GARANTIAS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS: A Defensoria Pública do estado do Maranhão e o acesso à Justiça no devido processo legal

 

RESUMO:

Garantindo assistência jurídica integral e gratuita aos insuficientes de recursos, o Estado propõe o pleno acesso à Justiça democrático através do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal. Será somente esta garantia processual suficiente para provir o acesso ao Judiciário aos necessitados cuja renda não suporta os custos altos de uma ação judicial? Procuramos observar com este artigo quais outros fatores mais influenciam esta “monopolização” da Justiça pela classe dominante.

PALAVRAS-CHAVE

Garantias Processuais Legais; Acesso à Justiça; Defensoria Pública;

 

INTRODUÇÃO

            O presente trabalho tem como escopo fundamental abordar a questão do acesso à justiça realizado em âmbito nacional e as medidas tomadas para que os cidadãos tenham de modo pleno, seus direitos garantidos pela Constituição devidamente efetivados. Além disso, faz-se a relação indubitavelmente relevante entre o processo legal e tais garantias concedidas aos indivíduos.

A Defensoria Pública, como órgão autônomo, também é aqui explanado quando se faz referência aos direitos individuais que os financeiramente carentes possuem, já que o inciso LXXIV do artigo 5º da nossa Carta Política, afirma que o “Estado deve prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, e o artigo 134 complementa dizendo que “a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados”, o que caracteriza, portanto, a ampla admissão ao processo.

1 ACESSO À JUSTIÇA

A expressão “acesso à justiça”, no entendimento jurídico, se refere ao sistema utilizado pelas pessoas para fazer valer seus direitos e/ou resolver conflitos interpessoais, além de simbolizar também a produção de resultados que sejam justos no que se refere ao âmbito social e ao mesmo tempo individual. Mas para que isso ocorra, antes de tudo, a justiça, tal como a sociedade anseia, deve estar disposta a todos os indivíduos, caracterizando assim, o acesso efetivo da mesma. 

Nos estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, o acesso à Justiça era considerado um direito natural e este era visto como anterior ao Estado. A este cabia a preservação desses direitos por não permitir que fossem infringidos por outros. Naquele tempo, a justiça só podia ser “alcançada” se o indivíduo pudesse enfrentar todos os custos envolvidos nessa busca. Eram responsáveis pelos seus próprios atos e pelo seu destino, aqueles que não pudessem se envolver nesse processo. Daí se dizer que o acesso à Justiça era apenas conglobado no aspecto meramente formal/individual, não efetivo. [1]

Mas a partir do momento que os relacionamentos humanos assumiram um aspecto mais coletivo, a individualidade concedida ao tratamento dos direitos foi substituída pelo reconhecimento dos direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. A atuação positiva do Estado passou a ser considerada como algo essencial para a manutenção de todos os direitos básicos necessários. Assim, Mauro Cappelletti assegura:

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.[2]

2 DEFENSORIA PÚBLICA

            Os Direitos Humanos, pelo entendimento e tratamento hodierno, abrangem campos cada vez mais extensos com o real escopo de garantir a igualdade e dignidade de todos perante a lei, de modo a inibir também as condutas arbitrárias exercidas pelo Estado. Assim, nota-se que a Defensoria Pública assume atuação de extrema relevância para a consolidação de tais direitos concedidos pela Constituição Federal, seja no ramo civil, político, cultural, criminal ou mesmo sócio-econômico. Com isso, espera-se, pelo menos no campo teórico, que seres humanos não tenham que se degradar para meramente sobreviver.  [3]

Como já dito anteriormente, a Defensoria Pública é a instituição garantidora da prestação assistencial e jurisdicional aos que demonstram insuficiência de recursos (quem adquire renda de até três salários mínimos ou até mesmo àqueles que, com condições financeiras um pouco superiores, comprovam não possuir condições de pagar advogado sem prejudicar a subsistência própria ou de familiares). Além disso, atua na área cível, familiar, criminal e da infância e juventude. [4]

           

