Desenvolvimento Etnosustentado para Quilombos 4

Valdo França

"A necessidade de garantir a sobrevivência dia a dia, pode gerar um enorme imediatismo, cuja versão mais cruel é a perda da capacidade de projetar, de sonhar, de ter futuro". Essas palavras de WANDA ENGEL, especialista em combate à pobreza, dão a dimensão do aniquilamento humano existencial a que esta submetido 15% da população brasileira em situação de absoluta indigência.

Pessoas que vivem apenas para suprir necessidades fisiológicas de sobrevivência tendem ao embrutecimento, a insensibilização, a desesperança, a desvalia e ao desamparo. Podem deixar de acreditar na própria capacidade, no merecimento ou na possibilidade de realização de uma meta, mesmo que tenham as capacidades para tal. Essa perda da crença de si mesmo, o despoder absoluto, pode levar a pessoa a colocar sua existência e sonhos futuros sob o controle de religiões fundamentalistas e messiânicas, de clientelismo político, de jogos de azar ou a quebra do contrato social.

Dentre os apartados brasileiros, uma maioria afro-descendente originaria das comunidades remanescentes de quilombos, vive a margem da sociedade e da assistência pública. Essa população sobrevive do extrativismo, da pesca, da coleta e da agricultura tradicional, valendo-se de ferramentas e conhecimento ancestral.

Em função do isolamento e desassistência publica, milhares desses brasileiros ainda não atingiram o primeiro degrau da cidadania, que é a posse de documentos como certidão de nascimento, carteira de identidade e CPF. A falta de crédito, infra-estrutura, assistência técnica e acesso aos serviços públicos, tornam as comunidades quilombolas, alvo permanente da fome e do êxodo rural. O desenraizamento de trabalhadores rumo as cidades causa desagregação familiar e comunitária, alem de expor a pessoa ao sofrimento, violência, marginalidade e a vida indigna nos cortiços, favelas, lixões e relento das ruas.

Como sair da miséria?

Vivemos um mundo onde as trocas de bens e serviços se dão pela moeda, e de alguma forma, a pessoa precisa desenvolver habilidades, serviços e produtos que despertem o desejo de outrem, e assim ter acesso a moeda, aos bens e  serviços inerentes a vida em sociedade.

É necessário criar condições para que os apartados da sociedade possam se descobrir merecedores de direitos e de sonhos, detentores de saberes e capacidades para produzir e participar da economia, e potentados para participar da política e transformar a sociedade.

Tendo todos os requisitos culturais, humanos e ambientais para se tornarem plenos na sociedade, não é concebível que, ainda hoje, os quilombolas estejam na situação de apartamento sócio econômico, próximo a que estavam quando deixaram a senzala escravocrata. Embora pobres e majoritariamente exclusos, os quilombolas constituem comunidades enraizadas e fortemente estruturadas culturalmente, haja visto a resistência mostrada ao longo da historia. Eles precisam apenas do suporte e apoio que acelere a compreensão do mundo e da sociedade que os rodeia, e ao mesmo tempo ofereça acesso às ferramentas e aos caminhos da inclusão.

Eles necessitam forjar suas próprias lideranças, capazes de realizar a interlocução com o estado e o restante da sociedade, reivindicar e defender direitos, organizar cooperativas, desenvolver diagnósticos, escrever projetos e planos de negócios, articular e buscar parcerias, e criar as condições estruturais para a produção, comercio, educação, saúde, comunicação e outros itens necessários para o desenvolvimento etnosustentado. Lideranças informadas e suficientes nas diferentes áreas do conhecimento, preparadas para estimular, facilitar e multiplicar a organização social, e potencializar a mentalidade empreendedora quilombola

Muitos segmentos do movimento social, como os deficientes, índios, homossexuais, mulheres e ambientalistas. já receberam apoio na formação e aprimoramento de suas lideranças, possibilitando visibilidade, reconhecimento, encaminhamento e avanços significativos na construção de direitos e cidadania.

