GÊNERO E POVOS INDÍGENAS*

Por Vânia R. Pascoal Maia.

Graduada em Pedagogia Licenciatura e

Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental- FURG.

O referido livro, organizado pelas autoras Ângela Sacchi e Márcia Maria Grankow, reúne onze artigos sobre diferentes experiências e vivências relacionadas ao gênero em contextos indígenas. São trabalhos que compuseram dois importantes eventos na área. Um deles realizado em Belém, na Universidade Federal do Pará: “27ª Reunião Brasileira de Antropologia – Brasil Plural: conhecimentos, saberes tradicionais e direitos à diversidade”; e o outro, “Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos”, que aconteceu na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis (ambos em 2010). Além dos artigos, há também uma entrevista com duas lideranças femininas no campo, sobre suas trajetórias, inserções nos movimentos coletivos, bem como os novos desafios e lutas travadas.

Através das discussões e relatos contidos nos trabalhos, é possível uma rica reflexão sobre os lugares das mulheres indígenas, bem como as relações entre os gêneros acontecidas nesse cenário. Destaco a oportunidade de conhecermos um pouco mais sobre as realidades existentes em países como o México, a Argentina e a Guatemala, sinalizando que as lutas por igualdade e respeito à diversidade ultrapassam fronteiras geográficas e nos aproximam como seres humanos em busca de equidade e do respeito às diversas formas de vida.

No primeiro artigo, intitulado “Bestias de carga, amazonas y libertinas sexuales- imágenes sobre las mujeres indígenas del gran chaco”, Mariana Daniela Gómez discorre sobre imagens construídas por homens pertencentes ao processo de colonização da região do Gran Chaco, no que se refere à imagem das mulheres indígenas do local. Em seguida, o artigo de Barbara Maisonnave Arisi, “Vida sexual dos selvagens (nós): Indígenas pesquisam a sexualidade dos Brancos e da antropóloga”, é possível fazer uma reflexão também sobre o papel do pesquisador, do antropólogo em campo, levando em conta a disponibilidade da pesquisadora, que foi parte da investigação, junto aos índios Matis. Aqui neste texto questões referentes à sexualidade e estranhamento frente ao outro, ao diferente, aparecem bem marcados.

Em “Conceitos das mulheres em espaço de homens: o desenho em escolas Kaxinawá (Huni Kuĩ)”, de Paulo Roberto Nunes Ferreira, vamos conhecer alguns papéis determinados, na sociedade indígena dos Huni Kuĩ, no Acre. A partir dessas relações estabelecidas, há alguns questionamentos sobre a escola, principalmente sobre os papeis atribuídos a cada um dos gêneros.

Durante o texto, o lugar do masculino e feminino na comunidade citada, bem como a atuação dos homens e mulheres em possíveis espaços públicos vão sendo evidenciados e problematizados, denotando a necessidade de novas configurações e debates.

No seguinte trabalho: “Gênero, casamento e trocas com brancos”, de Elizabeth Pissolato, o assunto central gira em torno de novas configurações matrimoniais. No caso, o casamento de homens brancos, sem parentesco com os indígenas (os chamados jurua), com as mulheres locais. Nessas novas formulações, alguns desafios passam a ser enfrentados e os papeis dos gêneros, destino das famílias indígenas e até mesmo, tradições culturais, são discutidas e destacadas.   

Em “Agência feminina na sociopolítica Kaingang”, da autora Cinthia Creatini da Rocha, o lugar das mulheres e os papeis de poder e centralidade que as mesmas desempenham, são observados e analisados, para uma compreensão mais apurada da organização social e política dos Kaingang; Já em “Organizações tradicionais e políticas públicas contemporâneas: avanços e retrocessos na autonomia da mulher Xukuru”, Fernando Barros Jr., através de sua pesquisa sobre os Xukurus, localizados na Serra de Ororubá, em Pernambuco, demonstra a necessidade da participação política das mulheres, visto que apenas os homens da tribo, participam e lideram essas questões. O lugar secundário das mulheres é apontado, inclusive, na ausência de suas vozes em estudos e construções coletivas, ficando restrito a elas, apenas, a função de acompanhar seus maridos em suas decisões e rotinas;

