INSTITUTO LUTERANO DE ENSINO SUPERIOR DE ITUMBIARA CURSO DE DIREITO MARCELO DE MORAES SOARES GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À JUSTIÇA: JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS Itumbiara, abril de 2010. MARCELO DE MORAES SOARES GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À JUSTIÇA: JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS Trabalho Interdisciplinar apresentado ao curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara. Itumbiara, abril de 2010. "A justiça é o pão do povo, as vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim. Quando o pão é pouco há fome, quando ele é ruim há descontentamento." Bertold Brecht SUMÁRIO RESUMO 7 INTRODUÇÃO 9 CAPÍTULO I ? A QUESTÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E SUA GARANTIA CONSTITUCIONAL 12 CAPÍTULO II ? OS PRINCIPAIS OBSTÁCULOS AO ACESSO A JUSTIÇA E AS POSSÍVEIS SOLUÇÕES 16 CAPÍTULO III ? A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS, ASPECTOS TÉCNICO-PROCEDIMENTAIS 22 4.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 22 4.2. PRINCÍPIOS INFORMADORES 22 4.3. COMPETÊNCIA 24 4.4. PROCEDIMENTO 25 4.5. RECURSOS 25 CAPÍTULO IV ? A EFETIVIDADE E O FUTURO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS 27 5.1. A EFETIVIDADE 27 5.2. ASPECTOS POLÊMICOS E O FUTURO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS 35 CONCLUSÃO 40 BIBLIOGRAFIA 43 APÊNDICE 45 RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo conhecer quais os principais obstáculos existentes à democratização do acesso à justiça, e se os mesmos foram eliminados pelo surgimento da Lei dos Juizados Especiais Cíveis, tendo em vista os seus princípios informadores, a celeridade, informalidade e oralidade inseridos no art. 2 da Lei 9099/95, lei esta de cunho constitucional obrigatório. O trabalho baseou-se em pesquisa bibliográfica, tendo como referência as publicações sobre o tema disponíveis em livros e periódicos das áreas da Sociologia e do Direito, assim como na coleta de dados empíricos sobre processos ajuizados no Juizado Especial Cível da cidade de Itumbiara-GO, cujos resultados são apresentados no apêndice. No primeiro capítulo abordou-se a questão dos acesso à justiça e sua garantia constitucional, tendo se destacado a real importância do exercício do direito de ação como condição imprescindível para se efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana. Partiu-se, então, no segundo capítulo, para examinar as principais barreiras que obstaculizam o acesso à justiça e as eventuais soluções para eliminá-los, conforme diagnósticos dos doutrinadores. Isso posto, no terceiro capítulo, procedeu-se a uma breve análise dos aspectos técnicos-operacionais incorporados ao sistema jurídico pátrio pela Lei 9099/95. Finalizando, no último capítulo, verificou-se a instrumentalidade da Lei dos Juizados em realmente efetivar a democratização do acesso ao judiciário, assim como buscou-se analisar os principais temas polêmicos sobre aos referidos órgãos e sobre a existência de possíveis ameaças ao futuro dos Juizados Especiais Cíveis. Palavras-chave: Acesso à justiça, juizados especiais cíveis, democratização. ABSTRACT The current research has as objective to know which are the main existing impediments in the democratization of the access to justice and if the same ones has been vanished because of the appearance of the legal proceedings method of the special civil courts; considering its principles of: informative, agile, informal and nature oral introduced in the Article 2 of the law 9099/95, which had been obligatory for the constitutional. The work was based on bibliographical research having as reference publications on the subject matter available in books and periodic in the fields of Sociology and Law, as well as in the collect of empirical data on lawsuits filed in the special civil courts of the city of Itumbiara-GO, whose the results are shown in the appendix. In the first chapter it was focused on question about the access to justice and its constitutional rights, having emphasized the real importance to execute the right of the action as indispensable condition to take effect the principle of dignity of the person human being. In the second chapter it was focused on examine the main barriers that obstruct the access to justice and possible answers to eliminate it, taking into account the assessment of the magistrates. In the third chapter it carried on a brief analysis of the systematic legal proceedings introduced in a legal system by the law 9099/95. In the fourth and last chapter, it verified ones instrumentality of the law of the courts in carrying through the democratization of the access to the system of judiciary, and also researched about the main controversial issues related to the institutions and possible threats for the future of the special civil courts. Key words: access to justice, special civil courts, democratization. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como meta a pesquisa do tema da Garantia Fundamental de Acesso à Justiça, garantia essa prevista no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, mais especificamente sobre os esforços do Estado em efetivar tal direito, o mais fundamental dos direitos. A linha da pesquisa irá focalizar O Juizado Especial Cível, criado pela Lei 9099/95, no intuito de verificar se o mesmo é um instrumento adequado para proporcionar a democratização do acesso à justiça. A Lei 9099 entrou em vigor em 26 de setembro de 1995, introduzindo no âmbito jurídico brasileiro um sitema processual de natureza constitucional obrigatória com a missão de ser uma proposta diferencial ao Judiciário tradicional, de modo a aliviar as angústias do cidadão comum quanto às causas de menor complexidade, que até então não chegavam aos juízes, e propiciar, assim, um acesso facilitado da população à Justiça. Nesse sentido, o presente estudo pretende verificar se de fato a Lei dos Juizados veio a atingir os seus objetivos, eliminando, pelo menos em parte, os obstáculos do acesso à justiça, além de tornar tempestiva a prestação jurisdicional pretendida pelas partes, sem contudo provocar insegurança jurídica às decisões judiciais. Não se pode deixar de comentar um aspecto importante do tema que é o controle da criminalidade, tendo em vista que, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, o acesso à justiça é privilégio das classes mais favorecidas e, se o Poder Judiciário não tiver como garantir a solução pacífica dos conflitos de interesses, haverá um compromentimento de todas as demais instituições do Estado, pela marginalização das classes sociais menos favorecidas e o consequente incremento da violência e das taxas de criminilidade.Tal aspecto justifica, por si só, todos os estudos que visarem conhecer e debater com mais profundidade o tema em questão, de maneira a apresentar uma contribuição social mesmo que em pequena escala. Em síntese, pode-se afirmar que o objetivo primordial da pesquisa foi conhecer quais os principais obstáculos existentes à democratização do acesso à justiça, e se os mesmos foram eliminados pelo surgimento da sistemática processualística dos Juizados Especiais Cíveis. Pretende-se verificar, também, a existência de outros fatores, tais como os culturais, sociais e jurídicos, que dificultam o acesso à justiça pelo cidadão das classes populares. Dentro de tal contexto procurar-se-á verificar a sustentabilidade das seguintes afirmações: 1) os princípios inseridos na previsão normativa do art. 2º, da Lei 9099/95, Lei dos Juizados são, por si só, suficientes para promover a democratização do acesso à justiça para a sociedade como um todo e, particularmente, para as classes economicamente menos favorecidas; 2) existem aspectos além dos jurídicos, tais como, sociais, econômicos e culturais que também podem ser considerados obstáculos ao cidadão comum no acesso à justiça; 3) o acesso à justiça proporcionado pela Lei 9099/95, tendo em vista suas características de informalidade, celeridade e oralidade, proporciona riscos as partes em termos da qualidade da tutela jurisdicional obtida. De acordo com as premissas acima expostas, estudou-se, então, em primeiro lugar, a questão do acesso à justiça, enfocando os aspectos constitucionais que visam efetivá-lo. Em seguida foram analisados os principais obstáculos ao exercício do direito de ação pelos cidadãos, bem como as possíveis soluções que visam minimizá-los. Partindo-se do pressuposto de que o sistema processual constante na Lei dos Juizados seja uma alternativa à mitigação das barreiras ao acesso à justiça, foram comentados os principais aspectos técnico-operacionais da referida Lei. Por fim foi feita uma análise da efetividade da Lei 9099/95 em cumprir a sua missão de democratizar o acesso ao judiciário, bem como foram verificados alguns temas polêmicos sobre a lei, e, finalizando, analisou-se alguns riscos ao que Juizados Especiais Cíveis estão expostos. A pesquisa teve um caráter multidisciplinar e desenvolveu-se em duas etapas. A primeira consistiu em pesquisa bibliográfica, tendo como referência as publicações sobre o A segunda etapa foi desenvolvida por meio de uma pesquisa de campo junto ao Poder Judiciário da cidade de Itumbiara-GO, a partir de levantamento estatístico de informações procedentes de um número de aproximadamente mil processos. Tais informações procuraram responder, dentre outras, a duas importantes questões. A primeira visou responder se a Lei 9099/95 conseguiu de fato melhorar a acessibilidade ao judiciário por meio da análise dos resultados estatísticos dos valores das causas dos processos tabulados, e a segunda procurou verificar a celeridade do procedimento nos Juizados por meio do levantamento do tempo gasto, desde a protocolização da ação até a efetiva prestação jurisdicional ao cidadão. CAPÍTULO I ? A QUESTÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E SUA GARANTIA CONSTITUCIONAL A justiça vista como um ideal a ser alcançado é considerada como um dos mais cobiçados valores das sociedades de todos os tempos, e sua realização se torna absolutamente necessária ao desenvolvimento social que tenha como principal paradigma a dignidade da pessoa humana. É pacífico o