Introdução

Desde os fatos ocorridos em 11 de setembro de 2001 o mundo tem passado por novas e constantes transformações culturais, sociais, políticas, ideológicas e religiosas. Esses recentes acontecimentos puseram em evidência, com uma inusitada força e vigor, o uso das expressões: fundamentalismo, guerra justa (ou santa), intolerância e perseguições. Todos apontando para a Religião como único motivo da causa dos conflitos.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, esse texto pretende ser uma contribuição para a reflexão sobre o fundamentalismo, visando o meio educacional no contexto do Ensino Religioso, no âmbito do respeito e da alteridade dentro do ensino e da vida em sociedade. Não só destinado a essa área, este artigo visa também dar subsídios a outras discussões a respeito do fundamentalismo nas religiões, visto que esse tema transita no campo aberto do pensamento abrangendo muitas áreas humanas.

Uma questão que hoje soa aos ouvidos e ao coração é se a causa ou a motivação desses danos irreparáveis (fundamentalismo, guerra justa, intolerância e perseguições) está na Religião. Muitos defendem que sim e outros tantos, principalmente teólogos de diversas religiões, apontam que não. Esta pesquisa objetiva proporcionar e convidar os leitores a uma reflexão diferenciada sobre essa problemática pesquisando o tema do fundamentalismo.

Reflexão a respeito do fundamentalismo[1] como motivo dos conflitos religiosos causando a intolerância, que se expressa na violência armada em escala local e mundial afetando a sociedade, semeando discórdias e verdadeiras batalhas sangrentas. O fundamentalismo e a intolerância contribuem para criar uma situação que estimula e apóia a guerra justa. Guerras em nome da Religião, conflitos armados e perseguições, que, mais do que ato Sagrado ou expressão do religioso, são fanatismos de extremistas com seus particularismos confessos e de tendências e correntes individuais e individualistas.

Obviamente sabe-se que os conteúdos semânticos de fundamentalismo, guerra justa, intolerância e perseguições estão profundamente ligados à Política. Contudo, não pretendendo tratar sobre esse viés no presente trabalho, mas tendo ciência de que toda pessoa e religião tendem a desenvolver um caráter político, não se pode deixar de pensar e argumentar que uma das causas por trás dos conflitos seja o fator político, ou seja, tem em vista o poder e o domínio. Em alguns momentos trazendo uma nova justificativa para a propagação dos conflitos como, por exemplo: "a guerra contra o terrorismo" declarada pelos EUA contra os extremistas muçulmanos e países que apóiam esses "atos de terror", ou as incitações provocadas por Khomeini no Irã em janeiro de 1979 levando os xiitas a derrubarem a ditadura do Xá Reza Pahlevi e implantarem um sistema contra os blocos econômicos liderados pelos Estados Unidos e pela antiga União Soviética. Khomeini inaugurou a chamada "Jihad", a Guerra Santa contra o Grande Satã, representado pelo mundo não xiita. Em novembro do mesmo ano Khomeini demonstrou sua face fundamentalista. Com apoio do governo, estudantes iranianos invadiram a embaixada norte-americana em Teerã, fazendo 66 reféns, querendo a extradição do Xá Pahlevi, em tratamento de saúde nos Estados Unidos. Mesmo com a morte do ditador em julho de 1980, vítima de câncer, os estudantes não desocuparam a embaixada.

Esses e outros agentes políticos usam a Religião como pretexto ideológico causando fundamentalismo, fanatismo, guerra, com intuito de obter o maior número possível de militantes, chamando-os de fiéis e incitando-os a lutar por uma causa religiosaer ogicamente a religiaode gerando aece cada vez mais no co. É inegável que a guerra tem sentido religioso, para aqueles que estão nos campos de combate, mas quais as verdadeiras intenções dos que promovem e causam as guerras? Será religiosa, ou a ganância pelo poder, o comércio de armas (ilegal ou não), o domínio seja da terra, ou de riquezas naturais tais como o petróleo, diamantes, a água, as florestas tropicais?

Nesse início de século, e em meio a tantas discussões acerca desses fatos, é plausível expor essa questão. Supõe-se aqui que o fundamentalismo exacerbado e promovido por fatores extra-religiosos seja um grande causador da intolerância e conseqüentemente da guerra justa, conquanto, ideológica e impreterivelmente, as razões contemporâneas de poder, principalmente de Khomeini a George W. Bush, também são impulsoras desses conflitos religiosos.

Dois exemplos ilustram esse pensamento: primeiro para o Islamismo na maioria de suas vertentes de caráter fundamentalista, que interpreta unilateralmente a Shariah, expressa a intenção de adotar as leis religiosas como leis civis, instituindo um sistema governamental tal, que é comumente denominado teocrático: aí, o Estado e a Religião são inseparáveis. Outro é o fundamentalismo cristão, o qual procura restaurar a "aliança" entre Estado e Clero, como no período da Cristandade, visto que não poucas vezes os líderes cristãos se manifestam contrários ou a favor às ações civis do Estado, principalmente no campo da moral, seja no catolicismo ou protestantismo estadunidense.

Estes são apenas dois exemplos de religiões que visam a reaproximação com o poder dos Estados Modernos. Em outros exemplos, a seguir apresentados, as questões propostas serão delineadas a partir de olhares teológicos e filosóficos, sem deixar de dialogar com outras áreas das ciências humanas.

