1. INTRODUÇÃO
A razão da análise entre o futebol brasileiro e suas diretas e indiretas relações políticas que o envolviam e organizavam se dá pelos diferentes períodos políticos que o Estado governou a partir de meados do século XIX, que impulsionaram o esporte e principalmente o futebol, conforme seus interesses e necessidades.
Ao retratar os quadros sociais existentes nas épocas ditatoriais brasileiras devemos relatar especialmente dois importantes períodos: a República Velha (1889 à 1930) e a Ditadura Getulista, ou Era Vargas, (de 1930 à 1945) (FAUSTO, 2002) Posteriormente a este período houve a República Nova (1945 à 1964), o Regime Militar (1964 à 1985) e a Nova República (1985-presente).
O futebol nestes primeiros períodos já ganhou naturalmente alguma ?popularidade‟ entre quase todas as classes, mesmo sendo originalmente um esporte para nobres e britânicos (FRANCO, 2007). Sendo este esporte uma maneira, principalmente o homem brasileiro, que encontrou para se expressar. Uma maneira do cidadão nacional de extravasar suas paixões, vontades, alegrias, tristezas, felicidades, fidelidades, etc. (DAMATTA, 2006).
Muitos relatos de antropólogos, sociólogos e historiadores tentam entender a massificação do futebol no Brasil, dentre esse questionamentos surge um outro problema mas este já de caráter mundial, que é o porque se aderir à um clube, visto que não é por conquista de títulos ou presença de grandes craques mas algo parecido com uma entidade mitificada anos após anos, no qual agrega homens e mulheres, jovens e velhos, pessoas de todas as raças ou escalão social. Sendo para muitos um clube, uma pequena pátria (NOGUEIRA, 2006).
A utilização do futebol com outros propósitos já era utilizada no início do século XX, quando em uma de suas confidências, ainda na década de 30, Getúlio já percebia a grande ferramenta que tinha em mãos, percebendo que o jogo monopolizava as atenções do povo. Relatando tal conclusão após a perda do
team brasileiro para o italiano que causou grande decepção e tristeza no espírito público, como se tratasse de uma desgraça nacional (VARGAS, 19951 apud AGOSTINO, 2002).
Porém havia mais conflitos internos dentro da própria organização do futebol brasileiro do que parecia, a rivalidade entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, e as confederações amadoras além das que buscavam a profissionalização do futebolista no Brasil dificultavam a formação de uma seleção realmente forte, com os melhores atletas que representassem a nação sem nenhuma disseminação, ou caráter xenófobo (AGOSTINO, 2002; SOTER, 2008).
Como forma de atrair mais a população para o esporte, foram construídos os dois principais estádios municipais nos mais importantes centro futebolísticos da época, o Pacaembu em 1940, onde Vargas o utilizava para grandes manifestações de massa organizadas ao longo do Estado Novo, e o Maracanã (1950), acordado ainda em 1938 quando já especulava uma próxima copa do mundo no Brasil e a construção de um estádio com o tamanho compatível com o futebol nacional (TOLEDO, L. H. 2000; FERREIRA, J. F. 2008)
Consequentemente a população aceitou o futebol como lazer e posteriormente como profissão, agregando o esporte a sua cultura e representação nacional.
As paixões por clubes e sensações patrióticas em épocas de Copas do Mundo tornavam cada mais o torcedor mais ligado com o esporte e o Brasil, a partir daí o Estado percebera que se infiltrasse nas leis e política do esporte, mais especificamente do futebol poderia atingir diretamente as massas.
A partir da metade do século XX, com o auge da Guerra Fria, e do conflito capitalismo x socialismo, o futebol representava também a força de seu país, se modo a se tornar um marketing e divulgação de sua supremacia, tal que no
1 VARGAS, G. Diário. Fundação Getúlio Vargas, 1995
campo as atitudes e comportamento muitas vezes se assemelhavam a ideia política do Estado. As vitórias de Alemanha, Argentina e Itália, nesse período, além das fulgurantes passagens do ?carrossel holandês‟, da ?máquina húngara‟ e do ?ferrolho soviético‟, colocaram na ordem do dia a ideia de que era preciso adotar um futebol eminentemente coletivo, fisicamente forte, e que abrisse mão dos devaneios individualistas, características de comportamento próximas de um regime socialista ou ditatorial (WISNIK, 2008).
Enquanto o Brasil apresentava o futebol que colocava em oposição tais características, porém a influência do regime militar e suas políticas deixavam em algum momento uma marca que inibia a liberdade natural que existia nos campeonatos estaduais e nacional, tornando a seleção brasileira um grupo fechado, com fortes influências políticas, e controlado principalmente por militares.
Relação direta essa só diminuída na última década, quando a globalização atingiu o futebol, pulverizando a vida social contemporânea dentro de um quadro que permitia um significado político extraordinário. Para Eagleton (2004) bastava que se pensasse em como seria transformada a paisagem social e política se não mais existisse o futebol para fornecer as pessoas a tradição, o ritual, o espetáculo dramático, a hierarquia, a lealdade, o espírito de rivalidade, os heróis e a apreciação de habilidades estéticas que fazem falta tão grande ao cotidiano capitalista.
O futebol, claro, não poderia ficar imune à lógica capitalista onde nasceu, sobreviveu e cresceu. Em um curioso prolongamento colonial o Brasil segue exportando futebolista para o mundo, especialmente para Portugal. A troca de clubes ocorre num ritmo a cada dia mais acelerado, seguindo a própria lógica de circulação de mercadorias. A globalização do futebol expressa ainda um forte poder de atração, em grande parte decorrente da imprevisibilidade de seus resultados, como da imagem que vendem e dos produtos que o cercam (FRANCO JUNIOR, 2007).
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. Início da Formação Desportiva Brasileira
Em todo o mundo o esporte foi tardiamente regulamentado, com suas regras e organizações bem definidas. Sendo a grande maioria das antigas competições esportivas internacionais sob a forma cultural da população que o praticava, por exemplo, escaladas como as feitas pelo médico suíço Michel Gabriel Paccard ao chegar ao cume do monte Montblanc (4.807 m) em agosto de 1786, ou torneios de esqui em descidas de encostas em Oslo (MÖLLER, 2008).
Mas os esportes que visassem competições, que houvesse um livro de regras e uma organização responsável foram em sua grande maioria criados/inventados durante apenas o século XIX, havendo exceções como o golfe na Escócia em 1744 e o esqui na Noruega em 1733 (MÖLLER, 2008).
Com a massificação dos sportsman (homens que praticavam atividades físicas regularmente), principalmente na Europa Ocidental e Extremo Oriente, iniciaram-se os torneios, competições, clubes e escolas onde já era usado o esporte como atividades nas práticas de educação física.
Desde o início é importante deixar claro que certamente não houve uma via única de desenvolvimento do esporte no Brasil. Como se tratava de uma manifestação cultural importada, que chegava com os ventos da modernização que sopravam fundamentalmente do continente europeu, a prática esportiva adquiriu em terras brasileiras contornos peculiares tanto em função das diferentes naturezas de contato como exterior quanto devido aos diálogos estabelecidos com as especificidades locais. Segundo Del Priori (2009), se o esporte foi fundamentalmente uma manifestação cultural importada, que chegava ao país em um momento bastante peculiar de nossa história, deve-se destacar, contudo, duas dimensões:
a) A ação dos estrangeiros foi realmente importante, mas já havia o desejo de reproduzir alguns hábitos culturais europeus; nesse sentido, havia uma predisposição para o desenvolvimento da prática.
b) A despeito das influências, não se deve imaginar que a estruturação do campo esportivo no Brasil tenha se dado exatamente da mesma forma do que na Europa, até porque as referências eram múltiplas e diferenciadas.
Trazido apenas pelos europeus imigrantes no final do século XIX, o esporte, propriamente dito, no Brasil foi tardiamente praticados, havendo pouquíssimos registros de práticas esportivas envolvendo os portugueses, indígenas e escravos africanos que por aqui habitavam.
Dentro de suas respectivas colônias começavam a criar clubes, onde principalmente ingleses, alemães e espanhóis praticavam os esportes populares em seus países.
Com esse diferente hábito e costume na nossa sociedade, os brasileiros começavam década a década a se interessar e aprender novos esportes e rapidamente foi adentrando na cultural brasileira manifestações esportivas por grandes cidades (centros urbanos) até chegarem nas pequenas e interioranas, muitas delas interligadas por ferrovias e portos dos mais importantes rios.
Após o surgimento das primeiras organizações das competições de corridas de cavalos e touradas, muito populares nos grandes centros cariocas, podemos observar em 1847 um decisivo avanço, quando um anúncio convocando para corridas de cavalos foi publicado no Jornal do Commércio, o que gerou um manifesto que posteriormente daria inicio ao primeiro clube de turfe brasileiro (DEL PRIORI, 2009).
A partir deste momento surgiu definitivamente a ideia de desenvolver no país o esporte de acordo com o que já existia na Europa.
Ainda na mesma linha, há o que se explicar até o motivo pelo qual o turfe pode ser considerado um dos precursores do esporte brasileiro, pois havia nele a possibilidade de se constituir em espetáculo, onde se podia ver e ser visto, sendo os hipódromos então um local perfeito para isto, devido à sua localização, sua organização e mesmo sua arquitetura. Por certo, parte de sua até então popularidade deve estar ligada ao fato de ser uma diversão em uma cidade tão carente de opções dessa natureza, por tratar-se de uma atividade pública que permitia marcar as diferenças de classes, o que perdurou com o remo e o futebol, subsequentes em uma ordem cronológica de popularidade, perdurando este estigma por quase meio século ainda (DEL PRIORI, 2009).
Com tanta influência direta do ?movimento inglês‟ desde meados dos anos 1850, já eram perceptíveis os indícios de nossa integração, ao adotarmos tantas novidades, os brasileiros acabariam por adotar também os sports e seus exercícios físicos, o que não era muito habitual no território brasileiro.
O esporte como um todo no Brasil, chegou através das bagagens dos imigrantes estrangeiros, vindos para substituir a mão-de-obra escrava na lavoura do café, para suprir as demandas da indústria que recebia impulso desde os últimos anos do Império, e do retorno dos filhos das classes mais altas que foram estudar na Europa. Assim é observada também a prática de esgrima na Faculdade de Direito em São Paulo, em 1855, e os clubes introduzidos por imigrantes alemães, objetivando preservar aspectos da tradição germânica de práticas corporais artísticas e esportivas, e assim arraigar os laços de ?raça‟ em suas coletividades (VERONEZ, 2005).
No caso do futebol, os primeiros registros oficiais seriam jogos/chutes realizados por marinheiros britânicos frequentadores habituais da costa do país, de Belém do Pará ao Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Relata-se que os tais marujos realizavam suas pelejas/?peladas‟ nos capinzais desertos do litoral norte e sul do país, afirma-se ainda que os tripulantes do navio mercante Crimeia chegaram a bater bola em frente à residência da Princesa Isabel, no Rio de Janeiro, em 1878 (PEREIRA, 2000; FRANCO JUNIOR, 2007, WISNIK, 2008).
2.2. A Identidade Nacional em Jogo
No início do século XX, o Brasil vivia uma importante mudança em sua sociedade, a recém abolição da escravidão, o país começava também a tomar forma de república, criando inconscientemente na população um sentimento de patriótico.
As influências das organizações européias, incorporadas por todo território brasileiro, fizeram do ?futebol‟ praticado nos colégios das elites, sobretudo em São Paulo (Colégio São Luiz - Itu), Rio de Janeiro (Colégio Anchieta ? Nova Friburgo) e Rio Grande do Sul, cada vez mais parecido com chamado football association praticado na Europa (PEREIRA, 2000).
Na sua introdução ao Brasil, foi considerado como um esporte de bacharéis caracterizado por sua gigantesca desigualdade social, sendo um esporte de brancos em uma sociedade com marcas ainda evidentes do recente escravismo. Também foi pré-conceituado como um esporte ligado diretamente à linha progressista e à industrialização numa economia essencialmente agrária, o futebol desde aquela época acabou se tornando um dos ingredientes mais importantes dos debates acerca da modernização do Brasil e da construção da identidade nacional.
Assim como os clubes que foram fundados para a prática do futebol, que se tornara um novo item da modernidade européia no qual não poderia faltar numa nação ambiciosa, a própria República era também um ?clube da elite‟, que procurava bloquear ao máximo a participação popular (FRANCO JUNIOR, 2007).
