RESUMO
Este artigo abordará uma confrontação entre os maiores poetas simbolista da Literatura Portuguesa e da Literatura Brasileira, este confronto se dará com um dos grandes poetas simbolistas brasileiros "O cisne Negro" o grande Cruz e Souza juntamente com a gloriosa poetisa da Literatura Portuguesa Florbela Espanca. O foco desta comparação é verificar a verossimilhança entre ambos, começando desde alguns poemas selecionados e que serão exaltados logo a diante, contendo nestes poemas a temática da angústia, do ódio, sofrimento, e até mesmo uma exaltação pela morte como fuga ao encontro do amor, da felicidade que tanto buscara. Outra questão que será abordado é a das características do simbolismo nos poemas. Porém, não se pode escrever a criatura sem conhecer o criador, de um lado, o grande Poeta Negro Cruz e Sousa, descriminado pela sociedade que negava aceitar suas digníssimas obras, somente pelo fato do criador ser negro, fato este inaceitável pela sociedade daquela época, trazendo desta forma uma angústia, tristeza e ódio ao mestre simbolista brasileiro. De outro, a gloriosa Poetisa Portuguesa Florbela Espanca discriminada por uma só condição, "A de ser mulher" o fato de ser mulher, naquela época, foi um enorme impedimento ao desempenho de Florbela. Num tempo em que apenas algumas liberdades começam a ser reconhecidas às mulheres, Florbela teve de enfrentar um mundo dominado por homens, que mostrava muito pouca permeabilidade às mulheres que se destacavam, por exemplo, nas artes ou na literatura. A revolta contra a condição secundária, cujas mulheres do seu tempo eram colocadas revolta-a frequentemente e, em cartas à sua amiga Júlia Alves, com quem troca regularmente correspondência sem nunca chegar a conhecê-la, acaba por reconhecer que se sente presa no casamento, um sintoma de que, de fato, Florbela nasceu numa época que não era a sua, regida por normas a que dificilmente a poetisa conseguiu adaptar-se. Era, de fato, alguém diferente. Numa época dos arrebatamentos nacionalistas e místicos. Enfim, será realmente que Cruz e Souza e Florbela Espanca falam, sentem e escrevem a mesma língua? Este será o desenrolar deste artigo.

Palavras-chave: Vida obscura, alma solitária, amor não encontrado, a morte como libertação.


A poetisa Portuguesa Florbela Espanca é uma escritora simbolista, contendo características que podem ser notadas em todas as suas obras como recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no infinito. Nos versos de Florbela, encontra-se frequentemente uma necessidade, quase desesperada, de viver o instante, o momento, o tempo efêmero que passa, sobretudo quando se trata de um tempo feliz, como no soneto "Hora que Passa", de onde se depreende a referência à fugacidade do tempo e da vida. Esta temática, abordada quase obsessivamente por Florbela, aproxima-a da corrente simbolista. A postura passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico. Simultaneamente, a paisagem da charneca alentejana está presente em muitas das suas imagens e poemas, transbordando a convulsão interior da poetisa para a natureza. Florbela Espanca não se ligou claramente a qualquer movimento literário. Está mais perto do neoromantismo e de certos poetas de fim-de-século, portugueses e estrangeiros, que da revolução dos modernistas, a que foi alheia. Pelo caráter confessional, sentimental, da sua poesia. Poetisa de excessos cultivou exacerbadamente a paixão, com voz marcadamente feminina. A sua poesia, tem suscitado interesse contínuo de leitores e investigadores. É tida como a grande figura feminina das primeiras décadas da literatura portuguesa do século XX.
Segundo palavras da própria, sentia-se uma mulher sensitiva, totalmente desligada das mulheres animais, que se consideravam apenas fêmeas, satisfazendo-se como posse. É por isso que achava que nenhum homem merecia o sacrifício da sua liberdade, e é também por isso, que a moral tradicional, atribuindo às mulheres uma participação mínima na sociedade, era incompatível com sua maneira de pensar, favorável à emancipação feminina (José Mattoso, "História de Portugal").
Por outro lado, o modo como se referiu na sua obra, à condição feminina é verdadeira chave que abre a Florbela o caminho para a glória literária, Florbela entra para o templo dos escritores clássicos através de um espaço literário independente, cujo emblema é a sua própria condição feminina (Rui Guedes, Acerca de Florbela).
Assim como Florbela Espanca, o mundo para Cruz e Sousa foi de sofrimento, duas vozes simbolistas do discurso poético refletirão sobre esta marca características de suas obras. Vida sofrida, morte prematura, origem escrava e negro em um país escravocrata e racista, nada disso impediu o gênio de Cruz e Sousa e Florbela de manifestarem-se. Fundamental para este sucesso de um indivíduo contra tantas dificuldades foi à educação dada pelo ex-senhor branco Guilherme de Sousa, Marechal que adotou o poeta ainda criança e de quem este adotou o sobrenome.
Mas toda esta proteção não foi suficiente para evitar a discriminação racial. Depois de dirigir um jornal abolicionista, foi impedido de deixar sua terra natal por motivos de preconceito racial. Algum tempo depois é nomeado promotor público, porém, é impedido de assumir o cargo.
Afinal, sendo negro, ex-escravo e poeta de qualidade inconteste, apesar de não ter alcançado o merecido reconhecimento ainda em vida, ele é tanto oprimido quanto herói. A sua vida foi uma história sofrida, mas é também a história da vitória de um homem contra uma sociedade opressora através do seu valor individual. Podemos vê-lo como um fruto do individualismo ocidental no Brasil, justamente no final do século XIX, período de grandes mudanças no Brasil, responsáveis por aproximá-lo da modernidade. Assim, podemos apreciar a obra deste poeta não só pela sua qualidade estética, mas também através de um viés sociológico.
Cruz e Sousa é, sem sombra de dúvidas, o mais importante poeta Simbolista brasileiro, chegando a ser considerado também um dos maiores representantes desta escola no mundo. Muitos críticos chegam a afirmar que se não fosse a sua presença, a estética Simbolista não teria existido no Brasil. De um lado, encontram-se aspectos noturnos, herdados do Romantismo como, por exemplo, o culto da noite, certo satanismo, pessimismo, angústia morte. Já de outro, percebe-se certa preocupação formal, como o gosto pelo soneto, o uso de vocábulos refinados, a força das imagens. Em relação a sua obra, pode-se dizer ainda que ela apresente um caráter evolutivo, pois trata de temas até certo ponto pessoais como, por exemplo, o sofrimento do negro que evolui para a angústia do ser humano.
Desta forma, tendo uma visão de vivencia tanto de Cruz e Sousa quanto de Florbela, é notável o motivo e como, e com que sentimentos ambos escreviam, em que se inspiravam para escrever, "Porque escrever um poema?".
Segundo Florbela, o poeta escreve para expressar suas reflexões, sua emoções, sua visão de vida interior ou sobre o interior que o circula, enfim, o move e o faz viver. Numa carta de 14 de outubro de 1930, Florbela afirmara "não saber fazer mais nada a não ser versos" é notável também na explicação contida no soneto inicial do "Livro de Mágoas" e também no poema " Angústia". Florbela escreveu um livro contendo suas angústias, dores, dores estas que o motivo estava na rejeição de suas obras pela sociedade, "dores" por não poder ser amada de verdade, por não ter um filho, por teu irmão ter morrido.

