FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL JUDICIAL: INSTRUMENTO GARANTIDOR DA EFETIVIDADE DO PROCESSO.[1]

 

Clara Oliveira Almeida Castro e Maria Eduarda Costa Carneiro[2]

Hugo Passos[3]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Rigidez do procedimento sob a ótica do ordenamento brasileiro; 2 Previsibilidade do procedimento e a segurança jurídica; 3 Análise acerca da flexibilização procedimental; 3.1 Espécies de flexibilização procedimental; 4 Flexibilização procedimental no Brasil; 4.1 Procedimento flexibilizado no projeto do CPC; Conclusão; Referências

RESUMO

O presente paper tem por objetivo apresentar um estudo analítico acerca da flexibilização procedimental. Sendo assim, busca-se em primeiro momento demonstrar a rigidez do procedimento no ordenamento jurídico brasileiro, para posteriormente verificar em que contexto tornou-se necessária a flexibilização procedimental, como se deu a ocorrência no Brasil, com enfoque para o atual projeto do CPC n°166/10 e detalhar as espécies de flexibilização procedimental correlacionando-as com o caso concreto. Para melhor compreensão da questão, será necessária uma leitura mais aprofundada do tema proposto.

PALARAVRAS-CHAVES: rigidez, flexibilização, procedimentos, legislação

INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil brasileiro de 1941 e a Constituição Federal de 1988 apresentam um sistema rígido de normas procedimentais. Assim sendo, geralmente não cabe ao magistrado ou às partes o poder de optar pelo procedimento que considera mais adequado a um determinado processo, uma vez que, conforme o CPC, os procedimentos são pré-determinados.

A rigidez processual, no entanto, pode ferir princípios constitucionais, tais como: a duração razoável do processo, a celeridade e a efetividade processuais. Essa característica reflete no andamento processual, fazendo com que o Judiciário retarde na resolução de conflito, lesando a sociedade com um procedimento engessado. Há que se ressaltar que a adequada tutela jurisdicional não pode ser negada sob o pretexto da ausência de um modelo de procedimento, vendo-se na flexibilização o caminho mais eficaz para a garantia dos direitos.

É neste contexto que o sistema processual brasileiro consolidado em procedimentos rígidos passou a ser objeto de críticas dos doutrinadores e legisladores brasileiros. Ganha espaço, portanto, a necessidade da flexibilização procedimental, cujo objetivo seria transformar o código processual em instrumento adequado à realidade jurídico-brasileira.

Em contrapartida, a flexibilidade procedimental nos remete a um sistema processual livre, no qual se desconhece as regras e, por conseqüência, inexiste uma previsibilidade do procedimento para se alcançar o pronunciamento jurisdicional. Esta matéria enseja inúmeras discussões a respeito do princípio da segurança jurídica e de sua utilização, assim, faz-se necessário discutir e pensar sobre o assunto a ponto de torná-lo objeto de estudo.

Portanto, será realizada uma análise acerca da flexibilização do procedimento como um todo, com enfoque ao ordenamento jurídico brasileiro, bem como apontar mecanismos adotados no sistema vigente para evitar a perda da previsibilidade e segurança do sistema. Nesse contexto, surge o Anteprojeto do novo Código de Processo Civil brasileiro, convertido no Projeto de Lei do Senado – PSL 166/10, que prevê hipóteses para a possibilidade de um procedimento flexibilizado.

1 RIGIDEZ DO PROCEDIMENTO SOB A ÓTICA DO ORDENAMENTO BRASILEIRO

Atualmente, a rigidez do procedimento processual civil é objeto de grandes reflexões dos estudiosos do tema. De acordo com o ilustre estudioso da matéria, Fernando da Fonseca Gajardoni, o sistema brasileiro assegura ao magistrado o princípio do livre convencimento motivado, conforme o artigo 131 do Código de Processo Civil (CPC), dessa forma, o juiz, com base na lei, nas provas levantadas e na sua convicção pessoal, pode decidir livremente a pretensão formulada. No entanto, de maneira paradoxal, o ordenamento jurídico brasileiro não permite ao julgador a liberdade de optar por qual ato processual deverá conduzir processo.

