreensão discursiva.

3.4- Os esquemas de composição: tipos e gêneros

Nas colocações de Irandé Antunes (2010) os textos obedecem a padrões regulares de organização em decorrência do tipo e dos gêneros que materializam. Todos nós sofremos mais essa coerção social: nossas ações de linguagem obedecem a modelos estabelecidos linguística e socialmente. Podemos considerar os tipos de textos como categorias que abrangem um conjunto de determinações de natureza linguística, tais como aspectos lexicais, sequências sintáticas, variações dos tempos verbais etc.

A propósito dos tipos textuais, podemos lembrar a posição de Marcuschi (2010: 20-23), que como outros autores, considera os tipos de textos como uma questão definida linguisticamente, isto é, por categorias pertinentes ao sistema da língua e não às pretensões retóricas que ocorrem no domínio da enunciação.

Complementando, Antunes (2010) diz que os gêneros são textos empíricos que constituem textos em circulação, os quais são regulados também por tipos de sequências sintáticas e relações lógicas. Cumprem funções comunicativas específicas, com propósitos comunicativos determinados e facilmente reconhecíveis pela comunidade em que circulam. Dessa forma, os gêneros variam com o tempo, com as condições históricas de cada grupo, o que significa dizer que alguns podem desaparecer outros se transmudarem, outros, surgir.

A verdade é que temos consciência de que nossas ações de linguagem, consequentemente, nossas opções textuais não são absolutamente originais: há um consenso geral sobre como se faz uma resenha, uma carta, um edital de concurso, como se faz a apresentação ou a resenha de um livro etc. Ou seja, procuramos nos conformar aos modelos preexistentes, já em circulação em nossos grupos.

Esses modelos de gêneros abarcam o que se tem chamado de a forma composicional do gênero. Que regula o número de blocos ou de partes que um texto deve ter. É essa a forma que regula o que deve aparecer em cada um desses blocos bem como a sequência em que eles devem ocorrer.

3.5- A relevância informativa

Antunes afirma que o bom texto é aquele que traz um grau de informatividade adequado às suas circunstâncias de circulação. A imprevisibilidade que faz subir a relevância do texto, quanto mais um texto apresenta novidades, quanto mais foge as obviedades, mais ele é relevante. Isto não significa que todo o texto tem que trazer, sempre, um alto grau de novidade.

Vale a pena, no entanto, conceder importância a esses graus de novidade que, em certos contextos, os textos devem apresentar para que possam ser considerados como de boa qualidade.

3.6- As relações com outros textos

A propriedade discursiva da intertextualidade faz parte do dia a dia pedagógico. A intertextualidade está presente em cada evento de linguagem, é a partir dos discursos já feitos que criamos, recriamos, que ressignificamos os nossos. A relação com outros textos diz respeito a ideia de que tudo o que se expressa pelas diferentes linguagens remete a toda experiência humana da interação verbal, e portanto, pertence a uma grande corrente de discursos construídos ao longo do tempo.

Assim, nenhum texto é absolutamente original, nem pertence por inteiro à autoria de quem disse ou escreveu. Nossa voz carrega necessariamente as vozes de todos que nos antecederam, tenhamos consciência disso ou não.

4- História da Crônica

Para Pereira (2010) crônica é um gênero de texto tão flexível que pode usar a máscara de outros gêneros, como o conto, a dissertação, a memória, o ensaio ou a poesia, sem se confundir com nenhum deles. É leve, despretensiosa como uma conversa entre velhos amigos, e tem a capacidade de, por vezes, nos fazer enxergar coisas belas e grandiosas em pequenos detalhes do cotidiano que costumam passar despercebidos.

A partir destas ideias, vamos enriquecer com outras informações a respeito do que é crônica.