entendimento de que não há sociedade sem direito, "ubi societea ibi jus", existindo uma estreita relação entre ambos, fruto da função ordenadora que o Direito exerce sobre a sociedade, organizando a cooperação entre as pessoas e compondo os conflitos que se verificam entre seus componentes. É também pacífico o entendimento de que o Estado brasileiro deixa a desejar na sua função de pacificação social pelo exercício da jurisdição por meio do processo. É patente, saltando à vista, a crise atual do sistema judiciário nacional, não só pelas dificuldades que determinados segmentos sociais têm em acessar o judiciário mas, muito mais, em receber uma tutela justa, tempestiva e adequada. Nas sociedades arcaicas, a paz e a segurança para o grupo eram estabelecidas pelo sistema de autodefesa social, onde todo o grupo investia contra o turbador da paz na tentativa de eliminar todo o vestígio da ofensa sofrida. Atualmente, para assegurar a paz social, o Estado, nas palavras de Theodoro Junior, não mais tolera a busca da justiça pelas próprias mãos, e chama para si a responsabilidade de dar solução aos litígios por meio de atividades jurisdicionais, "tendo como objetivo imediato a aplicação da lei ao caso concreto, e como missão mediata, restabelecer a paz entre particulares e, com isso, manter a da sociedade"(2004, p. 5), ou, de outro modo, é impossivel a convivência humana sem a tutela jurisdicional do Estado, "ubis societas ibi jus", onde há sociedade há Direito. Na atualidade, uma das maiores preocupações dos doutrinadores da Ciência do Direito se relaciona com o acesso à justiça, entendido este sob duas vertentes, a primeira diz respeito ao acesso, em seu significado literal, ao Poder Judiciário propriamente dito, e, a segunda, tendo obtido o acesso, diz respeito à efetividade da tutela recebida, em termos de qualidade, mas principalmente dentro de um período de tempo suportável. A definição de Acesso à Justiça pode ser estruturada a partir das duas finalidades básicas de qualquer sistema jurídico de estados contemporâneos democráticos, ou seja: em primeiro lugar o sistema deve ser acessível a todos e, em segundo, deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos(CAPPELLETTI; GARTH, 1978). Conforme os mesmos, a evolução do conceito teórico de acesso à justiça se dá partir dos séculos XVIII e XIX, períodos em que os estados liberais burgueses permaneciam passivos quanto à "pobreza no sentido legal", incapacidade em que parte da sociedade tem em valer-se do sistema judiciário, e também quanto aos demais problemas de acesso à justiça. Passando do estado liberal para o "welfare state", com os novos direitos substantivos proclamados pelas Declarações de Direitos dos pós-guerra, vieram a ocorrer movimentos sociais no sentido de se cobrar uma atuação positiva dos Estados em efetivar o acesso da sociedade a tais direitos. Ainda de acordo com Cappelletti e Garth(1978), a partir de meados do século XX, os vários sistemas jurídicos passaram a tutelar uma enorme gama de direitos individuais e coletivos, a exemplo do direito dos consumidores, à honra, à saúde, ao trabalho, à proteção ao meio ambiente, entre outros. Torna-se intuitivo, portanto, a importância capital que o efetivo acesso à justiça tem, e por que vem sendo progressivamente reconhecido entre os novos direitos, uma vez que "a titularidade de direitos é destituida de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação"(CAPPELLETTI; GARTH, 1978, p. 11). Os referidos autores prosseguem nessa direção ao escreverem que "o Acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental ? o mais básico dos direitos humanos ? de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos"(1978, p.12), vindo a finalizar com o seguinte posicionamento, "o acesso não é apenas um direito social fundamental, frequentemente reconhecido; ele é também, necessáriamente o ponto central da moderna processualistica"(1978, p. 13). Nesse sentido, Boaventura de Souza Santos ensina que a questão do acesso à justiça passou a ser de suma importância no pós-guerra. Segundo o autor, [...]o tema do acesso à justiça é aquele que mais diretamente equaciona as relações entre om processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-formal e desigualdade sócio-econômica. No âmbito da justiça civil, muito mais propriamente que no da justiça penal, pode falar-se de procura, real ou potencial, da justiça[...]Foi, no entanto, no pós-guerra que esta questão explodiu. Por um lado a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e a sua expanção paralela à do Estado-Providência transformou o direito ao acesso à justiça num direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituidos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e econômicos passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadoras. Dai a contastação de que a organização da justiça civil, em particular, a tramitação processual não podiam ser reduzidas à sua dimenção técnica, socialmente neutra, como era comum serem concebidas pela teoria processualista, devendo investigar-se as funções sociais por elas desempenhadas e, em particular, o modo como as opções técnicas no seu seio veiculam opções a favor ou contra interesses sociais divergentes ou mesmo antagônicos (interesses de patrões ou de operários, de senhorios e de inquilinos, de rendeiros ou de proprietàrios fundiários, de consumidores ou de produtores) (2003, p. 167). Considerando que o Estado brasileiro, segundo Sarmento, "tem 54 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza e 15 milhões abaixo da linha de miséria"(SARMENTO apud PERIUS, 2004, p.64), não possuindo, portanto, renda suficiente para as suas necessidades básicas, torna-se de grande importância social a pesquisa dos obstáculos e das possíveis soluções que venham a ampliar o acesso à justiça, de modo a inserir esse imenso contigente humano como participante ativo do processo judiciário, praticando e produzindo o próprio direito, sob pena de tornarmos contemporânea a frase milenar do poeta Ovídio, "Cura pauperibus clausa est", ou seja, o tribunal está fechado para os pobres. A garantia constitucional de acesso à justiça está estabelecida como Direito e Garantia Constitucional no artigo 5º, inciso LXXIV, CF, ou seja " o estado prestará assistência jurídica integral e gratuita", assim como no inciso XXXV do mesmo artigo, " a lei não excluirá de apreciação do judiciário lesão ou ameaça de direito". Mas é na cláusula geral da dignidade da pessoa humana, sacramentada em um lugar de honra entre os princípios fundamentais da Constituição Federal, conforme artigo 1º, " A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indisolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...]: III ? a dignidade da pessoa humana[...]", que se destaca a importância do efetivo acesso à justiça, conforme se verifica nos dizeres da autora Ana Paula Barcelos: Na linha do que se identificou no exame sistemático da própria Carta de 1988, o mínimo existencial que ora se concebe é composto de quatro elemenos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde, a assistência aos desamparados e o acesso à justiça. Repita-se, ainda uma vez, que esses quatro pontos correspondem ao núcleo da diginidade da pessoa humana a que se refere a eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o de direito subjetivo exigível do poder judiciário. (BARCELOS apud GAULIA, 2005, p. 65) Considerando assim que a democratização do acesso à justiça é um dos pilares de um Estado Democrático de Direito e entendido como fração importante do núcleo do princípio da dignidade da pessoa humana, há que se fornecer ao judiciário instrumentos adequados para que o cidadão tenha a real possibilidade de obter a tutela jurisdicional adequada e justa. Rudolf von Jhering já assinalava que: O Direito existe para se realizar. A realização é a vida e a verdade do Direito, é o próprio Direito. O que não se traduz em realidade, o que está apenas na lei, apenas no papel, é um direito meramente aparente, nada mais do que palavras vazias. Pelo contrário, o que se realiza como Direito é Direito, mesmo que não se encontre na lei e que o povo e a ciência dele não tenham tomado consciência.(JHERING apud MEIRA, 2003, p.16 ) Sobre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Sarlet escreve: [...]convém registrar que se está a partir aqui da noção já consagrada ? embora ainda não de todo assimilada pela totalidade dos doutrinadores e operadores jurídicos ? de que o dispositivo (o texto) não se confunde com a norma (ou normas) nele contida, nem com posições jurídicas (direitos) por esta outorgadas, já que cada direito fundamental pressupõe ? na esteira do que leciona Alexy ? necessáriamente uma norma jusfundamental que o reconheça[...]verifica-se que o dispositivo constitucional (texto) no qual se encontra enunciada a dignidade da pessoa humana (no caso o artigo 1º., inciso III, da Constituição de 1988), contém não apenas mais de uma norma, mas que esta(s), para além de seu enquadramento na condição de princípio (e valor) fundamental, é (são) também fundamento de posições jurídico-subjetivas, isto é, norma(s) definidora(s) de direitos e garantias, mas também de deveres fundamentais.