Embora o Estado brasileiro traga em sua essência a garantia aos princípios constitucionais, como a duração razoável do processo, celeridade e efetividade processuais, a utilização de um procedimento pré-determinado é explicada como uma forma de controlar a função Judicial do Estado. Alguns doutrinadores clássicos criticam a flexibilidade do procedimento por acreditar tratar-se de uma ampliação perigosa do poder do magistrado, o que acarretaria dificuldades na fiscalização da função jurisdicional.

A legalidade das formas do procedimento é uma regra predominante no sistema processual brasileiro. A previsibilidade observada diante das demandas que chegam ao Judiciário tem como objetivo evitar ações arbitrárias. A legalidade das formas pode ser vista desde os primeiros diplomas nacionais do processo civil, como no Regulamento 737, elaborado logo após 1850, que possuía influência das Ordenações Filipinas, que tinham como principal característica uma formalidade escrita.

A Constituição de 1988 decidiu por permitir aos Estados-membros e ao Distrito Federal que legislem sobre procedimento em matéria processual. Segundo Gajardoni (2008, p. 28), o constituinte decidiu dessa forma, devido ao fato de que, com as dimensões continentais do nosso país e as diferenças regionais gritantes, o regramento básico realizado pela União havia de ser compatibilizado às realidades estaduais e municipal, com a finalidade uma melhor aplicação.

Assim, quanto à edição de normas processuais, apenas à União é lícito legislar. Mas no que toca ao procedimento em matéria processual, trata-se de uma repartição vertical da competência entre União, Estados e Distrito Federal. Assim, Gajardoni concluiu que

 a) A união só pode editar normas gerais em matérias de procedimento, competindo aos Estados e Distrito Federal a edição de normas suplementares; b) Na inércia da Constituição Federal  na edição destas normas gerais, os Estados e Distrito Federal podem editar leis gerais e particulares para valerem em seu território, sempre condicionada às peculiaridades locais; c) todavia, na superveniência de lei federal geral sobre procedimentos em matéria processual, as normas gerais editadas pelo Estado ou Distrito Federal terão sua vigência suspensa no que contrariar as regras genéricas impostas pela União. (GAJARDONI, 2008, pág. 28)

Por ora, faz-se necessário diferenciar normas processuais de normas procedimentais. Para Enrico Tulio Liebman (1985, p 33), processo é uma série de atos jurídicos que se sucedem e são ligados por uma finalidade comum, a sentença, que só é alcançada através do exercício de direitos, deveres e ônus entre os sujeitos do processo. São normas processuais, portanto, todas aquelas relacionadas à gênese da relação jurídica processual, como jurisdição, ação, defesa e contraditório (Gajardoni, 2008, p. 32).

Enquanto normas procedimentais, de acordo com Gajardoni (2008, p. 38) são as normas que regulam o modo de desenvolvimento da relação jurídica processual, a sua dinâmica e movimento. Assim, o processo pode conter um ou mais procedimentos, ou, inclusive, um procedimento incompleto.

O processo não existe sem o procedimento.  Com base nisto, dois sistemas processuais são reconhecidos pela doutrina: sistema de legalidade das formas procedimentais e o sistema de liberdade de formas procedimentais. No primeiro sistema, cada norma processual encontra-se rigidamente preestabelecida em lei. A previsibilidade e a segurança que ofertam ao jurisdicionado são as grandes vantagens deste sistema. No entanto Gajardoni (2008, p. 79) acredita que este modelo torna-se burocrático na medida que ocorre a prática de atos processuais desnecessários à efetiva tutela dos direitos.

Já no sistema de liberdade de formas procedimentais não há uma ordem legal preestabelecida. O mérito desde sistema é que ele é capaz de permitir um encaminhamento mais célere do processo, uma vez que existe a possibilidade de eliminação de atos desnecessários , bem como da adequação à efetiva tutela do direito material. Todavia, este modelo gera certa insegurança. Diante disso, entende-se que não há sistemas totalmente puros, no entanto, a grande maioria, é tendente à rigidez, como o brasileiro.

