O tema fraude de execução é de grande relevância, já que a ocorrência deste referido instituto, vem crescendo na sociedade, muito provavelmente em razão da própria degradação da moral, dos costumes, dos princípios éticos, que somados as constantes crises econômicas e sociais, fazem com que um maior número de pessoas, para atingir a qualquer custo seus objetivos se envolvam em condutas fraudulentas e contrárias ao Direito.

FRAUDE DE EXECUÇÃO

Primeiramente cabe explicar a nomenclatura que foi e será usada no presente artigo, qual seja, fraude de execução e não fraude à execução.

Isso porque, seguindo entendimento do professor Luiz Otávio Sequeira de Cerqueira, ao se fazer uma verificação no diploma de processo, constata-se que o nome utilizado verdadeiramente é fraude de execução, até porque, fraude à execução é tipo penal, e fraude de execução é instituto de direito processual civil.

Por isso, durante todo este trabalho, falamos e continuaremos falando em fraude de execução.

Feitas estas exposições iniciais, cabe dizer que a fraude de execução consiste num ato de extrema gravidade para o processo, já que acarreta dano aos credores e pior atenta contra a própria Justiça.

Para THEODORO JÚNIOR, além de ser evidente o intuito de lesar o credor, em tal situação a alienação dos bens do devedor vem constituir verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair. A fraude frustra em última análise a própria atuação da Justiça e por isso é repelida mais energicamente. [1]

Para se ter idéia da gravidade da fraude de execução esta, está como dito, tipificada como crime no artigo 179 do Código Penal, "ipsis litteris":

"Fraude à execução. Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa."

Podemos dizer, a partir das literais disposições do inciso V do artigo 592, e artigo 593 ambos do Código de Processo Civil, que a fraude de execução é instituto de direito público inserido no ramo do direito processual civil, que tem por escopo vedar e tornar ineficaz os atos fraudulentos de disposição ou oneração de bens, de ordem patrimonial, praticados pelo devedor que já figura no pólo passivo de uma demanda, visando com isso coibir a satisfação da pretensão deduzida em juízo por parte do credor, configurando verdadeiro ato atentatório a dignidade da Justiça, cuja atividade encontrava-se em franco andamento.[2]

Gelson Amaro de Souza, citado por José Eli Salamacha, é um dos raros doutrinadores que entendem que a fraude de execução é instituto de direito material. Explicando que "a fraude de execução não atinge diretamente o processo como direito público, ela atinge o negócio jurídico, a ponto de torná-lo ineficaz". E continua: "Não há predomínio de interesse público, pois qualquer ato que contrarie interesse público será nulo e não apenas ineficaz". [3]

A SÚMULA 375 DO STJ

Antes, ocorria a presunção absoluta da ciência da demanda, em favor do credor na fraude de execução, já que não havia de ser aberta a discussão sobre a ciência do terceiro adquirente, se efetiva ou presumida, a respeito da ação proposta contra o alienante devedor, porém este entendimento mudou.

Grande parte da doutrina e a jurisprudência, em favor de se obter uma maior segurança nos negócios jurídicos, passaram a entender que para a configuração da fraude de execução não bastam mais somente os requisitos constantes da legislação e da doutrina tradicional, quais sejam a pendência de ação, a alienação do bem e a insolvência do devedor, pois se existe a boa-fé de terceiro adquirente, não estará configurada a fraude.

Assim, no caso da alienação ou oneração de bens, quando sobre estes bens, estiver pendente, ação fundada em direito real (593, I) deverá o autor da ação registrar a citação, e com isso dar publicidade do ato, tornando absoluta a presunção da ciência da demanda pelo adquirente, é a presunção júris et de jure. Não sendo efetuado o registro da citação no registro imobiliário, caberá ao autor (credor) provar que o terceiro tinha ciência da ação, prova esta, na maioria das vezes difícil de ser produzida. Esse entendimento baseia-se no artigo 167, I, 21 da Lei de Registro Públicos. (No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I – o registro, 21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis).

No caso de alienação ou oneração de bens, ao tempo em que contra o devedor alienante corria ação capaz de reduzi-lo a insolvência, se dá da mesma maneira, haverá presunção absoluta quando o adquirente saiba da existência da ação, ou por já constar no cartório imobiliário algum registro dando conta de sua existência, ou porque o credor por outros meios provou que do ajuizamento da ação o adquirente tinha ciência.

Essa preocupação da doutrina e jurisprudência com o terceiro adquirente de boa-fé, atribuindo presunção relativa da fraude em seu favor levou o legislador proceder algumas alterações no CPC sendo que em 1994 acrescentando um 4§ ao artigo 659, falando que a penhora deveria ser levada a registro e em 2002, aduzindo ainda, que o executado deveria providenciar o respectivo registro no ofício imobiliário, para a presunção absoluta de conhecimento de terceiros.