(2002, p.71) Do exposto nos parágrafos anteriores, verifica-se com facilidade a importância que o acesso à justiça tem para a harmonização social de um Estado Democrático de Direito, motivo pelo qual passar-se-á no capítulo seguinte a pesquisar quais são os obstáculos existentes ao acesso e quais as possíveis soluções para eliminá-los. CAPÍTULO II ? OS PRINCIPAIS OBSTÁCULOS AO ACESSO A JUSTIÇA E AS POSSÍVEIS SOLUÇÕES A respeito da evolução do processo a partir da segunda metade do século XX, Candido Dinamarco contabiliza as principais contribuições a essa evolução a alguns autores, conforme seus comentários seguintes: O monumental esforço dos idealistas portadores da bandeira da efetividade do processo abriu espaço para a consciência da necessidade de pensar no processo como algo dotado de bem definidas destinações instituçionais e que deve cumprir seus objetivos sob pena de ser menos útil e tornar-se socialmente ilegítimo. Merecem menção muito destacada as iniciativas de Mauro Cappelletti e Vitório Denti, cujos discípulos e seguidores, na Itália, em toda a Europa continental e em plagas americanas, compõem um grupo hoje muito coeso em torno da idéia que se convencionou denominar acesso à justiça(2001, p.21). Concordando com tal posicionamento, pode-se verificar que onde quer que se pesquise sobre o tema do acesso à justiça é possível encontrar citações sobre os ensinamentos dos autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth(1978), que estabelecem os alicerces das possíveis reformas do sistema processual no sentido de minimizar os obstáculos à democratização do acesso à justiça, por meio de atitudes denominadas de "a terceira onda". Os mesmos indicam, ainda, os principais obstáculos ao efetivo acesso à justiça, entre os quais, as custas judiciais, pequenas causas, tempestividade, possibilidade das partes, recursos financeiros e aptidão para reconhecer um direito, e prosseguem sugerindo possíveis soluções: O recente despertar de interesse em torno do acesso à justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países do mundo ocidental...Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso ? primeira "onda" desse movimento novo ? foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses "difusos", especialmente nas áreas de proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro ? e mais recente _ é o que nos propomos a chamar simplesmente de "acesso à justiça" porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo(78, p. 31) Abstraindo-se dos aspectos estritamente jurídicos, outros problemas apresentam-se como inibidores aos cidadãos na procura da solução dos conflitos por meio da via jurisdicional e, neste sentido, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos comenta, [...]A sociologia da administração da justiça tem-se ocupado também dos obstáculos sociais e culturais ao efetivo acesso à justiça das classes populares, e este constitui talvez um dos campos de estudo mais inovadores. Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o extrato social a que pertencem e que essa distância tem como causas próximas não apenas fatores econômicos, mas também fatores sociais se culturais, ainda que uns e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades econômicas. Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a reconhecer pior os seus direitos e, portanto, a ter mais dificuldades em reconhecer o problema que os afeta como sendo problema jurídico. Podem ignorar os direitos em jogo ou ignorar as possibilidades de reparação jurídica[...]. Em segundo lugar, mesmo reconhecendo o problema como jurídico, como violação de um direito, é necessário que a pessoa se disponha a interpor a ação. Os dados mostram que os indivíduos das classes baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo quando reconhecem estar diante de um problema legal[...]. Dois fatores parecem explicar essa desconfiança: por um lado, experiências anteriores com a justiça de que resultou uma alienação em relação ao mundo jurídico(uma reação compreensível à luz dos estudos que revelam ser grande a diferença de qualidade entre os serviços advocatícios prestados às classes de menores recursos: por outro lado, uma situação geral de dependência e de insegurança que produz o temor de represálias se recorrer aos tribunais. Em terceiro e último lugar, verifica-se que o reconhecimento do problema jurídico e o desejo de recorrer aos tribunais para o resolver não são suficientes para que a iniciativa seja de fato tomada. Quanto mais baixo é o estrato social-econômico do cidadão menos provável é que se saiba onde, como e quando pode contatar o advogado e maior é a distância geográfica entre o lugar onde vive e trabalha e a zona da cidade onde se encontra os escritórios de advocacia e os tribunais(2003, p. 170). O primeiro e principal obstáculo ao acesso à justiça a ser considerado diz respeito ao aspecto econômico que, obviamente, dificulta e desestimula as pessoas a buscarem a solução dos seus litígios por meio do sistema judiciário, considerando-se que ser parte em uma demanda jurídica é, na maioria das vezes, muito dispendioso. Dentre uma série de despesas, destacam-se as custas judiciais, os honorários advocatícios e o ônus da sucumbência. O Constituinte Originário, ciente de que o aspecto econômico tende a se tornar o principal freio à obtenção dos direitos e garantias fundamentais previstas na Carta Magna, repetindo previsão das constituições anteriores, estabeleceu no artigo 5º, inciso LXXIV, CF, que "o Estado promoverá assistência integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", e no artigo 134, CF, estatuiu que a Defensoria Pública "é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe orientação jurídica e a defesa em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV", prevendo, ainda, no parágrafo 1º, a elaboração de lei complementar no sentido de normatizar o instituto da Defensoria Pública, o que veio a ocorrer com a edição da LC 80/94. Passados, assim, mais de dez anos da vigência da referida Lei, é amplamente conhecido que a mesma não obteve resultados práticos relevantes, na medida em que ainda não se conseguiu a implantação da Defensoria com seus quadros de pessoal e infraestrutura condizentes. A Lei Complementar 80/94 organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territorios, além de estabelecer normas para sua organização nos Estados, prescreve em seu artigo 1º: "a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita aos necessitados na forma da Lei." Ainda com relação à questão acima abordada, resta aos cidadãos carentes de recursos financeiros, abrigar-se na Lei 1060/1950, que estabeleceu normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. É de notar-se que quanto menor os valores das causas, as custas, inversamente, são proporcionalmente mais elevadas. Em outro vértice do problema, está a demora na solução da lide que irá, consequentemente, aumentar as custas da demanda, pressionando assim, com mais vigor, a parte mais fraca do litígio, (Garth; Cappelletti, 1978, p.19). Em síntese, as dificuldades do acesso à justiça, em sentido amplo, oriundas de fatores econômicos, continuam sendo uma barreira praticamente intransponível. Nos dizeres de Candido Dinamarco, "o patrocínio técnico gratuito não passa de solene promessa constitucional, cumprida em casos que são ainda muito poucos"(2005, p.338). O segundo obstáculo ao efetivo acesso à justiça é apontado por Garth e Cappelletti(1978), ao que denominam "a possibilidade das partes". Esta expressão significa que, em um litígio judicial, na maioria das vezes, uma parte poderá ter alguma vantagem adicional sobre a outra, vantagem esta não ligada diretamente ao direito material em discussão. Tal obstáculo, segundo os autores, se diversificam em algumas vertentes. A primeira diz respeito aos recursos financeiros de cada um, já que os mais abastados podem suportar com mais facilidade a demora na solução de processo e, também, têm condições de contratar profissionais mais competentes o que lhes dará, obviamente, uma vantagem estratégica. A segunda vertente está ligada à capacidade das pessoas em reconhecer um direito ou, mesmo reconhecendo, de ter coragem para enfrentar os tribunais para intentar uma ação judicial, fatores esses que estão interligados às diferenças culturais, educacionais e indiretamente à capacidade econômica de cada um. Por último, são considerados as vantagens obtidas pelos litigantes que habitualmente militam na justiça, como é o caso das grandes corporações, em relação àqueles com pouca ou nenhuma experiência judicial. Ainda seguindo a linha de pensamento de Garth e Cappelletti(1978), outro obstáculo que se apresenta são os problemas relacionados aos interesses difusos, seja porque poucas pessoas terão interesse suficiente para enfrentar um processo que são, na maioria das vezes, de grande complexidade, seja pela dificuldade de as partes se organizarem para estabelecerem uma única demanda. Prosseguem os autores, lembrando que a análise das várias barreiras ao acesso, convergem no sentido de que: os obstáculos criados por nossos sistemas jurídicos são mais pronunciados para as pequenas causas e para os autores individuais, especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial para obterem seus próprios interesses (1978, p.28). Segundo Meira(2003) a democratização do acesso à justiça, em uma de suas várias vertentes, está, obrigatoriamente, interligada à análise da defesa dos interesses transindividuais, que, em que pese a existência de uma extensa legislação para sua instrumentação, tem uma elevada dependência da atuação estatal, e explica: não há como olvidar que o reconhecimento de interesses coletivos e difusos implica necessariamente o de deveres que recaem sobre cada um de nós em face dos outros membros da comunidade. Se não nos prontificarmos a fazer o que nos toca para preservar os bens e valores que pertencem a todos, ou a muitos, falece-nos autoridade moral para cobrar dos órgãos públicos, inclusive dos judiciais, desempenho mais prestante (BARBOSA, 2001 apud MEIRA, 2003, p.10). Sugerindo investigações sobre a sistemática processual vigente, Cândido Dinamarco identifica quatro aspectos fundamentais a serem analisados para a consecução da efetividade do processo, quais sejam: "a admissão ao processo, o modo de ser do processo, a justiça das decisões e finalmente, a utilidade das decisões"(2005, p.334). Sobre o aspecto da utilidade das decisões, o efetivo acesso à justiça passa necessariamente para o que seja, talvez, a sua maior barreira, qual seja a tempestividade da tutela jurisdicional, principalmente no que tange aos menos favorecidos financeiramente, na medida em que, muitas vezes, a tutela pretendida poderá estar ligada a aspectos relativos à sua própria sobrevivência e a de sua família. A crise do sistema judiciário nacional é por demais comentada e criticada, com os processos delongando por anos a fio, sem nenhuma visibilidade de solução. Às vezes se aponta para o excesso de formalismo do sistema processual, que prioriza a segurança jurídica, por meio da permissão de um número infindável de recursos, em detrimento da tempestividade da tutela jurisdicional. Outras vezes, conclui-se que o problema