Para levar a cabo a reflexão sobre o fundamentalismo,essa pesquisa se divide em quatro momentos. O primeiro trata de delinear uma abordagem sobre o sentido de Religião aqui adotada, limita-se ao paradigma de Battista Mondin, Urbano Zilles, fazendo referência a filósofos gregos e cristãos. O segundo, expõe definições do termo "fundamentalismo" fazendo uso dos autores Helmut Dubiel, Simon Blackburn, Noam Chomsky, James A. Haught e Leonardo Boff. No terceiro momento, apresentam-se imagens e ideologias que há sobre a guerra justa (ou santa), abordando o pensamento de Leonardo Boff, Hans Küng, Joaquim C. das Neves. O quarto momento sugere uma pedagogia e posturas para a educação ao professor de Ensino Religioso, nesse momento far-se-á uso das pesquisas de Hans Küng e José Rezende Júnior, destacando a contribuição de Emmanuel Lévinas.

O Que é Religião?

Battista Mondin lembra que o ser humano é, desde a era paleolítica, homo religiosus, essa afirmativa é aceita e reconhecida por antropólogos e etnólogos que perfilham o fenômeno religioso, portanto, destaca-se a necessidade de refletir a importância e amplitude desse fenômeno (MONDIN, 1997, p.49). Definir qualquer termo ou objeto de estudo num contexto pluralista é sempre um desafio, veremos que a definição etimológica de religião é muito diversa. Desde Cícero (106-43 a.C.) a semântica do termo não ficou bem clara e é muito abrangente. Na sua obra De natura deorum, (publicada em 45 a.C.) Cícero relaciona o termo a relegere, reler, tratar com cuidado e atenção o que se refere ao culto e aos deuses, relendo as escrituras. Também Tomás de Aquino, em sua definição, liga a religião ao culto a Deus (MONDIN, 1997, p.51). Lactâncio (século III e IV d.C.) rejeita essa interpretação afirmando que o termo vem de religare, religar: a religião é um laço de piedade que serve para religar os seres humanos a Deus. Agostinho de Hipona (século IV d.C.) afirma que religio deriva de religere, "reeleger". Através da religião a humanidade reelegia de novo a Deus, do qual se tinha separado. Mais tarde, na obra De vera religione Agostinho retoma a interpretação de Lactâncio, que via em religio uma relação com "religar". Já no século V d.C. Macróbio considera que religio deriva de relinquere, algo que nos foi deixado pelos antepassados.

Os verbos relacionados historicamente à religião (relegere, religare, religere, religio, relinquere), são diversificados quanto ao significado do termo em si, tornando difícil apontar um significado peculiar para "religião". Mondin destaca definições de filósofos como a de Kant: "A religião não consiste em dogmas ou em observâncias, mas numa disposição do coração para observar todos os deveres humanos como se fossem mandamentos divinos". Durkheim a define em relação à sociedade: "Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que unificam numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela aderem" (MONDIN, 1997, p.52).

Esse pluralismo de especificações torna improvável estabelecer uma definição objetiva sobre o termo. Conquanto, para esse trabalho o termo Religião é apresentado como um "conjunto" e "abertura". Por "conjunto" se entende o número de elementos que compreendem as religiões. Esses elementos são: crenças, que são pré-reflexivas e não necessitam de uma justificação, a fé, que necessita de uma justificação no âmbito teológico, textos Sagrados, regra de ética e moral, ritos e orações (espiritualidades), dados miraculosos, lugares, objetos, reuniões de membros para externar a experiência do Sagrado através dos ritos, entre outros peculiares que podem ser observados em certas religiões específicas. Os elementos se diferem entre as religiões. Por "abertura" define-se o relacionamento do humano com o Sagrado. É a experiência do sobrenatural, provocando na pessoa a adesão ao Transcendente que se apresenta. É a fé carregada de atitude de confiança, compromisso, e, portanto aceitação dos elementos de determinada religião (o assentimento). Essa abertura é o inexplicável, é aquele momento no qual o fiel, sem saber como, encontra-se com o Sagrado, momentos muitas vezes de extrema angústia, depressão, sofrimento ou de alegria, paz interior e experiência mística. De fato, Mondin apresenta a religião como "um conjunto de mitos (relatos, textos Sagrados, símbolos), ritos (preces, ações, sacrifícios) e normas (mandamentos, preceitos, regras) com o qual o homem exprime e realiza seus contatos com Deus." (MONDIN, 1997, p.48).

O numinoso e Totalmente Outro[2], Sagrado, Divino, transcendente e sobrenatural é o que se entende por Realidade Última, Realidade Suprema ou Absoluto que se manifesta em todas as religiões. Para Zilles, "o fenômeno religioso, praticamente universal na humanidade, no seu conjunto tendeu a polarizar-se num termo supremo: a Realidade Suprema, de algum modo transcendente com relação ao homem e ao mundo, mas com o qual o homem pode entrar, de algum modo, em relação pessoal." (ZILLES, 1991, p.7).

Cada religião tem sua especificidade, conjunto de elementos e o Transcendente que lhe convida à acolhida dessa mesma Transcendência. Essa especificidade precisa ser respeitada por todos e melhor conhecida por aqueles que pretendem lecionar sobre elas, de modo especial os professores de Ensino Religioso.

