Resumo
A continuidade discursivo-prática entre docentes e coordenadores pedagógicos é atrelada à maneira de ver o entorno social e educacional por parte de cada um. Nesse contexto, a formação contínua de professores não é apenas o gérmen do que é decidido acriticamente e de forma verticalizada nas secretarias de educação.
Palavras-chave: Docentes. Coordenadores pedagógicos. Formação continua.


Abstract
The continuity of discourse and practice between teachers and coordinators is tied to the way of seeing the social environment and education on the part of each. In this context, the training of teachers is not just the germ of what is decided so uncritically and vertically in departments of education.
Key-words: Teachers. Pedagogical coordinators. Training.


GRIGÓRIO DUARTE NETO


INTRODUÇÃO

O presente trabalho preocupa-se em, antes de tudo, arriscar conceituar a proposta de formação pedagógico-didática continuada na Rede Municipal de São Luís, especificamente na U. E. B. José Ribamar Bogéa, possibilitando um elo articulador de entendimento entre o geral e o particular, o circunstancial e o formal nas práticas dos supervisores pedagógicos/ formadores junto aos professores brasileiros e, em especial, ludovicenses.
A pesquisa tem como metodologia a bibliográfica e a história de vida, como modalidades científicas em situação comparativa de profissões em constante (re) constituição de identidades.
Para a organização e desenvolvimento prático da pesquisa, foram feitas conversas informais com duas coordenadoras pedagógicas da escola, as quais contribuíram para o levantamento de novas hipóteses e desvelamento de problemáticas para o estudo; sendo que as fases previstas de encontro com as coordenadoras foram assíncronas, tendo em vista que a atual, do turno matutino, começou a trabalhar no final do mês abril de 2010.
O estudo de caso é caracterizado como em contexto global porque, ao passo que possibilita a reflexão sobre os dados instituídos e instituintes da formação em serviço dos docentes na Rede Municipal de São Luís, também contribuem para um diálogo mais amplo em torno das mesmas práticas no contorno nacional.
Levantei o estudo de caso pelo fato de inquietar-me com o processo de formação contínua de professores, reafirmando-a como mola propulsora para o desenvolvimento de um ensino de qualidade tanto na escola pública quanto na particular, já que esta também se constitui enquanto serviço ao público por receber diretrizes de ação para a qualidade e mecanismos de avaliação emanados pelo Poder Público.
Por isso, façamos jus ao entendimento de que as sucessivas discussões no campo educacional promovem a descoberta constante de novas alternativas para os afazeres pedagógicos nas escolas e sistemas de ensino como um todo. Não a fim de negar a força compulsiva dos paradigmas, mas, a fim de, a partir destes, desvelar as formas organizativas desses afazeres, ajudando a reorientá-los para os rumos político, social, econômico e educacional necessários.