Esclarecer, portanto paternidades quase heróicas e datas oficiais não esclarecem as relações entre o futebol e a sociedade brasileira, ao contrário, elas residem no processo de apropriação pelos diversos setores sociais que o transformaram num fenômeno de massas.
A criação de ligas de futebol que agregavam os clubes de elite obedecia tanto à lógica daqueles que se identificavam como legítimos herdeiros do futebol
inglês quanto à lógica daqueles que se identificavam quanto à lógica da excludente estrutura política nacional.
A partir do final da primeira década, começaram a entrar tanto clubes como jogadores vindos de origens populares, o que significou uma participação de setores subalternos num espaço reservado às elites brasileiras, sendo esse esporte num expoente em toda sociedade quanto à possibilidade de incorporação desses setores numa sociedade marcada pela cidadania restritiva e grande diferenças sociais.
Um dos marcos dessa grande mudança é o surgimento do primeiro ídolo nacional, justamente um mulato. Ou não! Segundo alguns relatos, inclusive o autor Caio Prado Junior, "uma gota de sangue branco faz do brasileiro um branco", porque "a classificação étnica do indivíduo se faz no Brasil muito mais pela posição social". Ou seja, se o negro estivesse bem posicionado socialmente, deixaria de ser negro (MARIO FILHO, 2003).
Quando Arthur Friedenreich, ou Fried, deu o primeiro título internacional à seleção brasileira ele deixou de ter raça: "Nem branco, nem mulato, sem cor, acima dessas coisas", foi exatamente este o comentário irônico de um renomado escritor e jornalista Mario Filho, porém refletia exatamente a opinião popular sobre este exato atleta e a crescente demanda de negros e mulatos como ?astros‟ de seus times.
O grau de interesse e importância para o esporte já era tamanha, que na primeira vez que o Brasil sediou um evento internacional, o Sul-Americano de 1919 na final estavam presentes cerca de vinte mil pessoas, entre elas o então presidente da República, Delfim Moreira (DEL PRIORI, 2009).
O país estava então inebriado pela conquista e pelo valor que seus atletas pareciam representar, já demonstrando sintomas evidentes de estar tomado pela febre do futebol, e que este esporte já havia ultrapassado as barreiras dos clubes de ricos brancos, ainda que os mesmos relutassem com esta ideia.
Após o reconhecimento da força popular do esporte é dada abertura à clubes advindos das classes menos nobres, e que muitas vezes tinham um protesto claro contra à sua quase proibição de ter o direito de jogar futebol apenas pelo fato de não saber se comportar dentro e fora de campo conforme mandavam os manuais da época.
O futebol então se tornara popular em várias áreas da cidade de São Paulo. De início era jogado nas margens dos rios Tamanduateí e Tietê. Os ingleses construíram um campo privativo na chácara Dulley. Os alemães jogavam na chácara Witte. Mas também aconteciam jogos no bairro do Belém, no prado da Mooca, no Cambuci e na várzea do Carmo (GUTERMAN, 2009).
Durante esse período e, sobretudo no Carmo, clubes de elite e populares alternavam-se em campo. Para evitar a indesejável convivência, os dirigentes do Clube Atlético Paulistano promoveram, em conjunto com a prefeitura municipal, a transformação do Velódromo existente na cidade em campo de futebol.
Daí em diante, os times populares, que permaneceram no Carmo, tornaram-se conhecidos como ?varzeanos‟. Tornando por todo o século este o rótulo do futuro futebol amador, não profissional, muitas vezes praticado em campos de terra ou gramas batidas (DEL PRIORI, 2009; GUTERMAN, 2009).
Mais tarde, ao tempo dos prefeitos Antônio Prado e Raimundo Duprat (1910 e 1911), o aterro da várzea, iniciado pelo primeiro e terminado pelo segundo, feito com terra vermelha vinda do Morro do Piolho, no Cambuci, provocou a dispersão dos campos de futebol pela cidade (SANTOS NETO, 2002).
Um dos marcos foi a criação de um novo clube do bairro do Bom Retiro de São Paulo, o Sport Club Corinthians Paulista (homenagem ao clube inglês que em uma breve excursão pelo futebol brasileiro ganhou e humilhou os melhores e mais elitizados times existentes nos dois grandes centros futebolísticos do país), o Corinthians portanto seria um time de operários e portanto o dinheiro era o que menos importava. Seu estatuto previa que seria um local aberto a todos, "não se observando nacionalidade, religião ou política", este empenho em mostrar
abertura irrestrita traduz um momento em que operários começavam a ter poder de organização em São Paulo.
Até outrora a crescente classe trabalhadora era disforme e impotente, sendo inclusive um problema de polícia para a elite, até que Rui Barbosa (candidato à presidência em 1910 pelos paulistas/baianos identificado com a defesa dos ideais democráticos e pelo voto secreto) começou a ver o movimento dos trabalhadores das fábricas como força a ser considerada. (FRANCO JUNIOR, 2007)
Um importante aspecto que começava a ser modificado no futebol sua concepção dentro da sociedade, por um lado uma perspectiva européia, presente no Brasil através da Reforma do Ensino Primário em 1882, no qual se incluíam: a harmonia dos músculos; higienização dos corpos; etiqueta; coordenação dos movimentos; controle da violência.
Aspectos que até então eram difundidos para que contribuíssem para o fortalecimento moral e solidário dos que seriam os futuros dirigentes do país.
Anos mais tarde Monteiro Lobato já louvava as "qualidades educativas" do futebol, que contribuíra "imensamente para a superioridade das nações anglo-saxônicas". Em outra visão, Afrânio Peixoto, em 1915, celebrava o futebol porque nele "vencer significa disciplina, cooperação, solidariedade eficaz". Poucos anos depois o jornal carioca Correio da Manhã credita que a grande lição do futebol é que "na maior parte das vezes pode ser a antítese da lógica" (SANTOS NETO, 2003; DEL PRIORI, 2009).
Importantes nomes, escritores e políticos da época começavam a dar a este esporte um valor maior do que apenas um meio de diversão à um grupo até então poderoso porém limitado quantitativamente, numa era crescente de
democracia e opinião popular essa migração interessava diretamente a quem necessitava destes distintos meios sociais.
Com isso, durante as duas primeiras décadas o esporte de elite com o tão propalado cavalheirismo começou a se definhar, já em 1906 o clube inglês SPAC prefiriu abandonar a competição pelos maus resultados e o A. A. Palmeiras foi eliminada por cobrança de ingressos para os jogos. E assim foram nos anos seguintes, eram mulatos tentando disfarças/esconder sua raça, clubes recusando-se a entregar o troféu do campeão por não concordar com seus ideais (VERONEZ, 2005).
A partir da segunda metade da década de 10 e ao longo da década de 20, o futebol começa a ganhar fama de esporte popular dentre as classes mais baixas e torna-se hábito cotidiano. Tanto que torcer e praticar o esporte eram práticas iguais, ao contrário das corridas de cavalo ou do remo, esportes com os quais o espectador vibrava, mas não encontrava meios para praticá-lo no dia-a-dia (PEREIRA, 2000).
Essa mudança gradual é facilmente detectada através da construção de estádios de futebol com grande capacidade para o publico, da incrível quantidade de times espalhados pelos bairros cariocas e paulistas e na incorporação quase forçada nesses times de jogadores vindos das populações pobres em geral. Times como o Corinthians (fundado por populares), o Bangu e o Vasco da Gama (formando os primeiros times vitoriosos do rio com elencos de jogadores negros, mulatos e de baixa renda em geral) já se destacavam na democratização do esporte (PEREIRA, 2000; GUTERMAN, 2009).
A influência do poder instituído sobre a configuração desses clubes é paradigmática no caso do Flamengo: sua primeira sede teve o terreno doado pela perfeitura; mais tarde construiu uma segunda sede na Gávea, cujo terreno foi doado pelo governo federal. O paradigma se dá uma vez que um terreno era frequentado por pobres e outra pelos ?endinheirados‟ (VERONEZ, 2005).
Ainda assim, como o recente sucesso desses jogadores o preconceito ainda imperava,em 1925 o presidente da CBD, Oscar Costa, impediu que jogadores negros ou mestiços fossem escalados para a seleção brasileira que disputaria o Campeonato Sul-Americano em Buenos Aires. Suas razões eram claras: "Era necessário preservar a boa imagem do país!". Observação, venceram os argentinos cujo destaque do campeonato foi o genial De Los Santos, um ?herói‟ negro argentino!
Uma importante mudança vivida pela sociedade da época foi o início das greves operárias, principalmente entre os paulistanos. Entre 1904 e 1917 elas eclodiram com violência por toda a parte e por diversos motivos: oito horas de trabalho, proteção às operárias, melhores condições de higiene nas fábricas, entre outros motivos. A greve de 1917, que chegou a paralisar dezenas de milhares de operários, fez ver às autoridades e aos industriais que a cidade precisava de um "esporte de massas" (SANTOS, 1981; FRANCO JUNIOR, 2007).
Os operários então foram mandados jogar futebol, os municípios isentaram os campos de impostos, os industriais apressaram em construir grounds, a polícia parou de reprimir rachas em terrenos baldios e os castigos à estudantes de escolas publicas que fossem pegos foram suspensos (SANTOS, 1981).
Em um rápido paralelo vivido exatamente na mesma época entre Brasil e Alemanha, observamos mudanças sociais e políticas que refletiram diretamente no esporte e no futebol.
Na Alemanha observa-se que o rompimento de uma visão do futebol profundamente elitista e excludente foi obra da geração mais jovem de trabalhadores alemães no período imediato anterior à Primeira Guerra Mundial (1914 ? 1918). Tratava-se de algo parecido com a revolta contra as regras impostas e rígidas do Turn ? ginástica coletiva, considerada desde o século XIX a verdadeira ?alma germânica‟ - já compreendido como um ritual altamente disciplinado e que, de certa forma, reproduzia as ideias de ordem e sincronia. Mesmo nas lideranças socialistas, no interior do SPD/Partido Social-Democrata, de orientação marxista, as ideias de disciplina e de elevada produtividade eram
bastante populares (TEIXEIRA DA SILVA, 2006). Outra razão para o rompimento com o Turn e sua superação pelo Futebol enquanto esporte de massas foi de estratégia política. O crescimento da prática do futebol deu-se rapidamente por fora as associações oficiais de Turn, permitindo assim visualizar uma vasto público que abandonava o turn e começava a se reunir em torno de gramados de futebol.
2.3 A Pátria em Chuteiras na Era Vargas
Com o profissionalismo dos jogadores, a população cada vez mais se identificava pelo clube que representasse seu bairro, cidade ou status na sociedade, consequentemente os negros se tornavam peças fundamentais em clubes que necessitavam gerar receitas, tendo neles sua grande fonte de renda com venda de ingressos cada vez mais abundantes.
O aceleramento da industrialização, conjunto com o aumento da população e da camada urbana despertou o interesse dos políticos, afinal toda essa população necessitava de distração e lazer.
O público por sua vez preferia os jogos de profissionais, onde estavam seus melhores representantes, a maioria vinda das camadas mais pobres da população. Comparando públicos quem presenciaram os primeiros craques pode-se observar o quanto a população aderiu ao profissionalismo futebolístico, cerca de 200 pessoas assistiam aos jogos do anglo-brasileiro Charles Miller, dezoito mil pagavam pra ver o mulato Arthur Fried e mais de setenta mil disputariam ingressos para ver o negro Leônidas desfilar seu futebol pelos gramados (SANTOS, 1981; AQUINO, 2002).
A partir dos primeiros amistosos de clubes argentinos, uruguaios e sul-africanos criou-se no Brasil um forte sentimento de patriotismo, uma vez que os torcedores não queriam ver seus clubes, que eram uma mostra do futebol jogado por aqui, perderem para o diferente, para o estrangeiro. Na maioria das vezes, o desconhecido - como era chamado os times e o futebol de fora ? levavam a melhor pelas suas dedicações ao esporte há mais tempo, o que se criou uma pressão para quem em 1914 originasse oficialmente uma seleção brasileira de futebol (NOGUEIRA, 2006).
No trecho abaixo, o poeta Claudio Aragão relata a visão do povo brasileiro sobre a nova seleção brasileira, misturada com o forte movimento cultural existente.