Como afirma Silvana Souza:

Compete, pois, agora, à Defensoria Pública, procurar identificar os problemas e obstáculos de ordem processual e seus reflexos que prejudicam o acesso do cidadão carente à Justiça e atacá-los, transpô-los e derrubá-los [...] antes de ser uma obrigação constitucional, é, a Defensoria Pública, uma necessidade social. [5]

           

A Defensoria, como mostra a Lei Complementar n. 80 de 12 de janeiro de 1994, abrange a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e Territórios e as Defensorias Públicas dos Estados. Sendo assim, não existe Defensoria Pública municipal, de modo que sua criação se torna um ato ilícito por lei. Os princípios institucionais que regem tal órgão são a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. [6]

3 A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO E O PROCESSO

           

            Como explanado anteriormente, as defensorias públicas irradiadas pelo território nacional são ligadas aos estados federados e portanto, por eles administrados. Levando isto em conta podemos imaginar uma estratificação de diferentes recursos para diferentes defensorias. Em outras palavras: a disparidade social, econômica e política entre diversos estados da federação refrata nas condições das defensorias correspondentes.

            Esta grande dificuldade nacional de democratização como um todo é protuberante ao se comparar dados estatísticos entre as DP’s de todo o Brasil. O defensor público maranhense Adriano Jorge Campos defende uma reforma na instituição da Defensoria Pública em todo o território. O defensor atuante na área criminal chama a atenção para o “déficit de autonomia das defensorias espalhadas pelos estados, fazendo com que as mesmas se tornem dependentes da força econômica e política de seu ente federado.” [7]

            O defensor destaca o exorbitante contraste entre a Defensoria do estado do Rio de Janeiro, muito bem estruturada e com condições de qualidade para a ação judicial, e a do estado Maranhense, a qual se encontra em situação precária uma vez que apenas 46 defensores públicos atuam em todo o estado atualmente. A reforma proposta pelo defensor é essencialmente administrativa:

O principal agravante desta situação é a falta de consciência do governo, uma vez que o mesmo provém à defensoria estadual com uma “mesada” insuficiente para consolidação de uma autonomia na instituição pública. É intrinsecamente necessária a estipulação de uma autonomia financeira e administrativa nas defensorias, por exemplo, no Maranhão foram criados 85 cargos para defensores e por uma dificuldade de distribuição de verbas apenas 46 atuam atualmente, sem ainda mencionar a recente troca no governo estadual representando uma maior burocracia em nosso trâmite. Para uma grande melhoria nesta instituição é mister a criação de órgãos defensores por comarcas e não por estados, supervenientemente poderíamos pensar numa democratização da Justiça.[8]

Não obstante, apesar de toda a dificuldade administrativa e do baixo número de integrantes a base da defensoria maranhense é de alta qualidade. A atuação técnica é de grande destaque, principalmente por se desdobrar a partir de cursos extensos com um alto nível de exigência garantindo assim o respeito perante outras instituições jurídicas, e nivelando-se por patamares correspondentes aos do Ministério Público.

Por causa de sua atuação juntamente com sua causa a instituição vem garantindo crescente reconhecimento perante o Judiciário. Depois de muitos embates, resultando em uma “reeducação” de determinados juízes e desembargadores, a Defensoria Pública vem construindo sua independência e eficácia: “O defensor público tem grande respeito perante atos advocacionais e certa independência de atuação não identificada na maioria dos advogados.” [9]

Porém, todo este reconhecimento necessita de um incentivo do governo de forma eficaz para só então conseguir embasar uma construção de uma democratização jurídica. Um dos reflexos dessa dificuldade é o fato da instituição ainda não ter consolidado sua imagem socialmente, a Defensoria Pública ainda não se “encaixou” no modelo social maranhense que prega o recente modelo de Estado brasileiro identificado por Sérgio Buarque de Holanda no qual se nota “uma interferência da instituição familiar no Estado de Direito, uma vez que o brasileiro não se identifica como cidadão comum e pensa no Estado como uma expansão do círculo da família.”[10] Em outras palavras, o indivíduo de origem pobre e humilde concebe vulgarmente a ação da Defensoria como um favor concedido ao mesmo e não como um direito protegido pela Carta Magna.