Um dos sentidos de religião que pode ser consentido é o de religio como religar. Religar o humano com o "Outro" (Transcendente, o Sagrado) e conduzi-lo ao próximo. Vista sob esse prisma, a religião não é e nem pode ser considerada causa do fundamentalismo, da intolerância e dos conflitos religiosos ou guerras justas. Ela é intrinsecamente uma dimensão humana que deve conduzir a algo bom e justo (MONDIN, 1997, p.57-58).

Deus, Alá, Javé, Olorum, O Grande Espírito, A Deusa, Brahman... São muitos os nomes pelos quais os seres humanos chamam o Criador. Mas a vontade d'Ele é uma só: que seus filhos e filhas vivam em Paz, como irmãos e irmãs (JUNIOR, 2005, p.8).

Fundamentalismo

Uma definição que se refere ao fundamentalismo como "absolutismo literal" é a de Leonardo Boff:

Não é doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no processo cambiante da história, que obriga a contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter sua verdade essencial. Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista. (BOFF, 2002, p.25).

O surgimento da palavra "fundamentalismo" aparece no protestantismo estadunidense em meados do século XIX. Professores da Universidade de Princeton publicaram uma pequena coleção de doze livros com título de "Fundamentals. A Testimony of the Truth" (1909-1915). A intenção é afirmar que a Bíblia constitui o fundamento básico da fé cristã, devendo ser tomada em sentido literal, opondo-se às interpretações da teologia liberal. Desse rigorismo se deriva o caráter militante e missionário de todo fundamentalista. Em face dos demais caminhos espirituais, ele é intolerante, pois significam simplesmente errância (BOFF, 2002, p.12-15).

Para Helmut Dubiel, o fundamentalismo se transformou num termo apropriado para causar imediata irritação na linguagem política (...) principalmente no islamismo (In: DE BONI, 1995, p.10). No islã o fundamentalismo assume feições de aperfeiçoamento do judaísmo e do cristianismo. Sendo o Alcorão a última revelação dada por Deus, em árabe, ao seu povo, muitos tentam aplicá-la em todos os campos da vida – Sagrado, profano, social e no Estado.

Sobre as tendências fundamentalistas no judaísmo moderno, Dubiel destaca as distintas correntes observadas por Idalovichi[3]: 1ª- uma ortodoxia extremada; 2ª- fundamentalismo místico; 3ª- uma corrente chauvinista que se formou em torno do rabino Kahane; e 4ª- um sionismo, com a intenção de estabelecer uma religião civil. Vale destacar a semelhança da terceira corrente com o fundamentalismo norte-americano, em que invoca diretamente as sagradas escrituras e as tradições posteriores, servindo de base para um particularismo confesso, desrespeitando as pretensões de existência e de autodeterminação de outros povos e grupos religiosos. (In: DE BONI, 1995, p.10-11).

Para uns o fundamentalismo é uma elaboração patologicamente mal-sucedida do estresse civilizatório (...). Para outros é uma reação legítima, no mínimo compreensível aos efeitos colonizadores (...). (In: DE BONI, 1995, p.14-15).

Os sintomas fundamentalistas são interpretados como reações aos processos de modernização cultural, que afetam particularmente as religiões. (In: DE BONI, 1995, p.13). Todas as religiões são fundamentalistas, ou tendem a desenvolver esse caráter. É compreensível que o fiel não assuma esse termo, sendo mais razoável dizer-se de si ser "radical" ou "tradicionalista". Contudo, é improvável encobrir esse rótulo àqueles que são absolutistas em sua religião. Que revelam uma face extremamente conservadora e antiliberal.

O fundamentalismo é muito usado como evasivo, fazendo uso da religião como base para estruturar a vida social, política e econômica. Em muitas situações é uma resposta à incompetência do Estado de resolver seus problemas.

Para efeito de conhecimento histórico, apresentam-se alguns dados de conflitos religiosos que expressam como o fundamentalismo induz o ser humano a reações assombrosas quanto à sua orientação religiosa.

O atual conflito entre palestinos e judeus no Oriente Médio, por exemplo, é resultado de uma história milenar de conquistas e diásporas judaicas (dispersão dos judeus), que terminam com a instituição de Israel, em 1948, e a conseqüente reprovação à criação desse Estado pelos palestinos que viviam naquelas terras. Durante a Guerra da Bósnia (1992-1995), os croatas (católicos), os sérvios (ortodoxos) e os bósnios (muçulmanos) exploram as diferenças religiosas entre as comunidades para justificar a limpeza étnica e acabar com a mistura de populações no país. O embate secular entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte constitui um dos raros casos em que o catolicismo é o elemento central de identidade do povo oprimido. A animosidade religiosa no Subcontinente Indiano abrange hinduístas da Índia e muçulmanos do Paquistão. Em 2000, os conflitos entre os 80% de hindus e os 14% de muçulmanos indianos começam a atingir a minoria cristã, que constitui apenas 2% da população daquele país. No extremo sul, outro conflito assola a ilha de Sri Lanka - os protagonistas são os separatistas tâmeis (hinduístas) e os cingaleses (budistas).[4]

Sobre os conflitos, há necessidade de destacar que muitas ações armadas dos fundamentalistas são caracterizadas como "atos de terrorismo". E o são, aos olhos de quem vê o fato fora do contexto religioso, e que desconhece as justificativas teológicas, embasadas nos livros Sagrados (considerando Escrituras Sagradas que fundamentam a fé e a crença das grandes religiões monoteístas) daquele que age como tal. Terrorismo não é fundamentalismo, mas o fundamentalismo pode levar aos atos de terrorismo.

