FUNDAMENTOS BÍBLICO-TEOLÓGICOS DA MATERNIDADE DE MARIA

Geraldo Barboza de Carvalho

Resumo

A maternidade teândrica da mulher Maria é a face humana da infinita bondade do Deus Criador, Salvador, Santificador. O sim da jovem Maria ao anúncio do Anjo Gabriel que ela seria a Mãe do Deus Salvador, foi a virada antropológica mais espetacular dada pela fé de um ser humano. Por causa do sim corajoso de uma moça que pôs em jogo seu casamento com o jovem José, Deus se fez humano como nós, para divinizar-nos. Como Jesus é a um só tempo Deus e homem, Maria é a Mãe teândrica, humano-divina ou divino-humana que fez Deus vir para a Terra e levar a Terra para o Céu. Pelo sim de Maria, a humanidade e criação tornaram-se membros da Família Trinitária. A SS Trindade de alguma forma se tornou uma quaternidade: Deus Pai, Deus Mão, Deus Filho & todos os filhos e irmãos que ele conquistou para Deus.

Introdução

Jesus Cristo é o Redentor (goel) da humanidade. Como Goel, Jesus é figura corporativa, que reúne em sua Pessoa outras pessoas e seres da criação, de forma que toda ação sua atinge os seres ele representa. A corporatividade de Jesus é representada pela imagem da videira e dos ramos, do templo e as pedras vivas, da cabeça e os membros do corpo. A corporatividade de Jesus preexiste à encarnação do Verbo, pois o "Cordeiro está de pé e imolado desde antes da criação do mundo. Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda sorte de bênçãos espirituais nos céus, em Cristo. Nele, o Pai escolheu-nos antes da fundação do mundo, para sermos santos, irrepreensíveis diante dele no amor. Ele é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as invisíveis e as visíveis. Tudo foi criado por ele e para ele.Tudo foi criado por meio dele e sem ele nada foi feito. Ele é antes de tudo e tudo nele subsiste. Nele nos movemos, existimos e somos". O Filho de Deus, origem e fim de todas as coisas, fez-se carne, fragilidade por nosso amor. Toda a criação está envolta na sua graça, sinal do cuidado com tudo que criou. Ao tomar carne em Maria, o Filho único incorporou toda a criação, feita nele "à imagem e semelhança de Deus". Maria gestou no seu ventre a figura corporativa de Jesus Cristo, que inclui em si todos os seres criados, desde antes da criação do mundo, a eterno. Por isso, Maria não é apenas a mãe do homem-Deus, mas também de todos que Jesus representa e corporifica. Aludindo a morte de cruz, ressurreição e ascensão, Jesus diz: "Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim". Ora, a ressurreição da carne juntamente com Jesus se deu desde a encarnação dele em Maria, que implodiu o pecado, restaurou a antiga e inaugurou a nova criação. Jesus é o Primogênito da nova criação. A morte, a ressurreição, a ascensão e Pentecostes confirmam em definitivo a realidade da nova criação inaugurada na encarnação. Portanto, o Verbo encarnou-se em Maria juntamente com todos que fomos gerados nela e salvos em Jesus, agraciados com "toda espécie de bênçãos espirituais", desde a eternidade. Maria é, pois, Mãe universal: Mãe de Jesus, da humanidade, da criação invisível e visível, Mãe da Igreja, dos anjos e de todo o cosmos Ef 1,3-4; Cl 1,3;At 17,28; Jo 1,3Gn 1,8Jo 12,32.

Pode-se fundamentar bíblica e teologicamente a maternidade de Maria? Não há dúvida que Maria é a Mãe de Jesus. Há registros abundantes de Gênesis a Apocalipse. "Porei hostilidade entre ti a mulher, entra a tua descendência e a descendência da mulher. Eis que uma virgerm conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel, Deus-Conosco. Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho ao mundo, nascido de mulher, para nos remir da maldição da Lei. Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus. Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, porque ele libertará o seu povo dos seus pecados. Quando completaram-se os dias para parto, ela deu à luz o seu filho primogênito. Ao entrar na casa, os magos viram o menino com Maria, sua mãe. Disse o anjo a José: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito. Ao vê-lo, sua mãe lhe disse: Meu filho, porque agiste assim conosco? Houve um casamento em Caná da Galiléia e a mãe de Jesus estava lá. Alguém foi avisar a Jesus: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e desejam ver-te. Ele lhes disse: Minha mãe e meus irmãos são estes que ouvem a palavra de Deus e a praticam. Do meio da multidão uma mulher bradou: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos que te amamentaram. Jesus respondeu: antes, bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam. Perto da cruz de Jesus estava sua mãe e a irmã de sua mãe. No Senáculo de Jerusalém, todos estavam unânimes, perseverantes na oração com algumas mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus" Gn 3,15; Is 7,14; Mt 1,16.21; 2,11; 12,46-50; Lc 2,49; 7,20-21 11,27-28; Gl 4, 4; Jo 2,1; 19,25; At 1,14. Sem dúvida, Maria é a mãe Jesus, embora tenha sido gerado sem relação sexual com José– "Maria disse ao Anjo: Como é que vai ser isso se não conheço homem algum" –, mas pelo poder fecundante de Deus Mãe e a potência geradora de Deus Pai – "O Espírito Santo (Deus Mãe) virá sobre ti e o poder do Altíssimo (o Pai) te cobrirá com a sua sombra" Lc 1,34-35 –, Maria gestou Jesus por nove meses como qualquer mulher, pariu-o por vias naturais, dispensou-lhe todos os cuidados que uma mãe tem com seu recém-nascido. Mas faz sentido dzer que Maria é também mãe de todos os seres humano, se nenhum de nós foi gerado no seu ventre nem parido por ela? De que tipo de maternidade se trata? É consuetudinário na teologia da Igreja Católica e ortodoxa que Maria é nossa Mãe porque Jesus no-la deu na pessoa do discípulo amado, nos estertores da cruz. "Jesus, vendo sua mãe, e perto dela, o discípulo que amava, disse a sua mãe: Mulher, eis o teu filho! Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E a partir daquela hora o dsicípulo tomou-a em sua casa" Jo 19,26-27. Ora, a entrega da mãe de Jesus a João evangelista não parece ser razão suficiente para que ela seja a mãe da humanidade. O discípulo amado é um ser humano comum, membro do Corpo de Cristo como todo ser humano. Mas não é figura corporativa. Parece, pois, forçado que João evagelista represente a filiação universal da humanidade em relação a Maria. Pois, Jesus é a única figura corporativa, o único Goel que reune misticamente na sua Pessoa a humanidade inteira na desgraça do pecado e na graça da salvação, extensiva à criação inteira: "Até quando se lamentará a terra e ficará seca a erva do campo? Por causa da maldade de seus habitantes perecem animais, pássaros e peixes. A criação inteira sofre as dores do parto até o presente, na esperança de também ser libertada da escravidão do corrupção, para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus. O Filho de Deus manifestou-se para tirar os pecados e nele não há pecado. Deus enviando seu Filho numa carne semelhante à carne do pecado e em vista do pecado, condenou o pecado na carne. Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado, maldição, por nossa causa, para que, por ele, tornemo-nos justiça de Deus. Javé fez cair sobre ele nossas iniquidades. Eram nossas enfermidades, nossas dores que ele levava sobre si (como bode expiatório, goel, Cordeiro de Deus). Na verdade, levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgresores fez intercessão. Por suas feridas fomos curados" Jr 12, 4; Os 4,3; Rm 8,22; 1 Jo 3,5; Gl 3,13; Is 53,4-6.12. A função de Goel é exclusiva de Jesus; João ou outro ser humano não a pode exercer. Portanto, parece que não se pode fundar a maternidade universal de Maria considerando apenas Jo 19,26-27. Mas, parece de bom alvitre pensar que, ao entregar Maria a João, o discípulo amado, o amigo da inteira confiança, primo em primeiro grau, Jesus só queria protegê-la, pois era viúva e idosa, e não teria mais os braços fortes do carpinteiro Jesus para trabalhar e sustentá-la. Nada mais natural que entregá-la ao sobrinho, que "a tomou na sua casa" e cuidou dela como Jesus cuidaria. Tentemos outros caminhos.

