FUNÇÃO SOCIAL: As limitações ao direito de propriedade[1]

 

Marcelo Frazão Costa e Milena Catarina Sousa Lima[2]

Viviane Gomes de Brito[3]

Sumário: Introdução; 1 Função Social da Propriedade frente à Constituição Federal de 1988; 2 Breve explanação sobre o direito de propriedade; 3 Interferências da função social no direito de propriedade; Considerações Finais; Referências. 

RESUMO

O presente artigo traz como escopo principal apresentar as limitações ocasionadas ao direito de propriedade pela sua função constitucional, de modo a analisar a função social enquanto limitadora dos “arbítrios” que podem surgir do direito inerente da propriedade, bem como, demonstrar sua aplicação e instrumentalidade. Em outras palavras, busca a analise dos tipos de propriedade a que se aplica a função social e se tal aplicação decorre do próprio direito de propriedade ou representa uma forma de restrição de direitos.

Palavras-Chave: Função social. Direito de Propriedade. Constituição de 1988 e função social da propriedade.

  

INTRODUÇÃO                                                                 

De acordo com José Fernando Simão apud Fávio Tartuce (2011, p. 791), “a propriedade é o direito que alguém possui em relação a um bem determinado”. Além do mais é um direito fundamental protegido no artigo 5°, XXII da Constituição Federal, porém, como qualquer outra garantia não é absoluto e, por esse motivo, deve atender sempre a uma função social. O direito de propriedade também encontra previsão no artigo 1.228 do Código Civil, segundo o qual o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, bem como reavê-la do poder de quem injustamente a possua ou detenha.

Dentre as principais características do direito de propriedade tem-se que se trata, em regra, de um direito absoluto; exclusivo; perpétuo, elástico, complexo e fundamental. No que se refere ao absolutismo do direito deve ser esclarecido que o proprietário pode desfrutar da coisa da forma que bem entender, contudo, algumas limitações devem ser observadas, pois há que se atentar para o interesse coletivo. As limitações impostas em prol do interesse coletivo dizem respeito à função social e socioambiental da propriedade, as quais por representarem, de igual forma, direito protegido pela Constituição Federal relativizam o direito à propriedade que, em regra, é absoluto.

Desse modo, brevemente explanada a relação existente entre função social da propriedade e o direito de propriedade será demonstrado e analisado a interferência daquela no referido direito, objetivando para tanto, expor se a limitação ocasionada pela função da propriedade representa uma limitação com o fim de proporcionar realmente o bem coletivo ou, ao contrário, é mera restrição de direitos.

1 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A propriedade sempre foi uma preocupação do homem, pois é inerente a este a constante busca para tornar algo seu, para se apropriar de algo, torna-se proprietário de algum bem. Nota-se que a regulamentação da propriedade não é recente, pois, como foi dito, a busca pela propriedade é da natureza do homem e, dessa forma, as sociedades antigas que já desenvolviam o direito regulamentavam o instituto da propriedade.

O direito romano, a princípio, tratava o direito sobre a propriedade como absoluto, podendo o titular usar, dispor e gozar do bem sem qualquer restrição ou limitação. Somente com o surgimento da Lei das Doze Tábuas, e a previsão trazida por esta quanto à proteção da propriedade contra atos atentatórios a esta, que se foi desenvolvendo as concepções sobre o instituto em estudo, alterando a antiga visão de um direito absoluto para algo que deve ser usufruído conforme razões de Direito. As limitações ao direito à propriedade advinda da nova visão sobre este, as quais se deram nos planos do direito à vizinhança, servidões e, mais enfaticamente, sobre o poder que detinham os senhores sobre os escravos, vistos como propriedade na época, constituem o berço do que viria a ser função social da propriedade (BARRETO, 2005).

O direito à propriedade continuou a evoluir juntamente com sua função social, que foi ficando cada vez mais nítida na Idade Média e, principalmente, após a revolução francesa com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o que foi tornando de propriedade menos individualista e mais focado ao bem-estar social.

Apesar de sua evolução através da história, a propriedade mantém seu cunho individualista, sofrendo apenas algumas limitações que visam a melhor aplicação de sua função social.