"Pra geração de agora e do futuro / nesses versos heróicos vou narrar / que em catorze, a primeira Seleção / do Brasil que conseguiram formar / pra enfrentar um esquadrão da Inglaterra / que chegou a muitos amedrontar / Consultei as musas mais uma vez / De que forma meus versos vão nascer / Responderam que a mais bela epopéia / A nossa Seleção vai maerecer / Então, mais atenção, calma de ouvires / Concentrei-me, comecei a tecer / Um enredo de início, meio e fim / Pra que o planeta Terra possa ver / Que no século XX foi o Brasil / A maior Seleção que existiu"
(ARAGÃO, 2002)
Neste exato momento o Brasil vivia no futebol uma fase chamada de ?falso amadorismo‟, onde o atleta profissional não era ainda uma profissão regulamentada, porém os principais e melhores times tinham em seu elenco quase todos os jogadores remunerados, seja com falsos trabalhos ou com premiações como o famoso ?bicho‟, todo esse movimento mudava uma transformação crítica que se iniciara no Brasil na mesma época, levando a intelectualidade brasileira a discutir de modo apaixonado modelos políticos ? a identidade nacional ? pois a República iniciada há poucas décadas atrás começava a ter fortes questionamentos (AQUINO, 2002, CARRILHO, 2010).
Ao contrário do futebol que para a população a importante entrada de jogadores e técnicos estrangeiros que somada à habilidade com que jogavam nossos profissionais, estávamos em plena evolução sendo, portanto um modelo a ser seguido, onde há possibilidade de ascensão social e uma remuneração justa pelo seu suor.
Muito parecido era também o operário-jogador, incorporado ao "clube-empresa" da época organizada pela elite interessada em suas habilidades corporais. A proliferação de clubes ligados a empresas como estas foi intensa desde a primeira década do século XX, com duas vantagens bem claras: por um lado, os clubes esportivos seriam mais um "mecanismo de controle da empresa sobre seus operários", por outro lado, a burguesia começava a percerber a questão do patrocínio, que nada mais é que a associação do nome da empresa a
um time de futebol vencedor, girando uma população em torno de seus produtos, podendo aumentar suas vendas e seus lucros (VERONEZ, 2005).
Outro importante fator, coincidente, mas de grande propulsão para o futebol foi o rádio, sem ele não se poderia conceber a popularização do esporte, a idolatria que gerou - por Domingos, por Hércules, por Valdemar de Brito, mas, sobretudo por Leônidas. Estes, e mais os artistas de rádio, como Noel Rosa e Carmen Miranda, foram os primeiros ídolos do nosso país, reverenciados onde quer que suas ondas chegassem. Ora, o rádio, o cinema, o automóvel, o avião difundiram-se aqui graças à Revolução de Trinta, sendo assim o fato tecnológico (RUFINO DOS SANTOS, 1981).
Muitos dos nossos principais atletas também ou representavam a política da época ou eram diretamente afetados por ela. Temos como exemplos uma simples comparação de Getúlio, que chegou ao poder com a Revolução, sendo o político que melhor encarnou a situação da época, sob seu comando o Brasil tornara-se moderno e capitalista-dependente, como o famoso jogador à época Leônidas da Silva, que transformou uma simples bola numa paixão popular, adorado pelo povo, querido dos governos e dos cartolas.
Com uma Republica nova, valores simbólicos e reais ?novos‟ a compreensão de moral consequentemente se renovou. O movimento modernizador redefiniu as antigas esferas das classes populares gerando agora novos desafios às classes sociais. Neste período algumas questões foram levantadas, como: Quem deveria praticar o futebol? Como conteriam as camadas populares diante da sua aproximação com o futebol? O que o futebol significaria para essas classes? De que forma o futebol conseguiria proporcionar uma transformação no cenário esportivo e social? Tudo isso ajudaria a formar aquele que seria considerado como um cenário futebolístico ideal, determinando os dirigentes, praticantes, e os que não deveriam fazer parte destes lugares (DEL PRIORI, 2009).
Um exemplo, de jogador propagado, divulgado e aclamado pelo rádio é o já citado Arthur Fried, com os seus incontáveis mais de 1.300 gols. Vale lembrar que o amadorismo à época era tal, que nos últimos anos de sua ?carreira‟ como
jogador, em 1932 durante a ditadura de Getúlio enquanto o estado de São Paulo começava a reclamar uma Constituição, Fried já encaminhava para sua aposentadoria.
Pensando já na revolução, o jogador doou troféus, medalhas de ouro, enfim, tudo o que representava seus triunfos nos campos, e reverteu à luta. Acabou virando sargento e comandou um batalhão de 800 esportistas nas trincheiras de Eleutério. A maioria de seus soldados tinha pouco mais de 20 anos e via em seu comandante o melhor exemplo de patriotismo a seguir. E foi um desses garotos que marcou sua passagem pela revolução. Um ataque inesperado do exército governista e um soldado desprevenido acabaram resultando em tragédia, um rapaz que acabara de completar 21 anos dias antes morrera nos braços de Friedenreich. O conflito acabou três meses depois, Fried voltou como tenente e herói, e em seu pesadelo aquele jovem que pedia perdão por ter se descuidado (COSTA, 1999).
Outra importante mudança ocorrida já nos anos 1930, foi o fortalecimento do Estado, com a grande concentração de atribuições ao poder Executivo. Logicamente, o futebol, como arte e distração popular, não poderia fugir ao controle do Estado.
Esta nova ordem política imposta era fundamental para os rumos do futebol, uma vez que o Estado, liderado por Getúlio Vargas, estabelecia uma série de imposições disciplinadoras do universo esportivo.
Visto que o Brasil começara a ganhar campeonatos regionais e tinha talvez os melhores jogadores mundiais deste esporte, o governo tentou fazer com que a população se identificasse com o futebol e a maneira/características como jogávamos.
O nosso estilo de jogar futebol me parece constatar com o dos europeus por um conjunto de qualidade de surpresa, de manha, de astúcia, de ligeireza e ao mesmo tempo de brilho e de espontaneidade individual (...). Os nossos passes, os nossos pitus, os nossos despistamentos, os nossos floreios com a bola, alguma coisa de dança e capoeiragem que marcam o estilo brasileiro de jogar futebol, que arredonda e, às vezes, adoça o jogo inventado pelos ingleses e por
outros europeus jogado tão angulosamente, tudo isso parecia exprimir de modo interessantíssimo para os sociólogos o mulatismo flamboyante e, ao mesmo tempo, malandro que até hoje, em tudo, é a afirmação verdadeira do Brasil.
(FREYRE, 1967 2, apud AGOSTINO, 2002)
Neste trecho do sociólogo Gilberto Freyre, ele descreve e compara a maneira tupiniquim de jogar o futebol criativo, inovador e irreverente totalmente diferente, senão oposta, com a dos europeus criadores do esporte. Nessas épocas já se iniciara certo orgulho e paixão pelo futebol por aqui praticado sendo o mais vistoso, alegre e portando considerado o melhor.
No que se refere à crescente participação extra-campo das camadas populares, precocemente responsabilizadas pelo aumento das transgressões e violências como indícios de uma autonomia e mudanças nos significados mais "nobres", portanto restritivos, que se queriam atribuir ao futebol, o autor aponta ainda que os cronistas esportivos no regime amador frequentemente denunciavam a falta de educação esportiva dos torcedores oriundos dos estratos mais populares (TOLEDO, 2000).
Como resposta a imprensa esportiva passou a não denunciar a violência que reinava mesmo dentro dos próprios sócio-assistentes e jogadores dos clubes de elite, que eram a favor do futebol amador, como lazer ? uma vez que havia um ?patrocínio paternal‟ ? mas que através do futebol buscavam ganhos de diversas formas.
É importante notar que a necessidade de "arranjar um meio de ganhar a vida" e em "compensação vê-lo ? os populares ? disputar o campeonato em defesa das cores do clube" demonstrava que os interesses, apesar de díspares, acabavam por se complementar (DEL PRIORI, 2009).
2 Gilberto Freyre (1967), p. 432. Sociologia. 4a ed. Rio de Janeiro: José Olympio
No trecho abaixo um exemplo da importância do futebol na sua relação de trabalho à época:
"Antigamente a condição indispensável, primordial, necessária, para a obtenção de um bom emprego era a habilitação, era o preparo intelectual; exigia-se que o candidato conhecesse aritmética, português e tivesse boa caligrafia; pedia-se que soubesse datilografia e outras coisas. [...] Hoje tudo isso constitui coisas de menor importância e pouca valia.
Exige-se, sim, como condição indispensável sem a qual não é possível conseguir emprego ? A qualidade de bom jogador de Football. E não dizer que isso seja somente nesse ou naquele ramo de atividade, não, em todos eles.
No comércio, na indústria, na lavoura e nas repartições públicas, é o ser hábil jogador o meio fácil de admissão, o mérito para os acessos e promoções. [...] Ao campo, pois, e à bola, moços sem emprego."
(CLOVIDOR, 19213 apud DEL PRIORI, 2009)
Enfim, na sociedade moderna e republicana que emergia no Brasil, o nível moral foi fonte de grandes tensões na sociedade. O cenário esportivo foi decisivamente marcado por esta condição. Ser um jogador de futebol era carregar valores simbólicos e reais que definiam seu lugar na sociedade. (PRIORI, M. 2009).
Com a vitória do movimento revolucionário e com a subida de Getúlio ao cargo de presidente provisório no início de novembro de 1930, teve início também um período singular na história brasileira. Nos 15 anos da Era Vargas, o Brasil presenciou uma série de mudanças que reestruturaram a vida política, econômica, social e cultural do país. No que se refere a cultura, esse período marcou a promoção do samba e do futebol como elementos fundamentais para uma nova definição de identidade nacional (ROSENFELD, 1993).
3 CLOVIDOR. O football e os empregos. Sports Ilustrado, 15 jan. 1921.
Até o final dos anos 30 ainda se podia observar a permanência de um ethos que vivenciava o jogo como um exercício físico, adestramento e manutenção individual do corpo ante as solicitações de uma vida moderna que despontava nas principais cidades. E ainda o futebol brasileiro como sendo pouco coletivizado dentro de campo também era censurado por parte da imprensa, sobretudo no auge do ?profissionalismo‟ que ainda não comportava as maneiras mais ostensivas de formas e mobilizações da arte de torcer (TOLEDO, 2000).
E só enfim nos anos 40 e 50, demarcam, no plano da sociabilidade esportiva, uma maior aceitação dos torcedores, sobretudo no que diz respeitos às formas teatralizadas do torcer. Este movimento foi favorecido pela segunda profissionalização, que teve no processo de centralização e corporativização administrativa do esporte brasileiro, implementado no período getulista, e no incremento dos meios de comunicação um redirecionamento significativo no sentido da expansão do esporte como fenômeno de massa (TOLEDO, 2000). Um certo espírito coletivo parecia aproximar o futebol dentro e fora de campo.
A participação brasileira nas Copas Mundo neste período foram o de menor registro por parte da imprensa esportiva, não pela proposital falta de prestígio por parte dos veículos de comunicação como pelos sucessivos resultados negativos colecionados durante os três primeiros mundiais.
Na primeira oportunidade em 1930, no Uruguai, rivalidades entre as federações e a CBD impediram que El Tigre (Arthur Fried) jogasse a Copa do Mundo, quando a seleção se apresentou sem atletas de São Paulo, no entanto com apenas dois jogos o jogador Fausto, "A maravilha negra", foi considerado um dos destaques do mundial se transferindo para o Barcelona já em 1931 (COELHO, 2009). A derrota brasileira foi então comemorada por muitos no Viaduto do Chá, com um caixão da CBD simbolizando o fim da entidade (GUTERMAN, 2009).
Na segunda chance em 1934, na Itália, o Brasil fez apenas uma partida e não deixou saudades, derrota para a Espanha. Para não perder viagem, ficou a
serviço do governo divulgando a ascensão do café brasileiro, como meio de fortalecimento econômico (FRANCO JUNIOR, 2007).
Quatro anos mais tarde, acompanhando a feição paternalista do presidente, com o Estado Novo a seleção foi para o mundial da França como a expressão da unidade nacional. O negro Leônidas foi a grande estrela do mundial e o honroso terceiro lugar fez considerar como uma vitória particular de Getúlio Vargas e de seu regime autoritário (DEL PRIORI, 2009; GUTERMAN, 2009).