Segundo Pereira (2010) a palavra “crônica”, em sua origem, está associada ao vocábulo “khrónos” (grego) ou “chronos” (latin), que significa “tempo”. Para os antigos romanos a palavra “chronica” designava o gênero que fazia o registro de acontecimentos históricos, verídicos, na ordem em que aconteciam, sem pretender se aprofundar neles ou interpretá-los. Com esse sentido ela foi usada nos países europeus.

Pereira (2010) afirma que a crônica contemporânea brasileira, também voltada para o registro jornalístico do cotidiano, surgiu por volta do século XIX, com a expansão dos jornais o país. Nessa época, importantes escritores, como José de Alencar e Machado de Assis, começam a usar as crônicas para registrar de modo ora mais literário, ora mais jornalístico, os fatos corriqueiros de seu tempo. É interessante observar que as primeiras crônicas brasileiras são dirigidas às mulheres e publicadas como folhetins, em geral na parte inferior da página de um jornal.

A crônica é um gênero que ocupa o espaço do entretenimento, da reflexão mais leve. É colocada como uma pausa para o leitor, fatigado de textos mais densos. Nas revistas, por exemplo, em geral é estampada na última página.

Ao escrever, os cronistas buscam emocionar e envolver seus leitores, convidando-os a refletir, de modo sutil, sobre situações do cotidiano, vistas por meio de olhares irônicos, sérios ou poéticos, mas sempre agudos e atentos.

O autor acrescenta ainda que a crônica é um gênero que retrata os acontecimentos da vida em tom despretensioso, ora poético, ora filosófico, muitas vezes divertido. Nossas Crônicas são bastante diferentes daquela que circulam em jornais de outros países. Lá são relatos objetivos e sintéticos, comentários sobre pequenos acontecimentos, e não costumam expressar sentimentos próprios do universo cultural do país.

No Brasil, há vários modos de escrevê-las. Usa-se o tom da poesia, o autor produz uma prosa poética, como algumas crônicas escritas por Paulo Mendes Campos. Mas elas podem ser escritas de uma forma mais próxima ao ensaio. As crônicas podem ser engraçadas, puxando a reflexão do leitor pelo jeito humorístico, como as de Moacyr Scliar, ou ter um tom sério. Outras podem ser próximas de comentários, como as crônicas esportivas ou políticas.

D’Onófrio (1995), distingue que a crônica científica não pode ser considerada como uma obra de arte. Pertencem a essa categoria a crônica histórica; a policial; a social; a esportiva e a crônica de arte, que apresenta a crítica de eventos culturais.

Nem todas as crônicas resistem ao tempo. Publicadas em jornais e revistas, são lidas apenas uma vez e, em geral, esquecidas pelo leitor. A crônica literária, no entanto, tem longa duração e é apreciada pelo estilo de quem a escreve pelo tema abordado.

Segundo o Pereira (2010), a produção de crônicas literárias é muitas vezes tarefa “encomendada” a escritores já reconhecidos pela publicação de outras obras, como contos e romances. São esses autores que, usando recursos literários e estilo pessoal, fazem seus textos perdurarem e serem apreciados apesar da passagem do tempo. Para conseguir esse efeito, os escritores não destacam os fatos entre si, mas a interpretação que fazem deles, dando-lhes características de “retrato” de situações humanas atemporais. Os temas geralmente são ligados a questões éticas, de relacionamento humano, de relações entre grupos econômicos, sociais e políticos.

De acordo com D’Onófrio (1995), a crônica literária é produzida por poetas e ficcionistas que, embora possam apoiar-se em fatos acontecidos, transformam a realidade do dia-a-dia pela força criadora da fantasia.

Em geral na crônica a narração capta um momento, um flagrante do dia a dia; o desfecho, embora possa ser conclusivo, nem sempre representa a resolução do conflito, e a imaginação do leitor é estimulada a tirar suas próprias conclusões. Os fatos cotidianos e as personagens descritas podem ser fictícias ou reais, embora nunca se espere da crônica a objetividade de uma notícia de jornal, de uma reportagem ou de um ensaio.