No Brasil, entretanto, a instituição da função social da propriedade se deu de forma mais lenta, tendo início na Constituição de 1824, a qual assegurava o direito de propriedade em toda sua plenitude, salvo para os casos de desapropriação por necessidade ou utilidade social. Posteriormente, com a Constituição de 1934, a função social estreia expressamente no texto constitucional como limitadora à atividade do proprietário, alegando que este não poderia exercer seu direito de forma que contrarie o interesse social ou coletivo (JELINEK, 2006).

A Carta Magna seguinte, de 1937, dispôs sobre a propriedade, em seu art. 122, da seguinte forma:

Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

14) o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício;

Dessa forma, fica garantindo o direito à propriedade, delegando à lei ordinária a missão de definir o seu conteúdo e seus limites. No que tange ao intervencionismo estatal, afirma Rochelle Jelinek (2006) que “só o admitia excepcionalmente, isto é, para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores de produção, no interesse da nação”.

Com a constituição de 1946, o uso da propriedade passa a estar condicionado ao bem-estar social, bem como ao promove a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos, inovando, assim, no sentido de reconhecer o princípio da função social da propriedade. Na mesma carta, foi introduzida a desapropriação por interesse social, inspirada no conceito de propriedade como função social (JELINEK, 2006). Portanto, tais mudanças fora positivadas nos arts. 141, §16, e 147, dada a seguinte redação:

Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 

(...)

§ 16 - É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior. 

Art 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.

A Constituição seguinte manteve o mesmo pensamento, reproduzindo quase literalmente o que dispõe o texto constitucional de 1946 no que se refere à garantia do direito a propriedade. Inovou, entretanto, a carta de 1967, ao apresentar o termo “função social da propriedade” de forma expressa no seu art. 160, III, com os seguintes dizeres:

Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:

I - liberdade de iniciativa;

II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana;

III - função social da propriedade;

IV - harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção;

V - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros; e

VI - expansão das oportunidades de emprêgo produtivo.

Por fim, feita uma breve contextualização histórica, apresentando os precedentes, bem como o desenvolvimento da função social no direito brasileiro, cabe análise desta a luz da Constituição de 1988 que, por sua vez, foi responsável positivação da união indissociável entre a propriedade e a sua função social.

Primeiramente, o art 5º, XXII, da Carta de 88, introduz o direito a propriedade como direito fundamental, enquanto o inciso XXIII do mesmo artigo positiva o vínculo entre propriedade e sua função social.

Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII – é garantido o direito de propriedade;

XXIII – a propriedade atenderá à sua função social;

Adiante, diversos dispositivos exploram a função social da propriedade a fim de especificar sua aplicação em diversas situações. Primeiramente, na redação do art. 156, § 1º, da Constituição Federal, os Municípios ficam incumbidos de instituir impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana, o que, visando o cumprimento da função social da propriedade, poderá se dar de forma progressiva.

De modo geral, o art. 170, III, ao abordar a ordem econômica, garante o princípio da função social da propriedade para que se possa assegurar uma existência digna.

Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização

do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a

todos a existência digna, conforme os ditames da justiça

social, observados os seguintes princípios:

II – a propriedade privada;

III – função social da propriedade;

VI – a defesa do meio ambiente;

No que tange à política de desenvolvimento urbano, esta, segundo relata o art. 182, CF, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Ainda, o referido artigo, em seu parágrafo segundo, explica que a propriedade urbana cumpre a sua função social quando ás exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Quanto ao uso inadequado da propriedade urbana, conforme dita o §4º, é facultado ao Poder Público exigir que o proprietário promova o aproveitamento adequado do solo urbano, podendo, inclusive, impor tal aproveitamento com a desapropriação da terra não aproveitada, ou impor imposto progressivo, ou parcelamento compulsório, no sentido de evitar que o proprietário não dê função à sua terra (MAFRA, 2005).

Os arts. 184 e 185 apresentam a desapropriação da propriedade rural, a qual será feita de forma semelhante à desapropriação da propriedade urbana acima mencionada, desapropriando, por interesse social, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.

