RESUMO

O artigo discorre sobre a confusão entre fundamentalismo e fanatismo que os torna sinônimos impróprios pondo sob suspeita a orientação teológica fundamentalista como fomentadora de violência e intolerância. Trata-se do perigo conceitual dessa confusão na criação de um preconceito para com as igrejas fundamentalistas numa ameaça de generalização do conceito a outras igrejas cuja orientação teológica é de cunho ortodoxo ou mesmo liberal.

Palavras-chave: fundamentalismo, fanatismo, religião

Desde o incidente com as torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 ocorre uma confusão de termos na divulgação de notícias referentes ao fundamentalismo. Via de regra, por analogia ao fundamentalismo islâmico, entende-se que fundamentalismo e fanatismo são sinônimos. Tal confusão observa-se até em trabalhos acadêmicos, ou na mídia de massa, onde o fundamentalismo é atacado como uma posição religiosa indesejável por provocar a violência.


Em 28 de fevereiro de 2011 o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ratificou essa opinião quanto ao fundamentalismo como intolerância conforme artigo publicado pelo Estado de São Paulo:

  • “Diferentemente de muitos outros países, aqui todos podem ser e não ser ao mesmo tempo, podem professar vários credos religiosos”, disse o ex-presidente durante palestra sobre “O Brasil no panorama internacional”, proferida na sede do Tribunal Regional Federal, nesta segunda-feira, 28. “O mundo de hoje, de tanto fundamentalismo, precisa de conciliação”, disse Fernando Henrique Cardoso. (…) Em resumo, em vez de usar a força para dominar os outros, ou comprá-los, a ideia é levá-los a aderir a uma política de tolerância, necessária para a paz mundial e o futuro do planeta. Como o Brasil é um País que goza de credibilidade internacional nessa área, ele poderá ter condições de influenciar outras Nações, disse o ex-presidente. (DOMINGOS, 2011)


A Revista Istoé, em 2003 - conforme monografia que defende o islamismo fundamentalista - publicou matéria também significativa onde dizia:

  • “Morto num atentado brutal em Bagdá, o brasileiro Sergio Vieira de Mello, uma das principais estrelas da ONU, é vítima da luta entre o fundamentalismo do terror árabe e o sectarismo do governo americano” (Freitas Jr., IstoÉ, 27 de agosto de 2003, p. 75 Apud MOREIRA:6).


O site feminismo.org.br, em 16 de agosto de 2012, seguindo essa tendência, divulgou a matéria de combate ao fundamentalismo religioso levantando a assinatura de um manifesto contra tal corrente teológica. Nas palavras do manifesto citado:

  • “A concepção preconceituosa e machista manifestada no caso Noêmia demonstra forte presença do ideário de algumas tradições religiosas que se colocam ainda nos dias atuais como detentoras dos "meios de salvação" das mulheres, revigorando a dominação patriarcal;”

Estas afirmações institucionais e midiáticas ilustram uma possivel ideia preconceituosa de fundamentalismo atualmente vigente, seria nesse discurso, o fundamentalismo um sinônimo de intolerância ou fanatismo.

Pode-se argumentar que grupos religiosos fundamentalistas são em sua grande maioria, pacíficos e até mesmo tolerantes, pois mesmo sendo firmes em seus propósitos toleram as diferenças desde que exista uma reciprocidade na tolerância. Explicando melhor, tolerância não é exclusão do confronto de ideias ao contrário, é até mantê-lo com respeito e civilidade. Exemplos de igrejas fundamentalistas e pacíficas são os Batistas Regulares e a Assembleia de Deus, sendo portanto, a vinculação da violência e intolerância ao fundamentalismo algo questionável em primeira instância, mas discorreremos para bem do entendimento sobre a diferença entre fundamentalismo e fanatismo.

O fundamentalismo religioso encontra suas origens numa busca identitária do sujeito religioso, que no mundo moderno - onde o individualismo e o relativismo são um resultado da produção epistemológica e produtiva - perde a segurança de uma certeza transcendente socialmente compartilhada. Esse esvaziamento do sentido da religião do ponto de vista social bem como a busca de uma pertença comunitária e espiritual, é resolvido, pelos fundamentalistas através da observação estrita dos princípios religiosos, notadamente no cristianismo pela interpretação literal da Bíblia Sagrada.

Segundo o dicionário Houaiss fanatismo é “partidarismo extremado” ao passo que o fundamentalismo é entendido como a tentativa de renovar o sentido religioso em seu caráter primário e mais literal. Apesar de vários movimentos extremistas usarem o messianismo político com aparência de fundamentalismo, alguns exemplos provam que o caráter politico prevalece em sua atuação, ou seja, ocorre um fanatismo político onde o fundamentalismo político é apenas pano de fundo.