Livro de Magoas... Dores... Ansiedades!
Livro de Sombras... Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo... (trouxe-o no meu peito)
Irmãs na dor, olhos rasos na água,
Chorai comigo a minha imensa magoa
Lendo o meu livro só de mágoas cheio (FLORBELA, 1930, p.)

"Névoas e saudades!", ó saudades estas de teu irmão que morrera, os momentos felizes ficaram nas saudades, "vai pelo mundo" a partir do momento em que a escritora sai mundo a fora, em busca publicar suas obras e ser aceita pela sociedade, a cada tentativa era uma decepção, era uma angústia, choro, desta forma, a escritora escreveu este livro, que é prova de suas decepções amorosas, maternais, e pessoais obtidas pela sociedade.

Ódio por ele? Não... se o amei tanto,
(...)
Ódio seria em mim saudade infinita,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda.
Ódio por ele? Não...não vale a pena.
(FLORBELA, livro de Soror saudades, poema Ódio?, 1930)


Nota-se neste poema que Florbela expressa o ódio por ter perdido um amor, logo em seguida, ela modifica, dizendo que não vale à pena ter ódio por um amor perdido.

Sou a crucificada? a dolorida?
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do sonho, e desta sorte
Sou crucificada... a dolorida...
(...)
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou
(FLORBELA, livro de Soror saudades, poema Eu, 1930)


Em um segundo momento, no poema "Eu" Florbela apresenta-se como uma mulher desnorteada, sem rumo na vida, desejando a evasão e sendo ligada com a irrealidade. "Crucificada" e "dolorida" são os adjetivos escolhidos para se caracterizar psicologicamente. Crucificada por não ser compreendida pelos maridos e não só, "dolorida" pela tristeza que trazia dentro de si. No primeiro terceto destaca a falta de atenção, a discriminação, o estereótipo que sofria por toda a gente pensar que estava sempre triste, acabando por confessar não saber o porquê de muitas vezes chorar. Florbela muitas vezes nos seus poemas confessa que não se sabe definir porque ainda não se encontrou, provavelmente a sua tristeza sistemática muitas vezes tinha um significado que ela própria não sabia.


