Fonoaudiologia e música: a arte em prol do desenvolvimento psicomotor e cognitivo de crianças com paralisia cerebral hemiplégica

Gabriela Elisa Couzzi Rodrigues Gomes

Acadêmico em Fonoaudiologia

 

Claudiane Cardoso Balbi Henriques

Fonoaudióloga – Pós- graduada em Audiologia Clínica e Ocupacional e PSF

Professora e Fonoaudióloga na Faculdade Redentor - RJ Brasil

 

Maria Esther Araújo

Fonoaudióloga – Mestre em Gestão Ambiental – Linha de Pesquisa em Educação para Saúde

Professora e Gestora na Faculdade Integrada AVM e Faculdade Redentor - RJ Brasil

Resumo: O presente artigo aborda dialéticos fonoaudiológicos, tomando como empréstimos conceitos de paralisia cerebral hemiplégica, psicomotricidade e suas áreas psicomotoras, cognição e áreas cognitivas e musicoterapia para demonstrar a aplicabilidade da música no desenvolvimento psicomotor e cognitivo de crianças paralisadas hemiplégicas. Utiliza-se da palavra falada e cantada, descritas no texto como letras musicais, para estimulação de tais áreas a fim de diminuir as barreiras de sua comunicação entre o indivíduo, seu mundo interno e o mundo externo, proporcionando a estes melhorias em sua qualidade de vida.

Palavras-chaves: música, cognição, hemiplegia, psicomotricidade.

1.      Introdução

A Encefalopatia crônica não progressiva da infância ou paralisia cerebral como é mais conhecida, é um distúrbio que ocorre na primeira infância e é caracterizada por ser uma sequela de agressão encefálica, com transtorno persistente e invariável do tono, da postura e do movimento, na qual a criança apresenta dificuldades em se movimentar (DORETTO, 2001; MILLER; CLARK, 2002; MORIMOTO et al, 2004 apud TEIXEIRA-ARROYO & OLIVEIRA, 2007).

Pode ser causada antes, durante ou após o nascimento da criança, como por exemplo, por infecções maternas como a rubéola, uso de drogas, álcool ou tabaco, prematuridade, baixo peso, doenças infeccionas como a meningite, entre outras (HOFFMANN, online).

A paralisia cerebral é classificada em três diferentes tipos patológicos quanto ao envolvimento neuromuscular são eles: do tipo espástico, do tipo etetóide e por fim do tipo atáxico (BAX, 2000).

Além desta classificação, existe quanto ao comprometimento motor dos membros, que são triplegia, tetraplegia, monoplegia e dentre elas, neste trabalho destaca-se a hemiplegia, sendo este um distúrbio que afeta um lado do corpo, por exemplo, braços e pernas do lado esquerdo, alterando seus movimentos, ou seja, caracterizado por apresentar déficit motor e na espasticidade unilateral, percebendo-se logo após os seis meses de idade, pois é nesta idade que intensifica o desenvolvimento psicomotor e cognitivo das crianças (GAUZZI & FONSECA, 2004 apud MADEIRA & CARVALHO 2009; CARMO, 2005).

            As atividades fonoaudiológicas proporcionadas para pacientes paralisados cerebrais hemiplégicos estão revolucionando com o passar do tempo. A Fonoaudiologia por sua vez, integrou a Musicoterapia à terapia, pois estas juntas conseguem trabalhar a consciência perceptiva, o desenvolvimento da audição e do controle motor ao mesmo tempo, isso influencia diretamente ao desenvolvimento motor e cognitivo, reduzindo assim os limites físicos e mentais de tais pacientes (BROOK, 2005).

Portanto, pacientes com este tipo de patologia necessitam de intervenção fonoaudiológica intensa para estimulação das áreas psicomotoras e cognitivas e a musicoterapia proporciona ao fonoaudiólogo a ideia de criar terapias que possam promover benefícios ao portador, tendo um ambiente especial para o aprendizado, tornando-se as atividades algo prazeroso e agradável de ser realizado. O presente artigo tem por objetivo demonstrar a importância da intervenção fonoaudiológica em crianças que apresentam a encefalopatia crônica não progressiva da infância hemiplégica através da musica, estimulando o desenvolvimento psicomotor e cognitivo destes.