 

5- Práticas de Análise de Texto Quanto a sua Dimensão global.

 Nessa parte do trabalho apresentar-se-á a análise comparativa da crônica jornalística: “Os expulsos” de Martha Medeiros com a crônica literária: “Cobrança” de Moacyr Scliar, focalizando os aspectos globais. Estas análises estão apoiadas na fundamentação teórica anteriormente mencionada, partem de considerações a cerca da teoria do que é crônica.

Texto A:

Os expulsos


“Entre o eu e a vida abriu-se um hiato, que faz daquela não mais a sua vida, mas um território onde ele não consegue penetrar e se inserir, um lugar estranho que não lhe pertence e ao qual não se sente pertencer, uma contínua fuga de algo que nunca possuiu e que portanto não é seu, mas do qual sente nostalgia como se o tivesse perdido” (prólogo do livro Niels Lyhne, do escandinavo Jens Peter Jacobsen, publicado em 1880)
É uma sensação esquisita. Está tudo bem, nada de grave aconteceu, mas você não está legal. Não aguenta mais o trânsito, palco das maiores grosserias, e o que é pior: flagra a si mesmo praguejando na hora do rush, quando sabe que é preciso ter paciência e sair mais cedo de casa, pois os trajetos estão tomando mais tempo.
Está todo mundo nervoso por razões que não necessariamente o fato de você ter cruzado à frente – você que também vive numa pressa danada. Ainda assim, mesmo com toda a compreensão sobre o assunto, que desânimo. Lê nos jornais que o metrô está longe de sair do papel e suspira. Tampouco se sente seguro para andar de bicicleta em meio ao caos urbano. E não se atreve a dizer em voz alta (é politicamente incorreto), mas até os pedestres estão abusando da soberania que possuem. Atiram-se na frente dos carros, longe das faixas, com a empáfia de donos da lei, como se não houvesse leis para eles também.
Você já não suporta dar e ouvir tanta opinião, e se choca com os desaforos anônimos que inundam as redes sociais. Quanto mais se enaltece o bom humor, mais aumenta o número de pobres de espírito , pessoas com uma nuvem negra sobre a cabeça, inquisidores a apontar falhas, criticar, debochar. Todos se julgam aptos a dar lições quase não há mais humildade em aprender. Você sabe que não é melhor do que ninguém, porém gostaria de ser melhor do que você mesmo, mas como?
São tantos avanços tecnológicos, atualizações de vocabulário, acontecimentos, modismos, tendências, como absorver? O dia de ontem torna-se obsoleto a cada nascer do sol, e essa renovação constante não lhe excita, ao contrário, dá preguiça.
Você queria mesmo era se refugiar numa casa de campo ao melhor estilo Zé Rodrix, com seus amigos, seus discos, seus livros e nada mais. Mas você não faz o tipo ermitão a quem bastaria uma hora para sobreviver. Você gosta de ir ao cinema, viajar, conversar, ainda tem curiosidade sobre o mundo. Só que curiosidade moderada não é suficiente. Não basta ter um interesse médio. É preciso acompanhar tudo. Já nem tento.
Será assim mesmo que a velhice anuncia que está chegando? Preferia pensar que é a sabedoria batendo à porta. Não precisar de tanta gente em volta (“Não sofrer de solidão, e sim de multidão” – Nietzsche), não se cobrar modernidade não se envergonhar de usar ferramentas antigas. Mas nada disso é sábio, dizem os outros. É desistência. Talvez você se sinta como eu. Prestes a ser expulsa da própria vida.

                                            Martha Medeiros Zero Hora, 29 de Abril de 2012.

Texto B:

Cobrança

 

Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraiam a atenção dos passantes: “Aqui mora uma devedora inadimplente”.

-Você não pode fazer isto comigo- protestou ela.

Claro que posso- replicou ele. – Você comprou e não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas vezes tente lhe cobrar, você não pagou.

- Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta crise...