No que se refere ao cumprimento da função social da propriedade rural, citada como necessária para evitar a desapropriação que se refere o art. 184 da Carta Magna, o seu art. 186 aponta os critérios exigidos, conforme sua reprodução a seguir:

Art. 186 – A função social é cumprida quando a

propriedade rural atende, simultaneamente, segundo

critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos

seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis

e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações

de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos

proprietários e dos trabalhadores.

Logo, tendo em vista a forma que a Constituição atual aborda o tema, em contraste com sua evolução no direito nacional, se faz notório como o direito à propriedade está relacionado com o interesse coletivo, cabendo ao Estado assegurar exercício de uma função social voltada ao interesse coletivo.

Tal postura demonstra o rompimento com o caráter individualista da propriedade, visto que o direito subjetivo do proprietário privado foi submetido ao interesse comum, imputando-lhe o dever de prover uma função social a sua terra, sob o risco de, não provendo a mencionada função, receber certos ônus, ou penas, impostas pelo Estado em prol do uso adequado da propriedade.

Portanto, conforme o contexto histórico apresentado sobre a evolução do princípio da função social da propriedade, Antônio Hermann Benjamin (1997, p. 14 apud JELINEK, 2006) elucida:

Num primeiro momento, ainda sob forte influência da concepção individualista ultrapassada, defendeu-se que a função social da propriedade operava somente através de imposições negativas (não fazer). Posteriormente, percebeu-se que o instituto atua principalmente pela via de prestações positivas a cargo do proprietário. A função social mais que aceita, requer a promulgação de regras impositivas, que estabeleçam para o proprietário obrigações de agir, na forma de comportamentos ativos na direção do proveito social.

 

2 BREVE EXPLANAÇÃO SOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE

 O direito de propriedade é a mais concreta expressão da natureza humana, decorre da própria lei natural. Isto porque é uma exigência da natureza intelectual do homem, que ao contrário dos irracionais não se contentam somente com a satisfação de suas necessidades imediatas. A propriedade é o fruto do seu trabalho ou até mesmo de seus antepassados e, sem sombra de dúvidas é ela que estimula o trabalho, vez o indivíduo se sente atraído pela perspectiva da recompensa de seus esforços (LIMA, 2012).

Para Silvio de Salvo Venosa (2007, p. 141) “a propriedade [...] espelha inelutavelmente um direito. Cada povo e cada momento histórico têm compreensão e extensão próprias do conceito de propriedade”. Diz ainda que ao contrário da posse, não pode ser percebida com a mesma facilidade intuitiva. 

O direito de propriedade é o direito mais amplo da pessoa em relação à coisa, pois fica a esta submetida à senhoria do proprietário (VENOSA, 2007, p. 152). O Código Civil em seu artigo 1228 dispõe que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

A propriedade, segundo expõe Flávio Tartuce (2011, p. 795) é um direito real por excelência, isto porque apresenta características de direitos reais: direto absoluto, exclusivo, perpétuo, elástico, complexo e fundamental. Pela ultima característica, ou seja, direito fundamental, o direito de propriedade é assegurado pelo Texto Maior, o que lhe garante uma maior credibilidade, por assim dizer, contudo, o seu absolutismo passa a ser relativizado quando este direito é ponderado frente a outros de igual fundamentalidade (dignidade da pessoa humana, por exemplo).

Em outras palavras, por estar o direito de propriedade sujeito a ser ponderado em casos concretos, deve ser aplicado nas relações entre particulares com a correspondente função social (TARTUCE, 2011, p. 796). Logo, o direito de propriedade é absoluto desde que esteja dentro do âmbito resguardado pelo ordenamento, ou seja, será tido como absoluto uma vez que seja observada todas as relativizações impostas.

O Código Civil em seu artigo 1.228, § 1° preceitua o seguinte:

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Como se pode notar, o referido dispositivo legal visa coibir o uso abusivo da propriedade bem como procura inseri-la no contexto de utilização para o bem comum. Em outras palavras, não é suficiente que a propriedade seja utilizada de forma não abusiva, mas também que sua utilização satisfaça o interesse coletivo.