 2.      Desenvolvimento

2.1.            Conhecendo a paralisia cerebral

A paralisia cerebral é conhecida como uma doença do sistema nervoso central (SNC) que ocorre no cérebro ainda na 1ª infância, que vai até 3 a 4 anos após o nascimento, provocando a alterações do movimento e postura da criança, isso faz com que o tônus muscular apresente alterações relevantes e a coordenação muscular manifeste-se incorretamente (PINHO, 1999). Nos dias atuais o termo paralisia cerebral não é mais utilizada, os profissionais responsáveis em relatar tal diagnóstico refere-se como sendo uma encefalopatia crônica não progressiva da infância, pois esta nomenclatura que causa danos cerebrais atende às todas as características desenvolvidas pela patologia (VIEIRA, 2009).

A definição mais completa e de melhor explicação para a encefalopatia crônica não progressiva da infância é descrita por Ponces et al, (1966) e pelo Little Club de Oxford (1958), definida como uma sequela de afecção no encéfalo, caracterizado por ser um transtorno persistente, apresentando variações de tônus, postura e do movimento. Essa patologia é secundária a lesão não evolutiva do encéfalo, além disso, tal lesão exerce influência perante a maturação neurológica (PINHO, 1999).

A paralisia cerebral é uma doença, porém não tem cura. Não é transmissível e nem progressiva e se caracteriza de modo geral, por apresentar alterações ou falta de controle do movimento (CORRÊA, 2007).  Gonçalves (2008) descreve algumas características que uma criança portadora de paralisia cerebral pode apresentar, como: possuir uma lesão permanente e irreversível, além de estática quando se refere a sua localização, é um distúrbio não hereditário, apresenta perturbações integrais da postura e do movimento, pode apresentar deficiência mental e possuir dificuldade na comunicação verbal.

Apesar de o transtorno do paralisado cerebral ser principalmente motor, é comum apresentar outros comprometimentos como o emocional, cognitivo, sensorial e social, podendo apresentar variação de expressão clínica quando se leva em conta também as características específicas de cada indivíduo, ou seja, as limitações motoras que o paralisado cerebral apresenta podem provocar graus variados de distorções na comunicação com o meio ambiente além de dificuldades na construção do espaço e nas suas relações, prejudicando-o no desenvolvimento das funções específicas da linguagem (LAMÔNICA, 2004).

A incidência de relatos de paralisia cerebral na população é de dois em cada mil nascidos vivos, sendo que em países em desenvolvimento a estimativa é de sete em cada mil nascidos vivos. No Brasil é considerada a ocorrência de 30.000 a 40.000 novos casos por ano (MANCINI et al., 2002; CALCAGNO et al., 2006 apud TEIXEIRA-ARROYO & OLIVEIRA, 2002).

Em relação às causas da paralisia cerebral Tabith (1995) afirma que qualquer agente capaz de lesar o encéfalo durante a primeira infância deve ser considerado um fator causal para a paralisia cerebral. A lesão que ocorre no cérebro provocando a paralisia cerebral pode-se manifestar nos períodos pré, peri ou pós natal. Os fatores pré-natais mais conhecidos são infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, sífilis e HSV, drogadiação materna, uso de medicamentos como tabaco, álcool, maconha, eclâmpsia/pré-eclâmpsia, deslocamento da placenta, hemorragias (ameaçando a um aborto), diabetes/ desnutrição materna, má posição do cordão umbilical, exposição à radiação (raios-X) (CORRÊA, 2007).

Como fatores peri-natais conhece-se por prematuridade e baixo peso, distócias (asfixias perinatal, trauma cerebral), infecções como meningites e herpes, hiperbilirrubinemia, hipoglicemia e distúrbios hidroeletrolíticos (CORRÊA, 2007).

Já como fatores pós-natais entende-se as doenças infecciosas (meningites, encefalite), distúrbios vasculares (acidente vascular cerebral), tumores e traumas cerebrais, acidente de trânsito, espancamento durante a infância, traumatismo craniano (por trombose, afogamento, síndrome do bebê sacudido ou passagem cardíaca) e anóxia cerebral (GONÇALVES 2008; PINHO 1999; CÂNDIDO, 2004).

É importante destacar que as principais causas para a paralisia cerebral são a prematuridade e anoxia perinatal, seguido por afecções como meningite ou encefalite (PINHO, 1999).