está na insuficiência dos recursos humanos e materiais do judiciário. Independentemente de qual seja a principal causa, a tempestividade da tutela é uma característica que deve ser encarada com absoluta prioridade. Tereza Gáulia ao comentar sobre o tempo em que o processo tramita no sistema, entende que: [...] tal período de tempo é, por conseguinte, condição essencial para se aferir a efetividade da prestação jurisdicional. Ou seja, quanto mais tempo o cidadão precisar esperar por uma solução de eficácia para o seu conflito, menor é a eficiência que se tributará ao Poder Judiciário e maior a possibilidade de vir a buscar soluções e comportamentos alternativos que somente contribuem para o aumento da desorganização e violência social(2005, p.113). Garth e Cappelletti, ao analisarem o tema do acesso à justiça, sob o título "tendências no uso do enfoque do acesso à justiça"(1978, p.75), apresentam uma série de possíveis soluções ao sugerirem algumas reformas no sistema jurídico, e, dentre elas, indicam a que julgam a mais importante, a especialização de instituições e procedimentos judiciais, justificando: É preciso reconhecer, entretanto, que algumas das características do sistema judiciário regular, que o torna apto para a solução de litígio de direito público, em defesa de interesses difusos da coletividade, freqüentemente também o tornam pouco adequado a fazer valer os direitos das pessoas comuns ao nível individual. Procedimentos contraditórios altamente estruturados, utilizando advogados bem treinados e perícias dispendiosas, podem ser de importância vital nos litígios de direito público, mas colocam severas limitações na acessibilidade de nossos tribunais a pequenas causas intentadas por pessoas comuns. È evidente a necessidade de preservar os tribunais, mas também o é a de criar outros fóruns mais acessíveis(1978, p.91). Tais fóruns, no entendimento dos autores, devem caracterizar-se pela minimização das custas judiciais para as partes, pela informalidade e celeridade, características intrínsecas a um procedimento que se regule pelo princípio da oralidade. Indicam assim quatro aspectos a serem observados na criação dos tribunais especializados: "(a) a promoção de acessibilidade geral, b) a tentativa de equalizar as partes, c) a alteração do estilo de tomada de decisão, e d) simplificação do direito aplicado"(1978, p. 99). O primeiro aspecto trata da redução das custas das demandas e da criação de ambientes que sejam propícios, tanto do ponto de vista físico, como psicológico, a estimular as pessoas a procurar os tribunais para resolver suas pendências jurídicas. O segundo aspecto diz respeito, entre outros fatores, a uma maior informalização do procedimento, na simplificação das normas para produção de provas e na necessidade de uma participação mais efetiva do julgador no sentido de equilibrar as eventuais vantagens de uma parte sobre a outra. Já o terceiro aspecto procura enfatizar a necessidade de se priorizar a solução dos litígios por meio da técnica da conciliação. Finalmente, o último aspecto traz a proposta de se permitir aos juízes, ao tomar as suas decisões, basearem-se mais na eqüidade do que, pura e simplesmente, nos dizeres da lei. Nesse sentido, Tereza Gáulia ensina, "...de modo que, sem que se perca a noção de imparcialidade, deve o juiz nos Juizados Especiais Cíveis aprender a caminhar entre a lei, seus fins sociais e a noção geral de bem comum"(2005, p.126). Considerando-se que até então estudou-se o acesso à justiça e suas garantias constitucionais, assim como os obstáculos a esse acesso e suas possíveis soluções, necessário se faz, dentro da proposta do presente trabalho, fazer a seguir um estudo dos aspectos principais da sistemática processualística dos Juizados Especiais Cíveis, considerado o espaço do cidadão no Poder Judiciário. CAPÍTULO III ? A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS, ASPECTOS TÉCNICO-PROCEDIMENTAIS 4.1. Considerações Iniciais A Lei 9099 entrou em vigor em 26 de setembro de 1995, introduzindo no âmbito jurídico brasileiro um sitema processual de natureza constitucional obrigatória, dispondo sobre os aspectos operacionais dos Juizados Especiais Cíveis. O artigo 98, inciso I, da Constituição Federal determina que: A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I ? Juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução das causas cíveis de menor complexidade e infrações de menor potencial ofesivo, mediante o procedimento oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses permitidas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.(CF/88). A seguir serão apresentados os principais aspectos operacionais e características da Lei dos Juizados Especiais Cíveis: 4.2. Princípios Informadores Dispõe o artigo 2º da Lei 9099/95:"Art. 2º. - O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação e a transação." De acordo Felippe Borring Rocha, [...] perdeu o legislador excelente oportunidade de identificar aquilo que chamou de critérios. Oralidade, simplicidade [...] são a toda evidência, principios fundamentais do sistema dos Juizados e devem ser tratados como tais para que possam cumprir adequadamente seu papel de orientação exegética(2005, p. 7). Iniciando pelo princípio da oralidade, verifica-se a priorização da palavra falada sobre a escrita, na medida em que o ajuizamento da demanda pode ser oral, assim como a contestação, os embargos de declaração e a execução de sentença. "Ocorre a concentração dos atos processuais em audiência, assim, ajuizada a demanda, tudo o mais deve acontecer em audiência, provocando a imediatidade entre o juiz e a fonte da prova oral através do contato direto entre o juiz e as pessoas que vão prestar depoimento no processo"(PAIVA, 2006, p.01). Por força do princípio da informalidade, Paiva(2006) entende que o processo perante o juizado deve ser o mais informal possível, buscando-se abolir o apego exagerado à forma de modo a se atingir o objetivo principal, ou seja, a solução da lide jurisdicionada. Aplica-se, portanto, o princípio da instrumentalidade das formas, conforme previsão do artigo 154 do CPC: "os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial". Já o princípio da simplicidade significa que o processo deverá tramitar da maneira mais espontânea e desburocratizada possível. Deve procurar-se a máxima simplicidade dos atos processuais, como por exemplo, a citação postal das pessoas jurídicas pela entrega da correspondência ao encarregado da recepção previsto no artigo 18, II da Lei 9099/95. Por meio do princípio da economia processual busca-se extrair do processo o máximo de proveito com o mínimo de dispêndio de tempo e energias, sendo que apenas os atos processuais indispensáveis devem ser praticados dispensando a necessidade de eventuais correções, repetições ou anulações se nenhum prejuizo causar às partes. O princípio da celeridade visa a utilização de procedimentos no sentido de se obter da tutela jurisdicional dentro do menor prazo possível. Exemplo de aplicação do princípio é a não admissão de qualquer forma de intervenção de terceiros, conforme previsto no artigo 10 da Lei 9099/95. A celeridade está também interligada à estrutura com que devem ser dotados os Juizados. Dessa maneira, o atendimento mais rápido das partes que buscam a Justiça Especial, a solução das pendências processuais em uma única audiência, bem como a prolação da sentença na própria audiência, estará em consonância com o referido princípio. Enfim, tem-se o princípio da autocomposição sendo que, "por força desse princípio busca-se, a todo momento, a autocomposição das partes. A audiência de conciliação e a audiência de instrução e julgamento com nova tentativa de conciliação são exemplos de aplicação do princípio"(PAIVA, 2006, p.02). Reflexo desse estimulo à conciliação e transação é a obrigatoriedade da presença pessoal das partes nas audiências, sem exceção, a fim de que se viabilize a solução do conflito por meio de acordo entre as mesmas, previsão no artigo 9º da Lei 9099/95. A conciliação permite que as próprias partes encontrem a solução para as suas desavenças, solução esta que, na maioria das vezes, agrada a ambos os litigantes, enquanto que, havendo audiência de instrução, uma terceira pessoa, o juiz, irá decidir pelas partes, decisão esta que poderá vir a desagradar tanto ao autor como ao requerido. 4.3. Competência Apesar da existência de controvérsias, o ajuizamento de ações perante os Juizados Cíveis é opção do demandante conforme entendimento majoritário dos autores, nesse sentido e por todos Joel Dias Figueira Junior(2005) A competência dos Juizados é estabelecida no artigo 3º da citada norma que admite o ajuizamento de causas cíveis de menor complexidade, incluindo nestas as causa de pequeno valor. Ao definir como de menor complexidade as causas de valor inferior à quarenta salários mínimos, o legislador abriu a guarda para uma série de críticas, na medida de que são conceitos distintos, pois a complexidade está muito mais ligada aos aspectos processuais, a exemplo da obrigatoriedade de todas as provas serem produzidas na audiência de instrução, do que a aspectos referentes ao valor da causa, (ROCHA, 2005, p. 26). No que diz respeito ao procedimento de execução, conforme previsão do §1º, art. 3º da Lei 9099/95, os Juizados são competentes para executar os seus julgados além dos títulos executivos extrajudiciais. De acordo previsão do § 2º, do mesmo artigo, estão excluídas da competência do Juizado as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial. O artigo 4º desta Lei trata da competência territorial, sendo a mesma concorrente, cabendo ao demandante escolher entre as opões oferecidas. Em razão da matéria, estão previstas as hipóteses do inciso II, artigo 3º, valendo ressaltar a polêmica existente sobre a aplicação ou não do limite dos quarenta salários mínimos para as causas elencadas no inciso em questão, sendo majoritária a corrente pela aplicação do limite acima referido, neste sentido Figueira Junior(2005). 