Concernente ao processo em si, o estopim de uma ação judicial dirigida pela Defensoria se caracteriza com a procura pelo cidadão de baixa poder aquisitivo. Inicialmente, o cidadão interessado comparece a alguma unidade de atendimento da instituição e relata seu problema para o secretário responsável o qual sempre recebe suporte técnico de estagiários entre outros neste procedimento. Após o recebimento de determinados documentos e da declaração de falta de recursos financeiros pelo requerente da ação, o Juiz encarregado encaminha legalmente para a área correspondente dentro da Defensoria. Visando evitar o acúmulo no já lento poder Judiciário brasileiro atual o métodos de Mediação/Conciliação também são executados por meio da Defensoria. Se isso não for possível o processo volta a proceder da forma comum e na execução da ação o juiz homologa a decisão com o poder de título extrajudicial. A atuação da defensoria é atuante até a 2ª instância. E com certa analogia entre a instituição e o Ministério Público, a Defensoria ao detectar determinado problema no meio atuante pode entrar com Ação Civil Pública, como sabemos, “sem necessidade de provocação”.

 

CONCLUSÃO

            Levando-se em conta a Defensoria Pública no contexto nacional é alarmante a disparidade entre as condições desta instituição em diferentes localidades no país. Enquanto em estados como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Piauí entre outros a Defensoria adquiriu tamanha força independente ao ponto de se parear com o Ministério Publico, no estado maranhense por problemas graves na relação com o governo e subsídios a extensa população pobre se encontra em uma péssima situação, sem garantia nenhuma de seus direitos.

O defensor Adriano Campos é preciso em sua argumentação e defende a proposta de uma legislação renovadora a qual repensasse a plena garantia de defesa a alguém sem condições de adquirir ajuda advocacional. É necessária a estipulação de uma cláusula que garanta a atuação automática de um defensor público a favor do indivíduo ainda mesmo na delegacia se possível. Caso o requerente tenha condições ou queira, o mesmo poderia recusar a ajuda e procurar serviços de um advogado particular. Toda esta problematização somente nos confirma a intensa “interferência” dos aspectos econômicos, políticos e sociais dentro da esfera jurídica a qual influencia e é influenciada pelo meio social.

 

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Adriano Jorge. A Defensoria Pública do estado do Maranhão. Defensoria Pública do estado do Maranhão, São Luís – Centro, 30 abr. 2010. Entrevista concedida a Fernanda Grazielle e Higo Telis.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre, 1988.

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO. Disponível em: <http://www.dpe.ma.gov.br/institucional/missao.php> Acesso em 5 abril 2009.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Homem Cordial. In:_____. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

POITINE, Karoline Ribeiro. A atuação da Defensoria Pública do estado do Maranhão como instrumento para democratização do acesso à Justiça. 2008. 76p. Monografia. Bacharelado. Curso de Direito. Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, São Luís, 2008.

SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo: Método, 2003.



[1] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre, 1988.

[2] Ibid.

[3] POITINE, Karoline Ribeiro. A atuação da Defensoria Pública do estado do Maranhão como instrumento para democratização do acesso à Justiça. 2008. 76p. Monografia. Bacharelado. Curso de Direito. Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, São Luís, 2008.

[4] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO. Disponível em: <http://www.dpe.ma.gov.br/institucional/missao.php> Acesso em 5 abril 2009.

[5] SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo: Método, 2003. p. 94.

[6] Ibid.

[7] CAMPOS, Adriano Jorge. A Defensoria Pública do estado do Maranhão. Defensoria Pública do estado do Maranhão, São Luís – Centro, 30 abr. 2010. Entrevista concedida a Fernanda Grazielle e Higo Telis.

[8] Ibid.

[9] Ibid.

[10] HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Homem Cordial. In:_____. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.