O sistema formal do processo, segundo Didier

não compreende apenas a forma, ou as formalidades, mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação da sua atividade, ordenação do  procedimento  e  organização  do  processo,  com vistas  a  que  sejam  atingidas  as  suas  finalidades  primordiais  (DIDIER, 2002).

Assim, para alguns estudiosos, O procedimento imutável como matéria de  ordem pública não pode ser alvo de criações para este ou aquele individualmente, demandado ou demandante, estando nele o instrumento de controle da função judicial e igualdade entre as partes, como regras de jogo  previamente estabelecidas, não sendo possíveis surpresas nessa seara.

2 PREVISIBILIDADE DO PROCEDIMENTO E A SEGURANÇA JURÍDICA

A flexibilidade procedimental nos remete a um sistema processual livre, no qual se desconhece as regras e, por consequência, inexiste uma previsibilidade do procedimento para se alcançar o pronunciamento jurisdicional. Esta matéria enseja inúmeras discussões a respeito do princípio da segurança jurídica. 

O Brasil adota o sistema romano-germânico – civil law – no ordenamento jurídico vigente. Tal sistema valoriza a legalidade das formas e do direito positivado como inerente ao Estado. Assim, um procedimento flexível, ordenado pelo magistrado, estaria facilmente sujeito aos arbítrios e preferências públicas sobre os interesses individuais.

Conceder ao julgador a possibilidade de flexibilizar o procedimento, faria dele detentor de um poder de administrar custas e tempo sobre os direitos individuais de outrem. Diante disso, tal possibilidade pode ameaçar o princípio da segurança jurídica, princípio que impede a constituição e desconstituição injustificadas de atos ou situações jurídicas. Nesse sentido, Fernando da Fonseca Gajardoni explica que:

Obviamente, algum critério, ainda que mínimo, deve haver para que possa ser implementada a variação ritual, sob pena de tornarmos nosso sistema imprevisível e inseguro, com as partes e o juiz não sabendo para onde o processo vai nem quando ele vai acabar. (2008, p. 88)

Por isso, o legislador, com o objetivo de dar ordem, clareza, precisão e segurança de resultados às atividades processuais, bem como de garantir a tutela de direitos individuais ou coletivos “alçou algumas exigências técnicas a regras legais e subordinou a eficácia dos atos processuais à observância dos requisitos de forma” (Liebman, 1985, p. 225).

Segundo Rui Portanova (1995, p. 180) tais requisitos constituem-se em uma formalidade mínima que preside todo o processo, pois indispensável para que o Estado possa cumprir integralmente a prestação jurisdicional, e ao mesmo tempo obter confiança do povo nas decisões do Poder Judiciário.

De acordo com Carlos Alberto Alvaro Oliveira (1997, p. 6-7), estudioso do tema, entre as funções do formalismo estaria a de se emprestar previsibilidade ao procedimento e de disciplinar o poder do juiz, atuando como garantia de liberdade contra o arbítrio dos órgãos que exercem o poder do Estado.

Ainda de acordo com o autor, as regras procedimentais, para cumprirem seu papel garantista, devem ser rígidas, pois “a realização do procedimento deixada ao simples querer do juiz, de acordo com as necessidades do caso concreto, acarretaria a possibilidade de desequilíbrio entre o poder judicial e o direito das partes” (OLIVEIRA, 1997, p. 7-8).

Diante disso, Dinamarco (1996, p. 127) explica que os atos processuais que compõem o rito processual devem estar previstos expressamente e em lei, pois a previsibilidade e a anterioridade do procedimento é que conferem à decisão judicial penhores de legalidade e legitimidade, sendo dele requisitos inafastáveis.

Todavia, a absoluta rigidez formal é regra estéril, capaz de dissipar os fins do processo, que é oferecer em cada caso concreto a tutela mais justa. O processo deve preocupar-se com os resultados e não com formas preestabelecidas e engessadas. Assim, doutrinadores afirmam ser possível flexibilizar a rigidez do procedimento sem perder a previsibilidade e segurança do sistema.