Podemos analisar o exemplo de Jim Jones, tido como fundamentalismo, como na verdade fanático, pois Jim Jones, com inspiração e apoio marxista pretendia um paraíso comunista cristão na terra. No fracasso de sua intenção política, Jones levou cerca de 900 membros do Templo dos Povos a suicidarem ingerindo veneno (Fantástico, 1978; Terra)

Esse messianismo político mostrou-se também no serial killer Charles Mason, o qual na década de 60, seus seguidores reconheciam como “encarnação de Cristo” incentivando-os a assassinatos por um fanatismo em nome de um mundo melhor para os rejeitados. Obviamente, tal apreciação não é coerente com o fundamentalismo, pois Mason preso até hoje, atua pela internet com uma fundação ecologista chamada ATWA que prega ser a humanidade um câncer na terra (Youtube).

Quanto ao messianismo político – é importante observar seu cunho político partidário - não é uma novidade da modernidade, ao contrário, já encontramos sinais de messianismo político em épocas pré-cristãs, especialmente no período inter testamentário onde vários candidatos a messias produziam insurreições contra o domínio romano. Provavelmente por referencia a esses políticos messiânicos tanto os fariseus quanto muitos do povo esperavam encontrar em Jesus um messias político e não o Salvador de nossas almas (HILL:19)

Pode-se considerar também que a igreja de Cristo, fundamentalista ou não, é apartidária, mesmo que não seja apolítica (Gálatas 5.19-20; Romanos 11.25). Politica é a “ética da pólis”, ou da cidade, portanto ao viver em sociedade nos tornamos políticos na busca de uma ética para viver em comunidade. Quanto ao fanatismo ou partidarismo exacerbado não é condizente com a doutrina bíblica, visto que há várias orientações escriturísticas para se evitar o partidarismo no corpo de Cristo (LIETH; MOREIRA).

Depreende-se dessas considerações que fundamentalismo e fanatismo têm significado semântico diverso e que a unificação de tal significado é decorrente de situação política provocada por grupos politico partidários de fanatismo messiânico que é anterior ao próprio Cristianismo o qual se opõe a qualquer fanatismo.

Portanto, mostra-se necessário restaurar-se o conceito de fanatismo separando-o do conceito de fundamentalismo para evitar a rotulação preconceituosa de um grupo religioso pela sua orientação teológica. Pois tal preconceito ameaça não só aqueles de formação fundamentalista como também a todos os cristãos que possam assim ser rotulados, mesmo que arbitrariamente.
Tal possibilidade de conotar o fundamentalismo como atitude teológica socialmente nociva deve ser evitado, senão combatido no ensino religioso, para que se possa promover uma cultura de paz onde se evite maniqueísmos conceituais, pós-modernos e genéricos, que fortaleçam “teoricamente” pontos de vista e atitudes contrárias a própria tolerância, mesmo que se manifestem como combate à intolerância religiosa e política.

BIBLIOGRAFIA:
BÍBLIA SAGRADA. Gálatas 5.19-20; Romanos 11.25. Almeida Revista e Atualizada. Barueri, São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
DOMINGOS, João. 'Diante de tanto fundamentalismo, o mundo precisa de conciliação', diz FHC. O Estado de São Paulo, 28 de fevereiro de 2011. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,diante-de-tanto-fundamentalismo-o-mundo-precisa-de-conciliacao-diz-fhc,685790,0.htm acesso em 13/09/2012
MOREIRA, José Deodoro. Mídia, fundamentalismo e terror: A lógica da barbárie. Unisinos. UNIrevista – vol 1, número 3, jul. 2006. Disponível em www.unirevista.unisinos.br%2F_pdf%2FUNIrev_Moreira.pdf Acesso em 13/09/2012
REBOUÇAS, Leila. MANIFESTO DOS MOVIMENTOS DE MULHERES PELO FIM DO FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO, DA VIOLENCIA CONTRA AS MULHERES, DO RACISMO, DA HOMOFOBIA e LESBOFOBIA. Disponível em http://www.feminismo.org.br/livre/index.php?option=com_content&view=article&id=99994083:manifesto-dos-movimentos-de-mulheres-pelo-fim-do-fundamentalismo-religioso-da-violencia-contra-as-mulheres-do-racismo-da-homofobia-e-lesbofobia&catid=82:us-politics&Itemid=599 acesso em 13/09/2012
TERRA. EUA lembram 25 anos do massacre de Jonestown. Disponivel em <http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI214947-EI2418,00-EUA+lembram+anos+do+massacre+de+Jonestown.html> acesso em 13/09/2012
Globo. Fantástico, 28/11/1978. O suicídio em massa dos membros da seita de Jim Jones. Disponível em <http://globotv.globo.com/rede-globo/fantastico/v/o-suicidio-em-massa-dos-membros-da-seita-de-jim-jones/849591/> acesso em: 10/09/2012
YOUTUBE. ATWA Brasil | A Mente de Charles Manson (Parte 1) Disponível em <http://youtu.be/jrEXhx3954w> Acesso em 10/09/2012
HILL, Jonathan. História do Cristianismo. São Paulo, Edições Rosari, 2008.
LIETH, Norbert & Thomas. O que é realmente fundamentalismo. Disponível em <http://www.chamada.com.br/mensagens/fundamentalismo.html> acesso em 13/09/2012.
PEREIRA, Henrique. MARTINS, Hildeberto. Psicologia. AVM, Rio de Janeiro: 2011.