Crianças portadoras de paralisia cerebral, além das alterações de tônus, de postura e de movimento, podem apresentar outros distúrbios como os da comunicação oral associados à patologia. A grande maioria destas crianças apresenta dificuldade em alguma área da comunicação humana, devendo-se ressaltar que a dificuldade nesta área varia de acordo com o tipo de classificação e com o grau de comprometimento dessa patologia, sendo que sua aquisição de fala pode estar de pouco até gravemente alterada (RUBINSTEIN, 2002). Os distúrbios que podem estar associados à paralisia cerebral, segundo Pinho (1999) são: mímica facial, reflexos orais, alimentação, sialorréia, respiração, articulação/fala, fonação/voz, audição e linguagem.

Fontes (2008) acrescenta que, desde o nascimento a criança convive com o meio externo e adquirem experiências como jogar, pular, dançar, de diferentes texturas, cheiros, desenvolvendo todo seu desenvolvimento sensório motriz. Se a criança não passar por essas experiências externas, esta haverá dificuldade na elaboração dos esquemas perceptivos psicomotores – esquema corporal, orientação/estruturação espacial e temporal, lateralidade entre outros, ocasionando problemas perceptivos.

            Além disso, as crianças paralisadas cerebrais podem apresentar problemas de atenção, pois, estas possuem dificuldade em manter um período satisfatório de atenção, tendo ocorrências frequentes de distrações e reações abundantes diante de estímulos insignificativos (FONTES, 2008).

A classificação da paralisia cerebral pode ser realizada considerando-se alguns fatores, como o envolvimento neuromuscular, o grau de incapacidade e os membros atingidos. De acordo com o tipo de envolvimento neuromuscular a paralisia cerebral pode ser classificada em: espástico, atetóide e atáxico.

Considera-se paralisia cerebral espástico quando ocorre um comprometimento do sistema piramidal, havendo uma hipertonia nos músculos. Caracterizado por apresentar uma lesão do motoneurônio superior no córtex ou nas vias terminadas na medula espinhal, ocasionando um aumento quanto à resistência do estiramento que diminui repentinamente (TABAQUIM, 1996). O músculo espástico não tem crescimento normal, por isso crianças com este tipo de patologia podem desenvolver deformidades articulares, podendo ainda, apresentar flexão e rotação interna dos quadris, flexão do joelho e equinismo (CORRÊA, 2007).

A paralisia cerebral atetóide é quando ocorre um comprometimento no sistema extrapiramidal, havendo uma instabilidade e flutuação no sistema muscular; quando está em ação há o aparecimento de movimentos involuntários de pequenas amplitude. Os movimentos coréicos são rápidos e involuntários presentes em repouso e aumentam devido o movimento voluntário. Caracteriza-se por apresentar um quadro de flacidez e anormalidade da respiração (TABITH, 1980 apud HOFFMANN, online)

E por fim, a paralisia cerebral atáxico, quando está relacionada à lesões cerebelares ou das vias cerebelares, na qual o cérebro tem função de controlar o equilíbrio e coordenar os movimentos. Portanto, crianças com lesões cerebelares apresentam marcha cambaleante, por conta da deficiência de equilíbrio, apresentando instabilidade da manutenção da postura (CORRÊA, 2007).

Quanto à classificação do grau de incapacidade, temos o grau leve – apresenta poucas alterações dos movimentos, ou seja, ligeira dificuldade na coordenação e equilíbrio; moderado – apresenta dificuldade ao falar e em realizar movimentos grosseiros, e severos – apresenta dificuldades em realizar qualquer movimento, ou seja, incapacidade em andar, usar as mãos e falar (CÂNDIDO, 2004).

E por fim, Fontes (2008) e Dederich (2000) classificação a paralisia cerebral quanto aos membros atingidos, que são: paraplegia – estão afetados dois membros inferiores, triplegia – estão afetados três membros do corpo, tetraplegia – estão afetados os quatros membros do corpo, monoplegia – apenas um membro está afetado, e neste trabalho destaca-se a hemiplegia – na qual estão afetados dois membros do mesmo dimídio do corpo. Caracteriza-se por apresentar um déficit motor e espasticidade unilateral. As causas mais comuns são malformações encefálicas, de encefalopatia hipóxico-isquêmico e de infecções do sistema nervoso central (congênita ou adquirida), além de traumatismo cranioencefálico e acidentes cerebrovasculares (ARAÚJO, 2009).  A lesão ocorre em um lado do córtex ocasionando a deficiência motora no lado contralateral do corpo, há evidências das alterações iniciais por volta do quarto mês de vida, na qual a criança terá dificuldades em utilizar o braço ou a perna do mesmo lado do corpo (GAUZZI & FONSECA, 2004 apud MADEIRA & CARVALHO, 2009). Evolui com atraso nas aquisições do desenvolvimento neuropsicomotor e sinais de espasticidade e fraqueza em um lado do corpo, ocorrendo uma maturação em seus níveis psicomotores e cognitivos mais lentos. (MONTEIRO et al, 2011).