O Estado poderá intervir na propriedade privada, pois como já foi esclarecido, não se trata de direito relativizado. Quanto a forma de intervenção, se a propriedade está cumprindo sua função social a intervenção só poderá ter como base a supremacia do interesse coletivo sobre o particular, ou seja, só poderá ser o direito a propriedade restringido se a restrição for em prol de necessidade pública ou por interesse social, casos em que deverá haver prévia e justa indenização em dinheiro, conforme se observar da dicção dos artigos 5°, XXIV e 182, § 3° da Constituição Federal.

De forma contrária, se não há o cumprimento da função social a intervenção estatal irá funcionar como uma forma de penalizar o individuo que deixou de cumprir. Nesses casos a “punição” será a perda da propriedade, independente de necessidade pública. Além do mais a indenização será feita por meio de títulos da dívida pública. Ressalta-se que nesse caso existe uma maior rigidez pelo fato de que decorre do próprio direito de propriedade a necessidade de observação da função social.

Pelo exposto, fica evidentemente esclarecido que trata a propriedade de direito resguardado constitucionalmente, razão pela qual merece bastante atenção. No entanto, assim como qualquer outro direito, não possui caráter absoluto, e possui, mas desde que cumpridas todas as disposições esboçadas pela lei. Em síntese, trata-se de um direito que impõe deveres, pois ao mesmo tempo em que assegura uma série de faculdades ao proprietário impõe que este deve atentar para o cumprimento da função social e socioambiental da propriedade.

3 INTERFERÊNCIAS DA FUNÇÃO SOCIAL NO DIREITO DE PROPRIEDADE

O direito à propriedade já foi absoluto, sendo limitado no decorrer da história pelo que hoje é chamado de função social da propriedade. Portanto, a função social aparece como limitadora do direito de propriedade, não no sentido de negar o direito, mas de delimitar a abrangência de seu exercício, chegando a um ponto de equilíbrio entre o uso da propriedade e o bem-estar social (JELINEK, 2006).

Os limites ao exercício do direito à propriedade, conforme proposto anteriormente, surgem quando a função social impõe deveres negativos e positivos sobre a gestão do bem, ou seja, obriga o proprietário a fazer algo que dê fim social, ou o obriga a não fazer algo, tendo em vista o mesmo fim.

A titulo de exemplo, quanto à imposição negativa, não pode o proprietário, no exercício do seu direito de propriedade, causa contaminação do próprio solo. Desse modo, fica claro que o proprietário não pode fazer uso de sua terra sem respeitar determinados limites sociais.

Ainda sobre as limitações apresentadas, ficando divididas em limitações do direito por imposições positivas e negativas, José Diniz de Moraes (1999, p.128-138 apud JELINEK, 2006) apresenta três formas de limitações, as quais incluem as duas já apresentadas, porém com denominações diferentes, bem como introduz uma terceira forma de limitação ao direito de propriedade quando diz:

O princípio da função social da propriedade pode ser resumido em três formas distintas de incidência sobre o direito de propriedade: a) privação de determinadas faculdades; b) obrigação de exercitar determinadas faculdades, e c) complexo de condições para o exercício de faculdades atribuídas.

Quando se fala em privações de determinadas faculdades, de certo se refere às imposições negativas. Portanto, o proprietário tem um dever de não fazer, um limite ao uso de sua propriedade para que esta não contrarie o bem-estar social. Conforme o exemplo apresentado, tais limitações comumente incidem sobre a propriedade rural, no que tange a poluição, visto que a poluição acarretada pelo uso indevido, ou imprudente, da terra, gera consequências que afetam todo o convívio social.

Contudo, tais restrições ao uso da propriedade não incidem como intervenção da administração pública no domínio privado. Nesse sentido, elucida Cristiane Derani (2002, p. 63 apud JELINEK, 2006):

Não se trata de limitar o desfrute na relação de propriedade, mas conformar seus elementos e seus fins dirigindo-a ao atendimento de determinações de políticas públicas de bem-estar coletivo. Esse comportamento decorre do entendimento de que propriedade é uma relação com resultados individuais e sociais simultaneamente. Os meios empregados e os resultados alcançados devem estar condizentes com os objetivos jurídicos.