3 ANÁLISE ACERCA DA FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL

O aparato de normas processuais é um conjunto de procedimentos rígidos, em que os atos e formas processuais estão organizados de forma sequencial, resultando numa margem mínima de adequação ao caso concreto pelo juiz, em que prevalece a legalidade em face da liberdade. Nesse contexto, o processo que tem por finalidade garantir o direito material e a efetiva prestação jurisdicional acaba por não cumprir a sua finalidade e os preceitos constitucionais acerca do processo. Assim, a flexibilização procedimental será detalhada para compreender a sua utilização como meio de garantir a celeridade e justiça “engessadas” pelo rígido sistema procedimental.

No Brasil, o sistema adotado é o da civil Law, em que se privilegia o que está imposto pela lei de forma legal, prevendo indistintamente condutas que regulam o comportamento humano a fim de conduzir uma sociedade equilibrada, estabelecendo normas abstratas e gerais, que serão aplicadas exatamente como expresso em lei ao caso concreto, a fim de assegurar a igualdade entre as partes na relação processual.

Entretanto, ocorre que o apego à forma em detrimento do conteúdo é tão grande que por vezes desvia os escopos da tutela jurisdicional que se quer efetivar através do processo, em que privilegia-se a forma, em que prevalece o princípio da legalidade das formas em detrimento do principio da liberdade das formas. Assim, o instrumento destinado a prestar o direito material reivindicado pela parte, passa a ser o principal impeditivo de realização da mesma, devido ao seu engessamento das formas em nome da segurança jurídica.

Nesse contexto questiona-se o sistema rígido dos moldes procedimentais em face de uma prestação jurisdicional mais célere e eficiente, devido a enorme demanda de processos, ligar-se de forma exacerbada aos contornos edificados pelo legislador gera um amontoado de processos que necessitam de soluções e encontram-se presos à rigidez dos procedimentos. Assim, a jurisprudência e a doutrina passaram a se posicionar no sentido de desconsiderar vícios processuais sanáveis e procedimentos menos rígidos.

Nesse esforço de criar alterações normativas a fim de flexibilizar o procedimento, o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, atualmente convertido no Projeto de Lei do Senado - PLS 166/10 adotou este sistema em seu conteudo ao ampliar poderes ao magistrado para que atue quando da falta de legislação específica quando da análise do caso concreto.

A flexibilização procedimental descrita é regida por dois princípios, quais sejam; principio da adequação e princípio da adaptabilidade. O primeiro deles segundo Gajardoni (2008, p. 134), refere-se ao legislador tanto federal quanto estadual que devem ter em mente construir modelos procedimentais que visem conferir  tutelas voltadas a garantir o direito material. Didier reitera a natureza legislativa deste princípio:

A construção do procedimento deve ser feita tendo-se em vista a natureza e as idiossincrasias do objeto do processo a que servirá; o legislador deve atentar para estas circunstâncias, pois um procedimento inadequado ao direito material pode importar verdadeira negação da tutela jurisdicional. O princípio da adequação não se refere apenas ao procedimento. A tutela jurisdicional há de ser adequada; o procedimento é apenas uma forma de se encarar este fenômeno. (DIDIER, 2006, p. 64)

Já o princípio da adapdabilidade é endereçado ao juiz, sendo portanto pós-legislativo, pois não compete mais ao legislador modificar o procedimento, mas ao juiz, que deverá adaptá-lo da forma mais conveniente ao caso concreto, a fim de atender as peculiaridades da causa, e garantir o direito material, sem contudo por em risco a segurança jurídica e os preceitos constitucionais.