 2.2.            Musicoterapia, psicomotricidade e cognição

A Musicoterapia é a utilização da música em um ambiente específico para inspirar, liberar e nutrir o processo de descoberta de cada indivíduo (BRUSCIA, 2000). É um processo sistemático de intervenção na qual o terapeuta ajuda o cliente, como no caso de crianças portadoras de paralisia cerebral hemiplégica a promover saúde utilizando as experiências musicais e às relações entre mente e corpo em seu tratamento (BRUSCIA, 2000). Música é a arte dos sons que possui diferentes propriedades capazes de estimular o desenvolvimento da criança, atingindo de forma prazerosa não só a percepção auditiva, mas também influenciando na movimentação do corpo, na fala propriamente dita e no pensamente lógico e estético (GOMES, 2008).

Sendo assim, a música é o recurso utilizado pela musicoterapia para a realização das atividades lúdicas com o paciente, pois esta alcança diferentes áreas da nossa psique, que dificilmente são atingidas através de outras fontes de estímulos e de conhecimento. A música manifesta sensibilidade, emoção, diferentes timbres, melodias e harmonias, numa forma de linguagem emocional, que nos leva a reagir de maneira produtiva nas áreas de percepções que são somente experienciadas através dela (BANAROW, 1999; BARRETO & SILVA, 2004).

A Psicomotricidade é a ciência que objetiva estudar o homem através do seu corpo em movimento em suas relações com o seu mundo interno e externo (S.B.B.P, 1999 apud MUSSALEM, 2005). É a integração do indivíduo através do movimento, levando em consideração seu aspecto afetivo, cognitivo e motor (BARRETO, 2002).

Dentro da psicomotricidade existem funções que são extremamente essenciais para a realização de qualquer movimento, além de serem importantes para o seu desenvolvimento psicomotor e cognitivo, são eles: esquema corporal - é a construção mental que a criança realiza gradualmente de acordo com o uso que faz de seu corpo, interagindo o corpo com os objetos do seu meio e das pessoas que convive (OLIVEIRA, 2002); coordenação motora global e fina – a global está relacionado às atividades de grandes músculos e depende da capacidade de equilíbrio postural do indivíduo, a coordenação fina está relacionada às atividades manuais, utilizando pequenos músculos (OLIVEIRA, 2002); equilíbrio estático e dinâmico - um conjunto de habilidade estática (sem movimento) e dinâmico (com movimento), atingindo o controle postural e o desenvolvimento das aquisições de locomoção (AGUIAR, 2007); lateralidade – está relacionado à capacidade que o ser humano possui de utilizar preferencialmente um lado do corpo que o outro, podendo ser observado na mão, no olho, no pé e na orelha (OLIVEIRA, 2002); estruturação espacial - é a capacidade de perceber a posição do corpo do sujeito no espaço, assim como a posição dos objetos em relação a si mesmo e dos objetos entre si (MUSSALEM, 2005); estruturação temporal - está relacionada com o tempo, é capacidade que a criança possui em saber antes, agora e depois, lento e rápido, obedecendo a um ritmo e dentro de um determinado tempo (SANTOS, 2007); ritmo - está incluído nas noções de tempo concomitante com as noções do espaço, originando os movimentos (ritmo) que podem ser lento, moderado e acelerado (AGUIAR, 2007; EL-HAGE, 2007); e percepção - está ligada a memória, a atenção e a consciência. Os estímulos que chegam até nós provocam uma sensação que nos permite a percepção e a discriminação (AGUIAR, 2007).

Cognição é o ato ou processo de conhecer o comportamento humano, nos aspectos das imagens mentais, sua atenção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, consciência, percepção visual e audível, linguagem, a resolução dos problemas, a tomada decisão, sua criatividade entre outros (BRUSCIA, 2000 apud MAYDANA & BRASIL, 2008). Segundo Lanvidar (1990) as áreas cognitivas como memória visual, memória verbal e numérica repetitiva, memória verbal e numérica significativa, conceitos numéricos básicos, cálculo e raciocínio abstrato são extremamente importantes para a vida de qualquer indivíduo, seja ele com presença ou ausência de uma patologia, pois estas nos fazem compreender e responder aos estímulos que são transmitidos.