4.4. Procedimento O procedimento pode ser dividido em quatro fases, quais sejam, a postulatória, a conciliatória, a instrutória e a decisória. Por força de previsão Constitucional, artigo 98, inciso I, os Juizados seguem o procedimento oral e sumaríssimo, que se inicia com a apresentação do pedido, pela forma oral ou escrita, ocasião em que é designada a audiência de conciliação, ficando desde já o autor intimado da mesma, sendo que o requerido será citado e intimado, artigo 18 da Lei 9099/95, por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria, ou se necessário por meio de oficial de justiça. Não obtida a conciliação, a audiência de instrução e julgamento é imediatamente designada, ficando desde logo as partes intimadas. Na audiência de instrução, com exceção das de maior complexidade, admitem-se todos os tipos de provas, mesmo as não especificadas em lei conforme art. 32 da referida Lei, que deverão ser produzidas na própria audiência, mesmo que não requeridas previamente, ficando ao encargo do juiz analisar a oportunidade e conveniência de sua produção. A sentença poderá ser prolatada na própria audiência, e deverá conter os elementos de convicção do juiz, sendo dispensado o relatório, não se admitindo sentença condenatória por quantia ilíqüida conforme artigo 38 do mesmo regulamento. As causas de extinção do processo sem julgamento do mérito estão previstas no artigo 51 da mesma lei. 4.5. Recursos Em atenção ao princípio da celeridade, a quantidade de recursos possíveis reduz-se drasticamente se comparado com a justiça comum. Normalmente interpõe-se apenas um recurso contra sentença, artigo 41, que é o inominado, visto que a Lei refere-se a ele apenas com a designação de "recurso", apesar de ser também conhecido como apelação. Tal recurso depende de preparo, as partes devem ser representadas por advogados, devendo ser dirigido para o próprio Juizado onde será julgado por uma Turma Recursal, composta de três juizes togados em exercício no primeiro grau de jurisdição. Interposto o recurso e verificado o preparo, a secretaria intimará o recorrido para interpor as contra-razões no prazo de 10 dias. Após esse prazo, verificado o juízo de admissibilidade, poderá ser recebido apenas no efeito devolutivo, entretanto, excepcionalmente, será recebido com efeito suspensivo, no sentido de evitar dano irreparável à parte, de acordo com art. 42 da mesma norma. Contra o acórdão que julga o recurso inominado, não cabe qualquer recurso ao Tribunal de Justiça do Estado ou ao Superior Tribunal de Justiça. Admite-se, todavia, recurso extraordinário, endereçado ao STF, em caso de afrontra à Constituição Federal, se presentes os requisitos do art. 102, inciso III, CF, conforme posição de Figueira Junior(2005) As sentenças homologatórias dos acordos firmados pelas partes nas audiências são insuscetíveis de qualquer forma de recurso, tendo em vista o disposto no artigo 41, caput, Lei 9099/95. Da mesma forma são irrecorríveis as decisões interlocutórias por falta de previsão legal, fato que tem gerado controvérsias na doutrina. Eventuais inconformismos com as decisões processuais poderão ser atacadas por ocasião das razões da apelação.Entende-se pela não previsão no sistema dos Juizados do agravo de instrumento, a utilização do mandado de segurança como instrumento revisional dos atos dos juízes togados, a ser julgado pelas próprias turmas recursais, ponto polêmico na doutrina, já que existem autores que se posicionam de que a competência para tal, seria do Superior Tribunal de Justiça, conforme entendimento de Felippe Borring Rocha(2005, p.168). O artigo 59 desta Lei descarta a possibilidade da interposição de ação rescisória. Finalmente, caberão embargos de declaração para resolver as questões de obscuridade, contradição, omissão ou dúvidas relacionadas à sentença, previsão do artigo 48, e, no caso de execução, à previsão expressa dos embargos à execução nos artigos 52 e 53 da mesma Lei. CAPÍTULO IV ? A EFETIVIDADE E O FUTURO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS 5.1. A efetividade Inspirado possivelmente nos ensinamentos de Cappelletti e Garth, que assinalam em sua obra a necessidade de se pesquisar e implementar uma série de possíveis reformas de modo a democratizar o acesso à justiça, tais como: " alterações nas formas de procedimento, mudança nas estruturas dos tribunais, criação de novos tribunais, uso de pessoas leigas ou paraprofissionais[...]"(1978, p.71), nasceu a lei 9099/95, que conforme Cristina Gaulia, "com a missão ser uma proposta diferencial ao Judiciário tradicional de modo a ser capaz de aliviar as angústias do cidadão comum quanto às causas de menor complexidade, que até então não chegavam aos juízes, e propiciar, assim, um acesso facilitado da população à Justiça"(2005, p.6). Pode se inferir que a nova legislação veio normatizar a sistemática processualística do Juizados Especiais Cíveis, com a finalidade principal de atacar os problemas que obstaculizam o efetivo acesso à justiça. Tal nascimento se deu dentro de uma série de reformas que o sistema processual civil vem sendo palco, reformas estas tendentes a promover a agilização dos procedimentos processuais, de modo a cumprir seus objetivos sócio-jurídicos. O processo em sua evolução, nunca deixando de ser um instrumento pelo qual se viabiliza a realização do direito material, sempre procurou de maneira sistemática estabelecer o máximo possível de segurança jurídica na solução dos litígios, o que, por outro lado, veio a torná-lo exageradamente formal e, em consequência, lento. Assim, em nome da segurança jurídica, garantida através de um procedimento de cognição exauriente do direito em questionamento, da utilização de um contraditório amplo e da interposição quase que interminável de recusos das mais diversas espécies, abriu-se mão da tempestividade da prestação jurisdicional. Em contrapartida a lei dos Juizados Especiais, tendo como alicerces os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual, buscando sempre a conciliação entre as partes, abre mão do formalismo em busca da tempestividade da tutela jurisdicional. Para Cândido Dinamarco " O Juizado Especial de Pequenas causas representa acesso à justiça, isto é, adequação dos anseios da população a uma Justiça rápida, sem custas e sem formalismo, a fim de se evitar a contenção de litigiosidade e a violência, capazes de induzir à justiça de mão própria, à barbarie, em suma, ao acaso do direito" (2001, p.19). O termo litigiosidade contida utilizada na citação acima é do idealizador dos Juizados de Pequenas Causas, Kazuo Watanabe, segundo Cristina Tereza Gáulia(2005, p.19). Como já anteriormente analisado, há que se verificar a efetividade do acesso à justiça, sob os aspectos do acesso aos tribunais pelo exercício do direito de ação, da obtenção tempestiva da tutela jurisdicional e, mais importante, que essa tutela seja individual e socialmente justa, ou conforme entendimento de Dinamarco(2005) sob as óticas de admissão ao processo, da justiça das decisões e da utilidade das mesmas. Dentro de tal contexto, é que ir-se-á verificar a eficácia da sistemática processualística dos Juizados Cíveis em eliminar ou, pelo menos amenizar, as principais barreiras limitadoras do acesso à justiça. Nesse ponto torna-se importante citar as palavras de Figueira Junior a respeito da Lei 9099/95: Essa nova forma de prestar jurisdição significa, antes de tudo, um avanço legislativo de origem eminentemente constitucional, que vem dar guarida aos antigos anseios de todos os cidadãos, especialmente da população menos abastada, de uma justiça apta a proporcionar uma prestação de tutela simples, rápida, econômica e segura. Capaz de levar à liberação de indesejável litigiosidade contida. Em outros termos, trata-se, em última análise, de mecanismo hábil na ampliação do acesso à justiça(2005, p.40) Nessa mesma direção Lenio Luiz Streck ensina que: Os Juizados adquiriram sede constitucional exatamente para possibilitar respostas adequadas e eficientes a esse déficit de efetividade da justiça brasileira. E essa efetividade buscada não deve ser apenas quantitativa. Deve ser, antes de tudo, qualitativa. Por isso, o viés substancial e não apenas procedimental desse importante instituto(STRECK apud GAULIA, 2005) De fato, uma das principais características da Lei em estudo é a drástica redução dos custos da demanda para as partes, haja vista a dispensabilidade de representação por advogados, a previsão de assistência judiciária conforme artigo 9º, além da isenção de custas prevista no artigo 54: "O acesso ao Juizado Especial, independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas", o que é complementado pelo artigo 55, ao prever a isenção à parte sucumbente do pagamento de custas e honorários de advogados, a menos na ocorrência de litigância de má-fé. E é pelo motivo acima exposto que Tereza Gaulia assevera que os Juizados, Filhos da Constitruição cidadã de 1988 foram pensados como fórmula de proteção aos direitos fundamentais e garantias essenciais(...),vieram garantir à população seu acesso à justiça, gratuitamente e sem intermediários, para que alguns dos direitos e garantias fundamentais possam sair do papel e ingressar no mundo da vida dos cidadãos(GAULIA, 2005). Assim, pode-se considerar que o procedimento especial, ao praticamente eliminar os custos das demandas, ao dispensar, com algumas exceções, a representação das partes por advogados, além de estabelecer uma substancial simplificação procedimental por meio das suas características da simplicidade, informalidade e oralidade, procurou atingir a barreira inicial do acesso à justiça, principalmente das classes menos favorecidas, que é a possibilidade do cidadão exercer o seu direito de ação independente de sua condição econômica. Ainda sobre a gratuidade do processo nos Juizados, Graeff Perius comenta: A gratuidade do processo em primeiro grau de jurisdição é prevista em razão dos fins colimados pelo sistema dos Juizados Especiais. É de ciência que a maioria dos brasileiros é de condições econômicas modestas, incapaz de arcar com os custos do processo, pesado encargo que representa um obstáculo no acesso às vias judiciais. De tal quadro social, tendo em voga a necessária universalização da tutela juridiscional, o legislador não se ouvidou e previu a gratuidade de acesso aos Juizados Especiais. Fundamentalmente, pretendeu o legislador disponibilizar a todos, indistintamente, as