1. FUNDAMENTOS E CARACTERISTICAS DA PESQUISA QUALITATIVA NA ABORDAGEM ETNOGRÁFICA

 

[1]Rosilda Carvalho dos Santos

 

 

Com a finalidade de apresentar as características, os fundamentos e as contribuições da Etnografia para a pesquisa em Educação o texto apresenta brevemente o percurso histórico da Etnografia, o pressuposto filosófico da Fenomenologia Hermenêutica, o pressuposto teórico da Antropologia e do Interacionismo Simbólico fundamentado na pesquisa bibliográfica pautado em autores que embasam essa teoria que aponta como opção metodológica da pesquisa qualitativa.

Uma pesquisa que tem como foco a etnografia relata verdadeiramente experiências de vida com reflexões, habilidade na clareza e descrição, de forma que sejam expressas através de palavras, comportamentos e experiências dos sujeitos. Segundo Spradley (apud André 2000, p 19), a principal preocupação da etnografia é com o significado que têm as ações e os eventos para as pessoas ou os grupos estudados. Alguns desses significados são diretamente expressos pela linguagem, outros são transmitidos indiretamente por meio das ações. Estudos deste tipo têm dado condições de a escola repensar e reconstruir o saber didático, uma vez que a etnografia permite entrar no íntimo da escola respaldado pela abordagem qualitativa e voltado ao cotidiano escolar.

A pesquisa qualitativa tem como pressuposto filosófico a fenomenologia hermenêutica, definida como a arte de interpretar, onde em uma dada situação o pesquisador procura entender os fenômenos, sob a visão dos participantes e daí fazer a sua interpretação. Partindo do pressuposto de que somos seres pensantes, com significados, sentidos, capazes de dialogarmos com nós mesmo, interpretar dados de um determinado contexto entre pessoas, objetos, leis, aspectos sociais, enfim, conseguir absorver informações pertinentes e precisas com bastante precaução, uma vez que não bastam apenas descrições, visto que o conhecimento tende a ser dinâmico levando o sujeito a interpretar e ver o mundo como inacabado, vendo além do obvio.  Boaventura (apud Macedo, 2012, p. 39), afirma que:

Temos que a reflexão hermenêutica torna-se, assim, necessária para transformar a ciência, de um objeto estranho, distante e incomensurável com a nossa vida, num objeto familiar e próximo que, falando uma língua própria, é capaz de nos comunicar as suas valências e os seus limites, os seus objetivos e o que realiza aquém e além deles, um objeto que, por falar, será mais adequadamente concebido numa relação eu – tu (a relação hermenêutica) do que numa relação eu – coisa (a relação fechada no epistemológico) e que, nessa medida, transforma-se num parceiro de contemplação e da transformação do mundo.

No final do século XIX alguns cientistas começaram a indagar sobre os métodos de investigação das ciências físicas e naturais dando origem a abordagem qualitativa de pesquisa. Dilthey e Weber (apud André, 2000, p. 16 e 17), buscaram metodologias diferentes para as ciências sociais, argumentando que os fenômenos humanos e sociais são muito complexos e dinâmicos e destacam a compreensão dos significados como objetivo que diferencia a ciência social da ciência física, sendo denominada então de naturalista e qualitativa.

A pesquisa qualitativa etnográfica é oriunda da Antropologia, que se refere primordialmente na observação in loco, sendo uma ciência social com caraterística fundamental o estudo das experiências humanas durante a pesquisa com foco no contexto, a escuta do outro, os lugares, na convivência com o próximo.

Nas décadas de 70 e 80 o interacionismo simbólico foi bastante utilizado nas ciências sociais, partindo da premissa que a experiência humana é medida pela interpretação, ou seja, é na interação social que são construídos os conceitos, os significados, a visão da realidade que o cerca já que busca  das realidades constituídas interativamente, identifica seus símbolos e os interpreta. George Herbert Mead, psicólogo social e professor de filosofia da Universidade de Chicago foram um dos precursores do interacionismo.

A etnometodologia é umas das correntes da sociologia e defende a ideia de que não é o método que importa, mas o campo de investigação para entender os fenômenos e daí analisar, descrever e mudar. Além disso, conhecer o contexto cultural dia-a-dia para realizar uma boa pesquisa, de maneira que possa intervir e compreender as realidades, analisando documentos.