Nada impede, entretanto, antes aconselha, que se possa previamente conferir ao magistrado, como diretor do processo, poderes para conformar o procedimento às particularidades do caso concreto, tudo como meio de mais bem tutelar o direito material. Também se deve permitir ao magistrado que corrija o procedimento que se revele inconstitucional, por ferir um direito fundamental processual, como o contraditório (se um procedimento não previr o contraditório, deve o magistrado determiná-lo, até mesmo ex officio, como forma de efetivação desse direito fundamental). Eis que aparece o princípio da adaptabilidade. (DIDIER, 2006, p. 66)

3.1 ESPÉCIES DE FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL

As espécies de flexibilização procedimental adotadas pela doutrina, em especial à classificação proposta por Gajardoni (2007, p.138/139), decorrem de três situações: flexibilização por força de lei, flexibilização procedimental judicial e flexibilização voluntária. É importante discernir as espécies de flexibilização do procedimento em nosso sistema para que seja possível associar situações do caso concreto a cada modelo de flexibilização, e assim construir uma análise não meramente teórica, mas atrelada a incidência prática dessa flexibilização procedimental na sociedade.

A flexibilização por imposição legal é aquela feita pelo legislador no ato de feitura da lei, ou seja, o mesmo já prevê a possibilidade de o juiz variar o procedimento concedendo à ele esta faculdade sem entretanto indicar qual o mais adequado de forma expressa, é o que Gajardoni (2007, p. 140) classifica como flexibilidade procedimental legal genérica. Mas pode também eleger junto ao ato que autoriza uma adaptação do procedimento qual as opções alternativas podem ser escolhidas pelo julgador na adequação ao caso concreto, sem que o mesmo possa ultrapassar o rol taxativo predisposto, modalidade em que Gajardoni (2007, p. 140) nomeia como flexibilidade procedimental legal alternativa.

Neste sentido, é possível exemplificar a ocorrência da flexibilidade procedimental legal genérica no art. 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao atribuir que:

 Art. 153 se a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto nesta ou em outra lei, a autoridade judiciária poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o Ministério Público.

Assim, observa-se que a lei autorizou expressamente que o juiz poderá optar pelo procedimento que mais adéqüe ao caso concreto desde que não haja procedimento específico previsto em lei, conferindo ao julgador a tarefa de fixar os devidos procedimentos para constatação dos fatos.

Reconheceu-se, também, dever judicial de investigar a narrativa de maus-tratos apresentada por coordenadoria municipal de bem-estar social, na forma do art. 153 do ECA, sendo vedado ao juiz negar sua autuação a pretexto de que o Conselho Tutelar tem atribuições para aplicação de medidas adequadas. Em outro julgado, assentou-se até mesmo, com base no art. 153 do ECA, a desnecessidade de citação da genitora dos menores notoriamente abandonas para o procedimento de colocação deles em entidade de abrigo, ou a concessão de tutela liminar, antes mesmo da necessária emenda da inicial, tudo para proteção integral do infante.(GAJARDONI, p. 142,143).

 

A flexibilização procedimental legal alternativa é o que ocorre no art. 330 do Código de Processo Civil, em que o legislador prevê o julgamento antecipado da lide:

Art. 330 o juiz conhecerá diretamente do pedido proferindo sentença quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produção de prova em audiência, ou quando ocorrer a revelia.

Observa-se que o legislador autorizou ao juiz dispensar a fase saneadora e instrutória, proferindo decisão conforme o estado do processo desde que de forma excepcional e seguindo estritamente o que contempla o dispositivo sob pena de ofender o direito à prova.

Já a flexibilização procedimental decorrente de ato judicial é aquela em que ainda que não haja expressa autorização legal, o juiz pode a depender da análise do caso concreto adequar o procedimento a ser utilizado no que tange a sua forma e atos, de modo que o objetivo fim seja a tutela jurisdicional efetiva independente de seguir ditames legais. A lei nesta caso torna-se excepcionalmente menos rígida em favor de um procedimento mais célere, visto que o legislador não é capaz de prever todos os casos que incorrem no cotidiano, exigindo o cumprimento de condições especiais.

Segundo Gajardoni (2007, p. 138) esse sistema assemelha-se ao da liberdade das formas ao passo que permite ao juiz deliberar sobre a forma procedimental, mas difere-se dele uma vez que no sistema da liberdade das formas a regra é que o juiz delibere sobre o inter em todos os procedimentos, enquanto que neste caso somente de forma excepcional e condicionada o juiz poderá eleger os atos processuais, pois em regra deverá prevalecer o sistema da legalidade das formas.