Logo, a função social não é um instrumento de limitação do gozo da propriedade a ser utilizado pelo Poder Público, se trata de uma forma de compatibilizar todos os direitos inerentes à propriedade com sua utilidade social.

No que se refere à obrigação de exercitar determinadas faculdades, esta trata das prestações positivas que o proprietário deve realizar para que esteja efetivamente adequada à função social. Em se tratando da propriedade urbana, em acordo com o art. 182, §4º, já trabalhado, é dever do proprietário promova o aproveitamento adequado do solo, sob pena de imposto progressivo, parcelamento compulsório ou desapropriação.

Sendo assim, o proprietário não somente deve fazer o devido uso da propriedade sem contrariar sua função social, este também tem o deve de agir, fazer com que a propriedade tenha um fim social.

A terceira e última forma de limitação ao direito de propriedade, apresentada por José Diniz de Moraes, qual seja o complexo de condições para o exercício de faculdades atribuídas. Neste se encontram os pressupostos para a caracterização da função social, ou seja, apresenta como deve ser o uso da propriedade para que esta se encontre nos moldes da função social.

Os pressupostos para o exercício da função social variam a depender do tipo de propriedade. Se tratando de propriedade rural, o art. 186 da Constituição Federal aponta os critérios para o cumprimento da função social, sendo eles o aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

A propriedade urbana atende a função social quando se enquadra nos critérios apresentados pelo art. 182, §2º, esclarecendo que:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Finalmente, fica evidenciada a existência de diversas restrições ao uso da propriedade pela necessidade do cumprimento de sua função social. Contudo, há de se pontuar que tais restrições visam o interesse social e o uso adequado da propriedade, graças à união entre propriedade e função social, não há que se falar em uso arbitrário que ponha em risco o convívio social. Desse modo, a Constituição de 1988 exige o cumprimento da função social da propriedade, a qual se aplica tanto a propriedade urbana como rural, nos moldes trazidos pela própria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Face o exposto, a propriedade é um direito real, sendo absoluto, exclusivo, perpétuo, elástico, complexo e fundamental. Contudo, com a evolução da função social da propriedade ao longo da história, bem como sua mais sólida concretização na Constituição de 1988, o direito à propriedade sofre diversas limitações, não podendo o proprietário fazer um uso arbitrário da terra sem observância dos requisitos a limites trazidos pela Carta Constitucional.

Portanto, a propriedade é um direito limitado, um limite que, no entanto, não visa restringir o gozo da terra pelo proprietário, mas um balanço pacífico entre o uso da terra e o bem-estar social, cabendo ao proprietário o dever de dar à sua propriedade uma função social, atender aos requisitos constitucionais e não fazer um uso que confronte o interesse público.

 

REFERÊNCIAS

ANJOS FILHO, Robério Nunes. A Função Social da Propriedade na Constituição Federal de 1988. Salvador: Juspodivum, 2001. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/agrario/roberio-a_funcao_social.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2012.

BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Função social da propriedade: análise histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 778, 20 ago. 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7164>. Acesso em: 14 nov. 2012.

JELINEK , Rochelle. O Princípio da Função Social da Propriedade e sua repercussão sobre o sistema do Código Civil. Ministério Público Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. Disponível em: <Http://Www.Mp.Rs.Gov.Br/Areas/Urbanistico/Arquivos/Rochelle.Pdf>. Acesso em: 14 nov. 2012.

LIMA, Máriton Silva. Direito de propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 11n. 127831 dez. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9342>. Acesso em: 16 nov. 2012.

MAFRA, Francisco. Introdução à função social da propriedade na Constituição brasileira de 1988. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 21, maio 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id =663>. Acesso em 15 nov. 2012.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais. v. 4. São Paulo: Forense, 2007.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2011.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 



[1] Artigo apresentado à matéria Direitos Reais, na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

[2] Alunos do 5° período de Direito Vespertino na UNDB.

[3] Professora da disciplina.