Bastante semelhante ao interacionismo simbólico, a etnografia segundo Geertz (apud André 2000, p. 19), é compreendida como a descrição densa de culturas, povos com sua língua materna, manifestações sociais, culturais, religiosas – práticas, hábitos, crenças, valores, linguagens, significados – e os educadores, focam o processo educativo. O etnográfico por ser um pesquisador, busca de diferentes formas, compreender o ambiente que o cerca, o senso comum sem fazer juízo de valor e devolve à sociedade os múltiplos significados de sua experiência.

A Etnografia surgiu no início do século XX, porém, só foi impulsionada na década de 1960 com a explosão dos movimentos sociais, grupos marginalizados, rebeliões de estudantes, e a luta pela igualdade de direitos, instigando nos educadores um grande interesse em acompanhar de perto o que estava acontecendo dentro das salas de aula, das escolas. Acreditava-se que a democracia estava chegando de fato com métodos de qualidade – qualitativos, como forma de retratar os pontos de vista de todos.

As características principais da Etnografia são: a observação participante, a entrevista intensiva e a análise de documentos; o pesquisador como instrumento principal na coleta e na análise dos dados; ênfase no processo e não nos resultados; preocupação com o significado e a descrição e indução.

Na observação participante, conforme Veiga (apud Gomes, 2005) (...) pesquisadores e pesquisados seriam sujeitos ativos da produção do conhecimento. O pesquisador tem sempre um certo grau de interação com a situação investigada, atingindo-a e sendo por ela atingido. Não há como avançar neste método de pesquisa, senão, interagindo com o fenômeno que se objetiva estudar, influenciando e sendo influenciado explicitamente e implicitamente.

As entrevistas fazem parte da observação, porém permite ao pesquisador maior percepção dos fatos, desvelando aspectos obscuros, implícitos que deem ao pesquisador subsídios que permita ver no entrevistado as reações físicas e emocionais, apreendendo e refletindo sobre o terreno que está sendo pesquisado.  Permitindo assim, maiores dados que auxiliarão na compreensão dos fenômenos pesquisados, bem como, maior interação entre o pesquisador e o sujeito.

A análise de documentos permite a triangulação dos dados importantes para aprofundar e contextualizar as informações coletadas. Poderão revelar contradições e desencontros, entre a teoria, a prática e os sujeitos.

Outra característica da pesquisa qualitativa é a preocupação com o significado das experiências. O importante é relatar o mais fiel possível, as informações obtidas no decorrer da pesquisa, de forma que, retrate como as pessoas se relacionam com si mesmas, com as outras e com o mundo. Não interessa manipular as situações, o pesquisador trabalha para apreender exatamente o que ocorre.

O trabalho de campo permite que o pesquisador aproximar-se das pessoas, locais, e situações e se necessário for, mantenha contato direto e até prolongado. Neste trabalho se permite ao pesquisador e as pessoas - situações ou locais envolvidos na pesquisa, que se sintam o mais natural possível, favorecendo uma boa coleta de dados.

Finalizando as características, a descrição e a indução. Descrição permite ao pesquisador desvelar as informações coletadas de maneira precisa, com densidade, tudo o que foi que conseguiu apreender no transcorrer da pesquisa e que seja transcrito na íntegra os diálogos, depoimentos, locais, pessoas. Por fim, a indução analisa os dados de forma aberta e flexível que permite rever as técnicas de coletas de dados, conceitos, teorias e não a sua testagem.

Vale ressaltar que a pesquisa etnográfica não tem com finalidade comprovar resultados, mas foca o acontecimento, a narrativa, acompanha o processo e o estuda, e claro, deve propor a mudança da realidade de forma positiva.

 

2. CONTRIBUIÇÕES DA ETNOGRAFIA À EDUCAÇÃO

Somente após as décadas de 70 e 80 a pesquisa etnográfica ganhou enfoque na área educacional através de diversos trabalhos que descreveram as atividades de sala de aula e avaliação curricular. A etnografia fundamenta-se com o contato direto do pesquisador, sendo permitido construir e reconstruir às experiências escolares, bem como, é possível documentar o não documentado no cotidiano do fazer pedagógico.