Chegou o momento inadiável, para o Brasil encarar de frente as questões raciais, as desigualdades sócio econômicas e injustiças decorrentes do racismo histórico. A formação e capacitação de lideranças, técnica e intelectualmente preparadas para garantir o protagonismo político e desenvolvimentista dos quilombolas, é ação afirmativa e reparadora de grande valia. Para esse fim, devemos envolver o estado, o movimento negro, ongs, universidades e intelectuais comprometidos com a causa .
 
Um projeto de formação de lideranças

A integração e a inclusão de 4 mil comunidades quilombolas à economia e à vida nacional, exigirá a formação de pelo menos 500 lideranças. A garantia da ação prática dos futuros lideres, exigirá que a formação seja em boa parte realizada nas comunidades, com a realização de seminários, reuniões e articulações que levem a formação de cooperativa/associação e ou empresa comunitária, e plano de negocio em cada comunidade. A instituição de prêmios em dinheiro para cada plano de negocio formatado e cada projeto consolidado nas comunidades, animará a ação dos lideres e possibilitará a melhor relação custo/ beneficio social para os investimentos.

Os futuros líderes devem ser selecionados nas comunidades quilombolas ou entorno, dando preferência aos que tenham escolaridade mínima de segundo grau, potencial e interesse em novas aprendizagens, e que tenham ligação e interesse em trabalhar com etnodesenvolvimento. É importante que os planos de negócios de cada comunidade contemplem áreas da produção de interesse das mulheres e dos jovens, possibilitando o desenvolvimento de forma democrática, e aproveitamento e otimização de talentos dos diferentes grupos. Neste sentido, é importante que uma parte desses líderes seja de mulheres e de jovens até 21 anos.

Para facilitar a participação de representantes das mais diversas regiões do país, o curso deve se utilizar de metodologia de ensino a distancia, com equipe coordenadora e tutores técnicos nas regiões de atuação dos alunos. Momentos presenciais serão importantes para o amadurecimento, fortalecimento e comprometimento do grupo com a missão e objetivos do programa.

A formação deve envolver a compreensão critica de diversas áreas, incluindo noções de historia e política da formação do estado brasileiro; história da resistência do povo negro; a importância política e econômica dos remanescentes de quilombos como patrimônio histórico e cultural do Brasil; leis que garantem direitos civis; titulação das terras e criminalização do racismo; leis ambientais e a limitação do direito de propriedade; representação das comunidades frente a ordem jurídica; órgãos públicos atuantes nas áreas de interesse quilombola; conceituação de desenvolvimento etnosustentado; mediação de conflitos; noções de agro silvo pastoreio ecológico, agro industrias, eco turismo e turismo etnocultural, verticalização e certificação da produção; planos de negócios; jogos e técnicas de dinâmicas de grupos populares.

É importante na formação do líder a concretização de projetos, concebidos coletivamente de baixo para cima nas comunidades. Neste sentido, será necessária a contratação de técnicos ou parceria com entidades universitárias, governamentais e não governamentais, com o objetivo de disponibilizar apoio técnico e tutoramento. O futuro líder será o fermento permanente da animação, organização e capacitação das comunidades para articular parcerias e viabilizar os requisitos necessários para o desenvolvimento.

A formação de lideranças pode ser determinante para integração acelerada dos quilombolas a vida nacional, dando ferramentas concretas para que eles mesmos possam protagonizar a formatação e implementação do próprio desenvolvimento.   

Valdo França - Engº. Agrº. Foi consultor daAssociação Nacional de Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro Brasileiros, para assuntos de desenvolvimento sustentado, planejamento, projetos e gestão das áreas quilombolas no GTI QUILOMBOS do GF. Contatos(61)8144-8483 [email protected]skipe=valdofranca-

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Cursos e consultoria:

·"Comunicação, prevenção e solução de conflitos" para ongs, cooperativas, escolas, sindicatos, clubes, grupos familiares e empresas

·Planificação do Saneamento básico em fazendas, hotéis, residências e pequenas e medias cidades

·Agricultura sustentável, agro-floresta, prevenção e controle de incêndios florestais