Para entender a maternidade universal de Maria, faz-se mister referi-la ao Goel Jesus, situá-la no contexto do mistério pascal. Trata-se de maternidade esacatológica, não biológica. O credo judeu-cristão reza que há "um só Deus, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis". Jesus incorporou o monoteísmo judaico, afirmando que seu Deus é o Deus único de Abraão, Isaac e Jacó. "Ouve, Israel! Javé nosso Deus é o único Javé. Não terás outros deuses diante de mim" Dt 6,4; 5,7. Mas Jesus matizou o rígido monoteísmo judaico, revelando que há um só Deus, substancialmente único, mas ele não é um Deus solitário. A riqueza da substância divina se manifesta em Três Pessoas distintas e com funções específicas. Porém, cada Pessoa age e interage com e em função das outras, de modo a preservar a intenção salvífico-criadora única. A criação inteira, nas diversas fases – intratrinitária (primeira criação, coeva da SS. Trindade), a temporal (segunda criação), a nova (terceira e definitiva criação) – é obra das Três Pessoas divinas: Não só Deus Pai é Criador, Deus Mãe e Deus Filho também o são. "Creio em Deus, Pai Criador do céu e da terra" (Credo Niceno). "No princípio Deus criou o céu e a terra. São salutares as criaturas do mundo. E Deus viu que isso era bom. Sim, amas tudo o que criaste, e não te aborreces com nada do que fizeste; se algo tivesses odiado, não a terias feito. Deus criou tudo para que subsista. Como algo subsistiria se não o tivesses querido?" Gn 1,1.10; Sb 1,14; 11,24. Deus Mãe é Criadora: "Creio no Espírito Santo, Senhor (a) que dá a vida (Credo Niceno-constantinopolitano). Senhor, como são numerosas as tuas obras! Com sabedoria tudo fizeste, a terra está cheia das tuas criaturas. Se escondes teu rosto, elas desfalecem, se lhes tiras a respiração, morrem, voltam ao pó. Mas envias teu Espírito, são criadas e renovas a face da terra" Sl 103 (104), 24. 29-30. O Filho é Criador: "O Filho amado existe antes de todas as coisas no Princípio junto de Deus Pai. Ele é a Imagem do Deus invisível, o resplendor de sua glória, a expressão do seu ser; o Primogênito de toda criação, pelo qual o Pai criou os séculos (o universo); nele todas as coisas têm consistência e foram criadas, no céu e na terra, os seres invisíveis e os visíveis; tudo foi criado através dele e para ele. Tudo foi feito por meio dele, sem ele nada foi feito de tudo que existe. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens. Nele temos a vida, movemo-nos e existimos" Jo 1,1-4; Hb 1,2; Cl 13-17; At 17,28. Portanto, o Deus único judeu-cristão é uma Família fecunda, origem e modelo de toda família humana. O Pai e Deus Mãe geraram Deus Filho de toda eternidade e, nele, com ele e por ele, geraram todas as coisas "antes da fundação do mundo" Ef 1,4. Graças à fecundidade de Ruah e o poder gerador do Pai, o Filho é gerado de toda eternidade na Trindade imanente. Na plenitude do tempo, a geração do Filho se deu no ventre de Maria pelo o mesmo processo de geração intratrinitária. Com a diferença: o Filho Unigênito tomou um corpo de homem e tornou-se o Filho do Homem, Primogênito de toda criatura. Nele o Criador se faz criatura, ao assumir a condição humana, em corpo de carne, sangue, órgãos, nervos, ossos, com necessidades fisiológicas, sensibilidade, inteligência, vontade, sentimentos, tudo que é próprio de um humano, exceto o pecado. Ora, ao criar o homem no tempo, "Deus o criou à sua imagem e semelhança, homem e mulher ele os criou e disse-lhes: Frutificai e multi­plicai-vos, povoai a terra Gn 1,27-28. Por seren a imagem do Criador, homem e mulher têm as características pontuais do Original. Se a imagem pode ser pai, mãe, gerar filhos como Pai e Ruah geram o Filho, é porque a substância do Criador é paterna, materna e filial. Mas a imagem não é substancialmetne idêntica ao Original, é apenas semelhante a ele. Deus uno e trino ama, conhece, cria com perefeição, sem usar elementos exteriores a seu poder criador. A mulher e o homem também amam, conhecem, geram filhos, são gregários, éticos, não de maneira absoluta, mas à semelhança do Pai, de Deus Mãe e do Filho. Em suma, paternidade, maternida-de, filiação, fraternidade originam-se no Deus Criador. Paternidade: "Criei fiilhos e filhas, os fiz crescer, mas contra mim se rebelaram. O boi conhece o seu dono, o jumento, manjedoura do seu senhor. Mas Israel é incapaz de conhecer, meu povo não pode entender. É isto que devolveis a Javé? Povo idiota e sem sabedoria! Não é ele teu Pai, teu Criador? Ele próprio te fez e firmou-te. Ainda que Abraão não nos conhecesse e Israel não tomasse conhecimento de nós, Javé, és nosso Pai, nosso Redentor: tal é teu Nome desde a antiguidade. Javé, Tu és nosso Pai, nós somos a argila e tu és nosso Oleiro, todos nós somos obra de tuas mãos. Dobro os joelhos diante do Pai, de quem toma o nome toda família no céu e na terra. Bendito seja Deus, o Pai do Se­nhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias, Deus de toda consolação. Disse Jesus a Madalena: Não me retenhas, pois ainda não subi ao Pai. Vai, porém, a meus irmãos e dize-lhes: Subo a meu Pai e vosso Pai. O Pai vos ama: o que lhe pedirdes em meu nome, ele vos dará. Não andeis preocupados, dizendo: que comeremos? Que beberemos? Que vestiremos? De fato, os gentios é que estão à procura de tudo isto: o vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade de todas essas coisas. Quando orares, entra no teu quarto e, fechando a tua porta, ora ao teu Pai que está lá, no segredo; e o teu Pai que vê no segredo, te recompensará. Ora desta maneira: Pai nosso que estás nos céus, venha o teu Reino, o pão nosso de cada dia nos dá hoje" Dt 32; Is 1,2-3; 63,16; 64,7; Ef 3,14-15; Mt 6,5-6.9.11; 31-32; Jo 16,23.27. Maternidade: Deus Mãe, Ruah, o Espirito de santidade do Pai e do Filho é a fecundidade, os ovários e o útero de Deus, semelhante à fecundidade da mulher. Por isso, os filhos de Deusnascem da água e do Espírito, não da carne e do sangue. "Israel ainda era criança e eu já o amava, segurava-o com laços de amor materno, laços humanos. Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Ainda que ela te esquecesse, nunca eu te esqueceria. Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos como uma galinha junta seus pintinhos de baixo das asas, e tu não quiseste" Os 11,18; Is 49,15-16; Mt 23,37. Fraternidade e filiação: "Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho Único, nascido de mulher, para que, por ele recebêssemos a adoção filial – em relação ao Pai, a Ruah e a Maria. E porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito do seu Filho que clama: Abba, Pai"! Nossa filiação e fraternidade derivam, pois, do Espírito filial e fraterno do Filho derramado em nossos corações desde a criação intratrinitária; "no seu amor o Pai nos predestinou a sermos adotados como filhos, por Jesus Cristo, desde "antes da criação do mundo" Ef 1,4. Na encarnação, nossa filiação e fraternidadesão mediadas pela ma­ternidade de Maria. Por isso, se na Trindade imanente oPai e a Mãe do Filho também são nosso Pai e nossa Mãe, e nós, filhos adotivos no Unigênito, na Trindade econômica o Pai e a Mãe do Primogênito permanecem nosso Pai e Mãe, mas ganhamos uma Mãe escatológica, Maria de Nazaré, Mãe de Jesus e nossa. Como isto aconteceu? Querendo adotar-nos por membros da Família Divina, o Únigênito se fez ho-mem para divinizar-nos, fazer-nos partícipes da natureza divina. Ora, Maria foi a mediação humana escolhida pelo Criador para que, nela e por ela, o Unigênito assumisse a condição humana, possibilitando nossa adoção fili­al em relação ao Pai, a Ruah e a Maria. A fecundidade de Deus Mãe e a potência do Pai geraram ab eterno o Unigênito e geraram nele, com ele, por ele filhas e filhos e toda a criação ideal; geraram a criação temporal, saída boa das mãos do Criador; na plenitude do tempo, geraram no ventre de Maria o Goel da humanidade pecadora, Primogênito das novas criaturas e nele, com ele e por ele, simultaneamente, geraram-nos filhos e filhas do Pai, de Deus Mãe e Mãe Maria. Por isso, legitamamente, Maria é a Mãe do Redengor e dos redimidos, do Primogênito, da nova criação, do novo povo de Deus, da Igre­ja, Corpo Místico de Cristo, cuja Cabeça é Jesus Cristo, cujos membros somos nós.