A etnografia no âmbito escolar permite adentrar na escola com foco nas dinâmicas das relações e interações que fazem o dia a dia, possibilitando a atuação dos sujeitos envolvidos onde as relações, ações e conteúdos são construídos, reconstruídos e modificados. Sendo o principal interesse dos etnógrafos a descrição da cultura de um grupo social.

Um estudo voltado para essa área, deve ter o cuidado de refletir sobre o processo ensino-aprendizagem e as práticas específicas da sala de aula. Fato que comprova na década de 1960, nos Estados Unidos, as pesquisas de sala de aula pouco contribuíram para a compreensão do processo de ensino aprendizagem, por isso foram muito criticadas, já que o foco era a tabulação e mensuração dos dados observados, desconsiderando os aspectos implícitos, ocultos e restringindo a interpretação e os significados, considerando muito mais a quantidade de observações do que o conteúdo do fenômeno pesquisado. O importante ao se realizar a pesquisa, é ter a preocupação em não reduzir à mesma somente ao ambiente escolar, mas também promover uma relação entre o que se aprende na escola e o que se passa fora dela.

A educação pode ser vista como um processo social, dinâmico e histórico repleto de significados, sendo um universo cultural a ser estudado pelo pesquisador no cotidiano da escola. A observação participante permite ouvir, fazer entrevistas e registrar observações buscando compreender as interações que se processam diariamente na escola nas suas dimensões sociopolítica/cultural, institucional e instrucional da prática pedagógica.

A pesquisa deve ser flexível e aberta, possibilitando de alterações no decorrer da realização da pesquisa e na sua busca pelas representações e opiniões coletadas com os atores envolvidos no processo.

Na tentativa de vencer os problemas encontrados, Michel Stubss e Sara Delamont, sugerem a abordagem Antropológica, considerando que os acontecimentos da sala de aula são permeados de sentidos, diversas interpretações, necessidades, perfis, e que devem ser analisados/estudados pelo pesquisador na sua totalidade, através da observação participante, trabalho de campo, a análise de entrevistas, documentos, gravações, fotografias, diário de bordo. Contudo, a coleta de dados não configura a finalização, há todo um trabalho de descrição densa, de interpretação, de compreensão de significados.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados sugerem que este método tem possibilidade de contribuir para a transformação das realidades educacionais, de maneira interpretativa compreendendo os sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, descritos com densidade (GEERTZ apud MACEDO, 2012, p.83).

As reflexões demonstram que o pesquisador etnográfico interpreta e descreve os fenômenos com densidade favorecendo o resultado do trabalho em mudanças positivas no contexto sócio/cultural no qual está inserido, permitindo  uma mudança de postura no pesquisador em levantar dados educacional pertinentes à melhoria da educação no âmbito nacional, elucidando problemas do cotidiano escolar com cautela na hora de publicar os dados, apresentando fielmente os resultados, sem firmar comentários próprios ou convenientes de um pequeno grupo social

Contudo, percebe-se que é possível documentar o não documentado por meio das técnicas etnográficas de observação participante e de entrevistas intensivas, isto é, desvelar o dia-a-dia da prática escolar e os significados do seu fazer pedagógico. Esta pesquisa permite que se veja com lente de aumento o produto que se quer alcançar.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, Marli Eliza D. A. de. Etnografia da Prática Escolar. 5ª ed. – Campinas: Papirus, 2000.

MACEDO, Roberto Sidnei. A Etnopesquisa Crítica e Multirreferencial nas Ciências Humanas e na Educação. – Salvador: Edufba, 2000.

 

MACEDO, Roberto Sidnei. A Etnopesquisa Implicada - Pertencimento, criação de saberes e afirmação. – Brasília: Liber Livro, 2012 – (Série pesquisa v. 21).

OLIVEIRA, Sonia Cristina, GOMES, Cleomar Ferreira. A Abordagem de Pesquisa Etnográfica: Reflexões e Contribuições. Disponivel em: www.psicopedagogia. Com.br/artigo.asp>.  Publicado em 18/07/2005, acessado em: 27/05/13.



[1] Aluna de acesso ao mestrado em Ciências da Educação pela Universidade da Madeira/Portugal. Pós-graduada em Psicopedagogia e Gestão Escolar. E-mail: [email protected]