O filme "Germinal" foi dirigido por Claude Berri, em 1993, que adaptou para o cinema uma obra literária do século XIX homônima, de Émile Zola. O autor do livro trabalhou dois meses numa mina francesa para compor os personagens e o roteiro do livro. O nome da obra diz respeito ao sétimo mês do calendário revolucionário francês, em que geralmente ocorre a fermentação da seiva. Num paralelo, veremos uma história de gestação, do surgimento dos movimentos grevistas.
A história se passa ao norte da França, em meados do século XIX, e mostra o desenrolar de uma greve provocada pela redução dos salários numa minas de carvão.
Logo no início do filme, Etienne, personagem idealista, com experiência operária e que segue a linha socialista, chega à mina de carvão onde se passa boa parte das cenas. Logo encontra um senhor que se apresenta como "Boa Morte", uma referência aos inúmeros casos de acidentes e doenças em que sempre sobrevivera. O interessante nesta cena de abertura é notar que apesar de já ter trabalhado 50 anos (dos 8 aos 58) o homem continua a enfrentar a dura rotina dos mineiros. Seu organismo está tão cheio de carvão que o mineral sai pela boca quando ele tem uma crise de tosse.
Na cena seguinte, fica à mostra o quanto se utilizavam o trabalho infantil nesta época de expansão da Revolução Industrial. Desde pequeno os menores deveriam sair com os pais e os ajudarem nas despesas de casa.
As doenças e as mortes nesta época eram comuns, todas decorrentes das condições precárias de vida e trabalho. Foi exatamente por causa da morte de um dos mineiros que Etienne consegue uma vaga para trabalhar na mina. O personagem do famoso ator francês Gerard Depárdieu, Maheu, é um funcionário antigo, bem conceituado no lugar. Com este crédito, é ele quem pede a contratação do idealista que acabara de chegar. Os dois personagens serão os líderes do movimento grevista, que lutará por melhores condições de vida e trabalho para os mineiros.
Logo no início do filme já conseguimos perceber o abismo existente entre o modo de vida burguês e o do operariado. A maior preocupação da família é em relação aos preparativos de um casamento. Aqui, estamos diante de um caso característico. Mesmo não amando a noiva, o jovem da família está de casamento marcado com uma moça que mal conhece. As uniões conjugais burguesas muitas vezes obedecem à mesma lógica capitalista de que são frutos ? é um negócio. A família dona das minas de carvão, os Grégories, tem a mesa farta, vive em casas suntuosas e parecem não ter noção da realidade vivida por seus empregados. A pobreza é vista como falta de esforço e trabalho. A exceção na família é a jovem Cécile, filha dos Grégories, fazendo o que pode para ajudar a esposa e os filhos de Maheu, que volta e meia ronda sua mansão.
O cotidiano da família de Maheu é típico de um operário nesta época. Levanta-se para trabalhar ainda noite e retorna pra casa já no escuro. A higiene é bastante precária, o salário é muito baixo e a dificuldade para se comprar alimento é visível. Uma das soluções é o endividamento. O dono do armazém não se importa com a fome das famílias, não vende sem o pagamento em dinheiro, e algumas vezes propõe o perdão das dívidas em troca de favores sexuais com as filhas das senhoras, ou com elas mesmas.
Um pouco mais adiante chegamos ao ponto de confronto entre patrões e empregados. Após um desmoronamento na mina, Maheu recebe uma multa com a alegação de que ele não tomou as devidas precauções, colocando sustentações ao longo do local. A revolta aumenta quando os mineiros são avisados que o valor que eles recebem pelo carrinho de carvão irá sofrer uma redução. Os donos da mina tentam amenizar a queda dos lucros sacrificando os salários dos operários. O personagem Etienne começa a propor para os trabalhadores a criação de uma caixa de reserva para que numa possível greve eles pudessem resistir mais tempo. As negociações se iniciam.