Para entender melhor o termo "terrorismo", esse trabalho destaca dois filósofos. Blackburn defende que "terrorismo é o uso intencional da violência, particularmente com o objetivo de disseminar o medo generalizado com fins políticos" (BLACKBURN, 1997, p.388). Chomsky propõe outra abordagem: "Uma breve definição extraída de um manual do exército norte-americano, diz que 'terror é o uso premeditado da violência ou da ameaça de violência para atingir metas ideológicas políticas ou religiosas mediante intimidação, coerção ou instalação do medo'". (Haurido da palestra de CHOMSKY, 2002).

Pode-se conceber terrorismo como um método no qual consiste o uso de violência, física ou psicológica, por indivíduos ou grupos, contra a ordem estabelecida através de um ataque a um governo ou à população que o legitimou, de modo que os estragos psicológicos ultrapassem consideravelmente o círculo das vítimas para incluir o resto do território.

Sendo algo difícil de se controlar ou prevenir, principalmente se seus membros estão dispostos a correr o risco de morrer, o terrorismo é uma ofensa a praticamente todos os códigos legais do mundo, e isso inclui os documentos da Convenção de Praga de 1907 e da Convenção de Genebra de 1949.

Certos governos têm ou tiveram ligações comprovadas com grupos terroristas, que incluem tanto o financiamento ou apoio logístico, como o fornecimento de armas e explosivos. Algumas das organizações terroristas e de terrorismo de Estado mais famosas do século XX são: Brigadas Vermelhas na Itália, IRA (Exército Republicano Irlandês), OLP (Organização pela Libertação da Palestina), a Ku Klux Klan, a Jihad Islâmica, Abu Nidhal, Al-Qaeda e o ETA (Euskadi Ta Askatasuna, em português Pátria Basca e Liberdade).

Após os atentados de 11 de setembro de 2001 o fator terrorismo assumiu dimensões desproporcionais, talvez por ter atingido a nação considerada como maior potência mundial na atualidade. Esse episódio faz esquecer, de outros momentos provavelmente mais sangrentos e terríveis. O jornalista norte-americano James A. Haught editou uma pesquisa intitulada "Perseguições Religiosas", no qual lancinantemente discorre a "face maléfica da religião como instrumento e causa de lutas fratricidas". Para o jornalista, a religião é a causa e motivo para as perseguições. Uma citação que chama atenção é a do teólogo Krister Stendahl, de Harvard, quando comenta, numa conferência sobre a "Anatomia do Ódio" realizada na Universidade de Boston: "A religião é uma coisa perigosa. São forças enormes essas com as quais estamos lidando... Por que existe esse lado obscuro[5]?" (HAUGHT, 2003, p.16-17).

O mais surpreendente neste livro é a lembrança das proporções desastrosas que os atos humanos podem atingir, quando alguém quer alcançar ou se manter no poder.

Sem intenção de polemizar com a proposta do autor do citado livro, o intuito desse artigo se baseia na defesa que esse "lado obscuro" não pode ser atribuído à religião, mas encontra-se dentro do coração humano. No conservadorismo e tradicionalismo de correntes religiosas e filosóficas, nos propósitos e escolhas que se faz, nas sociedades secretas, no extremismo da autodeterminação dos grupos religiosos, nas tendências e correntes individuais. Nas interpretações literais de escritos Sagrados que, no lugar de santificar a vida, profanam-na. Em resumo no fundamentalismo repleto de atos terroristas.

Atualmente o fundamentalismo vem adotando feições de fanatismo, e o fanático é incapaz de se abrir ao diálogo com o diferente. Torna-se escravo de suas limitadas ideologias, a partir das quais tenta destruir tudo aquilo que o questiona, chegando a ponto de negar, perseguir e condenar o diferente.

Guerra "Justa" ou "Santa"

Não existe guerra santa, não existe guerra justa, toda guerra é perversa, porque toda guerra cria vítimas, e vítimas inocentes. (BOFF, 2001, p.77).

A citação acima é muito pertinente para a atualidade, visto que todas as ações de conflito giram em torno da questão da guerra justa travada contra e pelos fundamentalistas.

Não se pode chamar de guerra santa ou justa o que hoje acontece, mas de fundamentalismo carregado de terrorismo. É desnecessária e desproporcional a força que se dispõe contra povos que além de viverem em situações precárias sofrem abalos estruturais causados por essa força.

Desde o instante em que o ser humano concebe a religião como sendo intrinsecamente capaz de uma dimensão transcendental, que o mantém em contato com o Sagrado, é inconcebível aceitar guerras em nome desta dimensão transcendental de abertura ou acolhida ao Totalmente Outro. Na guerra há o fechamento a tudo o que ameaça a prioridade e a soberania dos indivíduos de uma nação. No entanto, há religiões que entendem, ou no passado entenderam a "Guerra Justa ou Santa" como meio de defesa da fé, a ponto de tê-la como um canal de salvação, ou como meio de propagação da fé.