ENCONTROS DE CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES

Quando a coordenação pedagógica , área assumida pelos supervisores educacionais como terminologia profissional, desencadeia o diálogo crítico, produtivo e criativo a partir do quefazer-pedagógico dos professores, todo um projeto de ação, construção e reconstrução das práticas de ensino é acionado na mentalidade dos últimos.
O papel de desencadear esse diálogo, não sendo posição última e principal desse profissional, reformula-se também na ação-reflexão-ação dos professores, pelo fato de, em educação, a ação anteceder a reflexão. Podemos constatar esse aspecto do movimento "práxico" ao nos referirmos à necessidade de conhecimento da realidade circunstancial, social, econômica, política e cultural em que as práticas pedagógicas de determinada escola e/ou sistema de ensino se encontram.
Mas, nesse processo, Larroyo (apud Pimenta) assume que o fato pedagógico é anterior à teoria pedagógica (como o é nas demais ciências), sendo louvável a necessidade de organizar e reorganizar as potencialidades de atuação coletiva nos lócus educativos.
A ação ou fato pedagógico configura-se como um encontro de continuidade, quando o professor reconhece suas atividades efetivamente valorizadas pelo projeto educativo da escola, mesmo que tal projeto esteja apenas implícito nas organicidades e sistematicidades das práticas desenvolvidas ou, ao menos, de acordo com uma possível dialogicidade esperada sobre o que é planejado ou concebido pela gestão educacional e executado por ele durante as aulas. Entendendo aqui, gestão em educação com uma vitaliciedade da democracia, mesmo que ainda não totalmente instalada nesse âmbito, tido como periférico na definição e implementação das políticas públicas por muitos educadores.
É na capacidade de fomentar um enfoque discursivo sobre as práticas de ensino na escola que o coordenador pedagógico, numa atitude de respeito a uma abordagem mais ecológica da supervisão, pode concretamente favorecer a assistência pedagógico-didática aos professores. Sendo assim, implementarão as concepções curriculares com mais responsabilidade e solidariedade no lócus educativo.
Lócus educativo está sendo aqui usado para se referir aos variados locais em que a ação educativa intencional se faz presente e institucionalizada. Estabelecendo um parecer sobre os contornos em que os afazeres dos professores e demais trabalhadores em educação se dão, ora global (a nível central e intermediário - MEC, secretarias estaduais e municipais de educação e outras agências), ora local (escolas, bibliotecas, quadras poliesportivas e similares, desde que elementos constitutivos do currículo formal, etc.).
Longe de fazer apologia à causa emanada da supervalorização dos meios em detrimento dos fins a que nos propomos, e explicitamos em educação, farei uma breve caracterização ou descrição das modalidades mais usadas pelos supervisores pedagógicos na escola pesquisada.
A escola em destaque, como lócus da pesquisa, não constitui de modo algum uma amostra, mas antes de tudo um elemento globalizado para favorecer a reflexão criativa e crítica sobre o trabalho pedagógico. Ademais, a pesquisa é de cunho mais bibliográfico e qualitativo do que de campo e quantitativa, pois visa à discussão encorajadora de outras discussões no determinado campo estudado.
Segundo Libâneo, a discussão sobre determinada informação, temática, fato ou conhecimento eleva o nível de consciência de cada um destes termos na re-elaboração e enriquecimento conceitual.
Percebe-se, tanto a nível experimental quanto empírico, que a coordenadora pedagógica da unidade escolar adota com exaustão as seguintes formas de atuação profissional:
? Momentos de formação, aos sábados, geralmente divididos por turno, com conversas e/ou discussões a respeito de assuntos administrativos e pedagógicos (predominância dos primeiros em relação aos segundos);
? Durante os dias úteis da semana, observações de aulas dos professores, para posterior devolutiva pedagógica (de forma um tanto precária, por motivos diversos, que não nos cabe salientar aqui, secundarizando o valor dos saberes pedagógicos durante a ação didática. Concebendo esta como anterior à primeira, durante a conceitualização junto ao professor);
? Resolução de problemas mais corriqueiros , os tão ditos "apaga-fogos" do dia-a-dia na escola;
? Reuniões com a equipe gestora e docente, mormente, muitas vezes, colocando em xeque a atuação gestora democrática da escola, pelo fato de sempre ou quase sempre colocar o Diretor como chefe ou elemento de instância maior, reduzindo sua autonomia, etc.
Contudo, sabemos que, por mais que um trabalho queira dimensionar um capricho teórico-prático em qualquer campo do saber profissional, o faz através de recortes que, em suma, deverão ser ressignificados à luz do saber construído na ação diária, por isso é que, mesmo nas Diretrizes Curriculares para o curso de graduação em Pedagogia, os saberes profissionais deverão ser consolidados no cotidiano da profissão, como meio de assegurar um fazer saber e um saber fazer mais concretos.
Podemos traçar novas metas e objetivos para a formação pedagógico-didática dos docentes de nosso país, sobretudo se encontrarmos o gérmen necessário para mover as responsabilidades tanto de docentes quanto de coordenadores pedagógicos, dentro de uma organização de trabalho em circunstâncias centrais, intermediárias e/ ou locais (as escolas como agências formadoras "em espécie") para o diálogo constante ou duradouro em todas as instâncias de formação em serviço.
Sabemos que este debate nem deve ser mera aproximação entre a epistemologia do coordenador pedagógico junto ao docente, nem a simples concepção de que este primeiro apóia seu principal objeto de trabalho pedagógico na produção e/ou ajuda, assistência ao segundo. Antes, deve-se prevalecer o desenvolvimento das situações harmoniosas de relações humanas (elemento crucial em educação, já que tanto coordenadores pedagógicos quanto docentes são educadores), a fim de fortalecer o desenvolvimento das tarefas, tidas estas como essenciais ao bom andamento do trabalho escolar.


FORMAÇÃO CONTÍNUA DE COORDENADORES PEDAGÓGICOS, ÁLIBI PERFEITO: FORMAR-SE CONTINUAMENTE PARA FORMAR MELHOR OU FAZER ACONTECER O DETERMINISMO VERTICAL?