vias judiciais sem qualquer limitações, nomeadamente as decorrentes da insuficiência de meios econômicos(PERIUS, 2004, p.135). Apesar de não se tratar de um levantamento sócio- econômico, os resultados estatísticos apresentados na tabela 1 do apêndice, na medida em que se referem aos valores das causas ajuizadas no Juizado Especial Cível da comarca de Itumbiara-GO, traz a possibilidade de se inferir que os mesmos traduzem indiretamente, a capacidade econômica das partes. Assim sendo, verifica-se que, de 1013 processos pesquisados, 39,6% tiveram os valores das causas fixados em até 1 salário-mínimo e 21,6% de 1 a 3 salários-mínimos, do que se subentende ser razóavel supor que a gratuidade do processo no Juizado, traduz-se, de fato, em estabelecer o acesso à justiça ás camadas sociais menos favorecidas. Outra grande barreira que obstaculiza o acesso à justiça, provavelmente a mais grave e perniciosa, é a demora na prestação jurisdicional, ou, em outros termos, a não utilidade das decisões devido à sua intempestividade. É nesse quesito que o legislador concentrou grande parte do seu esforço, principalmente aos estabelecer no artigo 2º que: "o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação". Prosseguiu ainda nesssa direção, estabelecendo uma drástica redução das espécies de recursos disponíveis, além da redução dos prazos para interposição dos mesmos, conforme previsão dos artigos 41 à 48, e da não admissão de qualquer forma de intervenção de terceiros prevista no artigo 10. É neste contexto que Batista da Silva tece seus comentários: A instituição dos Juizados de Pequenas Causas, como órgãos especiais da jurisdição comum dos Estados, segundo os seus defensores, teria por fim, precipuamente: a) permitir o fácil acesso à Justiça dos interessados em causas de pequeno valor; b) para tais causas, em geral singelas e que tem como interessados gente humilde, o custo e a lentidão do litígio comum, seriam obstáculos incontornáveis, a impedir o acesso ao Poder Judiciário de parcelas ponderáveis da população; c) a absorção de uma extensa área de conflitos sociais nunca alcançados pela jurisdição comum, particularmente os modernos conflitos peculiares à civilização moderna, identificados como conflitos urbanos, de massa, que formam um perigoso contingente de litiosidade contida, como os caracteriza Kazuo Watanabe. Para esses conflitos, a estrutura e os próprios instrumentos de que se utiliza a jurisdição tradicional, seriam imprópios(1985, p.19). Nessa mesma direção está a avaliação de Heerdt: [...] técnicas utilizadas para a sumarização formal do procedimento são: a predominância da oralidade, o encurtamento dos prazos, a supressão de atos, as limitações dos recursos, a possibilidade de julgamento antecipado, a redução de provas mediante a diminuição do número de testemunhas e a prática de atos processuais com supressão de formalidades.(HEERDT apud PERIUS, 2004, p.150) A eficácia das técnicas utilizadas pela Lei 9099/95 no sentido de reduzir os prazos de tramitação dos processos e, assim, tornar tempestivas a obtenção das tutelas jurisdicionais pretendidas, pode ser verificada na análise da tabela 4 do apêndice. Os resultados obtidos, ou seja, de 795 processos pesquisados, 86,7% foram resolvidos em um prazo inferior à três meses, sendo que tal prazo foi contado do dia em que se protocolou a ação até o dia da prolação da sentença de primeira instância. Não resta dúvida de que tal resultado, se comparado com aqueles constantes na justiças comum, são dignos de comemoração. Entretanto, o acesso à justiça não estará completo apenas com o exercício do direito de ação e a tempestividade da tutela juridicional, pois as decisões terão que ser, ainda, social e individualmente justas, nascidas de um procedimento que se prime pela segurança jurídica e que atenda ao Princípio do Devido Processo Legal. Nesse sentido, Norris ensina que "o ideal, no que concerne à prestação da atividade jurisdicional, encontra-se representado por um equilíbrio entre os regramentos de segurança e celeridade".(NORRIS apud PERIUS, 2004, p.155), o que, segundo Grinover, [...] foi alcançado no procedimento instituido pelos Juizados Especiais, haja vista que o legislador, no intuito de facilitar o acesso às vias judiciais mediante um processo informal, rápido, social, público e democrático, soube encontrar o delicado ponto de equilíbrio entre essas exigências e a observância das garantias das partes e da própria instituição.(GRINOVER apud PERIUS, 2004, p. 155) Nesse ponto, merece destaque a preocupação de Gaulia ao destacar a importância que tem os magistrados na consecução da efetividade da Lei dos Juizados, "[...] se o juiz não se der conta de que a dignidade da pessoa humana deve ser o valor máximo a ser preservado pela jurisdição, pouca ou nenhuma valia terá uma lei que pretenda aproximar o cidadão do Judiciário"(2005, p.62). No que diz respeito à segurança jurídica do procedimento e a justiça das decisões, tendo em vista a possibilidade de um entendimento equivocado sobre a base principiológica da Lei 9099/95, ou seja, sobre as características da celeridade, informalidade e simplicidade, Gaulia(2005) aduz a necessidade de uma estrita observância ao Princípio Constitucional do Devido Processo Legal. Importante, nesse estágio, é trazer à luz o ensinamento de Nery Junior sobre a atecnia terminológica do referido princípio, ou seja, "[...] a expressão devido processo legal deriva de uma tradução literal vocabular equivocada da expressão due process of law do direito anglo-saxão, que, no original significa veradeiramente devida adequação ao direito"(NERY JUNIOR apud GAULIA, 2005, p. 70), ao que Gaulia faz a seguinte leitura: Quando se pretende que o princípio do devido processo legal seja cumprido, não basta que se implemente um processo correto e sem vícios, mas o que a Constituição almeja é que o processo seja desenvolvido e concluido com a devida adequação ao sistema jurídico do país, sistema esse que visa a proteção de cinco bens jurídicos básicos: a vida digna, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade de acordo com a sua função social(2005, p.71). E, continuando, vem completar o seu entendimento a respeito da questão: Pretende-se aqui, portanto, apontar que os Juizados Especiais Cíveis somente serão reconhecidos como um novo tipo de Judiciário, no Brasil, se os juízes redimencionarem a principiologia da Lei 9099/95 de acordo com os macrovalores constitucionais da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal, norteadores hermenêuticos constantes e inseparáveis para que o Direito deixe de ser somente o que diz a lei na sua literalidade, passando a ser a fonte de fortalecimento de cidadania da qual se necessita para a concretização de um verdadeiro Estado Democrático de Direito (2005, p.79). O que se discute, na verdade, é se a sistemática processual albergada pela Lei 9099/95, onde as provas de maior complexidade não são permitidas, onde não existe a previsão de intervenção de terceiros, de não contar com a previsão de determinados tipos de recursos, a exemplo do agravo de instrumento, além de outras simplificações, não estaria deixando lacunas de modo a facilitar a violação dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Nesse aspecto, Lima Polônia recomenda a necessidade de uma nova postura dos magistrados ao enfocar: A modernidade aponta para a sumarização dos ritos em nome da efetividade da justiça, como ocorre com os Juizados Especiais Cíveis, por isso, é preciso que o julgador tenha, além de sensibilidade, critério de justiça ao apreciar a prova, ao enquadrar os fatos em normas e categorias e ao interpretar o direito positivo, adequando-se aos novos tempos e aos valores, fundamentos e princípios contidos na constituição, que consagra o contraditório e a ampla defesa(2003, p.25). A respeito dos possíveis riscos acima mencionados Kazuo Watanabe escreve que "o processo especial dos Juizados Especiais Cíveis, apesar da extrema simplicidade, informalidade e celeridade, é de cognição plena e exauriente, apto à formalização de coisa julgada material"(WATANABE apud LIMA POLONIA, 2003, p.26). A necessidade da adoção de uma nova postura pelos magistrados está interligada a previsão do artigo 5º da referida norma: "O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para aprecia-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica", e do artigo 6º: O juiz adotará em cada caso a decisão em que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum" o que apesar das divergências doutrinárias, leva a crer que lei ampliou sobremaneira o poder dos juízes ao conceder-lhes autorização legal para decidir a lide por equidade, assim entendendo Lima Polônia(2003). Nesse mesmo sentido aduz Chimenti: "Sem as limitações previstas no artigo 127 do CPC, o artigo 6º da Lei 9099/95 autoriza o julgamento por equidade sempre que esse critério atender aos fins sociais dessa lei e às exigências do bem comum"(2004, p. 74), e, continua o autor, citando a definição de Costa Machado: " a equidade é a permissão dada ao juiz para fazer justiça sem sujeitar-se de forma absoluta à vontade contida na regra legal; é a liberdade para dar a cada um o que é seu sem subordinar-se rigorosamente ao direito escrito"(COSTA MACHADO apud CHIMENTI, 2004, p.74). Ainda sobre a função dos juízes pode-se extrair a seguinte lição do jurista belga Henry De Page: Sem dúvida, assim como não pode o juiz tomar liberdades inadmissíveis interpretando a lei, tampouco pode permanecer surdo às exigências do real e da vida. O direito é essencialmente uma coisa viva. É chamado a reger homens, isto é, seres que se movem, pensam, agem, se modificam. A finalidade da lei não é imobilizar a vida, cristalizando-a, mas permanecer em contato com ela, segui-la em sua evolução e a ela adaptar-se. Daí resulta que o direito tem um papel social a cumprir, e o juiz deve dele participar, mas consoante as necessidades sociais que são chamadas a reger e segundo as exigências da justiça e da equidade que constituem o seu fim. Em outras palavras, a interpretação não deve ser formal; mas precisa ser, antes de tudo, real, humana e socialmente útil(DE PAGE apud CHIMENTI, 2004, p.75). Em sentido oposto, Perius ao interpretar o artigo 6º da Lei 9099/95 entende que: Por decisão equânime não se diga significar equidade. Equânime significa imparcial, moderado, ponderado. Para Dinamarco, uma decisão equânime, diversamente da decisão baseada no princípio da equidade, subordina-se à prática da interpretação e não à criação de direito, pois ao juiz da equidade não é dado outro guia além da sua consciência(2004, p.185). Figueira Junior, ao analisar o mesmo tema, tem um posicionamento intermediário ao afirmar que o juiz não está, pelo artigo 6º, autorizado a decidir exclusivamente baseado no critério da equidade, e tece os seguintes comentários: O que o legislador procurou fazer por meio do artigo objeto destes comentários foi ressaltar e, com absoluta razão, a necessidade de fazer ver, de uma vez por todas, que se faz imprescindível ultrapassar a barreira da mera subsunção para se atingir, finalmente, uma interpretação e aplicação da norma jurídica ao caso concreto, dentro de padrões sociológicos, axiológicos e teleológicos de interpretação. Por isso, e não menos por isso é que frisou: o julgador atenderá aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Procurou-se, assim fazer compreender que o juiz não pode recorrer à equidade tão somente quando autorizado por lei, artigo 127 CPC, mas sim, demonstrar, ao contrário, que não poderá haver justiça concreta sem universal compreensão da equidade. Dessa forma, nestes juizados, a decisão assume feição própria, particular, especial, análoga mas não idêntica à do processo comum.