Para entender a disparidade do uso da expressão "guerra santa" precisa-se entender o significado de "guerra" e "santo". Sobre o termo "guerra" é necessário compreender seu sentido religioso dentro do contexto histórico judaico-cristão-islâmico. No âmbito do judaísmo as fontes sobre as guerras encontram-se na Bíblia Hebraica (Tanach) como dados que legitimam a causa armada, tendo por finalidade a conquista da Terra Santa no início da estatização do povo hebreu. Inicialmente, os judeus eram apenas uma comunidade tribal, que como um presente de Deus, segundo a tradição, receberam uma terra para se estabelecerem como nação. Porém, essa terra deveria ser conquistada pelo povo, e não existe outra forma de conquistar senão através da guerra. Não se sabe ao certo como se deu essa conquista, e apenas pelos relatos bíblicos não se podem tirar conclusões históricas fundamentais. Pode-se afirmar que foi uma conquista árdua e demorada. De acordo com novas descobertas, supõe-se que muitas milícias relatadas não aconteceram realmente, mas que a tribo de Israel se estabeleceu em certas regiões, nem sempre de modo pacífico, com outros povos. Os relatos sobre a destruição total das outras nações por parte dos hebreus, basicamente relatados no Livro de Josué, devem ser interpretados. O livro tem preocupação com a fidelidade de Israel ao seu Deus, pois a convivência com outros povos ameaçava tal fidelidade. Somente com esta leitura se torna compreensível a insistência no extermínio dos povos habitantes de Canaã, imaginada posteriormente por causa da experiência do perigo de idolatria. (NEVES, in: FARIAS, 2000, p.101-107).

A história do Cristianismo está marcada por momentos sombrios provocados por alguns líderes, principalmente no período da Idade Média. Cruzadas, inquisição, conquistas coloniais, missões nem sempre pacíficas, e mesmo o silêncio por parte de algumas ramificações importantes do clero durante o hitlerismo, são tristes marcas de um cristianismo que se quer esquecer, mas que deixou seqüelas que ainda hoje perseguem os cristãos. Sobre esses acontecimentos, o Papa João Paulo II, em demonstração singular de humildade, foi o primeiro Sumo Pontífice a visitar o Muro das Lamentações em 26 de Março de 2000, em Jerusalém fazendo um pedido de perdão por esses "erros e crimes da cristandade" na história da humanidade. Os conflitos internos entre cristãos católicos e protestantes também são sinais de uma tradição teológica mal interpretada e erroneamente elaborada, em alguns aspectos quando se trata da pregação da fé cristã. O Catecismo da Igreja Católica faz menção ao que se chama de guerra justa (ou justificada): "É preciso considerar com rigor as condições estritas de uma legítima defesa pela força militar. A gravidade de tal decisão a submete a condições rigorosas de legitimidade moral." (CIC, 2000, n.º2309). As passagens bíblicas do Novo Testamento que citam uma "guerra santa" tratam do combate contra o mal que ameaça a existência humana: contra a fome, a injustiça, o pecado, a partir da conversão do próprio coração humano (NEVES, in: FARIAS, 2000, p.108-109).

Boff lembra que a origem islâmica identifica-se como tolerante para com outros povos: "O islamismo original não é fundamentalista. É tolerante para com todos os povos, especialmente 'os povos do livro' (judeus e cristãos)" (BOFF, 2001, p.29). Atualmente corre-se o risco de ler a jihad islâmica em formatos de guerra santa que se justifica pelo livro Sagrado Alcorão (ex: o Aiatolá Khomeini). Conquanto, jihad significa literalmente "esforço": esforço moral rumo a Deus, contra as próprias imperfeições (KÜNG, 2004, p.268). Porém, as diferenças sócio-políticas são tão grandes que "os ocidentais tendem a ver no muçulmano o fanático religioso e o terrorista. Os muçulmanos tendem a ver nos ocidentais os ateus práticos, os materialistas crassos e os secularistas ímpios" (BOFF, 2001, p.31-32) que precisam ser convertidos. "(...) Só nos casos extremos, segundo a concepção de muitos muçulmanos, é que este 'esforçar-se no caminho para Deus' deve ser entendido como uma 'obrigação de lutar contra os inimigos infiéis'" (KÜNG, 2004, p.268). Para o professor e teólogo Joaquim C. das Neves as inúmeras suras que citam a justificação da guerra santa no Alcorão são para conquistar os infiéis animistas e politeístas árabes para a grande Umma (família islâmica). Foi com esse paradigma que Maomé conquistou a unidade do mundo árabe para a Umma. Ainda, nota-se o destaque para o fato de a "guerra santa" só ser legítima se os crentes islâmicos forem atacados (NEVES, in: FARIAS, 2000, p.110-112).

Sobre a semântica de "santidade" cabe observar o ambiente judaico-cristão. Em hebraico a origem do vocábulo "santidade" vem de "kadosh" e traduz-se por exclusivo, separado para, na qualidade de Sagrado ou consagrar-se. Por conseguinte, o Povo de Israel é o povo escolhido por Deus e Yahweh o Deus exclusivo, Santo Uno e Sagrado do povo hebreu. Para os cristãos, é sinal de pureza, limpo, saudável, sem manchas ou mácula, aquilo que é indene, ou uma titularização às pessoas que foram exemplo de como "ser imagem de Deus". Portanto, nada que seja anti-humano pode ser chamado de santo.