Uma forma de flexibilização procedimental judicial é o que acontece no momento de produção de provas que poderá excepcionalmente ser invertida para que se adéqüe corretamente e acertadamente as ferramentas disponíveis às diversidades da fase instrutória de determinado processo, ou seja faculta-se ao juiz de forma subsidiária e se necessário for, contrapor a ordem das provas reguladas pelos arts. 336, 396, 435, 453 do CPC.

Por exemplo, nas ações de indenização, toda vez que houver fundada dúvida sobre a caracterização da culpa do demandado pelo evento, não há sentido para a produção prévia da custosa prova pericial comprobatória do dano, se nem se sabe ainda se o primeiro elemento da responsabilização civil (culpa) se caracterizou (art.186 do CC). Pois realizada a perícia prévia comprobatória do dano e de sua extensão, e só posteriormente colhida a prova oral, corre-se o risco de, não comprovada a culpa, ter-se por irrelevante a prova produzida. (GAJARDONI, p. 187/188).

Na flexibilização procedimental por ato das partes ou voluntária assemelha-se à espécie anterior uma vez que também é uma faculdade desde que estejam presentes os requisitos da excepcionalidade e condicionalidade, visto que não é regra mas sim exceção. Entretanto, neste tipo de flexibilização, não cabe ao juiz escolher o melhor procedimento, mas às partes por um acordo comum de vontade eleger procedimentos e atos processuais. É o que ocorre por exemplo no art. 265, II do CPC em que é facultado as partes, desde que em comum acordo, suspender o processo, pelo prazo máximo de seis meses.

 

4 FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL NO BRASIL

A flexibilização do sistema rígido das formas e atos processuais vigentes no Brasil tem como objetivo trazer uma maior efetividade às demandas judiciais, apresentando ao magistrado um instrumento garantidor da celeridade processual. Ademais, um sistema procedimental flexível possibilita uma maior gestão do procedimento, visto que existem diferentes realidades estruturais presentes nas regiões do Brasil.

No ordenamento jurídico brasileiro vigente é utilizado algo similar ao princípio da adequação formal, instituído em Portugal na reforma ocorrida no ano de 1995. O objetivo de tal instrumento é evitar o excesso de tecnicismo sobre o processo, atribuindo aos magistrados poderes para realizar o procedimento com menos formalidade, exigindo, portanto, um Estado mais atuante no trâmite do processo.

A flexibilidade procedimental tem sido utilizada em vários diplomas legais do ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo no artigo 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente; na Lei de Juizados Especiais, lei nº 9099/95 em seu artigo 6º; e no Código de Processo Civil, artigo 1109, que permite ao julgador adotar a solução mais conveniente e oportuna.

Vários doutrinadores afirmam que é possível flexibilizar a rigidez do procedimento sem perder a previsibilidade e a segurança do sistema. Gajardoni defende que:

Para que as regras procedimentais tenham seu poder ordenador e organizador, coibindo o arbítrio judicial, para que promovam a igualdade das partes e emprestem maior eficiência ao processo, tudo com vistas a incentivar a justiça do provimento judicial, basta que sejam de conhecimento dos litigantes antes de sua implementação no curso do processo, sendo de pouca importância a fonte de onde provenham. (2008, p. 85)

Assim, basta que as variações rituais sejam implementadas após a participação das partes sobre elas em pleno contraditório para que não se observe a possibilidade da segurança jurídica ser afetada, visto que o desenvolvimento do processo será regrado e predeterminado judicialmente, o que o faz previsível (Gajardoni, 2008, p. 85).

Diante disso, constata-se que o direito material não pode ser vítima do excesso de rigidez em seu procedimento, tendo na flexibilização do procedimento uma tendência no direito comparado para solucionar problemas de ordem estrutural da função estatal, com a finalidade de tornar a tutela jurisdicional cada vez mais satisfatória.

