No Brasil, é fácil observar que as minorias sofrem preconceitos de todos os tipos. Já disseram que não somos racistas, mas isso é mentira, todos sabemos o quão racistas somos. Mesmo sem querer. Mais um capítulo do racismo e segragação social está sendo escrito no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro: a criminalização dos bailes funk, unicamente àqueles que se fazem dentro das favelas, pois se saírem para uma boate com ar condicionado (e fumo proibido) ganham status de música.

Nunca fui em um baile funk e espero honestamente não ter a oportunidade de ir, não é o tipo de música que eu goste, longe disso. Mas isso não significa que o fato de não gostar de um estilo musical seja uma desculpa para criminalizá-lo. Sobre letras e musicalidade a gente trata já já.

O importante agora é falar que mais uma vez a música de negros e pobres é motivo de vergonha para a sociedade brasileira. Mais uma vez a elite quer destruir e degradar um estilo musical, simplesmente pelo fato de este o ser de uma classe social mais baixa que a elite dominante.

Se formos relembrar desde a chegada dos negros no Brasil, suas manifestaçõesculturais foram combatidas pelos senhores. Os batuques, a capoeira, o maxixe e o samba por último, todos passaram por um momento de combate e racismo. Ao ponto de que se um grupo negro fosse chamado a se apresentar fora do território nacional, era alvo de críticas, pois da apresentação do grupo sairia a ideia internacional de que no Brasil haveria imensa quantidade de pretos e mato, que nossa cultura se resumiria a atabaques, algo que amedontrava a elite.

Para trazer o exemplo mais recente, o samba, basta lembrar de qual foi o estilo utilziado para ir de encontro ao sistema repressivo da ditadura (também não gosto de samba, mas isso também não me faz esqueer a importância do estilo para a cultura brasileira). Talvez por essa crítica a um modelo repressor, o samba ganhou a afinidade de muitas pessoas, mas à época quem fosse visto com um pandeiro seria preso por vadiagem. O pandeiro era a representação modelo do vagabundo.

Voltando à criminalização do funk, vemos que o mesmo sofre o preconceito que outrora as outras manifestações negras sofreram. Só que agora o funk está dentro de um local específico, uma senzala de proporções homéricas em que se congregam negros, brancos, índios e nordestinos (os bandidos), um prato cheio para a elite determinar que funk é som de criminoso e que prega a criminalidade, degradação da mulher e a promiscuidade.

Um esforço mental nem é tão necessário para ver que a música nacional padece desses problemas. Se por um lado um funk “proibidão” diz que o bom é pegar a mulher, beber tudo etc. há estilos musicias que pregam coisas semelhantes. Se por um lado o funk diz que a mulher é uma coisa, a banda de forró Saia Rodada diz que “se o dinheiro tá na mão, a calcinha tá no chão”. Se por um lado o funk corrobora com a promiscuidade mandando que se beije qualquer um, o mesmo faz a Claudia Leite na micareta. Se por um lado é para beber tudo no funk, não chega a ser diferente quando o Aviões do Forró canta que o bom é “beber, cair e levantar”. Se por uma lado as letras de funk tendem à limitação de um “créu” ou “pocotó”, não muito diferente fica de alguém que canta um refrão inteiro um “tchê tchê tchê” ou “tchan tchan tchan” ou “aê aê aê ê ê ê ô ô ô”. Se por uma lado uma letra funk prega o consumo de drogas, outros estilos já queimavam tudo até a última ponta. E mesmo essa ideia de que no baile funk as danças são mais ousadas, nada perde um show de axé ou forró.

Outro argumento utilizado para querer criminalizar o baile funk é que brigas acontecem e o consumo de drogas aumenta. Acho que então vamos ter que criminalizar as micaretas e os jogos de futebol – e qualquer outra aglomeração de pessoas.

Antes de ser assunto de polícia, muito mais poderia ser fonte de inspiração para os jovens daquelas comunidades que pouco tem acesso a música de qualidade (e aqui entra a crítica ao funk em si) fazerem do funk uma espécie de protesto contra sua situação (e alguns já fizeram ou ainda fazem), é nesse momento que uma política pública de qualidade (que em vez de manter a condição, tenda a alterá-la para um nível acima) deve entrar em cena.

A criminalização do funk é só mais uma seção da criminalização do pobre.