Assim, ao mesmo tempo em que consolidava a figura do presidente, outros heróis despontavam com a difusão do futebol através dos meios de comunicação, representando assim uma possibilidade concreta de ascensão social de membros dos grupos subalternos da sociedade brasileira (FRANCO JUNIOR, 2007).
Ao regulamentar o esporte, Vargas deu as cores finais a esse embate, e aproximou o governo ainda mais dessa paixão popular. Ao se colocar o esporte para o povo, o processo de ?aculturação‟, ou seja, imposição da cultura dita "de elite", que seria imposta "de cima para baixo" ? numa escala de classes sociais ? ao se popularizar, é transformada pelos diversos grupos sociais que a (re)interpretam e modificam, ou seja, o praticam conforme sua cultura o desenvolve, interpreta e aceita. Há um processo agora de ?aculturação‟ do fenômeno esportivo, especialmente do futebol, abraçado pelas camadas populares da sua forma de jogar/praticar, entender e torcer.
2.4. Futebol, Política e Canhões
"Uma vitória no campo de futebol é mais importante para a população do que a conquista de uma cidade em território inimigo." ? Joseph Goebbels, ministro do Terceiro Reich (AGOSTINO, 2002).
Este trecho denota bem o momento político existente em todo território mundial entre os anos 1930-40. Embora o Brasil não participasse de alguma guerra diretamente o momento também era tenso e repleto de lutas armadas.
Visto que o futebol tinha um grande poder de mobilizar multidões, ele foi exacerbadamente manipulado por quase todos os governos populistas existentes, e o Brasil não foi exceção. Os clubes multiplicavam suas torcidas, assim como toda a população brasileira, a seleção representava orgulhosamente nosso escreve em territórios estrangeiros, e era criado o Conselho Nacional dos Desportos (CND), vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, que subordinava a CBD e as federações regionais e tinha poder de fiscalização, normatização e organização de todas as modalidades esportivas do país, muito condizente com a modernização do Estado e da sociedade (TEIXEIRA, 2004).
Alheio aos conflitos internacionais durante a Segunda Guerra Mundial pode ser dado a dimensão do regionalismo do futebol nacional a partir de uma frase de Ari Barroso: "Para o Brasil, o tricampeonato do Flamengo é mais importante do que a Batalha de Stalingrado" (TEIXEIRA, 2004).
A partir da Revolução de 30, o futebol desempenhou papel central na construção e consolidação de uma identidade nacional brasileira baseada na valorização do caráter predominantemente mestiço do povo.
Do ponto de vista político, todos os regimes que governaram o Brasil durante o seu ciclo nacional-desenvolvimentista ? desde o Estado Novo getulista ao regime militar ? exploraram a chave do futebol para construir e consolidar nossa identidade nacional.
Em oposição à rejeição, uma vez que o preconceito não acabara e permaneceu por muito tempo, o novo discurso era da valorização da mestiçagem capaz de criar uma "escola brasileira de futebol", que implementaria características dos branco-caucasianas europeus italianos, ingleses, alemães e espanhóis com a malícia, ginga e dança dos africanos/mulatos, à velocidade dos orientais e a garra e resistência própria dos sul-americanos, o que denotaria a nossa singular maneira ser no mundo (AQUINO, 2000).
Na ausência de um maior envolvimento brasileiro em guerras o futebol forneceu um simulacro de conflito bélico para o qual era possível canalizar emoções e construir sentidos de pertencimento.
"Esta construção histórico-social, engendrou a massificação da adesão aos próprios clubes de futebol, democratizando, igualmente, a prática de "torcer" (para o qual concorreu fortemente a emergência de meios de comunicação de massa de abrangência nacional, começando pelo rádio). Os clubes se transformaram, assim em instituições sociais tradicionais, comandando relações de lealdade e identificação muito mais abrangentes e profundas do que as interações propiciadas pela expansão das relações de mercado no âmbito do desenvolvimento nacional."
(FERNANDES4 in REBELO, 2010, p.17).
Os dirigentes dos clubes, muitos deles ex-interventores de Vargas ou ligados diretamente à máquina burocrática do Estado, em geral brancos e pertencentes à elite, tinham terreno aberto para suas ambições políticas. A direção dos clubes, a contratação de jogadores famosos e as conquistas de títulos possibilitariam a eles ascendência sobre as massas.
4 O encontro de tradições (pág. 17 à 19). Luis Fernandes, in "O Jogo Vermelho ? Corinthians x Palmeiras", Aldo Rebelo, 2010.
No início de 1945, a Seleção recolhida em Caxambu pôde votar graças ao envio de urnas improvisadas à concentração. Especula-se que todos jogadores tenham votado em Dutra, exceto Leônidas da Silva, que sempre polêmico justificou seu voto no candidato do PCB, Yedo Fiúza, dizendo: "- Voto em Fiúza porque sou um homem do povo" (TOLEDO, 2000).
Ainda em 1945, cabe um relato muito interessante à um jogo realizado no dia 13 de outubro entre a Sociedade Esportiva Palmeiras e o Sport Club Corinthians Paulista em homenagem ao MUT ? Movimento Unificador dos Trabalhadores ? o jogo, beneficente para o MUT teve vitória por 3 à 1 para o time alviverde, e foi organizado próximo as eleições gerais de dezembro, quando todos os partidos estavam arrecadando fundos, tendo como objetivo ajudar a campanha do Partido Comunista Brasileiro (PCB) (REBELO, 2010).
Em uma época recheada de oposições, salientada principalmente pelo início da Guerra Fria, que explodiria anos mais tarde, este jogo marca também o dia em que os dois principais rivais da nova ?capital‟ brasileira, a cidade de São Paulo se uniram em prol de algo em comum, através da ferramenta que estava em suas mãos, o jogo de futebol.
Este momento singular também marca a "tradição clubística" que estava em construção com duas frentes importantes a do movimento sindical e a da organização político-partidária de esquerda no contexto político do fim do Estado Novo em 1945.
Através deste jogo os dois principais clubes da cidade de São Paulo, Corinthians e Palmeiras, que se caracterizavam por uma origem menos elitista como a dos principais clubes da cidade do Rio de Janeiro, encabeçaram na luta pela consolidação e reconhecimento de uma estrutura sindical unitária e autônoma do Estado orientada para a transformação social. Neste singular e inusitado encontro de duas instituições que enraizavam sentidos de identidade e pertencimento que transcendiam o simples cálculo instrumental de interesses no processo de modernização e desenvolvimento do Brasil (REBELO, 2010).
Segundo o Aldo Rebelo (2010) os fatos, décadas posteriores ao jogo, consumaram para que houvesse um ?divórcio‟ das questões nacionais, sociais e democráticas que haviam entrado em campo, irmanadas, junto com os jogadores e organizadores do jogo realizado no Estádio do Pacaembu.
Toda esperança da população quanto política era dar fim ao primeiro complexo de inferioridade ? primeiro porque até a conquista do primeiro mundial em 1958 pode ser denominado aquele como o segundo complexo, e o grande intervalo de tempo entre os títulos de 1970 e 1994, somada a escassez de craques fenomenais em campo pode ser chamado de terceiro período de complexo de inferioridade por parte da torcida brasileira ? estava depositada no Mundial a ser realizado em solo brasileiro em 1950, a primeira do pós-guerra.
Ficaram de fora do Mundial a Argentina por divergências intra-campo e extra-campo, por se julgar mais preparada a receber uma Copa do que o Brasil, e os países socialistas, exceto a poderosa Iugoslávia (FRANCO JUNIOR, 2007).
Na torcida, em camarotes reservados obviamente, estavam os principais políticos do país acompanhando a Seleção, entre eles Eurico Gaspar Dutra, afinal 1950 era ano de eleições e diante da certeza da vitória do Brasil na Copa os candidatos buscavam ampliar seu prestígio com o futebol, até porque era a "era das massas" (GUTERMAN, 2009).
Dentro de campo havia uma espécie de analogia entre o esquema tático utilizado pelo treinador Flávio Costa e a correlação das forças partidárias do Brasil. Jogava-se há mais de uma década aqui no sistema de jogo chamado de diagonal, no qual através de uma linha média, havia três jogadores alinhados de maneira a se constituir um pêndulo, que conforme a dinâmica do jogo oscilava entre a direita e a esquerda. No campo político, a incorporação das massas realizava-se por meio do voto, pela intermediação de líderes populistas cuja posição oscilava de acordo com as pressões sociais dos grupos dominantes e das camadas subalternas. Com uma postura mais agressiva havia à direita a UDN ? União Democrática Nacional - e à esquerda o PTB -, enquanto mais defensivos o PSD ? Partido Social Democrático - e PSP ? Partido Social
Progressista - que conforme o desenrolar o jogo político articulava-se mais à direita ou à esquerda (FRANCO JUNIOR, 2007).
Na véspera da decisão a delegação resolveu mudar o lugar da concentração brasileira, saindo da pacata Joá para São Januário, onde se tornou por alguns dias a sede da política nacional, com a visita de diversos políticos em busca de prestígio e promoção pessoal.
Porém no imortalizado 16 de julho de 1950, diante de mais de 200.000 pessoas e milhões de ouvintes por todo o país, a Seleção Brasileira perdera por 2 a 1 para o Uruguai, no que ficou conhecido como a Tragédia do Maracanã, ou Derrotas de todas as Derrotas ou ainda Maracanazzo.
Este duro golpe afetou direto o nacionalismo, em gestação há décadas, ele estava agora entristecido, silencioso, doloroso, mas nem por isso menos expressivo. E para sanar todo este abatimento como sempre procuraram os culpados.
Acusou o técnico Flávio Costa ? já experiente, com títulos e considerado o gênio fora das quatro linhas -, a camisa branca com gola azul ? o suficiente para derrotar os melhores europeus, mas não dava cor e brilho devido ao futebol brasileiro -, covardia dos atletas comparada à garra dos rivais ? comparações feitas ainda mais de 50 anos depois -, e principalmente, talvez esta considerada como os responsáveis pela tragédia três jogadores negros: o goleiro Barbosa, o zagueiro Juvenal e o lateral-esquerdo Bigode.
Ressurgia assim o problema das etnias brasileiras, que perduraria por baixo dos panos por mais oito anos, que para alguns determinara a sorte da nossa seleção assim como definia a sorte da própria sociedade.
É importante salientar que, de modo semelhante, tais tentativas e pressões vindas de "dentro de campo" incidiram, muitas vezes, sobre os processos sociais daqueles que sempre estiveram "de fora", que dizem respeito às vivências dos outros sentidos do jogar, às formas do torcer e às modalidades de sociabilidade
que sustentam e que culminaram, posteriormente, na manutenção do futebol como um dos índices expressivos de identidade nacional (TOLEDO, 2000).
Na tentativa de fuga da derrota, o governo incentivou diversos torneios anuais no qual incrementava clubes dos principais centros futebolísticos mundiais, era a conturbada Copa Rio, comemorada exacerbadamente no Brasil por puro efeito psicológico, uma vez que todos os clubes vindos eram do que se podia chamar de segundo escalão, da época.
Quando chegara à Copa na Suíça, a Seleção estava completamente desestabilizada para enfrentar tal competição e sabia disto, tanto que para o chefe da delegação João Lyra Filho, o importante era os jogadores beijarem a bandeira antes de entrarem em campo. Conclusão: o Brasil se comportou como seu governo político, sendo eliminado até onde suas forças o exigiam, uma equipe perdida, desatualizada e marcada pela maior briga registrada em um campo de futebol numa Copa do Mundo, a chamada Batalha de Berna, que envolveu jogadores, dirigentes, jornalistas e do Brasil e da Hungria, incentivada pela torcida Suíça (KLEIN, 2001; ASSAF; NAPOLEÃO, 2006).
A batalha em campo atingiu o auge quando Zezé Moreira, técnico da seleção, irritado com o quarto gol húngaro que selava a vitória da seleção européia teve a infeliz ideia de dar com uma chuteira na cara de húngaro com cara de chefe: era apenas o Ministro dos Esportes da Hungria. O Brasil entregava de vez a fama de futebol-arte para nossos principais adversários (SANTOS, 1981).