(1) Maria é a Mãe de Jesus - A maternidade divina de Maria foi motivo de disputa teológica entre Nestório e Santo Atanásio e definida como dogma de fé no Concílio de Éfeso (431). Teve grande peso na definitção conciliar a veneração popular de Maria na Igreja primitva. Sendo Maria Mãe de Jesus, e Jesus, Filho de Deus, Maria é Mãe de Deus: "o Santo que de ti nascer chamar-se-á Filho de Deus". Ser a Theotokos, a Mãe de Deus, é o maior título de Maria, pois sua maternidade é a mediação humana para a entrada do Unigênito no mundo, a ponte entre Deus e a humanidade, assim como Ruah é o vículo entre o Pai e o Filho na Família Divina. Deus Mae é útero fecundo de Deus, que se instalou no útero de Maria quando da encarnação do Verbo. A força fecundante de Ruah e a potência do Pai geraram Jesus no ventre da moça Maria. Ou seja, a fecundidde de Deus Mãe e a potência do Pai geram o Unigênito ab eterno, na Trindade imanente e o Primogênito no ventre de Maria, na plenitude do tempo, na Trindade econômica. "Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho ao mundo nas­cido de uma mulher" Gl 4,4. Entrando o anjo no recinto onde Maria se encontrava, disse-lhe: "Ave cheia de graça, o Senhor é contigo. Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um Filho, e lhe porás o nome de Jesus, pois salvará seu povo dos seus pecados. Ele será grande e se chamará Filho do Altíssimo. O Espírito Santo (Deus Mãe) virá sobre ti e a força do Altíssimo (Deus Pai) te envolverá com sua sombra. Por isso, o Santo que nascer de ti chamar-se-á Filho de Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Eis porque, ao entrar no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifícios nem oblações, mas formaste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não te agradam. Então eu disse: Eis que Eu venho, ó Deus, para fazer a Tua vonta­de. E foi em virtude desta vontade de Deus que temos sido santificados uma vez para sempre, pela oblação do corpo de Jesus Cristo" Lc 1,28-36; Mt 1,21; Hb 10,5-7.10. Oblação feita desde a fecundação de Maria por Ruah e o Pai. O Deus todo-poderoso está agora adstrito aos limites de uma célula genital fecundada, e cumprirá o processo intero da gestação de um feto humano, por nove meses, para ser igual a nós também nisto. Pois, embora "seja de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo, assemelhando-se em tudo aos homens. Convinha que ele se tornasse em tudo semelhante a seus irmãos, para ser um Pontífice compassivo e fiel ao serviço de Deus, capaz de expiar os pecados do povo. De fato, por ter suportado tribulações, ele está em condições de vir em auxílio dos atribulados" Fl 2,6-7; Hb 2,17-18. Na verdade, a kénosis do Filho inicia-se na Trindade imanente, quando ele é todo dom ao Pai e a Deus Mãe: "Tudo o que é meu é teu, tudo o que é teu é meu" Jo 17, 10, e continuou na Trindade econômica. Entrando parido no mundo como todo ser humano, Deus quis valorizar a maternidade da mulher casada ou da mãe. A kenosis da geração do Primogênito desdobra-se nas tribulações que Maria sofreu na gestação e no parto. Ela estava na iminência de ser mãe solteira, ser apedrejada e morrer juntamente com Jesus, conforme a Lei. Quando Gabriel encontrou-se com Maria, ela estava "comprometida em casamento com José" Mt 1,18. Praticamente, já era esposa dele, embora ainda não coabitassem. Assim que engravidou, sem José saber de nada, rapidamente Maria foi dar a notícia a Isabel e assisti-la nos últimos meses da gravidez de João Batista. Terminada a estadia em Ain Karin, ela retorna a Nazaré, no quarto mês de gravidez. Ao vê-la, José percebeu os primeiros sinais de gravidez, perturbou-se e planejou fugir, sem denunciá-la. Não mais casaria com ela, deixá-la-ia enfrentar só a gravidez, o parto, a criação do filho bastardo, a inclemência da Lei com as mães solteiras. Mas, Deus se antecipou e enviou um anjo para contar a José o que acontecera com Maria e qual seria seu papel diante da inusitada situação: Casaria com Maria, daria o nome a Jesus, como é costume nas famílias judias. Maria teria um esposo, Jesus nasceria numa família judia padrão e teria um pai. Para to­dos os efeitos, embora adotivo, Jesus era filho de José e Maria. "Eis como nasceu Jesus: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu em virtude do Espírito Santo. José seu esposo, homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava, um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonhos e lhe disse: José, filho de Davi, não temas receber Maria por tua esposa. Pois, o que foi cocebido nela vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque salvará o seu povo dos seus pecados. E sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz seu filho, que recebeu o nome de Jesus". Situação resolvida. Quando completaram-se seus dias, Maria "deu à luz seu filho primogénito e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o num presépio; porque não havia lugar para eles na hospedaria". A visita dos reis magos a Jesus desencadeou a perseguição de Herodes, que obrigou a família a fugir para o Egito. No dia da purificação de Maria e Jesus no Templo, Simeão profetizou as tribulações da Mãe e do filho. "Quando completaram-se os dias para a puficiação deles, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor. Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe: Eis que este menino foi colocado para a queda e soerguimento de muitos em Israel e como um sinal de contradição, para que se revelem os pensamentos íntimos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada transpassará tua alma". Quando atingiu a maioridade os 12 anos, senhor dos seus atos, em Jerusalém Jesus se separa dos pais, vai ter com os doutores e discute com eles de igaul para igual. "Três dias depois, encontraram-no no Templo, sentado em meio aos doutores, ouvindo-os e interrogando-os; e todos os que o ouviam ficavam extasiados com sua inteligência e respostas. Ao vê-lo, ficaram surpresos, e sua mãe disse-lhe: Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurá-vamos. Ele respondeu: Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa do meu Pai? Porém, eles não entenderam a palavra que lhes dissera" Lc 2,2-23.34-35.46-50