(2005, p.150-151) E assim complementa o seu pensamento: O processo civil contemporâneo apresenta-se cada vez mais revestido de natureza pública norteado por princípios constitucionais, o que resulta, paulatinamente, na mitigação do princípio dispositivo, à exata e inversa medida que se ampliam os poderes do juiz à investigação das provas na busca não apenas da verdade formal, mas, sobretudo, da verdade real, sem que se verifique afronta ao princípio da imparcialidade e do devido processo legal(2005, p.148-149). Independentemente das divergências em torno do tema acima pesquisado, não há como fugir do entendimento de que sobre o ponto central da discussão existe uma unanimidade de opiniões, ou seja, a importância vital e o papel preponderante da correta postura dos magistrados na consecução da efetividade da sistemática processualística dos Juizados Especiais. Ao comentar sobre a necessária mudança de paradigma da magistratura de modo a se adequar corretamente às bases principiológicas da Lei 9099/95, no sentido de incrementarem a sua efetividade, Gaulia reclama uma postura garantística dos juizes, e, nesse ponto, cita Ferrajoli: O garantismo, consiste de um lado, na negação de um valor intrínseco do direito somente porque vigente, e do poder somente porque efetivo, e no primado axiológico relativamente a eles do ponto de vista ético-político ou externo, virtualmente orientado à sua crítica e transformação; e, por outro lado, nas concessão utilitarista e instrumental do estado, finalizando apenas à satisfação das espectativas ou direitos fundamentais(FERRAJOLI apud GAULIA, 2005, p. 21). Nesse mesmo sentido escreve Bolson ao enfocar a utilização das cláusulas gerais pelos magistrados: [...] a adoção de cláusulas gerais, particularmente a cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana, em nosso ordenamento jurídico é um notável avanço, já que flexibiliza a rigidez do modelo vigente, além de permitir ao aplicador da norma, nos casos em que existam interesses existenciais em jogo sem a possibilidade de tutela jurídica pela técnica casuística, porque não tipificados, a tutela através de nova técnica aplicável ao caso concreto(2004, p.149). Gaulia para melhor embasar seu posicionamento a respeito do tema, dá o exemplo de duas decisões divergentes, ou seja, posições dissonantes dos votos dos juizes relatores da 1ª Turma Recursal do Estado do Rio de Janeiro: 1ª Ementa- ICMS- Discussão atinente à forma de calcular o tributo ICMS. Cobrança efetivada por concessionária de energia elétrica. Discussão atinente à forma de calcular tributo. Matéria que necessáriamente ocasionará consequências para o erário público estadual. Reconhecimento de litisconsórcio passivo necessário do Estado do Rio de Janeiro, o que afasta a competência dos Juizados Especiais. Extinção do feito sem apreciação do mérito. 2ª Ementa- ICMS ? Cobrança indevida ? Restituição em dobro do valor pago (...), sendo a questão fiscal secundária, a ela se sobrepondo a questão consumerista, que também tem assento constitucional e assume maior relevância social no Estado Democrático de Direito. Concessionária de energia elétrica que não comprova ter prestado ao consumidor os esclarecimentos necessários quanto à cobrança do tributo, o que, por si só, o desobriga do pagamento.(2005, p.37) Dado os exemplos, Gaulia conclui ser "claramente perceptível a dicotomia referida, na antítese das duas decisões, e, muito embora seja uma formalmente sustentável, somente a outra é socialmente edificante"(2005, p.38). 5.2. Aspectos polêmicos e o futuro dos Juizados Especiais Cíveis O sistema dos juizados, em atenção à sua característica da celeridade, restringiu drasticamente as modalidades de recursos disponíveis aos litigantes. Desse modo, quando as partes não se conformam com a solução jurisdicional do conflito, só lhes resta lançar mão do recurso inominado previsto no artigo 41 da Lei 9099/95: "Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado" que de acordo com o parágrafo 1º do mesmo artigo: "O recurso será julgado por uma turma composta por três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado". Tal situação faz nascer a hipótese, estando presente certo grau de corporativismo entre os magistrados, de ocorrer uma tendência de manutenção das sentenças julgadas em primeira instância. Outro tema que chama a atenção é a possibilidade do surgimento de julgados, de turmas recursais distintas, que mesmo decidindo sobre hipóteses factuais semelhantes venham a apontar soluções divergentes. Nesse sentido, Siqueira de Paiva(2005, p.6) reclama da inexistência nos Juizados Estaduais de dispositivo semelhante ao artigo 14 da Lei 10259/01, Juizados Cíveis Federais, que dispõe: "Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por turmas recursais na interpretação da lei" Também polêmica é a existência, por uma razoável parcela dos operadores do direito, de uma imagem preconceituosa sobre o instituto dos Juizados. Sobre o assunto, Lima Polônia comenta: Muitos advogados, incrédulos e temerosos, consideram os Juizados como justiça de segunda categoria, tendo como duplo fundamento: o temor de perda de clientela, e a preocupação com a qualidade da jurisdição, devido à ausência de defesa técnica e adequada às partes. A resistência, por parte de alguns, em aceitar as inovações introduzidas pela ordem constitucional, acaba por interferir na credibilidade e confiança dos Juizados [...] posições negativas como as que afirmam que a Lei 9099/95 é uma aberração jurídica, dado que seu cumprimento fere a honorabilidade do cidadão, sua cidadania e o Estado nega sua prestação jurisdicional com o esdrúxulo pretexto de desafogar as prateleiras do judiciário(2003, p.47). Em que pese o descrédito acima apontado, há que se entender que a finalidade maior da criação dos Juizados não foi com o intuito de desafogar ou resolver a crise da justiça comum, mas muito mais a de criar uma nova justiça, a de democratizar o acesso à justiça das camadas sociais menos favorecidas, em síntese, de mitigar o problema da litigiosidade contida. Comentado sobre o tema, Gaulia(2005) procura combater os que consideram a Lei dos Juizados uma justiça de segunda classe ou então como simplesmente mais um rito especial, e não como uma nova fonte de acesso à justiça apta a contribuir para a defesa da dignidade da pessoa humana, conforme ideário da CF/88, ao oferecer o seguinte posicionamento: E não obstante a novidade que a lei recém criada possa significar, há uma tendência irresistível dos juristas e autores de livros jurídicos, de um modo geral, a ajustarem o seu conteudo aos parâmetros da dogmática préexistente(...)O que se pretende é estabelecer as bases de um renovado processo de construção de posturas interpretativas e operacionais do direito, lastreadas em uma concepção mais social da justiça, advinda da facilitação do acesso, idealizada pela lei nº 9099/95.(2005, p.3) Nas observações de Figueira Junior(2005, p.40) ao estudar a referida lei , ao lado do seu entendimento de que os Juizados Especiais, não podem ser considerados uma justiça de segunda classe, considera, mais ainda, que é uma forma de jurisdição de origem constitucional, prevista no artigo 98, inciso I, CF, que veio de encontro aos anseios das classes populares, no sentido de liberar uma demanda por justiça a muito reprimida, além de se tratar de um instrumento hábil na ampliação do acesso ao judiciário, e complementa: Tratar a lei 9099/95 como simples norma procedimental é o maior e o mais sério engano que um intérprete pode cometer, pois estará colocando essa norma, de natureza eminentemente processual e de orígem constitucional, em vala comum, quando seu escopo precípuo encontra norteamentos absolutamente opostos, voltados à criação de uma nova justiça, diferenciada de todas as demais, simples ágil, segura e efetiva(2005, p. 64). Aos críticos do sistema de justiça disponibilizado pelos juizados, que consideram ter o Estado criado um justiça de segunda categoria para as classes populares, o professor Batista da Silva responde que: o que importa, segundo o nosso ponto de vista, é a profunda fecundidade da idéia de aproximação do Poder Judiciário da vida social e da fonte legítima de qualquer poder democrático que é o povo, não simplesmente representado, mas praticando e produzindo o próprio direito" (1985, p. 36). Nessa passagem, o autor se referia ao Juizado de Pequenas Causas, precursor dos atuais Juizados Especiais. Uma outra polêmica que ronda o instituto dos Juizados, e que vem causando grande preocupação, pois se mal resolvida poderá trazer sérias conseqüências ao futuro dos mesmos, é a interpretação do artigo 3º da Lei 9099/95, no sentido de se saber se a