Uma grande perda para o Brasil, pois havia em campo magníficos jogadores: Julinho Botelho, Didi, Bauer, Djalma e Nilton Santos, tecnicamente tolhidos, porém psicologicamente mal orientados de tanto que lhes meteram na cabeça que aquela quartas-de-final era uma batalha patriótica, uma guerra anticomunista, que eles acabaram vencidos pelos nervos (WISNIK, 2008).
Com a soma sucessiva de novas derrotas era inevitável que o segundo e talvez o principal complexo de inferioridade viesse à tona. Afinal, todos
concordavam que o Brasil tinha um excelente grupo de jogadores, mas poucos viam ali um grupo ? e isso contava muito uma vez que estava na moda ter a tradicional disciplina dos ricos e eficientes times europeus ocidentais, o tal "futebol-científico" dos países da Cortina de Ferro, e essa incomodação não era só no futebol como em torno de toda a cultura que envolvia à sociedade na época.
Os jovens assim que atingiam a maioridade saiam do país para realizarem seus cursos superiores na Europa, independente do curso, qualidade ou condições que viveriam lá. Os brasileiros viviam o seu "complexo de vira-latas", como relatado por Nelson Rodrigues em uma das suas mais famosas crônicas esportivas.
"Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda a parte, há quem esbraveje: ?O Brasil não vai nem se classificar!‟. E, aqui, eu pergunto: não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?
Eia a verdade, amigos: desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor de cotovelo que ficou nos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse "arrancou" como poderia dizer: extraiu de nós o título como se fosse um dente.
E, hoje, se negarmos escrete de 58, não tenhamos dúvidas: é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.
Mas vejamos: o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, "não". Mas eis a verdade: eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado Flamengo. Pois bem: não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu
contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, Um Zizinho.
A pura, a santa verdade é a seguinte: qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: temos dons em excesso. E uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de "complexo de vira-latas". Estou a imaginar o espanto do leitor: "O que vem a ser isso?". Eu Explico.
Por ?complexo de vira-latas‟ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos ?os maiores‟ é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: e perdemos de maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.
Eu vos digo: o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: para o escrete, ser ou não vira-latas, eis a questão."
(RODRIGUES5, 1993 apud GUTERMAN, 2009)
O período que separou o maior complexo de inferioridade do brasileiro em relação ao futebol até o início do seu maior êxtase de glória e sucesso (de 54 à 62), também fora marcado pela instabilidade governamental.
O clima de instabilidade gerado após a morte de Vargas era semelhante ao da seleção brasileira após a Copa de 1954, nos três anos sucessivos a derrota para a Hungria, o Brasil foi governado por cinco presidentes e coincidentemente por também cinco treinadores diferentes.
5 ROGRIGUES, Nelson. À sombra das chuteiras imortais. Companhia das Letras, 1993. Pág. 51
Na mesma década era crescente a ideia da integração nacional, presente na proposta de modernização, desenvolvimento e soberania nacional, este crescente fluxo migratório para o centro-sul marcara a nova identidade nacional na sociedade e no futebol, quando as seleções paulistas e cariocas eram agrupamentos de ?pés-de-obra‟ vindos de diversas regiões do país (FRANCO JR, 2007).
Com o crescimento econômico do Brasil, cerca de 80% no período onde Juscelino Kubitschek prometera um crescimento equivalente a 50 anos em apenas seus cinco anos de mandato (entre 1956 e 1961), o futebol acabou consequentemente sendo influenciado pelas premissas de planejamento estratégico. Em 1958 às vésperas do início do mundial realizado na Suécia o então presidente da CBD, o jovem João Havelange encaminhara um dirigente-empresário de sucesso em São Paulo para chefiar a delegação brasileira com vistas à disputa da Copa da Suécia, esse empresário era Paulo Machado de Carvalho, que como primeira proposta de ?unificação do grupo‟, a fim de superar as rivalidades Rio-São Paulo conseguiu unir em um grupo de 22 atletas convocando exatamente a quantidade idêntica de paulistas e cariocas (GUTERMAN, 2009; CARRILHO, 2010).
Aliás, em 1958 foi um ano especial para o país, Éder Jofre, despontou como campeão brasileiro de boxe e ainda assegurou o cinturão de campeão do peso-galo, o que lhe valeu o título posteriormente de Maior Peso-Galo de Todos os Tempos. No tênis, Maria Esther Bueno conquistou o primeiro de uma série de títulos na quadra de Wimbledon, na Inglaterra, e para completar o clima de êxtase a sociedade olhara extasiada para Adalgisa Colombo que pelo belo tipo de mulher ganhara o concurso de Miss Brasil (AQUINO, 2002).
O marco para a virada psicológica da moral do futebol brasileiro pode ser considerado o dia 15 de junho de 1958, a data da redenção do futebol brasileiro ? redenção da derrota de 1950, redenção de suas possibilidades nacionais, redenção do negro espenizado pelas derrotas, redenção da arte contra a técnica (GUTERMAN, 2009). O fator relevante neste dia foi justamente o primeiro jogo de
Garrincha, Vavá e Pelé juntos em Copas do Mundo, e foi justamente contra uma fria e tecnológica União Soviética (que acabara de lançar ao espaço o satélite Sputnik) que o Brasil realizou os três maiores e melhores minutos do futebol na história. Após uma sequência de dribles de 30 segundos de Garrincha sobre o mesmo zagueiro Kuznetzov, duas bolas na trave o lendário goleiro Yashin e um gol de Vavá que marcou a supremacia do futebol brasileiro sobre o europeu (WISNIK, 2008; GUTERMAN, 2009).
A sequência do campeonato se deu exatamente da mesma maneira, Brasil ganhando relativamente fácil das maiores equipes européias da época. Nas quartas-de-final uma magra vitória de 1 x 0 sobre o ferrolho de País de Gales, nas semi goleada sobre a França de Just Fontaine e na final fácil vitória sobre o time da casa (Suécia) por 5 a 2 (CARRILHO, 2010).
A copa revelou ao mundo o novo e futuro maior jogador de futebol de todos os tempos, aos dezessete anos Pelé dava realidade figura mítica da criança madura, essa relação ?infantil‟ ? molecagem futebolística - de nossa seleção pode ser convertida também em uma capacidade de enfrentamento de obstáculos concretos, em ?maturidade viril‟, que prometia uma via original e criativa para os percalços que vivia a modernização do governo brasileiro, era o sonho que a Copa de 1958 materializou por um instante eterno (WISNIK, 2008).
2.5. O Futebol nos Anos de Chumbo
Por mais contraditório que seja foi exatamente entre o início da década de 60 e o final de 80 que o Brasil esteve em seu mais conturbado momento político e que também apresentou suas consideradas três melhores seleções em campeonatos mundiais, sendo duas delas campeãs.
O início das trevas do Brasil pode ser relacionado diretamente à apatia da sociedade brasileira que talvez seja uma das melhores explicações para o sucesso fulminante do golpe militar de 1964 (GUTERMAN, 2009).
Com o Brasil em pleno regime militar, tendo como o ?perigo comunista‟, a grande ameaça à democracia, algumas medidas extremamente impopulares foram tomadas, como por exemplo, o arrocho salarial, mudanças administrativas e tributárias, aumentando assim a parcela de pagantes do Imposto de Renda, incluindo agora até os jogadores de futebol, que passaram a ser cobrados vigorosamente, entre eles os principais atletas da seleção recém campeã mundial de 1962 ? Garrincha, Didi, Nilton Santos, Zagallo e Pelé.
Com ações administrativas de um governo autoritário, sem necessidade de conchavos políticos, o governo se considerava capaz de superar as crises econômicas e assim transformar o país numa potência internacional, assim como no esporte mais popular. Neste sentido de "ordem unida", chegava a hora de transformar o país, explorando a força inerente à brasilidade, cuja certeza estava reforçada pela conquista do bicampeonato mundial de futebol (GUTERMAN, 2009).
Por todo o país havia algum interessado no campeonato mundial de futebol a ser realizado na Inglaterra em 1966, o presidente da CBD por exemplo, tinha planos audaciosos de através do tri se eleger facilmente a cargo de presidente da FIFA, entidade máxima do futebol.
Para o regime militar, a exposição da seleção dentro e fora do Brasil também era interessante para passar a imagem de normalidade política e para
desviar o foco das oposições, que se fortaleciam cada vez mais, principalmente com a implementação do bipartidarismo resultando na criação da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) (FRANCO JUNIOR, 2007).
Os resultados não foram os esperados ? derrotas para Hungria e Portugal e uma insuficiente vitória sobre a Bulgária ? mas a importância da seleção como um elemento capaz de mobilizar fortemente as massas, já era o suficiente para o uso do esporte para outros fins.
A Seleção deixou então de ser uma simples representação esportiva nacional, sendo a essência brasileira, sua expressão de força, capaz de gerar orgulho patriótico e nacionalista.
Enquanto o Brasil passava pelas trevas político-institucionais e os militares viviam sua guerra particular para definirem os rumos do golpe que perpetuaram em 1964, o futebol consolidava-se como instrumento óbvio dos interesses dentro do acervo do poder, iniciando o famoso jargão do futebol como sendo o ópio do povo.
Em meio às diversas manifestações contra a forma de governo, em 1968, Costa e Silva criou a Agência Especial de Relações Públicas (AERP). A função deste departamento de propaganda era de disseminar um perfil positivo do regime, de seu papel como agregador social e criador de uma atmosfera de harmonia social encontrada a partir da consciência do ?coletivo‟, o que acompanhou durante todo esse período a censura e uma intensa propaganda ? propagada até hoje ? das qualidades do futebol brasileiro (GUTERMAN, 2009).
O futebol aumentaria ainda mais o seu papel fundamental quando assumiu o presidente Emílio Garrastazu Médici em outubro de 1969, gaúcho, autêntico representante da linha dura militar, obcecado pelo populismo e somado a isso sua identificação com o futebol.
Já em 1968 havia se regulamentado a venda do passe dos jogadores, que teriam direito a 15% se concordassem com a negociação. Em junho de 1970 era criada a Loteria Esportiva que se tornaria importante ferramenta de arrecadação de recursos para o governo, esta que tinha como intuito também através das apostas em jogos de todo o país fazer com que a população se interessasse pelo que ocorria em todo o Brasil (FRANCO JR, 2007).
Para coroar essa relação povo-futebol, Médici teria em suas mãos a possibilidade de conquista da Copa de 1970 no México, sendo essa a mais paradoxal da história brasileira. A complexidade e contraditoriedade se dão pelo fato de que na época torcer pela seleção brasileira de futebol era compactuar com o regime, por outro lado tivemos a considerada melhor seleção de todos os tempos de futebol, a representante máxima do jogo bonito.
Essa contradição pode muito bem ser relatada no trecho abordado por Henfil em O Pasquim:
"Um país inteiro para por causa do futebol, mas não pára para resolver o problema da fome... Este sim é o verdadeiro ópio do povo! Faz esquecê-lo de que são explorados, subdesenvolvidos... Estou torcendo para o Brasil perder! Assim o povo voltará à realidade e verá que a vida não é feita de gols, mas de injustiças... Nossa realidade não é tão infantil como uma jogada como esta de Pelé invadindo a grande área inglesa e... Pênalti! Pênalti! Juiz filho da mãe! Pênalti, seu safado!"
(HENFIL6 apud GUTERMAN, 2009)
Ainda durante a fase de preparação para o mundial, em fevereiro de 1969, o técnico escolhido foi João Saldanha, jornalista, polêmico, com uma pequena experiência como treinador no Botafogo entre 1957 e 1959, mas a questão mais relevante de sua escolha era o fato de ter estreitas relações com o PCB, o que provocara desconforto à direita e à esquerda.
Mesmo com bons resultados, sua escolha partidária conjuntamente com seu temperamento irrequieto precipitou sua demissão, sempre tinha alguma
6 O Pasquim, 11 a 17 jun. 1970, número 51, p. 11.
opinião que gerava polêmicas ou instabilidade na seleção, em uma delas quando o presidente Médici insistira na presença do atacante Dario na seleção, Saldanha respondeu com uma de suas mais famosas frases: "Ele escala o ministério e eu escalo a seleção". Deu no que deu, e em fevereiro de 1970 assumiu o bicampeão mundial Mario Jorge Lobo Zagallo, promovendo diversas mudanças até no time titular, e a proposta de um time ofensivo, mas que atacava e defendia em bloco (GUTERMAN, 2009; CARRILHO, 2010).