É notável que os textos escriturísticos não põem em relevo a virgindade, mas a maternidade de Maria. Para a fé judeu-cristã, virgindade é categoria teológica, não biológica. As mulheres judias abominam a virgindade. Por outro lado, o AT e NT trazem cinematográficas his­tórias de maternidade, como a das idosas Sara, Ana mãe de Sansão, Ana mãe de Samuel, Isabel mãe de João Batista e a mistérica, inédita maternidade de Maria, a Mãe de Jesus, no qual "habita corporalmente toda a plenitude da divindade" Cl 3,9. Como categoria teológica, a virgindade consiste no cumprimento do primeiro mandamento do Decálogo: "Amarás Javé teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito, com todas as tuas forças" Dt 6,6. Amar Deus com amor exclusivo, eis virgindade, do homem e da mulher. Ter o coração dividido com outros deuses, amar as coisas criadas mais que Deus, eis a prostituição. Coração dividido torna-se idólatra. Idolatria, eis a prostituição que ofende Javé,muito mais que a prostituição biológica. Maria é virgem, não porque não tenha tido relações heterosexuais, mas por sua fé absoluta. Ela estava em comunhão tão íntima com Javé, seu coração estava tão pleno do amor de Deus, que Gabriel a saudou chamando-a "cheia de graça", plena da presença vivificante de Ruah e do Pai. E por estar prenha de Deus, de imediato se tornou Mãe de Deus e por isto, virgem. Virgem porque mãe. Na ordem da graça, maternidade antecede a virgindade. É notável que Jesus não dava importância ao fato de muitas mulheres serem prostitutas, amasiadas, até adúlteras, mas foi duríssimo com os fariseus, que ostentavam santidade ritual, por cumprirem a letra, mas não o espírito da Lei, a misericórdia. Ao invés, humilhavam os pobres, os pecadores. Jesus chamava-os de raça de víbora, incircuncisos. A circuncisão, sinal de pertença exclusiva a Javé e a seu povo, virou ritual vazio. Os profetas martelavam sobre o espírito da cricuncisão. "Circuncidai-vos para Javé, tirai o prepúcio do vosso coração. Javé teu Deus circuncidará o vosso coração e o coração da tua descendência, para que ames Javé teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, e vivas" Dt 30,6; Jr 4,4. Coração reto, vida justa, ética de solteiros e casados, eis a virgindade que agrada Javé, não virgindade biológica. A virgindade biológica e a estrilidade eram o terror das mulheres judias, por serem sinais de maldição. Ser mãe era das maiores bênçãos para o povo hebreu. Era o sonho de toda moça judia, por ser sinal de fecundidade e bênção Javé. Deve ter sido grande a alegaria de Maria ao saber que seria mãe. Ainda mais, a mãe do Redentor da humanidade. Por isso, é natural supor que Maria teve fi­lhos com José, além de Jesus, pois eram casados. Tinham direito e o dever de gerarem filhos. O casamento é instituição abençoada por Deus desde a criação. Gerando filhos, Maria e José teriam certeza que sua união era abençoada. Por isso, ter outros filhos com José, em vez de diminuir, exalta a materrnidade de Maria. Jamais é vergonhoso ser mãe, mas ser estéril ou vir­gem. Por isso, o NT e a Igreja primitiva exaltam a maternidade, não a virgindade de Maria. O culto da virgindade na Igreja origina-se na gnose e platonismo, não na revelação. O maior título de Maria é ser Mãe de Jesus e nossa, não Virgem. Exaltando a maternidade de Maria, o NT e a Igreja primitva mostram grande respeito pela maternidade e igual dignidade da mãe solteira ou casada. Pois, a fecundidade da mulher a torna semelhante à fecundidade de Deus. Por isso, a maternidade, que se origina no mistério da Família Trinitária, é dom divino merecedor da maior veneração. Ser mãe é tão maravilhosa que até o Deus do céu quis ter uma Mãe na terra.

(2) Maria é a Mãe dos irmãos de Jesus – A maternidade de Maria em relação à humanidade decorre de ser ela a Mãe do Redentor, o Goel da humanidade. Sendo a Mãe do Redentor, ela é também a Mãe dos redemidos, dos irmãos de Jesus. Jesus deu a chave da maternidade de Maria em relação á humanidade quando nos chama "meus irmãos" no encontro com Maria Madalena no Dia da ressurreição. Disse-lhe ele: "Vai aos meus irmãos". Jesus também chama de irmãos aqueles a quem socorremos nas necessidades de comida, bebida, roupa, liberdade, saúde: "Todas as vezes que destes de comer, beber, vestistes e visitaste no hospital, na prisão um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. Todas as vezes que deixastes de fazer estas coisas a al­gum destes meus irmãozinhos, a mim o deixastes de fazer" Mt 25,31-46. A carta aos Hebreus confirma a fraternidade de Jesus conosco: "Aquele para quem e por quem todas as coisas existem, desejando conduzir á glória muitos filhos, deliberou elevar à perfeição, pelo sofri­mente, o Autor da salvação deles, para que Santificador e santificados formem um só todo. Por isso, Jesus não hesita em chamá-los seus irmãos" Hb 2,10-11. Jo 15 usa a figura da videira e dos ramos paratraduz a união mística de Jesus conosco: 'Eu sou a videira e vós, os ramos". Assim como "o ramo não pode dar frutos por si mesmo, se não permanecer na videira, tampouco vós podeis dar frutos se não permanecerdes em mim. Pois, sem mim, nada podeis". Pedro usa a imagem do templo, cujas pedras vivas somos nós, unidos à pedra angular, Jesus (1 Pd 2,4-6). Paulo usa a imagem do corpo e dos membros para traduzir a união mística dos irmãos de Jesus com ele e entre si. Jesus Cristo é o Corpo, os seres humanos resgatados por ele na cruz somos os membros do Corpo. Cristo, a humanidade e a criação redimidas formam o novo ser místérico, o Corpo Místico de Cristo'. Esta simbiose místérica com Jesus nos faz uma unidade com ele, pois ele assumiu nossas iniquidades, as destruiu na extrema kénosis da cruz e nos comunicou a vida divina. "Vós sois o Corpo de Cristo e os seus membros, cada um por sua parte. Pois, como num só corpo temos muitos membros e ca­da membro tem diferente função, assim nós, embora sejamos muitos,forma­mos um só corpo em Cristo e cada um, todos nós somos membros uns dos ou­tros. Num só Espírito fomos batizados para formarmos um só Corpo com Cristo: todos fomos impregnados do mesmo Espírito. Cristo é a Cabeça e nós, os membros do Corpo Mísitco". Unido misticamente a Cristo, vivos a vida dele: "já não sou que vivo, é Cristo que vive em mim" 1 Cor 12,27; Rm 12,4-5; Gl 2,20. A vida plena que Cristo comunica aos membros do seu Corpo faz-nos partícipes da natureza divina dele, filhos no Filho de Deus Pai, Deus Mãe e Maria, irmãos de Jesus e uns dos outros. Como aconteceu nossa incorporação em Cristo?Nossa dívida com Deus são nossos pecados. Sem ter como pagá-la, Jesus a assume e se oferece para pagá-la no nosso lugar, como fazia o goel hebreu, que casava com a viúva sem filhos do irmão, dava-lhe filhos, tirava-lhe a desonra da virgindade e pagava suas dívidas. "Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nos tornássemos justiça de Deus. Cristo nos remiu da maldição do pecado fazendo-se maldição", incorporando nossos pecados, morrendo na cruz no lugar dos malditos, destruindo a maldição consigo, fora de Jerurusalém, como o bode expiatório morria de fome e sede no deserto da Judéia, levando sobre si os pecados do povo, que eram destruídos quando o bode de Azazel morria. Jesus é Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" 2 Cor 5,21; Gl 3, 13; Jo 1,29. O "Fru­to bendito do ventre de Maria", o Sanro de Deus fez-se maldição vicária para salvar seus irmãos da maldição real. Pois, "se um só morreu por todos, todos morreram" com ele 2 Cor 5,15. Mas, como se trata de morte redentora, ao mesmo tempo que matou nossos pecados e nos livrou da morte eterna, deu-nos a vida nova median­te a ressurreição. "Deus, que é rico em misericórdia, impulsionado pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa dos nossos pecados, deu-nos a vida juntamente com Cristo, ressuscitou-nos com ele e fez-nos assentar nos céus com Cristo Jesus. Por isso, já não somos hóspedes ou peregrinos, mas concidadãos dos santos, membros da Família de Deus" Ef 2,4-6.19. O lugar dos filhos é na casa dos Pai. Pela fé e esperança, já vimemos na casa do Pai e de Deus Mãe, juntamente com Jesus e Mãe Maria. Definitivamente fomos incorporados à Família Trinitária, cuja intimidade partilhamos, graças à oblação de Jesus, feita uma vez por todas. Sendo nosso Goel, Jesus é a figura forporativa que assumiu vicariamente no seu Corpo santo os pecados da humanidade e da criação inteira, pela encarnação, destruiu-os consigo na cruz, ressuscitou juntamente conosco, incorporou-nos em definitivo ao seu Corpo redivivo, fez-nos membros da Família Trinitária. O Corpo de Cristo é a nova Shekiná da Família Divina, que reúne os filhos e filhas de Deus no Filho. Davi queria fazer uma casa suntuosa para Javé. Javé não aceitou e disse que seu lugar preferido de morar é no meio do seu povo. Caberia a um descendente de Davi construir a Shekiná dos sonhos de Javé (Cf. 2 Sm 7; Jo 2,21). O carpinteiro Jesus realizou esse sonho: "Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo e ele, Deus-com-eles, será o seu Deus" Ap 21,3. Maria é Mãe no nova Shekiná e de seus membros; Mãe do Primogênito e de seus irmãos, filhas e filhos adotivos, "escolhidos ne an­tes da criação do mundo para sermos santos". Mãe da Cabeça e dos membros do Corpo; Mãe da Videira e dos ramos; Mãe da Igreja, que é a união mística da humanidade e da criação visível e invisível na Pessoa viva de Jesus Cristo.