Em encontros previstos durante dois dias da semana, geralmente às terças e sextas-feiras, os coordenadores pedagógicos de cada unidade escolar participam de momentos de formação com os superintendentes da SEMED.
No usual, são encontros que norteiam o desenvolvimento teórico-prático dos encontros de formação com os professores, orientados pelo coordenador/supervisor pedagógico. Definindo aí, a política educacional de formação pedagógico-didática nas escolas municipais de São Luís.
No entanto, já no ano de 2008, muitas escolas do município estavam com uma demanda de alunos aquém do normal nas salas de aula. Estas, cada vez mais sendo multiplicadas, em virtude do surgimento dos chamados anexos de escola-pólo, não como forma precípua de descentralização dos assuntos ou tarefas pedagógicas e administrativas, mas principalmente a fim de dificultar o acompanhamento e orientação direta sobre o trabalho docente por parte dos coordenadores (suportes pedagógicos, como ultimamente têm sido chamados na RME).
Nos estudos de Dermeval Saviani, é ressaltado o papel da escola como forma mediadora e participante nas lutas de classe. Favorecendo a busca de alternativas para o desvelamento da dicotomia dominador-dominado no seio da vida social. Da mesma forma, Naura Syria Carapeto Ferreira coloca como mola propulsora da mudança social o pilar da emancipação dos indivíduos, encontrando no princípio da comunidade o item principal para essa dita transformação, por ser mais atrelado à racionalidade estético-expressiva da literatura e da arte.
Por essas e outras é que cabe a nós, enquanto educadores, flertar uma agonia reflexiva sobre a política de formação em serviço dos agentes educativos principais, os professores, à luz da orientação dos coordenadores pedagógicos.
Enfim, está mais do que na hora de os coordenadores tomarem essa causa como sua: o aumento de sua autonomia de decisão administrativo-pedagógica junto aos professores; porém, sem, contudo, tirar o poder de voz dos professores como agentes de mudanças necessárias na educação escolar dos filhos das classes menos favorecidas da população brasileira.
Para isso, uma decisão escorregada de cima para baixo, no Planejamento Educacional de qualquer município, pode simplesmente servir como álibi para a prestação de conta aos professores, de que sua formação em serviço precisa ser desenvolvida, mesmo que de forma alarmantemente precária. A técnica social que é a educação escolar, nesse caso, está fazendo uma correlação quase que unívoca com a ciência enquanto força de produção.
Podemos fazer uma breve reflexão a respeito do diálogo entre a ciência e a técnica, ajudando em um possível contraponto entre as decisões verticalizadas de muitos sistemas de ensino e o verdadeiro trabalho pedagógico coletivo. Enquanto que o primeiro desenvolve suas potencialidades gerenciais no principal fato de conceber quem manda mais ou quem manda menos, o segundo desenvolve suas potencialidades político-pedagógicas no fato de cada instância do lócus educativo principal (a escola pública) realizar suas especificidades dentro de um projeto consubstanciado de ações educativas intencionais no mesmo sistema de ensino.
Isso tem implicado algumas consequências para o uso irracionalizado da ciência em nome da técnica, sectarizando os serviços dentro da escola e artificializando as práticas de formação e/ou treinamento em serviço de docentes e outros trabalhadores em educação (pedagogos e outros profissionais).
Enfim, é nesses termos que a ação do supervisor escolar ou coordenador pedagógico, perante sua vivência profissional com o outro (professor ou outro especialista), pode e deve ser reinterpretada, como busca constante de alimentação e feedback entre teoria-prática e prática-teórica em educação escolar, lutando para que seu papel político-pedagógico seja sempre um querer fazer e, bem acima do saber fazer, o fazer saber (elemento essencial no processo ensino-aprendizagem perante a ação didática com o aluno).


O ENCADEAMENTO DAS IDEIAS NA AÇÃO SUPERVISORA PERANTE O PROFESSOR: UMA FELICIDADE POSSÍVEL

Enquanto a racionalidade técnica de separação entre concepção e execução, quase que acrítica da atividade pedagógica, estiver imperando de forma a desmembrar o projeto de ação supervisora do coordenador pedagógico ou supervisor escolar, esquartejando as ações didáticas do professor em sala de aula, o "ser" não passará do "dever ser", dificultando a tomada real de consciência na busca de autonomia tanto por parte do aluno quanto do professor. O aluno sequer saberá discernir a respeito das relações de poder que perpassam o fazer dos professores. Sendo que, na maior parte do tempo, dentro de uma concepção racionalista-acadêmica, não só os professores, mas também os coordenadores pedagógicos cumprem apenas o que a cartilha neoliberalista propõe exclusivamente, a ocultação do status quo vigente a favor da forma velada e autoritária de uso do poder na escola.
Será que é possível, diante desse quadro "fetichizante", garantir um possível encadeamento de idéias entre os afazeres do docente e do especialista em educação ou profissional não-docente?
Repare bem que, primeiramente é demonstrado o quadro da realidade neoliberalista, favorecendo com que o leitor nem sempre interprete esta situação erroneamente, coincidindo seu entendimento com uma espécie de anarquia. Sendo que neste quadro, a despeito da complexidade da organização do trabalho pedagógico nos dias de hoje, o professor enquanto um dos trabalhadores em educação e não o único, jamais poderia abdicar de participar do processo de implementação verdadeira do compromisso social e político na escola, concorrendo suas responsabilidades à demanda de outros especialistas.
Sobre os "especialismos", termo, de já muito mascateado, por assim dizer, nos meios acadêmicos da educação, Mary Rangel afirma:

"No caso do especialista em educação, é interessante observar que essa condição não se aplica, apenas, a quem exerce funções como as de administração, orientação educacional ou supervisão. Na verdade, são também "especialistas" (no sentido de quem domina, especificamente, uma determinada área de trabalho) os professores de modo geral, no âmbito de seus conteúdos específicos." (Rangel 2005, p. 151)

Bem verdade é que, muitos especialistas vieram para segmentar o propriamente pedagógico na escola, ao passo que deveria haver uma justificativa válida para uma planificação coletiva e coordenada dos objetivos sociopolíticos e pedagógicos, conteúdos e métodos das matérias a ensinar. Enfim, delimitar o que chamamos assistência pedagógico-didática, porque uma das faces da assistência não se faz sem a ação consciente da outra (pedagógico e didático caminhando juntos em prol de um processo biunívoco, o ensino-aprendizagem). Para ser assistido didática e pedagogicamente, o docente deve tomar consciência de forma crítica e criativa, e isso, nem de longe deve ser confundido apenas com a prática de observar aulas do professor por parte do coordenador pedagógico.
A possibilidade de desenvolvimento de um trabalho em que, nem o professor, nem mesmo o coordenador pedagógico levem em consideração somente as demandas emanadas verticalmente e, este último, apenas fiscalizando a execução de políticas do lado já instituído na unidade escolar, é bem necessária, já que precisamos de uma redefinição para o projeto emancipador da humanidade, especialmente a parte que cabe à massa da população, muitas vezes os "desescolarizados".
Os "desescolarizados", muitas vezes são aqueles que têm sua cultura negada na escola, isso quando não rebaixam a qualidade do ensino a ponto de massificar a evasão escolar, contrapondo o que nos reza o Plano Nacional de Educação com sua proposta de um sistema articulado de educação, englobando todos os níveis e modalidades de ensino. Diante desse fato, essa concepção pode ser um tanto radical na definição desse termo, porém, sabemos que não só o acesso, mas também a permanência devem ser geridos e repensados na estrutura escolar atual.
Contudo, sonhamos com uma escola em que o "dever ser" já esteja imbuído nas acepções e dimensões formativas do "ser". Em que a escola possa valorizar efetivamente o trabalho pedagógico coletivo, sobretudo entre docentes e supervisores, havendo um constante diálogo e aproximação de uma abordagem mais ecológica e dialógica fecundada pelos dois especialistas. Isso tudo, a fim de incessantemente propiciar a qualidade do ensino.


À GUISA DE CONCLUSÃO: NÃO À TERMINALIDADE, MAS À CONTINUIDADE DO DEBATE

Como pudemos refletir, e não tomar por referendo, a formação em serviço, longe de ser incumbência apenas do professor e do coordenador pedagógico, é uma temática que nunca se desatualiza. Nesse sentido, por ser a formação humana algo em constante mudança, deve ser feita à luz de iniciativas colaborativas entre os órgãos centrais, intermediários e locais, jamais deixando a escola à mercê da situação atual da política de decisão, formulação e reformulação de propostas dessa envergadura em educação (o planejamento da formação de supervisores e professores).


REFERÊNCIAS

FERREIRA, Naura Syria Carapeto (org.). Supervisão educacional para uma escola de qualidade: da formação à ação. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

_____Supervisão educacional: uma reflexão crítica. 14 ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991. (Col. Magistério 2º grau, Série Formação do Professor).

RANGEL, Mary (org.). Supervisão pedagógica: Princípios e práticas. 9 ed. Campinas, SP: Papirus, 2008. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1988.

SILVA Jr., Celestino Alves da; RANGEL, Mary (orgs.). Nove olhares sobre a supervisão. 11 ed. Campinas, SP: Papirus, 2005. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).