Uma discussão que se dá neste momento é em torno de que caminho ideológico seguir. Etienne defende o caminho marxista, de organização do proletariado contra a exploração sofrida diante dos burgueses. Um outro personagem, Souvarine, fará o contraponto defendendo o caminho da anarquia, através da luta e do derramamento de sangue inevitável, fruto da revolta do povo contra o estado opressor.
Interessante perceber que na negociação, logo no início da greve, desenrola-se um jogo de artimanhas de ambos os lados. Os grevistas se juntam para quebrar equipamentos e impedir que traidores furem o movimento (o que muitas vezes acontece mesmo assim). Os representantes da mina tentam dividir os grevistas. Para isso, vale propor a promoção de alguns líderes dos operários e contratar trabalhadores de outro lugar. Aliás, outro ponto importante que o filme mostra indiretamente é o início de um sentimento nacionalista presente entre estes franceses. A chegada de trabalhadores belgas irá provocar a ira dos mineiros, não só pela quebra do movimento grevista, mas também por não suportarem a idéia de perderem seus empregos para pessoas de outro país.
Uma parte do filme me chamou bastante atenção. Em certo momento um personagem ouve a notícia de que dois operários ficaram ricos, após receberem um bom prêmio. Uma das primeiras declarações dos operários era a de que iriam viver de renda. Moral da história: A crítica que um proletariado faz ao estilo de vida da burguesia se dá apenas enquanto este se encontra na condição de "vendedor de mão-de-obra". Quando esta mesma pessoa ganha dinheiro e tem a condição de se tornar dono de meios de produção, adota-se os mesmos costumes que outrora tanto criticara.
A greve se prolonga, o fundo da caixa de reserva chega ao fim e as famílias dos operários passam fome. Revoltas se sucedem. Numa delas, o dono do armazém é morto e mutilado num ódio simbólico. Seu comércio é saqueado. Mesmo assim, a situação chega um ponto em que os trabalhadores desistem. Muitos voltam às minas, nas mesmas condições degradantes de antes.
As últimas cenas do filme giram em torno de um grande acidente na mina, com desabamentos e explosões. Entre as últimas lutas pela greve e os acidentes, morrem algumas pessoas da família de Maheu, ele inclusive, o que revolta a sua esposa.
Com o fracasso da greve, Etienne é rejeitado pela comunidade, visto como um dos responsáveis pelas mortes dos operários. Vai embora com tristeza.
O filme retrata com maestria um momento histórico específico, que se desenrolou em inúmeros países, cada qual em seu tempo e de forma não uniforme. De comum, a separação entre os que detêm o capital e consequentemente os meios de produção ? os burgueses -, e os que apenas tem a oferecer a sua força de trabalho ? o proletariado. A Revolução Industrial mudou completamente a vida das comunidades. O tempo passou a correr mais rápido, significando mais dinheiro. As produções artesanais e as manufaturas foram sendo engolidas pelas fábricas. O campo e a cidade começaram a viver em função destas indústrias, agora motoras de um capitalismo em crescimento.
Não obstante, a grande marca de "Germinal" é mostrar a dura realidade dos trabalhadores. Obrigados a viverem em condições subumanas, receberem um salário miserável, ver suas famílias passarem fome, com idosos e crianças tendo que ajudar a ganha dinheiro, trabalhando 14, 15, 16 horas. Ao mesmo tempo, é neste cenário que brotarão as primeiras ideias propondo melhorias desta condição. Seja o socialismo, o anarquismo ou o sindicalismo e suas greves, cada uma terá o seu papel de divulgar as atrocidades cometidas pela ditadura do capital.
O filme não é tão distante quanto parece. Existem condições de trabalho semelhantes àquelas vistas na obra. Mineradores recebem 3 centavos de Euro por cada quilo de minério. Cortadores de cana brasileiros ganham R$0,14 centavos por metro cortado. Sem contar que ambos trabalham em regimes considerados de semi-escravidão (apesar de não gostar da utilização deste termo), muitas vezes contraindo dívidas que os tornam inteiramente dependentes de seus patrões.
"Germinal" é um excelente retrato para quem quer vivenciar um pouco da época da Revolução Industrial.