(3) Maria é a Mãe da criação terrena, sideral e celestial – A maternidade de Maria, além dos seres terrenos, estende-se ao mundo sideral e seres celestiais, em decorrência da intenção salvífica universal da Família Divina de "recapitular em Cristo tudo que existe no céu e na terra" Ef 1,9. Recapitular é recolocar sob a égide da cabeça (caput). A Cabeça é Cristo. Logo, se Maria é Mãe da Cabeça, é mãe também das coisas encabeçadas por Cristo. Ao cri­ar o homem e a mulher, Javé associou o destino da criação ao destino deles. "Dominai (cuidai: dominar vem "dominus", senhor; senhor é quem serve, não quem oprime) sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam na terra. Dou-vos as er­vas e árvores para alimentar-vos" Gn 1,28-30. Infelizmente, a criação e os descendentes de Adão e Eva têm participado mais do destino doloroso que glorioso do homem na terra. Em vez de viver em harmonia com o Criador, os semelhantes e a natureza, o homem começou a devastá-la, matar os semelhantes, desafiando o Criador. Por causa da insensatez humana, alastra-se o mal na criação. "A Terra está de luto e todos seus habitantes perecem. O Senhor está em litígio com os habitantes da terra. Não há sinceridade, bondade, conhecimento de Deus na terra. Juram falso, assassinam, roubam, cometem adultério, usam a violência, acumulam homicídio sobre homi­cídio. Toda a terra está devastada. Por isso, está de luto e o céu, lá em cima, se escurecerá. Até quando perma­necerá a terra em luto e há de secar a erva do campo? Por causa da maldade dos habitantes da terra, os pássaros e animais selvagens, as aves do céu e até os peixes do mar desaparecem, por haverem dito: Não verá o Se­nhor nosso fim. A criação geme e sofre como que dores de parto até ao presente dia, aguardan­do ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois a criação foi sujeita á vaidade (não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou), porém com a esperança de ser ela também libertada do cativeiro da corrupção, para participar da liber­dade gloriosa dos filhos de Deus" Jr 4,27-28;12,4; Os 4,1-3; Rm 8,9-23. O justo anseio da criação ferida pela maldade humana é o sonho ecológico do Criador, que começou a realizar-se pela encarnação do Verbo, o início da novíssima criação. A encarnação objetiva "reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os do céu, realizando a paz pe-lo sangue de sua cruz" Cl 1,20. O sonho de Deus é o novo céu e a nova terra, fruto da reconciliação universal de toda a criação com o Criador, mediante a auto-oferta livre da vida do Cordeiro de Deus. "Vou criar novos céus e nova terra, as coisas antigas não serão lembradas, nem tornarão a vir ao coração. Não existirão mais criancinhas que vivem apenas alguns dias ou velho que não complete a sua idade; o menino morrerá com cem anos; o pecador só será amaldiçoado aos cem anos. Os homens construirão casas e as habitarão, plantarão videiras e comerão seus frutos. Já não construirão para que outro habite sua casa, não plantarão para que outro coma o fruto, pois a duração da vida do meu povo será como os dias de uma árvore, e meus eleitos consumirão o fruto do trabalho de suas mãos. Não se fatigarão inutilmente ou gerarão filhos para a desgraça. Porque constituirão a raça dos benditos de Javé, juntamente com seus descendentes. Então o lobo será hóspede do cordeiro e pastarão juntos, a pantera se deitará ao pé do ca­brito, o touro e o leão comerão juntos e um garoto os conduzirá; a vaca e o urso se fraternizarão, suas crias repousarão juntas, o leão comerá palha com o boi. A criança de peito brincará junto à toca da víbora e o menino desmamado meterá a mão na toca da áspide. Não se fará mal ou dano em todo o meu santo monte. Porque a terra estará cheia da ciência de Javé, como as águas enchem o mar" Is 11,6-9; 65,17-25.Jesus Cristo é"o Princípio, o Primogênito de toda criação. Nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as criaturas visíveis e as invisíveis (anjos, seres de outros planetas, das profundezas do mar e da terra, coisas jamais vistas). Tudo foi criado por ele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas e todas elas subsistem nele. Tudo foi feito por ele" e por ele tudo será refeito; "sem ele nada foi feito", sem ele nada será refeito Ap 21,5; Cl 1,15-18; Ap 3,14. Em Belém, "Maria deu à luz seu filho primogénito" e nele, o Goel, figura corporativa de toda a criação, deu à luz todas as coisas, visíveis e invisíveis, criadas por ele e para ele. Consequentemente, sendo Maria a Mãe do Primogênito da nova criação, é Mãe também de todas as coisas criadas e recriadas nele, por ele e para ele. Ela é Mãe da Igreja, encabeçada por Cristo, que reúne na sua Pessoa toda a criação. Mãe do Cristo total, Redentor, cuja Pessoa incorpora a humanidade e criação pecadora, fazendo-se pecador vicário, destrói o pecado na morte cruz, ressuscita juntamente com a nova criação pelo poder regenerador de Deus Mãe. "Enviais o vosso Espírito sobre os seres e renovais a face da terra": nova terra. Ascendendo ao céu no seu corpo redivivo, que reúde a humanidade e a criação inteira, Jesus introduz na Família Trinitária a nova criaçãoe a a nova humanidade, os seres visíveis e os invisíveis: novo céu. Sendo a Mãe do Primogênito da nova criação, Maria é também a Mãe das novas criaturas, resgatadas e reunidas por Jesus no seu Corpo pela força da ressurreição, que recapitulou todas as coisas em, com e por Cristo. Por isso, todas as gerações a proclamarão "cheia de graça", "bem-aventurada", nova Eva, Mãe de todos que foram lavados no sangue do Cordeiro, Mãe de todos os viventes e dos Anjos.