Saudades! Sim... Talvez... e porque não?... Se o nosso sonho foi tão alto e forte. Que bem pensara vê-lo até à morte. Deslumbrar-me de luz o coração! Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão! Que tudo isso, Amor, nos não importe. Se ele deixou beleza que conforte. Deve-nos ser sagrado como o pão! Quantas vezes, Amor, já te esqueci, Para mais doidamente me lembrar, Mais doidamente me lembrar de ti! E quem dera que fosse sempre assim: Quanto menos quisesse recordar. Mais a saudade andasse presa a mim! ((FLORBELA, livro de Soror saudades, poema Saudade, 1930)


Já neste poema "Saudades", a poetisa exalta a saudade esquecida, ela descreve de uma forma que como se fosse engraçado, pois ela ressalta que já havia esquecido o amor varias vezes, porém como foi forte o que eles viveram tendo de ser lembrado a todo instante e nunca esquecido, pois tem de ser sagrado como pão segundo a autora, num certo momento no poema essa ressalta que o amor foi tão forte e alto que ela pensara em vê-lo até a morte. Este poema é notável a exaltação da morte como fuga em busca do amor, da felicidade, que em vida não encontrara
Ó Cruz e Sousa, duas vezes maldito, no sentido de ser marginalizado e discriminado, pela raça e pela poesia. Em suas obras, teve de suportar críticas e sátira por parte de quem analisou protegido pelo preconceito racial e literário.

"Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entro os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres.
O mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste num silêncio escuro.
A vida presa a trágicos deveres.
{...}
Ninguém te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou o mundo.
{...}
(CRUZ E SOUSA, Sonetos, Vida Obscura, 1983)


A rejeição nos meios literários e na imprensa alimenta sua mágoa, que alimenta seu verso. A mágoa se destila, vira matéria-prima da poesia. A experiência concreta articula-se com a retórica, ou seja, o cotidiano ingrato converte-se na tópica decadentista do poeta maldito.

Ó meu ódio, meu ódio majestoso,
Meu ódio santo e puro e benfazejo,
Unge-me a fronte com teu grande beijo,
Torna-se humilde e torna-me orgulhoso.

Humilde, com os humildes generoso,
Orgulhoso com os seres sem Desejo,
Sem Bondade, sem Fé e sem lampejo
De sol fecundador e carinhoso.

Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
Da minh'alma agitado no infinito,
Através de outros lábaros sagrados.

Ódio são, ódio bom! sê meu escudo
Contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
Das sete torres dos mortais Pecados
(CRUZ E SOUSA, sonetos, ódio Sagrado, 1983)

Neste soneto, Cruz e Sousa, sofrendo as rejeições de empregos e de suas obras literárias por meio da sociedade, escreve este soneto dizendo que seu ódio era sagrado, pois ele tinha um motivo óbvio para isso e que aquele ódio era sagrado.

Junto da Morte é que floresce a Vida!
Andamos rindo junto à sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.
A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura...
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.
Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.
E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!
(CRUZ E SOUSA, sonetos, Ironia de lágrimas, 1983)


Neste soneto, Cruz e Sousa, faz uma exaltação à morte como uma nova vida, ele despede-se da vida como caminhos vãos, andou o pouco de sua vida para nada. Tudo foi em vão.
A partir da comparação, chegamos à conclusão de que Cruz e Souza e Florbela Espanca falam, sentem e escrevem a mesma língua, gloriosos principalmente pelo fato de serem unicamente simbolistas, pois de fato tanto nas obras de Cruz e Sousa quanto na de Florbela notam-se as mesmas características que somente os simbolistas tem como a reverência do gosto romântico do vago, do nebuloso, do impalpável, amor da paisagem esfumada e melancólica, outoniça ou crepuscular, visão pessimista da existência, cuja efemeridade é dolorosamente sentida, temática do tédio e da desilusão, distanciamento do Real, egotismo aristocrático, e subtil análise de cambiantes sensoriais e afetivos, repúdio do lirismo de confissão direta, ao modo romântico, expansivo e oratório, larga utilização, não só do símbolo tipicamente simbolista, polivalente e intraduzível, mas da alegoria, da imagem a que deliberada e claramente se confere um valor simbólico, da comparação expressa ou implícita, da sinestesia, da imagem simplesmente decorativa, musicalidade que não se reduz ao jogo de sonoridades do verso, antes, como observa, se prolonga em ressonância interior até para além da leitura do texto, libertação de ritmos
A vivencia de ambos foi de sofrimento, escrava e negro, ambos discriminados pela sociedade hipócrita de suas épocas que não souberam reconhecer suas obras em vida, somente após a morte. Mas o tempo fez com a sociedade se moldassem e reconhecem seus belíssimos trabalhos como um marco épico do Grande Poeta Simbolista Brasileiro Cruz e Sousa, e uma das Maiores Poetisas Femininas Portuguesas Florbela Espanca.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


ALEXANDRINA, Maria, A Vida Ignorada de Florbela Espanca, Porto, Edição da Autora, 1964, 224 páginas

BESSA LUÍS, Agustina, Florbela Espanca - A Vida e a Obra, 1ª edição, Arcádia, Fevereiro de 1979, 262 páginas

GUEDES, Rui, Acerca de Florbela, Lisboa, Publicações D. Quixote, Colecção Florbela Espanca, 1986, 237 páginas

MATTOSO, José (coordenação), História de Portugal, 8 volumes, Lisboa, Editorial Estampa, volume V, 1993.

«A vida, o talento e as tendências mórbidas de Florbela Espanca - Revelações inéditas», in O Globo, 14 de Março de 1983.

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