A participação das mulheres acontece de forma complementar a dos homens, isto quer dizer, embora elas participem do movimento, não há ainda uma organização bem definida e organizada dessas mulheres, é o que nos aponta o texto “Mulheres no movimento indígena: do espaço de complementariedade ao lugar da especificidade”, de Maria Helena Ortolan Matos. A autora, através de sua pesquisa, levanta a necessidade de novas organizações femininas, para além de papeis à sombra dos masculinos;

No texto seguinte vemos que são vários os motivos que levam mulheres indígenas a migrarem para a cidade de Porto Velho, Rondônia. Sobre esses motivos, bem como sobre as conseqüências dessas migrações, o texto “Mulheres indígenas em Porto Velho/RO: gênero, migração e participação política “, das autoras Lady Day Pereira de Souza e Arneide Bandeira Cemin, vai falar. Um aspecto que merece destaque é a necessidade apontada pelas autoras de políticas públicas voltadas para a necessidade dessas mulheres, que longe de suas raízes, se vêem, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade étnica e social;

“Seguir adelante: trânsitos identitários entre as/os Mazahuas na Cidade do México” conta percursos migratórios de mulheres Mazahuas, cujas têm de enfrentar desafios diversos, a contar do preconceito de gênero, estigmas e dificuldades pelo deslocamento espacial. Muitas vezes essas mulheres, mães solteiras, carregam sozinhas também o peso pelo sustento e responsabilidade de seus filhos, mas mesmo assim, buscam não calar e continuar lutando diante das injustiças vividas. O texto é da autora Luciana de Oliveira Dias;

Em “Mulheres Mayas na Guatemala: relações de poder, gênero, etnia e classe”, Dina Mazariegos traz a pesquisa que desenvolveu com personagens femininas do local. O seu interesse centra-se nos caminhos percorridos intelectualmente por essas mulheres, bem como suas histórias e trajetórias. É um texto que nos ajuda a compreender um pouco mais da cultura e do local, pelos “olhos” e percursos das participantes presentes no trabalho;

O último texto, “Las implicancias de las capacitaciones en derechos en la vida de las mujeres Guaraníes del Noroeste Salteño, Argentina”, de Natalia Castelnuovo Biraben versa sobre realidades e representações das/sobre as mulheres Guaranis. A autora elenca algumas necessidades e reivindicações feitas pelas mulheres, ao mesmo tempo em que essas, carregam o peso de realidades e representações impostas ao longo do tempo. Contudo, há de se considerar suas lutas e tentativas de se fazerem ouvidas num cenário nem sempre favorável.

 O livro termina com uma entrevista às representantes indígenas Váleria Paye Pereira e Léia Bezerra do Vale, discutindo importantes temas desse contexto. Neste sentido, por serem as entrevistadas referências em participação política e nas lutas pelos direitos e reconhecimentos indígenas, temos a oportunidade de complementar à leitura feita ao longo do livro, adentrando um pouco mais sobre este universo. Sobretudo encontramos na entrevista uma defesa da necessidade de maior participação e ocupação das mulheres nos espaços de decisão, além de um chamado para a necessidade de atenção do poder público às problemáticas indígenas, que estão postas e que precisam ser discutidas, planejadas e evidenciadas para o diálogo.

 * Esta resenha foi construída como trabalho final da disciplina "Feminismos e Gênero: um olhar sobre as (Homo-Trans-Queer) Sexualidades", ministrada pelo prof. Dr. Felipe Bruno Martins Fernandes

Referência

SACCHI, Ângela; GRAMKOW, Márcia Maria. (Orgs.). Gênero e povos indígenas: coletânea de textos produzidos para o "Fazendo Gênero 9" e para a  "27ª Reunião Brasileira de Antropologia". Rio de Janeiro, Brasília: Museu do Índio/ GIZ / FUNAI, 2012. Disponível em: http://wikindigena.org/images/temp/1/13/20131106185955!phpyS50p1.pdf. Acesso em janeiro de 2014.