As informações Bíblicas, que têm valor tanto para judeus como para cristãos, os textos de filósofos e teólogos cristãos como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, e as passagens do Alcorão mencionando a legitimidade do ato da guerra são escritos que merecem uma análise mais profunda. Deve-se respeitar o contexto histórico de redação e sua utilidade nos períodos dos quais serviram como legitimação para conflitos passados ou atuais.

A guerra santa, tanto na Bíblia do AT como no Alcorão depende duma cultura e duma sociologia religiosa que nada tem a ver com a nossa cultura ocidental de democracia, direitos humanos e diálogo inter-religioso, com o primado da pessoa e com a política humanista da secularização, isto é da separação entre o Estado e a Religião. (NEVES, in: FARIAS, 2000, p.112).

Sustentando o respeito mútuo no Ensino Religioso

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar." (MANDELA, apud JUNIOR, 2005, p.1).

Tendo em vista a necessidade de abordagem sobre esse assunto no meio educacional, esse artigo pretende ser uma proposta de reflexão sobre o fundamentalismo como causa da intolerância e do desrespeito com o "diferente" e não a religião, como se apresenta na história da humanidade, principalmente nesses últimos anos. Não se pode atribuir à religião o preconceito e racismo presentes no coração humano. O que nos torna diferentes uns dos outros são nossas escolhas, mas essencialmente somos todos iguais. Que esse "diferente" seja respeitado. A opção que se faz por uma crença, atitude ou postura, não pode ser o limite ou a linha tênue que nos separa uns dos outros, podendo ocasionar tensões, muitas vezes violentas. Aliás, negar a liberdade de escolha já é um procedimento violento. O outro não deve ser respeitado porque tem uma opinião diferente, mas porque é diferente. Quem acolhe o Outro, com certeza sabe acolher também os outros e as outras.

Existem muitas propostas sobre como lidar com o diferente e dar início ao diálogo inter-religioso com respeito e alteridade. Pode-se sugerir o fim dos "fundamentalismos" literais dos textos Sagrados, fazendo uso de métodos exegéticos/hermenêuticos para estudá-los com olhar histórico-crítico.

A sugestão do presente artigo é a adoção de uma postura de não-indiferença com relação ao Outro e aos outros. Segundo Küng, há posturas a serem adotadas diante de outras religiões. Enumeradas a seguir, essas posturas objetivam ajudar o educador a orientar seus alunos em como lidar com o diferente.

Comunicar-se com outras religiões não quer dizer abandonar crenças e fé adotando posturas relativistas ou pluralistas, e sim assumir a postura que Küng chama de "firmeza de posição com disposição ao diálogo" (1993, p.135), a partir daí o respeito deve prevalecer. Nunca tratar outras religiões como falsas. Em todas as religiões encontram-se respostas diferentes para a Realidade divina, e cada uma oferece um caminho para a salvação. É como num rio onde existem muitos barcos para levar ao outro lado da margem. O destino é o mesmo, mas os veículos para transpô-lo são diferentes.

Küng destaca uma "posição ecumênica" para o diálogo inter-religioso da seguinte forma:

*Não um indiferentismo, para o qual tudo é indiferente, mas mais indiferença em relação a qualquer pretensa ortodoxia que se coloca como medida para a salvação ou a perdição das pessoas e busca impor sua verdade através de poder e meios de coerção.

*Não um relativismo, para o qual não existe um absoluto, mas sim, mais sensibilidade para a relatividade em relação a todos os absolutismos humanos, os quais bloqueiam uma coexistência produtiva das diferentes religiões. Necessitamos também mais sentido para a relacionalidade, que permite entrever qualquer religião em sua tessitura de relações.

*Não um sincretismo, no qual tudo, o possível e o impossível, é misturado e fundido, mas mais vontade para a síntese, para a paulatina junção face a todas as contradições e antagonismos confessionais e religiosos, que dia a dia, custam mais lágrimas. Assim talvez haja mais paz do que guerra entre as religiões (1993, p.135).

Manter um diálogo sadio com as ciências; não separar uma religião de sua cultura, história e do fiel seguidor; apresentar o que é essencial a uma religião específica; no diálogo, descobrir no outro não um "não-eu", mas um ser que fala e age em nome próprio, e ao qual o "eu" não pode ser indiferente. O outro (o diferente) é um outro sujeito e não objeto. Apropriar-se de um modelo de relacionamento baseado na alteridade, que é o paradigma de Lévinas: o outro como outro.

"Outrem como outrem, como próximo, não é jamais igual em sua presença à sua proximidade. (...). A proximidade é uma diferença (...). Esta diferença na proximidade entre o um e o outro, entre o eu e o próximo transforma-se em não-indiferença precisamente em minha responsabilidade. Não-indiferença, humanidade, uma-para-o-outro (...). Não-indiferença (...) até a substituição (...)".[6]

A tolerância é só um primeiro momento para a atitude respeitosa que ainda deve conduzir a alteridade (reconhecimento do totalmente outro). O ser humano é ontologicamente propenso a desenvolver sua dimensão religiosa, o que geralmente acontece quando se está inserido numa sociedade – ou comunidade – em que a religião está presente e é parte integradora do desenvolvimento humano.