 2.3.            Terapias musicais para crianças paralisadas cerebrais hemiplégicas

A fonoaudiologia visa o bem estar do indivíduo como num todo tendo o objetivo de estudar a comunicação humana, seu desenvolvimento, aperfeiçoamento, identificação dos distúrbios e diferenças em relação aos aspectos envolvidos na função auditiva periférica e central, na função vestibular, cognitiva, na linguagem oral e escrita, na fala, na fluência dessa fala, na voz, nas funções orofaciais e na deglutição, respeitando os limites de cada um (MARINO et al, 2012).

As terapias fonoaudiológicas têm em vista proporcionar a habilitação, reabilitação e reintegração das pessoas com “problemas” ou com dificuldade em qualquer área da comunicação na sociedade, favorecendo sua comunicação com as pessoas com as quais convivem e com os meios sociais que frequentam, e dentre essas pessoas especiais, inclui-se os portadores de paralisia cerebral (CLIAMA, online).

A fonoaudiologia trabalha com pacientes paralisados cerebrais a linguagem estimulando as áreas psicomotoras e cognitivas de forma dinâmica. Estes pacientes que apresentam transtornos em seu desenvolvimento necessitam de terapias especiais e essenciais para que alcancem melhores resultados em seu tratamento, promovendo também, melhorias em sua qualidade de vida (COSTA, 1999).

As atividades musicais proporcionadas para a criança paralisada hemiplégica são especialmente organizadas, sendo intencionadas para expandir o desenvolvimento como num todo durante o tratamento (LOURO, online).

A música permite a estas crianças exteriorizar-se de modo criativo. Mesmo quando sua deficiência ou sua dificuldade possui uma expansão significativa impedindo que se torne parte ativa na produção musical, a música tende a se tornar um meio extremamente valioso para estes, pois, apesar de suas limitações, a música promove a transmissão de seus sentimentos (alegria, tristeza, assustado etc.), sendo uma forma de comunicação para o mundo externo através das variadas expressões faciais. Assim, a criança consegue demonstrar aquilo que realmente está sentindo, mesmo que sua expressão não seja feita com tanta nitidez por conta de seus limites (POMEROY, 1964 apud LIMA, 2010). Além disso, a música proporciona a estas crianças uma melhoria quanto sua atenção, motivação e relaxamento, tornando-os mais receptivos para qualquer tipo de estimulação (LIMA, 2010).

Kizesinski & Campos (2006) complementam que, a música em terapia favorece a memorização, criatividade, autoimagem corporal e o desenvolvimento das habilidades relativas à locomoção e ao equilíbrio (CHAVES et al, 2008). Permite e promove uma reeducação total. É pelo ritmo, pelo som e pela letra que a música atinge toda a motricidade, sendo a afetividade atingida através da melodia. Assim, quando a criança paralisada cerebral hemiplégica perceber o seu corpo e vivenciar o espaço, sua linguagem irá desabrochar de maneira sucinta. Só ocorre a organização do corpo e do espaço graças à linguagem, que neste caso, é a linguagem musical representada pelo ritmo, letra, som e melodia que são os elementos da música descritas através das canções ou de parlendas. (SOUZA, 2008).

A proposta da terapia fonoaudiológica usando como recurso a musicoterapia, é utilizar as letras musicais que “falem” das áreas psicomotoras, concomitante às áreas cognitivas estimulando-as assim, conseguindo sanar suas dificuldades, além de proporcionar melhorias em sua qualidade de vida (SANTOS, 2003).

            Deve-se levar em conta a importância de um ambiente preparado e propício para realizar as terapias propostas pelo (a) fonoaudiólogo (a), na qual não estejam presentes elementos/brinquedos que desvie a atenção do paciente. Além disso, o ambiente deve ser arejado, calmo, com uma boa iluminação e espelhado, assim, o paciente vai ter o reflexo dos seus movimentos feitos e a do terapeuta através do espelho. Necessita-se de um aparelho de som de boa qualidade, que reproduza as músicas com eficácia para o bom entendimento da melodia e da letra. Além da música, do equipamento de som e de um ambiente apropriado, podemos utilizar outros recursos para incrementar a terapia, como a utilização de fantasias infantis, para alegrar o ambiente e interpretar a músicas selecionadas, bem como brinquedos específicos, como uma boneca e carrinhos, que ao longo da música se tornam elementos terapêuticos para reconhecimento das estruturas corporais, estrutura espacial e temporal e como objeto de transição de uma atividade para outra (BROOK, 2005).