- Já sei – ironizou ele. – Você vai me dizer que por causa dequele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou fazendo.

- Mas você podia fazer isto de uma forma mais discreta...

- Negativo. Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você, expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que nem tinha nada a ver com o assunto. Minha paciência foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar aqui carregando este cartaz, até você saldar sua dívida.

Neste momento começou a chuviscar.

- Você vai se molhar- advertiu ela. – Vai acabar ficando doente.

Ele riu, amargo:

-E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que deve.

- Posso lhe dar um guarda-chuva...

- Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não um guarda-chuva.

Ela agora irritada:

- Acabe com isto Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui.

- Sou seu marido – retrucou ele – e você é minha mulher, mas eu sou cobrador profissional e você é devedora. Eu a avisei: não compre essa geladeira, eu não ganho suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer você que eu faça? Que eu perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até você cumprir sua obrigação.

Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível. A ele, isto pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante da casa, carregando o seu cartaz. 

                                                                     Moacyr Scliar. Coletânea Crônicas,

                                         Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro

Análises das crônicas:

Com base nos fundamentos para análise de textos temos a seguir a análise das crônicas acima mencionadas. Com este propósito, denominaremos texto A e texto B, respectivamente: “Os expulsos” e “Cobrança”.

O texto A tem como definição referencial um elemento da realidade. Um desejo da autora pela liberdade perante a situação opressora enfrentada diariamente no trânsito das grandes cidades na busca pela vida no campo. Pertencente ao domínio jornalístico, o texto nos remeta para a realidade atual. Publicado no Jornal Zero Hora destina-se ao público predominantemente urbano familiarizado com a situação apresentada. Já o texto B tem como referência um fator menos comum e pertence ao domínio literário e narrativo. Este, ao tratar de um tema familiar e particular, remete-nos, de forma bem humorada, a pensar sobre realidade enfrentada por muitos brasileiros, diante do endividamento e momentos de crise em outros países e que refletem em todos os lares.

A unidade temática no texto A desenvolve-se em torno do dilema expressado por Martha Medeiros sobre o desrespeito no trânsito. Ao fazer um paralelo entre a rotina urbana em meio à multidão e as tecnologias novas com o sossego e a vida sem as novas ferramentas necessárias. Em suma, o texto B mantém o seu tema sobre a honestidade, com base no dilema entre o marido, cobrador de uma determinada empresa, e sua esposa, devedora inadimplente. O cumprimento das obrigações legais, exigidos de todos para a nação e para as instituições, está sinalizado no texto.

Quanto à progressão do tema, na abordagem inicial do texto, a autora expressa um sentimento de descontentamento diante da situação difícil enfrentada diariamente no trânsito, há um desejo de liberdade. À medida que o tema avança, ela aponta para os costumes e atitudes erradas adquiridas pela sociedade diante deste dilema. Já em conclusões ela expressa o stress vivido pela sociedade perante a situação apresentada. O texto B mantém o tema estável, embora não há uma resolução para o problema, na narrativa linear. Sclyar pode representar a fidelidade que se desenvolve no personagem. Ainda que a situação complicasse cada vez mais, a ideia de submissão as leis permaneceu em todo o tempo.

Ao tratar sobre os propósitos comunicativos, o texto A, como vimos, pertence ao domínio jornalístico, e como tal, tem a finalidade informativa ou expositiva acerca do problema no trânsito, neste caso, centrado na exposição das particularidades daquele que está com a palavra. A crônica “Os Expulsos” responde a um objetivo de comunicar, através da argumentação, e induzir o leitor ao que está dito. A crônica “Cobrança” pode servir de apoio à reflexão sobre a honestidade, neste propósito o autor mantém através das descrições e da narração, a postura e caráter do personagem em relação ao ofício que lhe era incumbido.