A proposta para a educação adequada do Ensino Religioso nesse artigo permeia em torno da pedagogia da alteridade. A alteridade tem sua expressão maior no filósofo Emmanuel Lévinas (1906-1995). Uma proposta que repensa as relações humanas a partir do reconhecimento do outro como "ser" e não como "objeto de dominação", como um "totalmente outro". Essa postura levinasiana parte em contraponto à egologia (ego) que menospreza a alteridade.

Lévinas desenvolveu uma concepção que não visa mais fundamentar a ética precisamente porque, a seu ver, a própria ética é o fundamento da experiência humana. Esse preceito ético provém do primado absoluto do outro; ele alcança da face do indigente, do pobre, do estrangeiro, da viúva, símbolos viventes da alteridade. A partir dessa orientação, o autor redescobre o rosto de todos os indivíduos que não vêem reconhecida a sua dignidade em um tipo de sociabilidade voltada apenas ao funcional e ao útil (COSTA, p.2).

A concepção de rosto na filosofia levinasiana assinala a maneira pela qual o Outro se apresenta, ultrapassando a idéia do outro em mim. Alteridade é a defesa do "outro" em sua infinita transcendência, por alteridade entende-se o outro absolutamente outro. Ser sujeito religioso é saber olhar o outro como outro ser individual e diferente, e reconhecer nele sua humanidade.

Uma das iniciativas que merecem destaque sobre como tratar o tema é o diálogo inter-religioso. Não só elaborado pelas palavras, mas também pelas ações. É importante mencionar fatos positivos e ações humanitárias em nome da religião. São muitas as pessoas que fazem peregrinações para levar ajuda humanitária àqueles que, ironicamente, são vítimas dos conflitos religiosos.

Para o docente de Ensino Religioso tendo como uma das metas de seu trabalho a intenção de propor o conhecimento e orientar o respeito entre as religiões, é realmente importante tratar dos assuntos sobre fundamentalismo e causas da guerra justa ou santa. Deve-se ressaltar o mal que se causa quando o fundamentalismo é posto acima do ser humano. Contudo, não pode esquecer que mais do que abordar dados sobre a violência, precisa destacar informações sobre o progresso, mesmo que lento, do respeito ecumênico e inter-religioso. Fazer menção de conflitos que foram solucionados a partir de questões religiosas, dados estes históricos, como os casos de França e Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial e, também, acordos entre os países do Pacto de Varsóvia e a República Federal da Alemanha em fins da década de 50 (KÜNG, 1993, p.107).

Há ainda um subsídio chamado: "Diversidade Religiosa e Direitos Humanos" publicado pelo Círculo de Cooperação Inter-religiosa e Educação no Respeito à Diversidade Religiosa de Curitiba em parceria com a Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, com a aprovação da Presidência da República e Secretaria Especial dos Direitos Humanos, contando com o apoio de centros e comissões ecumênicas e inter-religiosas, cujo objetivo é auxiliar os professores de Ensino Religioso da rede pública e particular do Estado do Paraná.

Sempre existe uma escolha: "Incentivar o diálogo entre movimentos religiosos sob o prisma da construção de uma sociedade pluralista com base no conhecimento e no respeito às diferenças de crença e culto." (Prog. Nacion. dos Direitos Humanos, proposta 113, in: JUNIOR, 2005). Nessa revista, estão em maior destaque as informações sobre o amor, respeito e tolerância com o "diferente". Na maioria das vezes, vale mais lembrar dessas situações que apontam para a dignidade do ser humano, ao invés de enfatizar e indiretamente incentivar o "lado obscuro" e monstruoso que pode se revelar no coração humano.

Conclusão

Após abordar diversos paradigmas, certas premissas expressam o desfecho do presente artigo pretendendo, assim, contribuir para uma melhor compreensão ampliando debates sobre o tema exposto.

Ao observar a afirmativa do jornalista James Haught, de que a fé religiosa mantém a hostilidade entre as sociedades determinando a separação entre as pessoas, destacando na seqüência que "o que quer que separe as pessoas gera conflito" (2003, p.16), demonstra-se, a partir das inúmeras citações aqui presentes, que essa premissa é equivocada, pois o diferente é belo e se apresenta para ser contemplado na dignidade de sua existência. É impossível ser indiferente diante da beleza que é a existência do próximo. Visto que não é só a religião que estabelece diferenças e determina separação entre as pessoas, mas igualmente posições políticas, ideologias sociais e filosóficas, pluralismo racial e cultural, são apenas algumas das diferenças existentes na humanidade, e é isso que torna o humano um ser a desvendar-se em sua natureza, e suscita a não-indiferença ao se deparar com o diferente, fazendo-se necessário admirá-lo. Em síntese esse é o princípio da alteridade de Lévinas: o reconhecimento do outro em toda a sua diferença, e reconhecer que não é apenas ter ciência e aceitar sua existência, e sim respeitar e aceitar sua dignidade e direito de ser, dando-lhe o devido valor.