Com o ambiente e a criança previamente preparados, a (o) fonoaudióloga (o) coloca a música no equipamento de som e ainda canta, assim, a criança paralisada cerebral hemiplégica terá um modelo, e em alguns momentos da terapia pede-se para a criança realizar os movimentos pedidos pela letra da música, dando oportunidade a esta em adquirir movimentos jamais ou pouco realizados (BROOK, 2005).

            Dentre o vasto repertório musical disponível no mercado artístico, são descritas algumas músicas que podem ser utilizadas para estimular cada área psicomotora e cada área cognitiva da criança com paralisia cerebral hemiplégica. Dessas, pode-se selecionar ainda, músicas que podem ser trabalhadas em grupo e outras que podem ser melhor exploradas em estimulação individualmente (SANTOS, 2003).

A música infantil ‘Cabeça, ombro, joelho e pé’, pode ser utilizada como recurso para estimular o esquema corporal, com o objetivo da criança reconhecer seu corpo e o corpo do outro no espaço, discriminando cada parte, seja interna ou externa, estimulando-as ao mesmo tempo o cognitivo e psicomotor. Pede-se para que a criança paralisada aponte para as partes do corpo simultaneamente de acordo com a letra da música abaixo (SANTOS 2003; LEVIN, 2001).

Cabeça, ombro, joelho e pé (Xuxa Meneguel)

Cabeça, ombro, joelho e pé
Joelho e pé (2x)
Olhos, ouvidos, boca e nariz
Cabeça, ombro, joelho e pé...

A coordenação motora global, entendida como a capacidade da criança realizar movimentos amplos, pode ser estimulada partir da letra musical descrita abaixo, sendo realizada em grupo, fazendo com que as crianças hemiplégicas se movimentem, caminhando em fileiras, num formato de um círculo e desta forma estas realizam movimentos enquanto observam os amigos trabalhando a coordenação motora ampla. Além disso, explora-se o cognitivo à medida que se solicita a atenção às formas realizadas na coreografia (COSTE, 1992; SANTOS, 2003).

Batalha do aquecimento (autor desconhecido)

 

Vamos para a batalha do aquecimento

Vamos aquecer aqui neste momento

Os braços para cima e para baixo...

A coordenação motora fina, por sua vez, trabalha especificamente o uso de movimentos mais elaborados das mãos e dedos com o intuito de pegar objetos (preensão), aproximá-los e manipulá-los (COSTE, 1992). Nesse caso, pode-se trabalhar essa habilidade em grupo utilizando a música do ‘indiozinho’. Pede-se que as crianças contem representando com os dedos, e realizam gestos para representar a boca do jacaré e o movimento do bote quase virando no rio. Tais movimentos devem ser encenados através das mãos e as crianças devem ficar enfileiradas como se estivessem em uma canoa. Uma dica muito importante é que esta terapia deve ser feita em frente ao espelho para que, além de observar o colega, cada criança se observe realizando os movimentos (SANTOS, 2003).

 

Os Indiozinhos (Eliana)

 

1,2,3, indiozinhos...4,5,6, indiozinhos

7,8,9, indiozinhos...10 num pequeno bote..

 

O equilíbrio estático e dinâmico, definidos respectivamente como um conjunto de movimentos seja repouso ou em movimento, são importantes a serem trabalhadas nas crianças hemiplégicas. Sugere-se para a estimulação a cantiga do ‘Saci Pererê’, pois o personagem folclórico pula de uma perna só, e também na música tocam instrumentos musicais, criando um desafio para criança, que terá que cantar, pular e tocar os instrumentos musicais pedidos. Observa-se que esta atividade fortemente explora a integração sensorial, já que trabalha a percepção auditiva, a propriocepção visual e a percepção do sistema vestibular. Adquirindo esta etapa do equilíbrio corporal, as crianças hemiplégicas tornam-se mais confiantes em si mesmas aumentando sua valorização pessoal (SANTOS, 2003).

 

O saci pererê (autor desconhecido - folclore)

 

O saci pererê, pula de uma perna só

Ele toca o pandeiro, toca como ele só...