(4) CONCLUSÃO: O mistério da maternidade de Maria – Pelo exposto, percebemos que a maternidade de Maria não é algo comum na criação: antes, trata-se de um mistério "escondido com Cristo em Deus" Cl 3,3, revelado a nós na plenitude do tempo. Os profetas anunciavam que Javé voltaria no seu Dia, Dia terrível, "de trevas, não luz" Am 5,18. Paradoxalmente, foi um Dia de luz, não de trevas. "A luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a apreederam" Jo 1,5. A luz de Javé é Jesus, o esperado das nações: "Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida" Jo 8,12. Jesus chegou ao mundo quase anônimo e incognito: esteve por nove meses no ventre da Mãe, foi parido e posto numa manjedoura,visitado primeiro por mal-afamados pastores, que "encontraram Maria, José e o recém-nascido deitado na majedoura" Lc2,16. Qual a razão suficiente para o Filho de Deus ter uma mãe humana? No diálogo intratrinitário que precedeu o envio do Unigênito ao mundo, a Família Trinitária constatou ser "impossível o sangue de touros e bodes eliminarem pecados. Por isso, ao entrar no mundo, numa carne semelhante à do pecado, em vista do pecado, para condenar o pecado na carne, já que os filhos têm em comum carne e sangue, também o Filho particpou da mesma condição, a fim de destruir pela morte o dominador da morte, o diabo. Ele afirmou: Não quiseste sacrificio e oferenda. Não foram do teu agrado.holocaustos e sacrifícios pelo pecado. Mas, formaste-me um corpo. Por isso eu digo: Eis que eu venho, ó Deus, para fazer a tua vontade. E, graças a esta vontade, nós somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas. Convinha, pois, que ele se tronasse semelhante a seus irmãos em tudo, para ser, em relação a Deus, um sumo sacerdote misericordioso e fiel, para, assim, expiar os pecados do povo" Hb 2,14.17-18; 10,4-7.10; Rm 8,3. Jesus não tinha pecado, mas foi feito pecado, maldição em solidariedade conosco, exercendo em plenitude o papel de Goel, Redentor da humanidade e da criação. Antes de fazer-nos semelhantes a Deus, "partícipes da natureza divina" pela comunicação da santidade divina ao nosso corpo pecador, Jesus fez-se semelhante a nós no pecado. Por isso, o segredo da maternidade de Maria é o desejo deDeus de fazer-se nosso parente, nosso Pai, Mãe, Irmão, cúmplice do nosso destino, amigo, a fim de nos fazer partilhar da sua intimidade. Tudo por amor, graciosamente, a troco de nada. "Javé se afeiçou a vós e vos escolheu, não por serdes o mais numeroso de todos os povos – pelo contrário, sois o menor dentre os povos – e sim por amor a vós e para manter a promessa que jurou a vossos pais. Por graça fostes salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus: não vem das obras, para que ninguém se encha de orgulho. Pois somos criaturas de Deus, criados no Cristo Jesus, para as boas obras que ele já tinha preparado antes para que nelas andássemos" Dt 7,7-8; Ef 2,8-10. Ora, aceitando o convite do anjo Gabriel para ser Mãe de Jesus, Maria tonou-se a primeira mediação escolhida por Deus para a salvação gratuita chegar até nós. Neste sentido, Maria é a medianeira da graça. Verdade que"agraça vem através de Jesus Cristo, o único mediador entre Deus e os homens" Jo 1,18; 1Tm 2,5. Por isso, Maria não tem poder algum mediador como Jesus tem. Mas, foi seu sim que possibilitou a chegada da graça até nós, assim como éo sim da fé de cada um que faz o Reino de Deus chegar entre nós. A salvação precisa da mediação humana para se efetivar. Em virtude da comunhão dos santos, Maria e cada membro do Corpo de Cristo, somos mediadores da graça. Se, em vez de sim, Maria tivesse dito não a Gabriel, a salvação gratuita não teria chegado até nós por Jesus Cristo. Mas, dizendo sim, ela entrou de cheio no plano da salvação e contribuiu definitivamente para a graça chegar a nós. A pri­ma Isabel percebeu o alcance do sim de Maria quando lhe disse: "Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas: Ficarás grávida pela fecundidade de Ruah e o poder gerador do Pai; da­rás à luz o Promogênito da nova criação, "no qual habita corporalmente toda a plenitude da divindade, o chamarás de Jesus, porque libertará seu povo dos seus pecados" Cl 2,9; Mt 1, 21. Ciente da grandeza do mistério que a envolvia, Maria exclama: "Minha alma glorifica o Senhor, exulta meu espírito em Deus, meu Salvador", por­que cumpriu as promessas feitas "em favor de Abraão e sua posteridade para sempre. Por isso, doravante todas as gerações me proclamarão bem-aventurada" Lc 1,31-37; 45-55. Por ser co-redentora, Maria partipou da vida sofrida do Redentor, conforme profetizou Simeão quando da purificação da Mãe e Jesus. "Eis que este Menino está destinado a ser uma causa de queda e soerguimento para muitos em Israel, e um sinal de contradições, a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações, e uma espada traspassará a tua alma" Lc 2, 33-35. De fato, toda a vida de Maria foi marcada pelo sofrimento, partilhando o sofrimento do Redentor. Quando engravidou, José ameaçou abando­ná-la, com risco de ser apedrejada porque seria mãe solteira. Assim que nasceu Jesus, Herodes o queria matar. Maria e José fugiram com ele para o Egito, onde viveram desterrados. Aos 12 anos Maria sofreu a angústia de perder o filho; acompanhou os passos da vida pública de Jesus, marcada por per­guições e maus tratos, até a morte na cruz. "Junto à Cruz de Jesus estavam de pé sua Mãe". Da anunciação ao Calvário, a maternidade de Maria é marcada pelo sofrimento, em consequência do seu sim ao Anjo, aceitando ser a Mãe do Ser­vo Sofredor. Por isso os passos do Homem das Dores são seguidos por Maria das Dores. Mas quando Jesus foi exaltado como o Senhor da glória, sua Mãe, partilhando a vitória do Filho, tornou-se Maria da Glória, Rainha e Mãe do novo céu e da nova terra. A prova disto é sua presença no cenáculo de Jerusalém juntamente com os Doze após a ressurreição e ascensão de Jesus, até o dia do Pentecostes. A anunciação já foi Pentecostes, pois Deus Mãe vinda sobre Maria renovou toda as coisas no Verbo que se fez carne no ventre dela: "Deus Mãe virá sobre ti e o poder de Deus o Pai te cobrirá com sua sombra". Se todas as coisas foram criadas no princípio no, com e pelo Varbo, de igual modo todas foram recriadas quando da sua encarnção em Maria. O Pentecostes histórico ratificou a anunciação, pois Deus Mãe foi derramada abundantemente sobre todos os povos e criaturas do céu e da ter­ra a partir do Corpo do Ressuscitado, o mesmo que esteve no ventre de Maria. Acontecerá que naquele dia "derramarei do meu Espírito sobre todo ser vivo. Sobreos meus servos e servas derramarei naqueles dias do meu Espírito e profetizarão. Achavam-se em Jerusalém judeus piedosos de todas as nações que há debaixo do céu" Jl 3,1;At 2,17. Deus Mãe que, com o Pai gerou Jesus e todas criaturas no ventre de Maria, no Pentetecostes recapitulou a encarnação, derramando línguas de fogo sobre todo ser vivo, ratificando o novo céu e a nova terra, a nova criação, a nova humanidade, o novo povo de Deus, a Igreja, Corpo Místico de Cristo, de cuja Cabeça e membros Maria é Mãe.