A aplicação da flexibilização pelo julgador vem se tornando extremamente importante para a aceleração na entrega da prestação jurisdicional. Todavia, é necessário, ainda, certa cautela por parte dos magistrados para a sua aplicação, uma vez que excessos e omissões ocasionariam de fato insegurança no uso desse mecanismo. Assim, seria cabível a disposição de atos e formas do procedimento não de forma livre, mas com melhores condições de aproveitamento, é o que se vem observando no Projeto do Novo Código de Processo Civil brasileiro que tramita no Congresso.

4.1 FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL NO PROJETO DO CPC

O Anteprojeto do novo Código de Processo Civil brasileiro, convertido no Projeto de Lei do Senado – PSL 166/10, tema relativamente novo, prevê duas hipóteses para a possibilidade de um procedimento flexibilizado segundo o princípio da adaptabilidade do procedimento. A primeira delas está prevista no Título VI (Do juiz e dos auxiliares da justiça), Capítulo I (Dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do juiz), em seu art. 107, V; e a segunda previsão encontra-se no Título VIII (Dos atos processuais), Capítulo I (Da forma dos atos processuais), Seção I (Dos atos em geral), art. 151, § 1º do referido projeto de lei.

Os artigos supracitados do anteprojeto especificam respectivamente que:

Art. 107. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: V – adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa;

Art. 151. Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. §1º Quando o procedimento ou os atos a serem realizados se revelarem inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste.

É possível observar através de ambos dispositivos que o Projeto de Lei nº 166/2010 preocupa-se com o tema da flexibilização procedimental, pois cuida em conferir ao juiz, não só por meio de cumprimento estrito da lei, mas também delegando a ele poderes para atuar ex officio, a fim de prestar uma tutela jurisdicional mais efetiva de acordo com o caso particular, exigindo por óbvio que o mesmo não exceda os direitos regulados pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Civil.

É o que observa-se no inciso V do art. 107 já mencionado, ao exigir o respeito ao contraditório e ampla defesa, ainda que haja a adequação do procedimento pelo juiz, o que permite concluir que tal poder não lhe é atribuído como uma “carta em branco”. Portanto ainda que o procedimento seja flexibilizado não cabe ao juiz burlar princípios processuais inerentes a qualquer processo independente da forma, como o da publicidade de atos processuais e principio do juiz natural, bem as condições insertas em todo processo, quais sejam: condições de ação e pressupostos processuais.

Além disso, o anteprojeto ao conferir poderes para que o juiz flexibilize o procedimento não o faz de forma desregulada, mas sim como exceção, pois ainda é o principio da legalidade das formas que rege o ordenamento jurídico brasileiro, portanto, para o juiz somente poderá alterar o inter de maneira excepcional e preenchida condições legais para uma melhor prestação de direito, para tanto deverá motivar sua decisão pela alteração do rito legal de determinado procedimento ou atos procedimentais, apresentando justificativas lógicas e jurídicas as partes para a prática da flexibilização procedimental, deve ainda, precipuamente respeitar o principio do devido processo legal, que rege todos os demais princípios processuais.

Dessa forma, é possível observar que o novo projeto do CPC mostra-se suscetível à alterações procedimentais no que tange a sua flexibilização, ultrapassando as hipóteses de mera alteração de fases e atos procedimentais por simples imposição legal, estabelecendo uma espécie de variação procedimental, que mescla características da flexibilização por imposição legal e a decorrente de ato judicial já detalhadas em momento anterior, validando tanto medidas autorizadas pela lei como as medidas tomadas pelo julgador. Ocorre que a flexibilização estabelecida pelo art. 107 do NCPC suscitou controvérsias:

Se por um lado aplaudiu-se a norma proposta sob o fundamento de que, com isto, os procedimentos passarão a ser adequados às particularidades subjetivas e objetivas do conflito (e não o contrário) – inclusive tornando desnecessária a previsão exaustiva e dilargada de procedimentos especiais (linha, aliás, seguida pelo NCPC) – por outro se encontrou forte crítica (e resistência) da comunidade jurídica com a ampliação dos poderes do juiz na condução do procedimento; com o risco de que, operacionalizada a flexibilização, perca-se o controle do curso processual (da previsibilidade), principal fator para a preservação, desde a descoberta do país, do modelo da rigidez formal. (GAJARDONI, 2013, p.1146).