 

A lateralidade identifica a dominância lateral da criança e a música ‘Rock Pock’ podemos trabalhar e estimular a dominância lateral da criança hemiplégica, induzindo-a a conhecer sua própria lateralidade. Esta música pode ser trabalhada em grupo, na qual as crianças fazem movimentos com a mão direita depois com a mão esquerda, assim com as outras partes do corpo. É importante ressaltar que sempre devemos levar em conta suas limitações, já que a criança hemiplégica sempre terá maiores dificuldades em realizar movimentos no lado afetado do corpo. (SANTOS, 2003).

Rock Pock’ (autor desconhecido - folclore)

 

Eu ponho a mão direita dentro, eu ponho a mão direita fora

Eu ponho a mão direita dentro, e sacudo ela agora

Eu danço Rock e pock, rock e pock ,rock e pock

Assim é bem melhor...

 

A estruturação espacial é o reconhecimento do nosso corpo no espaço, ou seja, a percepção que temos do mundo, na qual o corpo é a principal referência (COSTE, 1992). A área psicomotora pode ser estimulada através da cantiga ‘Periquito’, o que com que a criança vivencie noções de espaço ‘por cima, por baixo, pra frente, para trás’ (SANTOS, 2003). A letra da música diz assim:

Periquito (Folclore judeu – autor desconhecido)

 

Periquito, periquito parece com papa (2x)

Por baixo, por cima, pra frente e pra trás (2x)

Já a estruturação temporal está completamente relacionada ao corpo, espaço e ao tempo, na qual o corpo se movimenta coordenando-se dentro de um determinado espaço em função de um tempo e em relação a um sistema de referência (OLIVEIRA, 2002). Além disso, as noções temporais como, passado, presente e futuro; antes, durante e depois estão inclusas dentro da orientação temporal e garantem a localização dos acontecimentos temporais (SANTOS, 2007). A música ‘O tempo’, é um ótimo recurso para estimulação temporal, pois esta trabalha estações do ano, meses do ano, dias da semana, e também podemos estimular a emoção da criança, demonstrando, por exemplo, o sentimento da saudade ou o da felicidade como a letra musical apresenta abaixo:

O tempo (Bia Bedran)

 

Primavera, verão, outono, inverno...

Segunda-feira, terça-feira
Quarta-feira...

Janeiro, fevereiro, março, abril
Maio, junho e julho...

 

Passa o tempo, passa... passa o tempo sem parar

 

Saudade que não se mata, com o tempo vai melhorar
Mentiras soltas ao vento, o tempo vai revelar.
Verdade que não se cala, chama o tempo pra contar...

 

Passa o tempo, passa, passa o tempo sem parar.

            E por fim, o ritmo, na qual se insere na estruturação temporal, sustentando a adaptação do tempo (COSTE, 1992). Toda criança se relaciona com os ritmos da vida desde seu nascimento: o ritmo da respiração; o compasso dos batimentos cardíacos; o tempo de se alimentar; o aconchego do colo da mãe; o ritmo do andar, da música; dias de sol e noites de lua; primavera, verão, outono e inverno. O movimento da vida humana é dinâmico e segue lado a lado com a natureza (SANTOS, 2003). A música ‘O macaquinho’, representa um personagem muito alegre e saltitante, e realiza movimentos como pular, andar, correr, e em círculo as crianças hemiplégicas realizam os movimentos ora lento, ora rápido. Dessa forma, conseguimos reter a atenção para escutar seus batimentos cardíacos percebendo seu próprio corpo enquanto deitam ‘para sonhar’ (SANTOS, 2003). Sendo a letra musical a seguinte:

O macaquinho (autor desconhecido)

 

Anda, anda, anda macaquinho, anda, anda, anda sem parar...

 Pula, pula, pula macaquinho, pula, pula, pula até cansar

 Corre, corre, corre macaquinho, corre, corre, corre sem parar

Deita, deita, deita macaquinho, deita, deita, deita dorme até sonhar

 

Sabe-se que as estruturas cognitivas são estimuladas a todo tempo, em quaisquer letras musicais descritas e mencionadas acima e em várias que não puderam ser citadas. Para que a criança hemiplégica realize um movimento psicomotor, seja lateral, espacial ou outro qualquer, é necessário que esta tenha uma atenção extremamente focada, um raciocínio e uma memorização quanto aos passos do movimento além da concentração para transformar a ideia do movimento em movimento propriamente dito.