Portanto, quando "o Verbo se fez carne" no ventre de Maria, fomos gerados filhos e filhas de Deus juntamente com ele. A exemplo do Verbo, os filhos e filhas de Deus também não somos gerados nem nascemos "do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade de homem", mas nascemos do Pai e Deus Mãe. "O Santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus", no qual fomos gerados filhos de Deus. "Quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para remir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial". Adoção em relação ao Pai e a Maria, na qual o Unigênito tomou corpo humano semelhante ao nosso e se fez o Primogênito da nova criação, consistiu na comunicação do Espírito do Filho Único a seus irmãos. "E porque somos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: Abba, Pai" Gl 4,4-6. Como, em virtude da união hipostática, não se pode separar o divino do humano em Jesus, nosso Goel, somos ao mesmo tempo filhos de Deus Pai, de Deus Mãe e da Mãe Maria, mediante a fé. Como Maria é santa pela fé incondicional, pela abertura existencial absoluta à Palavra de Javé, ela tornou-se a cheia de graça e estava pronta para o Filho tomar corpo nela e nós juntamente com ele. Assim o Filho foi gerado na carne pela fé absoluta de Maria, que atraiu o olhar e favor de Deus sobre ela, o Qual tomou um corpo humano no corpo de Maria, prenho da vida de Deus Mãe, "Senhora que dá vida a todas as coisas. Feliz aquela que creu, pois será cumprido o que lhe foi dito da parte de Deus: Conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, o Filho de Deus humanado. Mas terás também uma multidão de filhos e filhas adotivos, gerados misticamente em ti juntamente com Jesus, a Descendência de Abraão, feitos co-herdeiros da bênção de Abraão, mediante a fé. Por meio de ti serão abençoadas todas as gerações da terra, filhos teus no Filho'. Tudo isto se cumpriu através de Maria, cheia-de-graça pela incondicional abertura a Deus pela fé, que a tornou Mãe, medianeira e virgem. Como membros do Corpo de Cristo e filhos de Mãe Maria, também podemos ser plenos e mediadores da graça pela fé, que nos fecunda para gerar filhos e filhas de Deus, como a fé de Maria gerou Jesus e nós no seu ventre. Podemos gerar filhos de Deus pelo anúncio da boa nova e vivência da fé operante no amor fraterno. A fé inicia pela audição da Palavra. Quem a acolhe na fé e a vive na caridade, torna-se filho de Deus. "A todos que o receberam, que creram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Eles não nasceram da carne nem da vontade do homem, por genética humana, mas da nova genética do Espírito" Jo 1,12. Por termos sido enxertados em Jesus desde a encarnação, enxertia ratificada na ressurreição e Pentecostes, e acolhida por nós na fé, tornamo-nos partícipes da natureza filial divina e o nosso DNA é substancialmente recriado. Somos novas criaturas, filhos da nova genética, que substitui o DNA degenerado pelo pecado original de Adão e Eva, que pretendiam ser iguais a Deus. O pecado original é transmitido de geração em geração. A fé apaga todo pecado e nos faz "filhos de Deus, pois ele enviou aos nossos corações o Espírito filial, que clama: Aba Pai". A novíssima criação é a obra prima do Criador, que desmoralizou Satanás, que ameaçava levar a criação ao fracasso. A vida é mais forte que a morte. "Onde a morte avultou, a vida sobrepujou. Onde estão, ó morte, as tuas calamidades? Onde está, ó Xeol, o teu flagelo" Gl 4,4-5; 1 Jo 3,2. Rm 5,20. Os 13,14.

Ora, essas maravilhas não teriam acontecido sem o sim de Maria ao Mensageiro de Deus. O Sim de Maria tornou-a co-redentora, porque teve participação ativa no projeto salvífico da SS. Trindade "na plenitude do tempo", quando o Unigênito tomou carne ventre dela. Dizendo Sim, Maria ativamente colaborou com a redenção, fazendo-se serva à disposição de Javé, dando prioridade ao projeto de Javé sobre seu projeto pessoal. Ela sabe que faz parte da aliança de Javé com o povo. Quem a aliança aceita na fé, assume suas exigências e compromissos. O sim de Maria na anunciação é, pois, no contexto da aliança: Javé "socorreu Israel seu servo, conforme prometera aos nossos pais. Por ti todos os clãs da terra serão benditos". Se Maria não tivesse sido fiel à aliança com Javé, talvez o projeto salvífico tivesse fracassado na visita de Gabriel. Por outro lado, Maria não é co-redentora no sentido que não operou a redenção, mas Jesus Cristo, o único Salvador e Mediador entre Deus e a criação pecadora. "Há um só Deus, um só Mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem, que se entregou como resgate por todos nós" 1 Tm 2,5. Porém, como tudo que o Redentor é por natureza, sua Mãe e seus irmãos o somos por participação na natureza dele. Como membros do Corpo Místico de Jesus, Maria e seus filhos somos co-redentores e co-mediadora da graça. Jesus quis partilhar com os Doze e todo o povo de Deus a mediação da graça salvífica. "Recebei o Espírito Santo. Como o Pai me enviou, eu vos envio também, para que vades e deis muitos frutos. A quem eu te enviar, irás, e o que eu te ordenar, falarás. Não temas diante deles, porque eu estou contigo todos os dias até o fim do mundo. Ponho minhas palavras em tua boca. Vê! Constituo-te, neste dia (kairós), sobre as nações e os reinos, com poder para arrancar e destruir, para exterminar e demolir, para construir e plantar. O que ligardes na terra, será ligado no céu; o que desligardes na terra, será desligado no céu. De Deus vem a nossa capacidade. É ele quem opera em nós o querer e o executar, segundo sua vontade. Por isso, em Nome de Cristo exercemos a função de embaixadores de Jesus e por nosso intermédio é Deus mesmo quem vos exorta. Quem vos ouve, ouve-me; quem me ouve, ouve o Pai que me enviou; quem vos despreza, despreza-me; e quem me despreza, despreza o Pai que me enviou" Jr 1,7-10; Jo 20,21-23; Mt 18,18; 28,20; 2 Cor 3,5; 5,20; Fl 2,13; Lc 10,6//Mt 10,40. Em virtude de nossa enxertia no Corpo de Cristo, que nos comunicou santidade divina, colocando-nos na comunhão com a Família trinitária e com todos que a integram pela fé, na Igreja triunfante e na militante, o mesmo Deus Mãe que vivifica e potencializa o Ressuscitado e a Família trinitária, vivifica-nos, potencializa-nos e capacita-nos para "fazer as mesmas obras que Jesus faz, e até maiores, porque ele está no Pai" Jo 14,12. Maria gestou no seu ventre Jesus e seus irmãos, depois que ali fomos gerados pelo Pai e Deus Mãe. Nossa filiação divina se dá por enxertia no Filho único, já na criação intratrinitária. "Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, nos escolheu nele antes da criação do mundo para sermos santos. No seu amor nos predestinou para sermos adotados como filhos seus em Jesus Cristo, para sermos conforme a imagem do Filho, o Primogênito de muitos irmãos. De toda eternidade, somos chamados no amor do Pai e Deus Mãe a ser filhos adotivos no Filho e com ele, Mãe Maria na frente, sermos mediadores e dispensadores da garça no mundo, realizando "as boas obras que Deus já antes tinha preparado para que nelas andássemos" Cl 1,15-16; Ef 1,4-5.10. Pois, todo o Corpo de Cristo, "nele bem articulado", mediante a fé, participa da sua missão redentora. Nele, com ele, por ele somos co-redentores com Mãe Maria, à medida que, pelo sim generoso da nossa fé, em nome de Jesus tornando-nos instrumentos da gratuidade do amor do Pai. Jesus atualiza a redenção no mundo em cooperação com seus aliados e irmãos,

ramos ativos da videira, pedras vivas do novo Templo, membros efetivos do Corpode Cristo.

