Tratava-se de uma histeria que não tinha dificuldade alguma em cair em estado de sonambulismo e, advertido desta circunstância, decidi empregar nela o método iniciado por Breuer, da investigação sob hipnose. Era este meu primeiro ensaio de dito método terapêutico; estava ainda longe de dominá-lo e, na realidade, não cheguei a aprofundar-me suficientemente na análise dos sintomas patológicos, nem tampouco o ajustei a um plano suficientemente regular.

Notas das três primeiras semanas de tratamento (anotações diárias):
Conversação perfeitamente coerente e testemunha de cultura e inteligência poucos comuns;
Exclama com voz alterada e cheia de espanto: “Fique quieto! Não me Fale! Não me toque!” – acha-se, provavelmente, sob a impressão de uma terrorífica alucinação periódica e afasta com tais exclamações e intervenção de toda pessoa estranha[1]. Este fenômeno cessa depois tão repentinamente como surgiu, e a paciente continua a interrompida conversação sem nada aludir a ele, nem tampouco desculpar ou esclarecer sua conduta, pelo que é de suspeitar não se ter apercebido da interrupção[2].

CIRCUNSTÂNCIAS PESSOAIS:

Sua mãe mulher enérgica e severa, a havia educado cuidadosamente embora com excessivo rigor. Aos vinte e três anos casou-se com um “rico” industrial, muito inteligente e trabalhador, porém muito mais idoso que ela, o qual morreu repentinamente de um ataque cardíaco, após curta vida matrimonial. Este doloroso acontecimento e as preocupações e desgostos que lhe originara a educação de suas duas filhas (“sempre forma muito doentias”), achando-se acometidas de diversas perturbações nervosas, constituem, segundo a paciente, as causas de seu padecimento.

Desde a morte de seu marido esteve sempre doente, com maior ou menor intensidade.

OBSERVAÇÕES:

Ao procurar-me, aceita sem objeções minha proposta de separar-se de suas filhas, e entrar em um sanatório.

Observo que a doente sofre violento sobressalto toda vez que a porta de seu aposento se abre “inesperadamente”.

Queixa-se de frio e dores, prescrevo “banhos e massagem” duas vezes por dia.
A paciente dormia bem, repunha-se a olhos vistos e passava a maior parte do dia tranqüila e repousada.

Relatou-me histórias terroríficas de animais, achando-se aparentemente em estado normal. De repente: “Fique quieto! Não fale! Não me toque!”

Apanhei o periódico e encontrei a notícia de que um jovem havia sido objeto de maus tratos, mas sem que aí se tratasse de “ratos”. Isto constituía, pois, um delírio do doente, acrescido por ela à leitura.

À tarde, falei com a paciente. Não se lembrava de nada[3] (assombra-se de haver ter dito alguma coisa e acaba rindo alegremente)!

Teve “enxaqueca” muito curta; com duração de 2 (duas) horas.

Pergunto por que se assusta com tanta facilidade e responde-me:

– “SÃO RECORDAÇÕES DE MINHA PRIMEIRA INFÂNCIA”. DE PRIMEIRA ÉPOCA! PRIMEIRAMENTE, DE QUANDO EU TINHA 5 (CINCO) ANOS E MEUS IRMÃOS ASSUSTAVAM-ME JOGANDO-ME BICHOS MORTOS. POR ENTÃO, TIVE O PRIMEIRO ATAQUE – DESVANECIMENTO E CONVULSÕES –; MAS MINHA TIA DISSE-ME QUE DEVIA FAZER TODO O POSSÍVEL PARA DOMINAR TAIS ATAQUES E NÃO VOLTEI A TER MAIS NENHUM. DEPOIS, DE QUANDO AOS 7 (SETE) ANOS, VI MINHA IRMÃ MORTA E DEITADA NO ATAÚDE; DEPOIS, DE QUANDO MEU IRMÃO, TENDO EU OITO ANOS, ME ASSUSTAVA DISFARÇANDO-SE DE FANTASMA COM UM LENÇOL BRANCO E, POR ÚLTIMO, DE QUANDO AOS NOVE ANOS, VI O CADÁVER DE MINHA TIA E, ACHANDO-ME DIANTE DELE, ABRIU-SE-LHE DE REPENTE A BOCA”.

Esta série de motivos “traumáticos” que a paciente me informa em resposta à minha pergunta sobre porque era tão assustadiça, devia achar-se já constituída e organizada em sua memória, pois, em caso contrário, não lhe teria sido possível buscar e reunir em tão curto espaço, quanto o intercalado entre minha pergunta e resposta, as recordações de fatos pertencentes a épocas de sua infância. Ao finalizar cada um de seus relatos experimenta contrações gerais e apresenta uma expressão de espanto. Após o último, abre palavras correspondentes à parte temerosa de seu relato saem afanosa e anelantemente de seus lábios. Por fim, volta a serenar-se-lhe a fisionomia.

Interrogada, confirma que durante sua narração via plasticamente diante de si, com as cores correspondentes, as cenas que ia referindo. Em geral, pensa com grande freqüência em ditas cenas e, durante os últimos dias, as recordou especialmente. Toda vez que pensa nelas, as vê seguir a diante de si com todo o vivo relevo da realidade. Agora compreendo porque me fala com tanta freqüência de cenas em que intervêm animais e cadáveres. Minha terapêutica consiste em desvanecer tais imagens de modo que não possam voltar a surgir ante seus olhos.


Notas:

[1] As palavras da paciente constituíam, com efeito, uma “fórmula protetora”. Ulteriormente, voltei a observar tais fórmulas protetoras numa “melancólica” que tentava dominar por este meio os pensamentos que a atormentavam (maus desejos com respeito ao marido e à mãe, blasfêmias, etc.)

[2] Trata-se de um delírio histérico que alternava com o estado normal de consciência, semelhante a um “tique” que se introduz num movimento sem perturbá-lo, nem fundir-se com ele.

[3] A súbita interpolação de um delírio no estado de vigília era nesta doente um fenômeno freqüente. Costumava lamentar-se de que na conversação dava às vezes respostas desacordes e ininteligíveis para seus interlocutores.

Referências:

Obras completas de Freud.

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