 3.      Considerações Finais

Ao longo deste trabalho, conclui-se que a musicoterapia é um recurso utilizado por diversos profissionais incluindo o fonoaudiólogo, e proporciona a estes um trabalho em terapia de forma mais lúdica e interativa. A música, como sendo um alvo terápico tem o poder de aliviar a tensão e facilitar a linguagem. Contribui para o desenvolvimento cognitivo e psicomotor despertando a criatividade, pois esta, por si própria contribui para o pensamento criativo. Ela torna o ambiente da terapia mais receptivo, deixando o paciente mais interessado e disposto a se entregar a ludicidade.

A música sendo arte do movimento explora todas as possibilidades corporais da criança, pois, utiliza à expressão corporal, os esquemas motores básicos, a estruturação do tempo e do espaço e a expressão de significados, sentimentos e emoções através dos gestos estabelecendo a interação do mundo e com as demais crianças através do seu próprio corpo. Sendo assim, as atividades musicais ajudam na coordenação motora, na organização espaço-temporal e na expressão oral, dando-lhe ao mesmo tempo a oportunidade de expressão livre e prazer, evitando os bloqueios emocionais.

A linguagem musical o transporta para um mundo completamente terápico, na qual a música tende a fazer com que o corpo e a mente relaxem quanto à rigidez e a irritabilidade por exemplo, deixando o indivíduo mais apto para conseguir realizar movimentos que nunca tinham feitos. Portanto, é fato afirmar que os limites podem ser superados pelo simples fato de que música é sim uma terapia e é completa.

Sendo assim, a música possui uma total relação entre as áreas psicomotoras e cognitivas de uma criança, pois esta, integrada às terapias fonoaudiológicas além de estimular, a criança hemiplégica desenvolve habilidades que antes não apresentavam, pois trabalha de forma lúdica e prazerosa todas as percepções prejudicadas, tendo assim como objetivo, a melhoria em sua qualidade de vida. Pois, uma função estimulada sempre envolve tantas outras funções, visto que o indivíduo não se divide em camadas, ele é formado por elas.

 Referências Bibliográficas

 BRUSCIA, Keneth E. Definindo Musicoterapia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000. p 300.

CÂNDIDO, A. M. D. M. A Paralisia cerebral: abordagem para o pediatra geral e manejo multidisciplinar. Brasília, 2004. p 1-17. Disponível em: (www.paulomargotto.com.br/documentos/paralisiacerebra.doc), acesso no dia: 23/102/2012.

CORRÊA, G. M. N. A educação condutiva como possibilidade de desenvolvimento e inserção social. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade do Vale do Itajaí-UNivali. Santa Catarina, p. 110. Disponível em: (http://www.centroruibianchi.sp.gov.br/usr/share/documents/GraciaMariaNascimentoCorrea.pdf), acesso no dia: 25/02/20012.

TEIXEIRA-ARROYA, C; OLIVEIRA, S. R. G. Atividades aquáticas e a psicomotricidade de crianças com paralisia cerebral. Motriz. Rio Claro, v.13 n.2 p.97-105, 2007.

DEDERICH, A. C. Desenvolvimento cognitivo e linguagem na paralisia cerebral. Rio de Janeiro, p. 9-10, 2000. Disponível em: (http://www.cefac.br/library/teses/39b1aec2b9bf05903941e267aae39d8f.pdf), acesso no dia 25/02/2012.

HOFFMANN, R. A. Paralisia Cerebral e Aprendizagem: um estudo de caso inserido no ensino regular. p. 4-5, disponível em: (http://www.posuniasselvi.com.br/artigos/rev02-12.pdf),  acesso do dia: 19/02/2012.

SANTOS, D. G. Brinquedos cantados na psicomotricidade. 2003. Monografia (Pós-graduação em psicomotricidade) – Universidade Cândido Mendes. Rio de Janeiro. 57 p.

SANTOS, M. R. S. Desenvolvimento psicomotor da criança de 6 a 9 anos. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: (http://www.avm.edu.br/monopdf/7/MILENA%20REIS%20SILVA%20DOS%20SANTOS.pdf), acesso no dia 15/04/2012.

PINHO, G. K. O. Paralisia Cerebral: alterações e atuação fonoaudiológicas. 1999. Monografia (Curso de especialização em Motricidade oral) – Centro de especialização em Fonoaudiologia Clínica-CEFAC, Curitiba. 50 p. Disponível em: (http://www.clariah.com.br/systemfiles/article/27/PC_CEFAC.pdf), acesso no dia: 19/02/2012.