Em relação ao gênero, ambos os textos se enquadram na categoria da ‘crônica’, daí as características distintivas. Seus temas são episódios do cotidiano. São detalhes comuns, mas para os olhos do cronista, no entanto, esses detalhes se convertem em matéria para relatos e descrições cheias de estilos, de muita graça e de muito encanto literário. Ocupam os grandes jornais brasileiros, constituindo, para o leitor, uma pausa e reflexão sobre os temas abordados. A Crônica jornalística de Martha Medeiros e a crônica literária de Moacyr Scliar constituem-se nos modelos argumentativos, descritivos e narrativos, característicos da crônica.

Em ambas as crônicas há relevância nas informações. Na sequência dos enunciados o leitor é cativado pelos argumentos da autora, no texto A que aos poucos insere novas informações, novas referências. No texto B, os detalhes graciosos como é feita a descrição criam expectativas para cada fala dos personagens. Estes detalhes, em ambos os textos fazem com que o leitor esteja orientado para o objeto do enunciado.

Quanto às relações com outros textos podemos dizer que as configurações estruturais do gênero propiciam a intertextualidade com outros textos. Martha Medeiros inicia a crônica com o prólogo do livro Niels Lyhne, do escandinavo Jens Peter Jacobsen, publicado em 1880. Nesta obra Niels, o protagonista, sentia-se tão só, sem um parente por perto, perdeu a mãe, tem decepções amorosas, casa-se e perde esposa e filho. Niels Lyhhne influenciou muita gente devido ao clima de solidão e tristeza que expressa, neste sentido a cronista faz a relação com a solidão na grande cidade.

 Martha Medeiros faz referência, também, à Casa no Campo, uma das grandes interpretações de Elis Regina que embalou a geração dos anos 70, composição de Zé Rodrix, devido ao anseio da cronista pela vida sossegada no campo, tema explorado na música cultuando os valores da vida simples, natural, que fugisse do stress da cidade grande.

Em “Cobrança”, a relação com outros textos se dá através da referência a crise de Nova York, crise de 1929, a maior de toda a história, em que pessoas muito ricas passaram, da noite para o dia, para a classe pobre. Esta relação está exposta na crônica de forma humorística sobre a inadimplência enfrentada pelos personagens.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das fundamentações teóricas explicitadas, objetivamos mostrar como se conceituam os gêneros textuais e a sua importância como entidades sócio discursivas e enunciativas. Optamos pelo gênero textual crônica por acreditar ser possível, a partir dele, consolidar um ensino aprendizagem contextualizado capaz de desenvolver no aluno sua capacidade criativa.

Tendo em vista a importância dos gêneros textuais na escola, afirmamos que os profissionais da língua portuguesa precisam estar orientados para a organização das atividades curriculares relativas ao processo ensino aprendizagem da língua e da linguagem. Ressaltamos que os textos a serem selecionados, são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradase abstratas, ou seja, aqueles que ampliam a competência discursiva na interlocução e capacitam a plena participação na sociedade.

Desse modo, a sugestão de análise apresentada propõe um conjunto de atividades organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito com o objetivo de proporcionar ao aluno o dominio de um determinado gênero textual, permitindo-lhe falar ou escrever adequadamente em situações de comunicação.

Referências:

ANTUNES, Irandé. Análise de textos: Fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

MARCUSCHI, Luís Antônio. Gêneros textuais e ensino. In: MACHADO, Ângela Paiva et al. (org.) 2ªed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p.19-36

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Anáfora indireta. O barco textual e suas âncoras. In: _____ Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto, 2005.

SÁ, Jorge de. A Crônica. São Paulo: Ática, 1985.

MEDEIROS, Martha. Zero Hora, 29 de Abril de 2012.

LEGIANESTRA, Maria Aparecida, Maria Imaculada Pereira. A Ocasião Faz O Escritor, São Paulo: Cenpec, 2010.

 

D'ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto. São Paulo: Ática, 1995.

MONTE, Alfredo. Teoria e Prática do “Romantismo da Desilusão”: Lukács e Jacobsen, Blog do Alfredo Monte, 2001.