Na mesma linha de atuação o legislador da Lei 11.382/2005 introduziu o artigo 615-A, prevendo que "o executado poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes, para fins de averbação mo registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto" e que formalizada a penhora após a averbação, presume-se em fraude de execução.

MEDINA alertando para a necessidade da averbação somada a penhora fornece o seguinte exemplo: "(...) se, dos dois bens cujo registro for averbada a certidão do ajuizamento da execução, apenas um for penhorado, mesmo que aquele outro tenha sido alienado depois da averbação, não terá havido fraude."[4]

Com o registro da existência da citação na ação fundada em direito real ou da penhora no cartório imobiliário, existirá a presunção absoluta de fraude, será, portanto, inescusável.

Não existindo o registro da citação ou penhora, vem sendo acolhido o entendimento pela doutrina e jurisprudência de que deve ser dada a proteção ao terceiro adquirente de boa-fé.

Tanto é assim que em decorrência de reiteradas decisões neste sentido, tal entendimento foi recentemente sumulado pelo STJ, no final de março deste corrente ano de 2009, através da súmula 375 que diz justamente que "O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente".

Alguns, a exemplo do professor, Fernando da Fonseca Gajardoni, não receberam tal súmula com bons olhos, já que em aula ministrada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no dia 08.10.2009, entendeu que se tornou muito difícil a caracterização da fraude de execução.

Isso porque lembrando o entendimento de outrora e que já até abordamos, apenas com a citação, se o devedor se desfizesse de seu patrimônio, a partir daí, já poderia ser decretada a fraude. Com a edição desta súmula, entende que isso, definitivamente, acabou, já que só teremos o reconhecimento de uma alienação em fraude de execução, depois da penhora do bem e da respectiva averbação.

Se existir penhora e a mesma não estiver averbada, prevalecerá a boa-fé do terceiro adquirente.

Alegou ainda o referido professor que o sistema brasileiro acaba por dar muito ensejo para a ocorrência de fraude e forneceu o seguinte exemplo: se "A" é citado ou intimado hoje de uma execução, e de regra, ainda não teremos nenhuma penhora. Qual será a atitude de "A" em vista desta súmula? Passar a vender os bens, já que segundo ela, não basta que o devedor tenha sido citado ou intimado da demanda em execução, precisará da averbação da penhora. Com isso mesmo que o credor insista na alegação de que o devedor está agindo de má-fé, este por sua vez, irá invocar a tal súmula 375.

Por fim, acabou por nos aconselhar que com base no 615-A, sempre averbemos o registro da citação.

Sobretudo, vale o alerta que caso haja algum excesso, ou sendo manifestamente indevida a averbação, o exeqüente deverá ressarcir a parte prejudicada, objetivamente, de acordo com o que reza o § 2º do art. 18 do Código de Processo Civil.

CONCLUSÃO

Com o que foi abordado, claro está que hoje a presunção relativa da ciência da demanda é em benefício do adquirente, ou do beneficiado com a oneração do bem, que somente será elidida se o credor provar que aquele tinha conhecimento ou tinha condições de ter ciência da demanda pendente contra o alienante.

É óbvio que a praxe comercial recomenda que qualquer adquirente obtenha certidões negativas junto aos cartórios de distribuidores cíveis estaduais e federais pelo menos da comarca em que se situa o bem alienado e do seu alienante. No caso de pessoa jurídica se recomenda ainda que sejam emitidas as certidões da Justiça do Trabalho, das Fazendas Nacional, Estadual e Municipal, além de INSS e FGTS, ainda mais nos dias de hoje em que temos acesso à informação a todos os momentos, de forma cada vez mais rápida e fácil.

Se o adquirente foi negligente e não tomou a mínima cautela para ter certeza da solidez do negócio que está realizando, não se justifica a aplicação da súmula, devendo o adquirente arcar com o ônus de sua desídia, prevalecendo neste caso à presunção relativa em face do credor.

É certo que não há como se exigir que o adquirente tire certidões dos cartórios do Brasil inteiro, até porque, muito infelizmente, nem os cartórios de registro de imóveis, nem as Justiças Estaduais tem seus cadastros de distribuidores interligados, dando motivos, portanto, para se justificar que seja invertido o ônus da prova em favor do adquirente.



[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 42ª ed., vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 2008, pág. 205.

[2] SALAMACHA, José Eli. Execução Civil. Estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Ernane Fidélis dos Santos (coord.) – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 23.

[3] Idem acima pág. 21, N.Rodapé.

[4] MEDINA, José Miguel Garcia. Execução. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2008, págs 96/97.