Trata-se, portanto, de discussão estéril, esta sobre a mediação de Maria na salvação. Diz-se que ela é medianeira de todas as graças. Como se, para a graça divina chegar até nós, tivesse primeiro que passar pela pessoa de Maria. Neste caso, teria de passar pelos irmãos de Jesus também, membros do Corpo de Cristo como a Mãe do Redentor. Felizmente, não é verdade, mas grosseira heresia, que violenta a fé da Mãe querida e de seus filhos. Maria jamais aceitaria um papel que não lhe cabe, que ela não seria capaz de cumprir. Só Deus é capaz de salvar, e os que, em Nome dele, mediante a fé, assumem o papel de embaixadores da reconciliação do mundo com Deus. Maria jamais usurparia a função exclusiva de Jesus Cristo, o Mediador único da salvação. "Se a Lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo" Jo,17. Por outro lado, como já dissemos acima, tudo que o Salvador é e realiza inclui todos e cada um dos membros do seu Corpo, inclusive Maria, que é a pedra viva mais preciosa do novo templo de Deus e membro mais ativo do Corpo de Cristo. Por ser o Redentor, o Goel da nova criação, a única figura corporativa e incorporativa da salvação, tudo que Jesus é e faz por natureza, seus irmãos e Maria o somos e realizamos por participação nele, por estarmos misticamente enxertados nele. Jesus Cristo é o Filho Unigênito por natureza; seus irmãos e sua Mãe somos filhos por participação na natureza divina dele, já antes da criação do mundo, "para sermos santos e irrepreensíveis sob seu olhar, no amor. Existe coisa mais maravilhosa que saber que o Pai escuta até nossos gemidos? O Filho Único nos deu esse direito: "Madalena, vai dizer aos meus irmãos: Subo ao meu Pai e vosso Pai, ao meu e vosso Deus" Jo 20,17. Eis a maravilha de ser cristão, que só entendem os pobres, os anawin de Javé, os que vivem na intimidade de fé com Deus trino e uno. "Eu te louvo, ó Pai, porque ocultastes estas coisas aos doutores e sábios as revelastes aos pequeninos. Fiel é o Deus que vos chamou à comunhão com o seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. Eu sou a videira, vós sois os ramos. Permanecei em mim, como eu permaneço em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, sem permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim nada podeis fazer. Eu sou a Luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida. Vós sois a luz do mundo. Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai que está nos céus" Mt 11,25-26; 1 Cor,1,9; Jo 8,12; 15,1.4-6; Mt 5,14-16. O Primogênito tem a primazia em tudo. Mas, sendo generoso sem medida, fez participar sua Mãe e seus irmãos de tudo ele que é e tem por natureza, para sermos seus embaixadores plenipotenciários seus no mundo, mediante a fé. Nenhum Deus faz isto com os fiéis: pela fé, Jesus põe ao nosso dispor todo o poder do bem. A unidade mística íntima de vida com Jesus comunica-nos a vida divina, recria substancialmente nosso DNA, nos faz novas criaturas, "gerados não do sangue, nem da vontade da carne ou da vontade de homem, mas do Pai e Deus Mãe. A todos que o recebem na fé, que creram no seu Nome, Jesus dá o poder de se tornarem filhos de Deus, partícipes da natureza divina", deificados. Jo 1,12-13; 2 Pd 1,4. De modo que, crescendo na fé, vamos nos transformando na imagem do Filho Único e irmão Jesus; de tanto ser, fazer, dizer o que ele é, diz, faz, cada dia vamos nos assemelhando a ele. Ele é "a Cabeça, pela qual todo o Corpo, alimentado e coeso pelas juntas e ligamentos, realiza o seu crescimento em Deus" Cl 2,19. Comunicando-nos a vida divina, que nos põe em comunhão com a SS Trindade e nos transmi-te o poder do bem, Jesus age e fala através de nós, como o corpo age através dos membros. Unidos a ele, com ele, por ele os filhos e a Mãe somos intercessores junto ao Pai, participamos da missão sacerdotal exclusiva do Mediador único. "Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo que quiserdes e o Pai vo-lo concederá em meu Nome" Jo 15,7. Ora, se de Jesus concede tantos privilégios aos irmãos, ele não poderia negá-los a sua Mãe. Maria, sendo o membro número um do Corpo de Cristo, com certeza, em Cristo, com Cristo, por Cristo é intercessora de peso unida ao Corpo de Cristo, não separada dele. A graça vem por Jesus Cristo, não por Maria e os demais membros do Corpo de Cristo. Mas, Jesus comunica e delega a graça a todos e cada membro do seu Corpo, em particular a Maria, a Mãe do Redentor. Maria e cada membro do Corpo de Cristo recebemos a graça salvífica de Deus Mãe como dons e os fazemos frutificar. "Assim como num só corpo há muitos membros e os membros não têm todos a mesma função, de modo análogo, somos muitos mas formamos um só corpo em Cristo, sendo membros uns dos outros. Tendo, pois, dons diferentes, conforme a graça que nos foi dada, aquele que tem o dom da profecia, do serviço, da exortação ou do ensino, exerça-o segundo a proporção da sua fé. Aquele que distribui seus bens, faça-o com simplicidade; aquele que preside, com diligência; quem exerce a misericórdia, faça-o com alegria" Rm 12,4-8. A missão de Maria foi dizer Sim a Deus, permitindo que o Primogênito, "no qual habita corporalmente toda a plenitude da Divindade", viesse viver conosco, fazendo-nos filhos e filhas como ele é, carregando nossa cruz como ele carregou a dele. Com razão, Maria é a mediadora principal da vida divina que está plenamente em Jesus Cristo: "Da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça" Jo 1,16. Da Videira a vida é distribuída com os ramos para que produzam frutos em abundância; do Corpo, pelos membros, para que produzam boas obras, "dando de graça o que de graça receberam". Jesus Cristo é a Fonte única da graça e da vida divina. Mas, nele, com ele, por ele Maria e todos os santos do céu e da terra pela fé, membros do Corpo de Cristo por enxertia, nos tornamos "rios de água viva que deságuam na vida eterna" Jo 4,14. Através dos membros ativos do Corpo de Cristo, na terra e no céu, Mãe Maria na frente, a vida divina atua no mundo como amor fraterno, na prática dos valores éticos, na vida familiar, social, política, econômica, eclesial. Cada um que vive pela fé em Jesus Cristo é cheios-de-graça, e como Maria, chamado a gerar filhos de Deus, como Maria gerou pela fé "o Autor e Realizador da nossa fé. Pela graça de Deus sou o que sou; e sua graça em mim não foi inútil. Trabalhei, não eu, mas a graça e Deus que está em mim" 1 Cor 15,10. Portanto, Maria e seus filhos somos mediadores da graças unidos ao Mediador, ao Pontífice, Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, Jesus Cristo. Nele, com ele, por ele todos os membros do Corpo de Cristo são mediadores da graça. Unidos a ele pela fé, podemos realizar o que ele realizou e com a mesma eficiência (Jo14,12). Mas jamais separados dele. Ou nossas orações e obras são feitas em, com e por Cristo, mediante a fé, ou são exibicionismo de uma falsa fé. "Nossa capacidade vem de Deus", em virtude da nossa enxertia no Primogênito, Jesus Cristo. Maria foi a primeira a ser inundada pela santidade de Deus Mãe, mediante sua fé absoluta, incondicional ratificada na encarnação, confirmada por Isabel quando Maria a visitou. "Bendita é aquela que creu: o que lhe foi dito da parte do Senhor se cumprirá" Lc 1,45. Sem fé, explícita (confessional) ou implícita (vivência dos valores éticos) somos impotentes para realizar obras construtivas no mundo, que sinalizam a presença do Reino de Deus entre nós. Mas, pela "fé operante no amor fraterno" Gl 5,6, tornamo-nos aliados da SS Trindade e somos presença viva de Jesus Cristo no mundo. Sem muito alarde, silenciosa e anonimamente, porém firmes e eficientes, cônsciosque Jesus está conosco, partilhando sua vida e amizade. Maria, a Mãe de Jesus e nossa, está conosco, intercedendo por nós, nesta jornada laboriosa, sofrida, mas não desesperada, pois a vitória é certa, na esperança. A Mãe sabe que não será frustrado quem vive seriamente a fé: Acabou o poderia de Satanás e seus asseclas. O Senhor único é Jesus. Partilhando o senhorio do Primogênito, depois de com ele ser a senhora das dores, Maria é também Nossa Senhora da Glória, cuja missão auxiliar junto ao Filho e rogar que "deponha os poderosos dos seus tronos de opressão e elevou os humildes ao trono do serviço" Lc 1,52. Invoquemos a Mãe com confiança e ternura filial: "Ave, Maria, cheia de graça/O Senhor é convosco/Bendita sois vós entre as mulheres/Bendito é o Fruto do vosso ventre, Jesus/Santa Maria, Mãe de Deus/Rogai por nós pecadores/Agora e na hora da nossa morte/Mãe de Jesus e nossa. Mãe Maria, rogai por nós que recorremos a vós. Abençoa-nos, Mãe, que tens fé absoluta. Virgem pela entrega absoluta ao amor de Deus uno e trino, ensina-nos a obediência da fé, a liberdade dos filhos e filhas de Deus pai e Deus Mãe, e irmãos do querido irmão Jesus. Amém".