competência de que trata o artigo é absoluta ou relativa. Sobre o tema Figueira Junior se posiciona: [...]admitida a tese da competência absoluta, não estaria o próprio sistema da Lei 9099/95 viabilizando a extinção do processo e a remessa dos autos à justiça comum. Conseqüentemente, em se acolhendo essa esquisitíssima posição, o interessado encontraria manifesta restrição ao seu direito de acesso ao Poder Judiciário, à medida que, ao mesmo tempo em que lhe é vedada a justiça especial, não se lhe permite o ingresso pela via comum. Vê-se, portanto, sem maiores dificuldades, a inconstitucionalidade da tese da competência absoluta, tal como preconizada no processo civil clássico(2005, p.85). Assim, também, é o entendimento de Nery Júnior: Frise-se que, a entender-se que o ajuizamento de ações prevista na LJE 3º é obrigatório perante o Juizado Especial, é, a um só tempo: a) apenar-se o jurisdicionado, que ao invés de ter mais uma alternativa para buscar a aplicação da atividade jurisdicional do Estado, tem retirada de sua disponibilidade a utilização dos meio processuais adequados, existentes no ordenamento processual, frustando-se a finalidade de criação dos Juizados Especiais; b) esvaziar-se quase que completamente o procedimento sumário no sistema do CPC, que teria aplicação residual às pessoas que não podem ser parte e às matérias que não podem ser submetidas ao julgamento dos Juizados Especiais(NERY JUNIOR apud FIGUEIRA JUNIOR, 2005, p.85). Em que pese a doutrina majoritária entendendo tratar-se no artigo 3º de competência relativa, ou seja, é facultativo ao cidadão ajuizar a sua lide tanto no Juizado com na justiça comum, existem posicionamentos, e, mesmo ações, no sentido de tornar obrigatório o ajuizamento das ações nos Juizados Especiais Cíveis, conforme projeto de lei em trâmite no Estado do Rio Grande do Sul, segundo informa Perius(2004, p.259/260), visando reduzir a sobrecarga presente na justiça ordinária.. A referida tese se concretizada irá, certamente, provocar o esgotamento dos Juizados Especiais pela sobrecarga de processos sem, contudo, resolver a crise do judiciário tradicional, até mesmo porque, como já anteriormente explanado, a finalidade principal da criação dos Juizados não foi resolver os problemas da justiça comum, mas sim, principalmente, a de criar uma nova vertente de acesso ao judiciário, conforme ensina Kazuo Watanabe: O que se colima, através da instituição do JEPC, não é, de forma alguma, resolver a crise do Judiciário, pois os problemas que o envolvem somente com nova mentalidade e dotação orçamentária, que lhe permita autonomia e uma melhor infra-estrutura material e pessoal, poderão ser resolvidos(WATANABE apud PERIUS, 2004, p.260-261). Sobre o mesmo tema, Andrigui traz a sua contribuição ao afirmar que: [...] apesar de todos os esforços e advertências, os fantasmas do assoberbamento e da morosidade iminente assombram os Juizados Especiais. Afirma que a idéia de ampliar o rol de competência desses órgãos, sem preparo das bases e o aperfeiçoamento de sua estrutura, é atentatória ao êxito dos objetivos que nortearam a sua criação.(ANDRIGUI apud PERIUS, 2004, p. 263). Não se pode esquecer que, no passado, já se expandiu a permissão de se demandar nos Juizados, por meio da possibilidade da inclusão das microempresas como um dos sujeitos legitimados a figurar no polo ativo das ações de competência dos Juizados, previsão da Lei 9841/99, Estatuto da Microempresa. E é nesse sentido que Perius adverte: Nesse campo de discussão, a alteração do artigo 8º da Lei 9099/95 pela Lei 9841/99, estabelecendo a possibilidade às microempresas de proporem ações perante o Juizado Especial, em face do grande número de empresas existentes em cada Estado brasileiro, é exemplo de medida que tende a abarrotar as pautas dos Juizados Cíveis, prejudicando o cidadão comum, que deve ser o maior beneficiário da gratuidade e celeridade do sistema. Isso sem falar das execuções de cheque, duplicatas e outros títulos, que serão intentadas pelas microempresas, o que inviabiliza os Juizados Especiais de suprirem à nova demanda(2004, p.267). Mais recentemente as preocupações se renovaram, já que o problema tende a se agravar com as alterações introduzidas na Lei 9841/99, estendendo o limite de enquadramento na condição de microempresa, dos antigos R$ 120.000,00, para os atuais R$ 240.000,00. Uma pequena amostra do que pode vir a acontecer, pode ser visualizado na análise dos resultados do levantamento estatístico efetuado no Juizado Cível da comarca de Itumbiara, constante na tabela 2 do apêndice. Constata-se que 29,9% das demandas ajuizadas têm figuradas no seu pólo ativo pessoas jurídicas, representadas pelas microempresas, em que pese a estatística ainda não contemplar a modificação introduzida na lei, o que acarretará, certamente, um agravamento da situação. Trata-se aqui da ocupação pelas pessoas jurídicas do espaço do cidadão no poder judiciário, os Juizados Especiais Cíveis. CONCLUSÃO Os direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal só terão significado na presença de mecanismos que venham a lhes conferir a devida efetividade. É nesse contexto que o acesso à justiça pode ser considerado o mais importante dos direitos humanos, já que a sua ausência acarretará a denegação de todos os demais. Considerando que o Estado brasileiro se destaca pelas dezenas de milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, torna-se de grande importância social a pesquisa sobre os instrumentos que tenham como finalidade a democratização do exercício do direito de ação, visando a obtenção de uma tutela justa e tempestiva. Dentro dos muitos obstáculos ao efetivo acesso à justiça verificados, destacam-se as elevadas custas judiciais, a morosidade do processo, a possibilidade das partes e a aptidão para reconhecer um direito. E com a missão de combater tais barreiras é que surgiu a Lei 9099/95, regulamentando os Juizados Cíveis conforme previsão constitucional obrigatória. Para grande parcela dos autores consultados, assim como pela análise dos resultados estatísticos constantes no apêndice, a Lei dos Juizados Especiais, pautada em princípios norteadores próprios, veio atender aos anseios da população por uma justiça célere, informal e gratuita, liberando assim o que veio a ser denominado de litigiosidade contida no seio da sociedade brasileira Evidenciou-se na pesquisa efetuada o destaque que vários autores dão ao papel preponderante e a vital importância da adequação do posicionamento dos magistrados para a efetividade e o sucesso dos Juizados. Tal fato se apóia na autorização legal dada pela lei aos juízes para decidir a lide com base no princípio da eqüidade, atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum. O que se reclama dos mesmos é uma postura garantística, sem subordinar-se inteiramente à letra da lei, internalizando que a dignidade da pessoa humana deve ser o valor maior a ser preservado pela jurisdição. Também importante a ser destacado é o descrédito com que significativa parcela dos operadores do Direito enxergam a sistemática dos Juizados, entendendo-os como uma justiça de segunda classe que vem a ferir a honorabilidade dos cidadãos, e que foi criada com a finalidade de desafogar as prateleiras da justiça comum. Mas, muito pelo contrário, o que se verifica é que a Lei 9099/95 não foi pensada com o intuito de mitigar a crise do judiciário, mas sim de fomentar o acesso à justiça de litigantes que nem chegavam às portas dos tribunais. Pretendeu-se, na verdade, criar uma nova justiça que aproximasse o cidadão do judiciário no sentido de evitar a contenção de litigiosidade. Para diminuir a possibilidade da ocorrência de não uniformidade de decisões entre as Turmas Recursais dos Juizados, parece conveniente estudar-se a viabilidade de acrescer na Lei 9099/95 um dispositivo semelhante ao artigo 14 da Lei 10529/2006, Lei dos Juizados Cíveis Federais, que prevê: "Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas recursais na interpretação da lei." Em que pese os resultados alcançados pelos Juizados em criar uma justiça rápida, informal e gratuita, sendo portanto um instrumento eficaz no incremento do acesso à justiça que é um dos pilares de um Estado Democrático de Direito que tenha como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, já é possível antever-se sombras ameaçando a efetividade dos mesmos. Já se verifica em parcela significativa dos Juizados, principalmente nas grandes cidades, que a tempestividade das decisões já não vem ocorrendo, haja vista que a demora na solução da lide já se aproxima daquela existente na justiça ordinária. Aponta-se que o principal fator dessa deterioração é a ampliação do rol de competência desses órgãos, que tende a inibir o alcance dos objetivos que nortearam a sua criação. Um exemplo do aumento da competência dos Juizados foi a permissão de as microempresas serem partes com sujeito ativo nas demandas previstas para os Juizados, o que provocou uma perda de espaço do cidadão nos referidos órgãos. O problema acima exposto tende a agravar-se, tendo em vista as alterações introduzidas na Lei 9841/99, estendendo o limite de enquadramento na condição de microempresa de R$120.000,00 para R$ 240.000,00. Ainda no sentido de ampliar-se o número de ações a serem dirigidas para os Juizados, estão os movimentos no sentido de considerar a competência prevista no artigo 3º da Lei 9099/95 como absoluta, o que tornaria obrigatória o ajuizamento das ações, previstas no referido artigo, no Juizado Especial. O sucesso da criação dessa nova justiça, que veio democratizar o acesso ao judiciário, dependerá, ainda, o que apesar de óbvio não pode deixar de ser lembrado, de um aparelhamento adequado dos mesmos, por meio da disponibilização dos recursos humanos e materiais necessários ao seu funcionamento. BIBLIOGRAFIA CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor. 1988. BRASIL. Constituição da República do Brasil. Coordenação de Giselle de Melo Braga Tapai. 8. ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. BOLSON, Simone Hegele. Direitos da personalidade do consumidor e a cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana. 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