Não houve apenas mudanças no comando técnico da seleção, com o objetivo do regime de conquistar o título para fundamentar a política diante da sociedade brasileira a comissão técnica foi completamente militarizada: o chefe da delegação era o brigadeiro Jerônimo Bastos, a segurança ficou a cargo do major Roberto Guaranyr, a supervisão com o capitão Cláudio Coutinho, a equipe de preparação física, dirigida por Admildo Chirol e Calos Alberto Parreira, era composta pelos capitães Kléber Camerino e Benedito José Bonetti e a preparação de goleiros entregue ao subtenente Raul Carlesso (FRANCO JUNIOR, 2007).
Nessa militarização da preparação física da Seleção podemos ver como resposta ao fracasso do último mundial em 66 e toda a desordem ocorrida na CBD nos últimos quatro anos que separa os mundiais. Os jogadores rebeldes, de talento espontâneo e desobediente foram substituídos ao atleta-soldado, sujeito a mecanismos disciplinares e repressores, assim como o cidadão brasileiro deveria se submeter à ditadura.
A Seleção desde sua partida para o México, meses antes do mundial para adaptação à altitude, fora alvo da propaganda política. A marchinha ?Pra frente, Brasil‟ era tocada nos rádios, nos programas de televisão, nos desfiles militares e nas escolas. A evolução econômica, junto com a ideia de crescimento e desenvolvimento da nação era propagada com o desempenho da seleção brasileira de futebol, slogans como: "Ninguém mais segura este país", "Ontem, hoje, sempre, Brasil", "Até 1964 o Brasil era apenas o país do futuro. E então o futuro chegou", "Brasil, ame-o ou deixe-o".
A participação da política acerca do Mundial era tamanha que no álbum de figurinhas da Copa, tinha como primeira estampa uma grande imagem do próprio presidente Médici. Era a pátria de chuteiras e de boina militar (FRANCO JUNIOR, 2007).
Com o sucesso do mundial o governo manteve o mesmo comportamento quanto ao futebol brasileiro, divulgação e emancipação do esporte com suas diversas finalidades. Já em 1972 a ditadura organizou a Taça da Independência para comemorar o sesquicentenário da emancipação política do Brasil. Com o título e o sucesso da Seleção a CBD organizou cinco amistosos em 1971, dez em 1973 e nove em 1974, sendo basicamente esta a preparação da seleção para o mundial seguinte (KLEIN, 2001).
Embalado pelas conquistas a CBD organizou em 1971 o primeiro Campeonato Brasileiro de Futebol com 20 clubes, e ajudou a construir cerca de 30 estádios na sua grande maioria municipais e estaduais.
Dessa maneira, o Brasileirão que surgiu foi ficando cada vez mais condicionado aos projetos governistas, a principal mostra é o crescente inchaço progressivo da disputa indo respectivamente de 20 para 26, 40, 42, 54, 62, 74 e 94 times em 1979. Era a época do bordão ?onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional‟ (KLEIN, 2001; GUTERMAN, 2009).
Com a elevação dos preços do petróleo aumentou a crise da economia brasileira junto com sua inflação, revelando assim os limites do tão propagado ?milagre econômico‟. Como a política - assim como o futebol - não ia bem em 1974, bons resultados na Copa de 1974 manifestava-se importante para o regime, sendo a preparação da seleção mais um vez uma ferramenta de campanha militar (FRANCO JUNIOR, 2007).
O Brasil então apresentou um futebol triste e reprimido, enquanto seu algoz nesta copa, o "Carrossel Holandês" praticava um futebol quase hippie, alegre e livre, no qual jogadores de cabelos rebeldes trocavam constantemente de posições confundindo os adversários (FRANCO JUNIOR, 2007; BETING, 2010).
Nos 21 anos em que perdurou o regime da ditadura militar no Brasil (1964-1985), o setor esportivo foi influenciado sobremaneira pela ideologia e interesses militares. Talvez tenha sido o período em que de forma mais ostensiva esse setor sofreu o aparelhamento e a instrumentalização a favor da sustentação de um projeto de sociedade e de legitimação da hegemonia dos grupos que se instalaram no poder (VERONEZ, 2005).
Em 1978, mesmo com grande pressão, o Congresso Nacional, graças a maioria arenista, garantia a continuidade do regime com a escolha do general João Baptista Figueiredo (FAUSTO, 2002).
Enquanto isso os clubes pouco a pouco militarizavam-se, a exemplo da seleção brasileira. Mas alguns jogadores, como os políticos oposicionistas procuravam resistir, engrossando a longa lista daqueles que no passado tinham sido considerado rebeldes, mercenários ou boêmios (FRANCO JUNIOR, 2007) Porém nada modificou na CBD e ela continuou militarizada, dessa vez sob o comando de Claudio Coutinho que tinha a missão de encarar como uma guerra a disputa na Argentina, que também estava submetida a uma ditadura militar.
O novo fracasso da seleção brasileira na Copa de 1978 ilustrou o momento difícil que o país atravessava. Mesmo com um empate sem gols entre Brasil e Argentina ? igualdade esta que não se apresentava no campo político, o Brasil iniciava seu processo de reabertura enquanto os argentinos viviam o auge da ditadura ? a seleção acabou ficando fora da grande final por causa do critério de desempate - o saldo de gols. Criando uma grande suspeita de manipulação de resultados, acreditando que as pressões militares e políticas teriam entrado nos vestiários peruanos e em campo para garantir a vitória da ditadura local (CARRILHO, 2010).
Os anos seguintes foram cercados de movimentações políticas e um enfraquecimento crescendo do regime militar, tanto que os próprios clubes que disputavam campeonatos deficitários, começavam a ceder jogadores para times estrangeiros em grande escala (COELHO, 2010), e sofriam constantes pressões de dirigentes e governantes buscando apoio a qualquer custo. A situação
chegava ao limite, e o futebol não conseguia mais servir de reforço ao poder militar. Ao contrário, ele estava antecipando as fissuram que se abriam na ditadura (FRANCO JUNIOR, 2007).
A parte de todo o mar autoritário que havia à época, onde não havia eleições diretas para presidência da República, o Corinthians tornava-se uma ilha de democracia liderada por Sócrates, Casagrande e Wladimir, chegando ao posto de sócios beneméritos e conselheiros do clube, tendo direito a voto para presidência da entidade (GUTERMAN, 2009).
Outra modificação ocorrida que envolvia as transformações políticas em curso, era a da transição da CBD para a CBF ? Confederação Brasileira de Futebol, em 1982 (ASSAF; NAPOLEÃO, 2006). No mesmo ano, Telê Santana, o mais popular treinador foi escolhido para comandar a seleção na Copa do Mundo de 1982. Um treinador que mostrava como poderia manter a autoridade sem autoritarismo, pregando a disciplina e o respeito sendo obtidos através de conversas francas com o grupo de jogadores e assim dividiam as responsabilidades e assumiam os compromissos coletivos (FRANCO JUNIOR, 2007; NORIEGA, 2009).
Com uma seleção e comissão técnica desmilitarizada a seleção vencia e dava show, derrotava e quando possível de goleada os fracos e os principais times da época, 2 a 1 na União Soviética; 4 a 1 na Escócia; 4 a 0 na Nova Zelândia e 3 a 1 na Argentina já com Maradona (CARRILHO, 2010; LEITE, 2010). A imprensa já anunciava o Brasil como favorito, mas precisando de apenas um empate contra a Itália, o Brasil foi derrotado fazendo 22 anos depois uma nação inteira chorar, sendo dessa vez de amarelo (GUTERMAN, 2009).
Ainda de amarelo, a população saía as ruas em 1984 com os gritos de Diretas Já! Enquanto o jogo político excitava ? liderado por Tancredo Neves ? era necessário preparar as jogadas para contra o regime militar, e diferentemente da seleção de Telê que o jogava sem pontas, os comícios de esquerda de Lula e Brizola falavam em transição e aprofundamento das transformações sociais. (FRANCO JUNIOR, 2007). No entando a Câmara dos Deputados não aprovou a
modificação na regras eleitorais e a sucessão presidencial se deu de forma indireta.
Chamado novamente em 1985, Telê Santana dessa vez adotou o moderno 4-4-2, com o time sem pontas. Mas com Zico voltando de contusão, Sócrates fora de sua melhor forma física e Falcão na reserva o time não atingiu o nível de quatro anos antes, e nas quartas-de-final do Mundial do México em 1986 perdera nos pênaltis por 4 a 3 (ASSAF; NAPOLEÃO, 2006).
Para o ex-jogador Tostão, no final da década de 80 ainda, o futebol representava o espelho (projeção) da sociedade. O país ainda é um verdadeiro lobby do "é dando que se recebe", e o esporte não foge a regra. Sendo o caminho do futebol nas décadas seguintes a profissionalização de todas as partes do futebol, com pessoas comprometidas e bem pagas, aumentando assim seu respeito e o compromisso de trabalhar melhor, tornando o futebol mais sério, humano e alegre (TOSTÃO, 1997).
2.6. O Poder Público ?Real‟ e o Futebol
Ao final da década de 80, o Brasil vivia intensas modificações na transição política, enquanto o futebol uma importante transição do poder tutelar do Estado para o Controle Civil numa conjuntura de franca expansão do capital no campo esportivo.
Com a Constituição de 88 e posteriormente as eleições diretas para a presidência assumiu o poder o então governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello. Com o desejo de parecer ?moderno‟, Collor escolheu Zico, ao invés de um burocrata qualquer, para seu Ministério dos Esportes. O ex-craque seguiu a risca o modelo e propôs a extinção do "passe", que era comparado à época com a escravidão, e permitiu também que os clubes e tornassem empresas além de tentar a ?profissionalização‟ dos cartolas, que na época também era senso comum como a salvação do futebol (CARRILHO, 2010).
A Lei Zico, como foi conhecida, foi bastante desconfigurada devido ao trabalho dos dirigentes e Zico respondia a pressões conjunturais óbvias (GUTERMAN, 2009). Já no início da década de 90, os clubes começavam a figurar como falidos e endividados se tornando assim meros exportadores de atletas em larga escala.
Os percalços enfrentados no Congresso pela Lei Zico e pela subsequente Lei Pelé atestam os compromissos que os governantes se viram forçados a fazer a velha ordem do futebol, representada no Parlamento pela chamada "bancada da bola" (deputados e senadores ligados aos clubes e federações) (COUTO, 2009).
Porém após diversos trâmites, negociações e conchavos conseguiu-se a a extinção do passe mas não da conversão dos clubes em empresas, sendo esta apenas facultativa. O que na visão do ex-jogador Zico os atletas deixariam de ser escravos dos clubes para se tornar escravos dos agentes e empresários.
Mudanças houvera não no ministério como no comando do futebol brasileiro e da Seleção. A seleção brasileira seria a prova de que a "modernidade" atropelara também o que restara da arte brasileira vista nas duas Copas anteriores. O presidente da CBF seria escolhido quase que por aclamação, o empresário Ricardo Teixeira, no mesmo ano que Collor assumiu o poder, e para o cargo de técnico da seleção Sebastião Lazaroni, com os objetivos de ganhar jogos e torneios e não dar espetáculos.
Dentre as características do "novo técnico", estavam as táticas européias de jogo e o "lazaronês ? galgar parâmetros, overlaping, etc. O símbolo daquela equipe era o volante Dunga, que encarnou também a ?modernidade‟ do futebol, sendo um jogador com excelente senso tático, passe e objetividade.
Obviamente não deu certo, o Brasil ganhou os três jogos da primeira fase, sendo dois deles pele placar mínimo. Seria desclassificado posteriormente por uma razoável Argentina com uma atuação apática comparada a derrota para a França em 98 e mais ainda pela mesma França já em 2006.
O gol de Caniggia aos 35 do segundo tempo é uma expressão de uma modernidade estabelecida em bases frágeis: numa rápida arrancada, Maradona passou no meio campo por Alemão, que não quis fazer falta no seu colega de Napoli, e avançou sobre a defesa brasileira, que apesar de ter três zagueiros deixou Caniggia livra para receber a bola e fazer o gol e decretar a eliminação do Brasil. A Seleção, portanto era um retrato fiel de um governo que sem planejamento maior abriu a economia à penetração de produtos internacionais (FRANCO JUNIOR, 2007).