 

Como bem explicitou Gajardoni, a flexibilização procedimental adotada pelo Anteprojeto do CPC não foi bem recepcionada pela camada jurídica e política conservadora do país, incitando inúmeras discussões acerca de sua validade. Assim, como uma medida política foi proposta a mitigação do Novo CPC no que tange à flexibilização, o Senado, por meio do senador Valter Pereira (Gajardoni, 2013, p.1154) mitigou a flexibilização procedimental à duas hipóteses de adaptação: ampliação de prazos e alteração da ordem de produção provas. A redação do atual dispositivo passou a ser então:

Art. 118 NCPC/Senado. “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: V – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova adequando-os às necessidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico”.

 

Embora a original redação proposta pelo Novo CPC tenha sofrido restrições, ainda é de se considerar saldo positivo as alterações por ele trazidas acerca da flexibilização, pois inaugurou de maneira mais direta a possível maleabilidade do processo em favor da justiça, embora ainda precise ser aperfeiçoado e detalhado para que se aceite a plena utilização do procedimento flexibilizado.

Assim, com essa autorização de poder concedida de maneira mais ampla ao juiz, o novo projeto do código de processo civil aproxima-se aos modelos norte americano, português e inglês que já instituem de maneira expressa a flexibilização do procedimento em favor de uma adequada e efetiva tutela de direitos (GAJARDONI, 2008, p. 112).

CONCLUSÃO

A rigidez procedimental do processo civil brasileiro é aplicado desde os primeiros diplomas de processo do país, de tal forma que a discussão acerca da flexibilização desta rigidez é bastante polêmica. Entende-se, todavia, ser preciso sempre buscar formas para diminuir os impactos que a morosidade traz ao jurisdicionado, no entanto sem deixar de observar os princípios essenciais do processo.

Entende-se que a flexibilização do procedimento requer cuidados essenciais com o intuito de não se exceder os poderes de gestão atribuídos ao julgador, nem deixar que interesses não jurídicos tomem o papel principal nesse contexto. Diante disso, é de grande importância alcançar o equilíbrio entre a celeridade e eficiência, assegurando o contraditório e a ampla defesa das partes envolvidas, entre outros princípios tão importantes quanto estes citados.

Algum criério deve haver para que possa ser implementada a variação ritual, caso contrário fosse  tornaríamos nosso sistema imprevisível e inseguro. Assim, concordamos com Gajardoni (2008, 88) ao defender que o principal critério consiste na existência de um motivo para que se aplique, no caso concreto, a flexibilação procedimental; na participação das partes da decisão flexbilizadora; e no uso do princípio do livre convencimento motivado para que se explique aplicação da flexibilização no processo.

Diante disso, conclui-se ser mais adequado a aplicação da flexibilização da regidez do procedimento, no entanto, sem perder a previsibilidade e segurança do sistema. Assim, a utilização deste mecanisno em nosso sitema processual deve ser realizado com muita cautela, para que se possa chegar ao melhor resultado, constuído sempre que gerar efeito para as partes com seu devido exercício do contraditório.

REFERÊNCIAS

EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora

Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo, Márcia Cristina Vaz dos

Santos Windt e Lívia Céspedes. São Paulo: Editora Saraiva, 11. ed. atual e ampl, 2011.

FABRICIO, Adroaldo Furtado. Flexibilização dos prazos como forma de adaptar procedimentos – Ação de prestação de contas. Revista de Processo, vol. 197, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A flexibilização do procedimento processual no âmbito da Common Law. Revista de Processo, vol. 163, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

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[1] Paper apresentado à disciplina de Processo de Conhecimento II, Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunas do 5º período do curso de graduação em Direito da UNDB.

[3] Professor, orientador.