Hans Küng segue a operação intelectual discursiva de Lévinas, na qual afirma a necessidade de um diálogo entre as religiões para haver paz mundial. Não significa afirmar que as religiões sejam a causa a priori das guerras e conflitos, mas que se houver um discurso humilde de respeito, aceitação e atopetado de alteridade entre os líderes religiosos voltados aos fiéis, será muito mais difícil aos líderes políticos induzir a grande massa de fiéis a aderir aos conflitos armados e atos de terrorismo por motivos políticos e que estão longe de terem cunho religioso. Na prática, Küng alerta que precisamos de:

-uma teologia e de uma literatura teológica, que promovam espiritual e intelectualmente o diálogo inter-religioso no interesse da paz;

-um ensino religioso, professores/as da religião e livros religiosos que estejam a serviço da transmissão de conhecimento inter-religioso e que percebam esse trabalho de esclarecimento como uma prática de educação para a paz. (1993, p.183).

Que a coexistência construtiva das religiões contribua para que, a cooperação promotora da paz seja uma realidade possível de ser alcançada, um objetivo fecundo no seio da sociedade, e não mais mera utopia de alguns.

Ao lembrar os discursos de Bush e Bin Laden, a posição de Leonardo Boff alerta dos perigos que a sociedade ainda está correndo:

Em nome de que Deus ambos falam? Não é seguramente em nome do Deus da vida, de Alá o Grande e Misericordioso, nem em nome do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, da paixão pelos pobres, da ternura dos humildes e da opção pelos oprimidos. Falam em nome de ídolos que produzem mortes e vivem de sangue.

É próprio do fundamentalismo responder terror com terror, pois se trata de conferir vitória à única verdade e ao bem e destruir a falsa "verdade" e o mal. Foi o que ambos, Bush e Bin Laden, fizeram. Enquanto predominarem tais fundamentalismos, seremos condenados à intolerância, à violência, à guerra e, no termo, à ameaça de dizimação da própria biosfera. (2002, p.43).

Por fim essa premissa é a síntese da defesa que aqui se faz da religião. Não se aceita a acusação de que a religião seja a causa dos conflitos, das guerras, do terrorismo. Aquilo que determina a existência desses acontecimentos é propriamente um fundamentalismo além do religioso, algo sombrio e inumano que insiste em permanecer no coração de certos líderes políticos e mesmo religiosos. É sim, culpa do fanatismo, das tendências e correntes individuais, daqueles extremamente tradicionalistas e do conservadorismo extremamente antiliberal. Marcas patológicas de insanidades maldosas. Esse é infelizmente o lado obscuro das religiões: o desenvolvimento das vertentes fundamentalistas – que todas as religiões possuem – que desembocam no terrorismo ou na violência generalizada levando a religião a ser usada como pretexto para causar danos irreparáveis na sociedade.

Apreciar, portanto, o Ensino Religioso como espaço para discutir esses assuntos e educar para além da tolerância (como primeiro passo), a partir da contribuição de Lévinas, promovendo a pedagogia da alteridade; dedicar-se ao estudo da diversidade religiosa e destacar o que já houve de conflitos solucionados por motivação religiosa é o caminho seguro para o convencimento de que o mal tem ação destruidora e temporária, porém o bem dura para sempre. O que deve ser valorizado e posto acima dos interesses de poderosos é o lado positivo das religiões: a expressão e a manifestação do Sagrado.


Referências Bibliográficas

BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: A globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1997.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo, Edições Loyola, 2000.

COSTA, E. F. A Ética da alteridade como fundamento do humanismo latino.(CPGD/UFSC/CAPES). Disponível em: <www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/primeirogepal/ pdfs_tc/eltonfogaca.pdf>. Acesso em: 01 Nov 2007. Artigo científico.

CHOMSKY, Noam. A nova guerra contra o terror. Estud. av.,  São Paulo, v.16, n.44, 2002.  Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-4014200200 0100002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 03  Jul  2007.  Pré-publicação.

DE BONI, Luís Alberto (org.), et all. Fundamentalismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.

FARIAS, José J. F. de, et all. Religião e Violência. São Paulo: Paulus, 2000.

HAUGHT, James A. Perseguições Religiosas: Uma história do fanatismo e dos crimes religiosos. Trad. TORII, Bete. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

JUNIOR, José Rezende, (org). Diversidade Religiosa e Direitos Humanos. Paraná: Gráfica da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, 2005.

KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas, SP: Verus Editora, 2004.

______. Projeto de ética mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. São Paulo: Paulinas, 1993.

OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Bernardo do Campo: Metodista, 1985.

ZILLES, Urbano. Filosofia da religião. São Paulo: Paulinas, 1991. 195 p.



[1]Fundamentalismo: que se atém ao que é fundamental – "fundamento"; é o nome dado a movimentos, cujos adeptos mantém estrita aderência aos princípios fundamentais. Esse termo será mais bem apresentado no segundo momento (a partir da p.6).

[2] "Numinoso" e "Totalmente Outro" são expressões que Rudolf Otto utiliza na identificação do Sagrado em seu livro O Sagrado, São Bernardo do Campo: Metodista, 1985.

[3] Cf. Israel Idalovichi: Der jüdische Fundamentalismus in Israel. In: Thomas Meyer (ed.) Fundamentalismus in der modernen Welt. Frankfurt, 1989. In. DE BONI, 1995.

[4] Dados eletrônicos do Almanaque Abril, 2001

[5] O texto original traz a expressão "lado negro", optou-se aqui por usar o termo obscuro.

[6] LÉVINAS, Emmanuel. Autrement qu'être ou au-delà de l'essence. La Haye: Martinus Nijhoff, 1974. [1974.] página 211-212