Outro agravante, que gerou muita polêmica antes da viagem ao Mundial, foi a foto oficial dos jogadores da seleção cobrindo a marca do patrocinador por divergências financeiras ? não concordavam com as cotas de porcentagens destinadas aos atletas ? também demonstrou os estreitos limites para a transformação do futebol no país.
Lazaroni sumiu. Collor caiu. E o destino do melhor futebol do mundo estava claramente ameaçado, afinal fazia quase um quarto de século que não ganhávamos nada de representatividade, e a fase não era das melhores com a propagação da Era Dunga.
Com isso assumiu Paulo Roberto Falcão, dos ternos bem cortados e futebol fino, que representava a soma da qualidade técnica com a capacidade de renovação de um combalido futebol nacional. Dois anos depois, Falcão deixara o cargo para o experiente Carlos Alberto Parreira, com a imagem ligada já à eficiência, e a serenidade, ou seja, alguém inerente ao contexto externo e momento conturbado que vivia a o futebol brasileiro (ASSAF; NAPOLEÃO, 2006).
A permanência do estilo Dunga, dava um ar de continuísmo ao que ocorrera quatro anos antes. Não havia um estilo brasileiro em campo, porém as preocupações com a brasilidade já tinham sido abandonadas em 1982, quando apresentamos o melhor futebol e fomos eliminados precocemente pela até hoje pior seleção campeã, em dados estatísticos.
O Brasil acabara sendo tetracampeão, com um futebol ?moderno‟, tático-europeu e extremamente criticado. Conseguiu a façanha de realizar em 6 oportunidades resultados nunca maiores que um gol de diferença, fora os empates, ou seja, a seleção fazia o suficiente, nunca ?o melhor‟ (NORIEGA, 2009).
Contidos, preciosistas, cautelosos e corteses, Fernando Henrique Cardoso e Parreira possuíam diversos pontos em comum. Nenhum dos dois era sensível às massas, para o técnico ? O torcedor é mera caixa de ressonância do que a mídia divulga.
Na volta ao Brasil, o presidente da CBF, e toda a comissão técnica tentaram impor-se sobre a Lei. A delegação brasileira queria evitar a fiscalização da Receita Federal sobre os diversos produtos que comprara nos Estados Unidos. Quando o chefe da receita, Osiris Lopes Filho, obrigou os integrantes da seleção a declararem o que traziam, Teixeira e os jogadores ameaçaram devolver
as medalhas e honrarias do título conquistado que seriam presentes à Itamar Franco, e não participar das festas e desfiles públicos. Osíris ao final foi desautorizado pelo ministro da fazendo, Rubens Ricupero, e pediu demissão no dia seguinte, os jogadores saíram como muambeiros para a maioria da população, e o governo apareceu como fraco e hesitante, uma marca da administração de Itamar (GUTERMAN, 2009).
Quatro anos depois a discussão ultrapassava as fronteiras brasileiras. O mundo globalizado havia definitivamente engolido os brasileiros naquilo que eles consideravam seu patrimônio nacional.
A ausência de transformações profundas do futebol continuou a sangrar os clubes. Em 1998, nova medida modernizadora foi implementada por Pelé como Ministro dos Esportes, as reações contrárias uniram clubes, federações, CBF e até mesmo sindicatos de jogadores.
Baseada nos princípios neoliberais, a avançada legislação delegou ao mercado a construção do modelo de futebol-empresa, trazendo novos problemas aos ultrapassados clubes brasileiros. Na política esta conduta já estava inserida quando se iniciaram as transferências das empresas públicas para as particulares, quando dos governos Collor ao Fernando Henrique cumpriram a principal meta do neoliberalismo que era a redução ao máximo da interferência do Estado na economia, que passava agora a ser controlada pelo mercado (CARRILHO, 2010).
Surgem então as multinacionais dominando o futebol, sendo a parceria mais famosa a Palmeiras-Parmalat, de 1992 à 1999. Nestas parcerias a empresa fazia pesados investimentos e o futebol era conduzido conforme os interesses do patrocinador, o que permitia que as empresas interviessem diretamente nos contratos dos times e jogadores.
Influência dos patrocinadores era tamanha que durante o bom Mundial da França disputado pelo Brasil, chegando às suas finais, as empresas Nike e Coca-Cola foram acusadas de terem papéis decisivos nas escalações e contratos da
CBF. O ponto máximo da especulação girou em torno da escalação do atacante Ronaldo para a final, uma vez que na véspera o atleta tinha sido enviado à um hospital de Paris devido à uma convulsão nervosa e sem ter condições de atuar foi obrigado a atuar, por questões contratuais, necessidade de espetáculo e pela vontade do atleta (FRANCO JUNIOR, 2007; CARRILHO, 2010).
O jogador acabou sendo como símbolo do fracasso na final da copa, sendo justificado o resultado em apenas uma frase pelo técnico da Seleção Zagallo: - O atingiu o seu máximo, o segundo lugar.
Estava determinada a era da invasão do marketing esportivo no campo, na bola, na frente e dorso das camisas, calções, chuteiras, placas em torno do gramado, uniformes dos juízes e à uma elite de jogadores no qual são os suportes para marcas publicitárias, emergindo como ícones de um mercado mundializado envolvendo interesses bilionários, que reafirmam a probabilidade de acontecer ações como a sobre Ronaldo na Copa de 98 (WISNIK, 2008).
O mesmo Ronaldo, agora em parceria com seu homônimo Ronaldinho, teria a chance de se redimir em 2002. Ano em que o mundo inteiro o considerou com outros olhares ? de superação, assim como o Brasil também estava iniciando a sua mudança interna.
Para o comando da seleção, após um dos mais criticados momentos para os antecessores da Copa de 2002, assumiu o posto Felipão, que era o exemplo expressivo de antropofagia futebolística, tendo conseguindo unir algumas premissas do futebol moderno aos códigos culturais da sociedade e do futebol brasileiro. E com esse pensamente, após sete vitórias, a Seleção ganhou um dos mundiais mais fáceis, e com excelente apresentação dos Ronaldos (NORIEGA, 2009; LEITE, 2010).
Enquanto isso, no campo político-social a fusão entre o tradicional e o moderno revelava-se mais complexo, prejudicando as metas do governo Fernando Henrique e marcando o início do progresso da oposição.com a união do PT à antigos adversários e parcela razoável do empresariado, o candidado Luis
Inácio Lula da Silva assumiu o governo. Neste mesmo período no esporte é evidenciada a gestão empresarial dos clubes.
Por parte de jornalistas e intelectuais a torcida contra a Seleção era imensa, era o medo de que uma possível vitória na Copa do Mundo absolvesse Ricardo Teixeira de todos os crimes apontados pelas CPIs e da CBF e do Futebol, porém não era de se imaginar que a população em geral confundisse as coisas de forma a pensar que o Ministério Público deixaria de cumprir com suas obrigações se os resultados fossem positivos, pelo menos essa era a esperança (KFOURI, 2009).
Ainda na mesma perspectiva, Kfouri (2009) traça um paralelo onde em 58 e 62, os presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, deixaram de ser cassados pelo golpe militar, e quando a fantástica seleção de 1970 ganhou sob Médici a imagem do governo torturador permaneceu intacta, mas a discussão está na necessidade do permanente estado de atenção com os homens públicos, suas funções e decisões que envolvem o interesse comum.
Após a conquista do Mundial de 2002, a mídia brasileira vivia seu momento de glória no futebol, tínhamos então realmente os melhores jogadores de futebol do mundo, nos principais clubes do mundo o melhor atleta era brasileiro, seus contratos estavam cada vez mais valorizados, a Seleção ganhava tudo que disputava até o inicio da Copa da Alemanha de 2006. No campo político assumira o Ministério dos Esportes, um ex-sindicalista, Orlando Silva Junior, que protagonizou o retorno da aproximação direta do governo, à CBF e aos principais dirigentes de federações e clubes do país.
Segundo Franco Jr (2007) não é surpreendente que na mesma época em que a seleção jogava o campeonato em solo alemão, tenha sido tão mesquinha no futebol quanto a classe política na sua atividade. Acusando de haver um jogo de interesses e vaidades pessoas, além de uma concorrência de gerações dentro de um mesmo grupo.
A Seleção foi para a Copa da Alemanha com um time de estrelas, eram jogadores caríssimos no banco de reserva, patrocínios que vendiam treinam, afetando até o psicológico esportivo dos atletas. Os resultados acabaram sendo vitórias fáceis sobre times medianos e um apagão geral contra uma envelhecida França de Zidane.
Com o choque da perda de um Mundial que pelo nível técnicos de nossos atletas estava quase que ganho, o governo voltou suas atenções à outros fatores de estímulo e promoção do país através do Futebol. O alvo da vez foi o Mundial do Brasil em 2014.
Foram gastos milhões em projetos, apenas na realização da montagem de um projeto, que deveria incluir além de 12 sedes, 4 no nordeste, 2 ou 3 no centro-oeste e 1 ou 2 na região norte.
Também foi pré-estabelecido em 2006 a Timemania, que foi criada com o objetivo de ajudar os clubes a quitarem débitos de impostos federais (Lei nº 11.345, de 14 de setembro de 2006). Por meio de um concurso de prognóstico da Caixa Econômica Federal, os clubes recebem 22% do total arrecadado, que são destinados ao pagamento de dívidas com o Governo Federal.
Ainda há projetos através de Leis de incentivo ao esporte, Lei Piva, por exemplo, que através da distribuição do dinheiro público arrecadado de empresas privadas, diversos clubes, prefeituras, instituições podem ter uma fonte de renda para bancar desde reformas às construções de complexos esportivos que trarão benefícios para a sociedade. Além das reformas do estatuto do torcedor, que tende até 2013, com a realização da Copa das Confederações, permitir segurança e conforto para o torcedor brasileiro, um plano bem exemplificado e qualificado de todos os processos, empresas, finanças e responsabilidades na conduta da realização do Projeto Copa 20147.
7 Disponível em :<http://www.esporte.gov.br/assessoriaEspecialFutebol/> Acesso em 19 de outubro de 2010
Se tentarmos realizar uma comparação entre o momento político atual e o rendimento da seleção brasileira no mundial da África do Sul, encontraremos como sempre diversas semelhanças, assim como diferenças até contraditórias, o que denota que cada vez mais o poder da política infere e menor degrau e relação direta pelo menos na seleção brasileira, mas não na sua instituição responsável (CBF), sua legislação política e demais fatores que estão nos bastidores longe da mídia e da imprensa.
A melhoria da visão do estrangeiro ao Brasil e ao brasileiro tem aumentado tanto no governo Lula quanto na política externa e atenuação obrigatória do neoliberalismo. O Brasil se apresentou ao Mundial da África, primeiro a ser realizado em solo africano - um país em desenvolvimento nos últimos 24 anos, com sua maioria negra, e recém saída de uma das maiores ?guerras&#8223; civis dos últimos vinte anos, se é que se pode assim chamar o apartheid - o que se assemelha com o Brasil, a criação de políticas publica de inclusão social, tentativa de diminuição das diferenças sócio-econômicas como a desigualdade social, aumento da porcentagem destinada ao esporte de participação, entre outros tendem a favorecer o Brasil internamente e sua população.
A Seleção de 2010 foi talvez um dos times dos últimos 20 anos com um dos elencos mais modestos, em comparação com o que se chama de estilo brasileiro de futebol-arte e comparado também aos últimos elencos dos mundiais anteriores. Um grupo modesto, porém não ruim. Como se fosse a política do bom e barato, mas no caso o suficiente.
Não foram os melhores, isto era fato. Mas foram os que o técnico e grande parte da imprensa, como também até a eliminação, da torcida acreditavam, e principalmente confiavam. E aí estava a questão, o quanto isto era suficiente, o quanto era necessário desprezar os craques para apostar nos confiáveis, nos amigos, ou como na propaganda do principalmente patrocinador da Seleção brasileira e da CBF, os guerreiros ? que não desistiriam nunca? E era justamente esta a proposta, brasileiros que novamente teriam orgulho de se dizerem
brasileiros, que brigariam para estar entre os 23 selecionáveis, e representar seu país na principal competição futebolística do mundo.
Proposta esta feita por Ricardo Teixeira (presidente da CBF), Dunga ? o técnico de confiança bancado pela entidade até a Copa do Mundo e o presidente Lula desde 2006. Em que a seleção brasileira tinha que ter vontade, tinha que brigar, que representar o ?povo&#8223; ? talvez esse o maior erro, seria o brasileiro soldado ou artista? ? enfim, trabalharam um grupo por quatro anos, não só trabalharam como peneiraram, e literalmente selecionaram os mais ?brasileiros&#8223;, os mais ?honráveis&#8223; e os homens de confiança.
E durante todo este período, devido à esta dificuldade de estar presente no grupo, os que foram escolhidos acabaram sendo muitíssimo e exageradamente valorizados no exterior e principalmente no Brasil, onde pouco se acompanhou o futebol do dia-a-dia dos 20 atletas ?europeus&#8223;, e esta é exatamente uma das políticas não só do atual governo como de qualquer um que estivesse no poder. A valorização extremista do nosso produto no exterior, acentuando suas qualidades e tentando rotulá-lo como o melhor que tem no mercado, mesmo sabendo que não o é.
Ainda na possibilidade de ascensão do povo, como também no futebol, se você faz tudo direitinho como se manda nos manuais ? estudar, educar, se formar, formar uma família, trabalhar, ser honesto, ajustar-se ao modelo socioeconômico atual, e trabalhar mais um pouco ? vai ter sua chance e seu suor reconhecido, e foi assim que a tal melhor seleção de futebol do mundo se apresentou com jogadores como Luís Fabiano, Elano, Felipe Melo, Michel Bastos, Doni, Gilberto, Josué, Kléberson, Julio Baptista, Nilmar e Grafite.
Quase todos eles jogando em solo europeu, com o reconhecimento de serem atletas selecionáveis, porém assim que se encerrou o ciclo Dunga nunca mais foram convocados mesmo ainda tendo idade para isso. Embora o perfil militarista do técnico não seja parecido com o do governante, ele buscou na brasilidade do presidente uma maneira de competir com o suor do povo.
E os resultados assim foram, uma vitória magra de 2 a 1 sobre a horrível, retrancada e militarizada seleção da Coreia do Norte. Uma vitória cheia de brigas, confusões e até gol de mão sobre uma violenta e real Costa do Marfim. Um empate apagado, sem gols, sem brilho, sem dribles, sem futebol, sem nada, com Portugal ? muito parecido com os esquecidos empates com o mesmo placar contra Bolívia no Rio de Janeiro e Argentina em Belo Horizonte nas eliminatórias.
Nas oitavas uma vitória mentirosa contra o eterno freguês Chile, capaz de enganar à todos que acreditavam que bater em Arimateia e Bambala (fracos times do Rio Grande do Sul na década de 60) era o suficiente. Porém quando enfrentamos o primeiro adversário do nível do Brasil, ficamos nervosos, e sempre nos lembraremos de poucos jogadores correndo e lutando naquela batalha que nossos guerreiros tanto se preparam, e a imagem que fica é de um dos únicos jogadores do nível do futebol brasileiro naquele grupo, o lesionado Kaká.
Meses depois, tanto no futebol quanto na política, a ideia era de transição. No comando de Ricardo Teixeira sobrou para Mano Menezes fazer a segunda renovação, mas agora apostar na ?molecagem&#8223;, na criatividade e na beleza do futebol-arte brasileiro. Apostar em verdadeiros projetos de craques que explodiriam quando mais precisássemos, no Mundial do Brasil em 2014. Enquanto isso na política, o governo do PT apostando na sua manutenção apostara na continuidade do governo através do braço direito de Lula, Dilma Rousseff, para um provável governo de oito anos, uma vez que com a explosão econômica do Brasil em 2014 dificilmente haveria uma mudança de poder.
Até 2014 infelizmente haverá um provável jogo de participação política em torno do Mundial e das Olimpíadas do Rio de 2016, uma vez que para a realização do Jogos Pan-americanos de 2007 houve um ?suposto&#8223; ? suposta porque a ?proposta&#8223; de investigar as finanças dos jogos foram eternamente adiadas e provavelmente canceladas nos gabinetes da câmaras ? inchaço de estimados 400% do projeto inicial.
A realização em 2014 de uma nova Copa do Mundo no Brasil, tem tudo para ser mais um momento crucial das relações entre o país e sua auto-imagem
mediada pelo futebol. Desta vez, não só o desempenho da seleção será decisivo para o autoretrato, mas também a nossa capacidade de planejamento, organização e execução de um evento internacional (COUTO, 2009).
Para tal realização é necessário que haja um processo de limpeza por parte dos comandantes e burocratas do futebol. Uma mudança já observada a quase um década foi quando as autoridade da República Federativa do Brasil conseguiu colocar uma ?mordaça&#8223; nos cartolas, com a simples ideia de modernizar e moralizar o futebol, ou seriam obrigados a responder nos tribunais por violações do então recém-realizado Estatuto do Torcedor, ainda considerado como direitos do torcedor-consumidor em 2003 (BOUDENS, 2006).
2.7. Futebol Brasileiro Hoje
Nos últimos 20 anos o futebol brasileiro é considerado como a fonte, ou celeiro, de craques para os principais clubes e campeonatos do mundo. Enquanto a valorização individual dos atletas vem crescendo anualmente, o futebol que corre tanto dentro das quatro linhas quanto nos bastidores das federações e confederação está cada vez mais defasado, conforme as críticas, escândalos, corrupções e amadorismo num espaço denominado profissional.
Para os saudosistas a qualidade dentro dos campos vem diminuindo crescentemente com o passar das gerações, para os cientistas e positivistas a qualidade geral dos atletas vem crescendo globalmente, nivelando assim os potenciais, acrescentado à isso o preparo físico e esquemas táticos defensivos que buscam apenas o resultado mínimo ? 1 a 0 ?, e essa soma de fatores afeta diretamente na concepção do que é um craque, no conceito dele, na visão geral do jogo e no público.
Para o bem ou para o mal o futebol define de certa forma nossa identidade no mundo, sendo muitas vezes um passaporte internacional, pois quando mencionada sua nacionalidade ou a simples palavra "Pelé", abre-se portas, sorrisos e talvez uma conversa sobre futebol.
No âmbito interno, o futebol tal como foi apropriado, "canibalizado" e ressignificado entre nós, serviu para reforçar ou rechaçar, dependendo do contexto e do sujeito e da enunciação, discursos e teses sobre o valor positivo ou negativo da mestiçagem, sobre a pertinência da ideia de democracia racial, sobre a existência ou não de um caráter nacional brasileiro (COUTO, 2009).
E isso reforça a ideia de que o Brasil tem os melhores jogadores do mundo e os piores dirigentes também. Clientelistas, corruptos e atrasados os ?cartolas&#8223; do futebol brasileiro são acusados como os principais inimigos do desenvolvimento da modernidade do futebol no Brasil, arraigando ainda mais a concepção do impasse histórico que: "O povo é bom, mas a elite dominante não presta" (FOER, 2005).
Fato este agravado com o grande êxodo de jogadores do Brasil ? de 851 em 2006 à 1.400 em 2009, somando mais de 5 mil atletas atuando no exterior, o que é agravado quando comparado ao número de cerca de 20 mil jogadores profissionais atuando em solo brasileiro, ou seja, 20% de todo o ?pé-de-obra&#8223; se desenvolve fora do Brasil ? ele pode ser comparado à debandada de intelectuais dos país africanos em guerra ou da fuga dos atletas dos países da ex-soviética (COELHO, 2009).
Com esses dados quase que toda mídia esportiva já decretava o fim do Brasil como celeiro de craques. Uma das teorias mais discutidas sobre a morte da fonte do melhor futebol do mundo se dava num processo de cascata, em que começava no desaparecimento dos campos de várzea por força do crescimento urbano e da especulação imobiliária (COUTO, 2009).
Nessa problemática a várzea era substituída pelas escolinhas de futebol de classe média, o que resultaria da elitização, na perda de identidade e no "embranquecimento" do futebol profissional brasileiro, o que impulsionaria o surgimento de novos Kakás, Diegos e Gansos, que mesmo tendo status de craques não seriam a melhor representação do futebol de improvisos, dribles e artes sobre os adversários.
Talvez ainda seja cedo para decretar tanto o fim, ou como ele se dará, uma vez em que como os exemplos citados acima, ele são muitas vezes um em dez dentro de um time. Os desdobramentos do quadro atual dependem diretamente dos diversos movimentos da conjuntura econômica internacional, das frequentes alterações da legislação esportiva, da correlação interna das forças políticas ligadas ao futebol e mais ainda os diversos fatores aleatórios que se darão nas próximas décadas ainda (RUFINO DOS SANTOS, 1981).
Até a Lei Bosman, não era permitido que um jogador de futebol permanecesse atrelado ao clube, não podendo se transferir a outra agremiação sem o consentimento unilateral de seu empregador.
Ao longo dos anos, alguns jogadores afrontaram a Lei do passe, às vezes com sucesso. Entretanto, tais iniciativas apresentaram um caráter individual, apesar de alcance coletivo do problema. Nos anos 1990, mesmo com a abertura do mercado brasileiro com a política de privatização dos serviços, o futebol continuava marcado por relações trabalhistas consideradas arcaicas e paternalistas (CARRILHO, 2010).
Diretamente ligado ao livre comércio dos jogadores das Américas e da África a ?mercantilização&#8223; e globalização atingiram também a economia, sendo o esporte cerca de 3% do PIB europeu, mais da metade relativa ao futebol, que emprega direta e indiretamente 450 milhões de pessoas. E é neste contexto de capitalismo onde o futebol nasceu e cresceu, que ele está inserido hoje, com forte participação da mídia, principalmente a televisiva (FRANCO JUNIOR, 2007).
Isso faz com que os próprios atletas e técnicos procurem clubes, ou empresas, que paguem os maiores salários e dêem as melhores condições de treinamento e status, incentivando uma troca de clubes em ritmo acelerado, segundo a própria lógica capitalista de circulação de mercadorias.
O que atrai mais ainda a mídia, que estimula, especula, e diz que faz o papel de apenas cobrir jornalisticamente o esporte, que apresenta como um grande diferencial e atrativo econômico o fato de ser de prognóstico difícil, e assim coerente com o capitalismo, sistema baseado no risco - concorrência, Bolsa, flutuação monetária - e ao mesmo tempo inserido em um mundo globalizado (FRANCO JUNIOR, 2007), e mecanizado em vários aspectos, como apresentou a campeã mundial Espanha (favorita) com uma sucessão de resultados mínimos nos seus 5 últimos e principais jogos. .
3. CONCLUSÃO
Não é certo afirmar que a população é alienada, mas não é qualquer absurdo dizer que para nossa nação, com um todo, muitas vezes o resultado de uma partida de futebol, indivualmente, implica em mais atenção e importância do que os possíveis problemas políticos existentes, o que não é nenhuma surpresa observações como essa quando há na população tão baixos índices de cidadania e conscientização política (KFOURI, 2009).
Um fato observado sempre é que tanto o cidadão quanto o torcedor brasileiro têm tendência a depositar suas expectativas em individualidades, não em coletividades. Espera-se sucesso de gestos isolados, não de esforços coletivos, contínuos e planejados, seja na política ou no futebol. A sociedade brasileira continua sempre esperando um messias ? ou Pelé ? que resolva os problemas e dificuldades (FRANCO JUNIOR, 2007).
O futebol, como nossa paixão popular e esporte número um, encena um ritual coletivo de intensa densidade dramática e cultural, em consonância com a realidade brasileira. É a combinação de simbologias, por meio das quais podemos estudar o Brasil (MURAD, 1996).
Em seus diversos e diferentes períodos políticos o Brasil sempre apresentou uma faceta tendenciosa de se utilizar do futebol além da sua ferramenta cultural natural, mas também sob a forma midiática e exploratória, para que se possa aproveitar da paixão que cega - e se torna o ópio do povo - para iludir com aquilo que realmente acontece no governo, sendo poucas as ações governamentais afim de ?melhorá-lo&#8223; e trabalhar na disseminação do mesmo, sem que haja qualquer outra intenção individual.
Também é relativa a representação das seleções brasileiras em campeonatos mundiais, se dando de forma mais acentuada conforme a liberdade e influência direta que o respectivo Estado tem sobre as entidades que comandaram o futebol brasileiro em suas determinadas épocas.
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