Gracielen Costa do Nascimento²

Julia Motta Costa³

Hugo Assis4

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Flexibilização do procedimento: pressupostos e requisitos; 2 Flexibilidade e a colisão com o princípio do devido processo legal; 3 Adequação procedimental e a efetiva segurança jurídica; Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho visa analisar o procedimento jurisdicional brasileiro partindo da premissa de que este, ainda que rigído, admite exceções que pleiteam a flexibilização conforme o caso concreto. Sendo assim, apesar de haver a concepção de que o procedimento é um mecanismo rígido, que assegura a previsibilidade e a segurança jurídica do sistema, este não deve ser entendido como um meio absoluto, incapaz de sofrer maleabilidade. Isto, pois, o procedimento deve se adequar as particularidades do caso concreto, atendendo aos anseios sociais, sob a pena não da arbitrariedade do processo, mas do formalismo exarcebado. Ademais, é atribuido ao juiz – como também representante do poder Estatal – a liberdade para julgar de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sendo a este aplicado o principio da adaptabilidade, sem a perda de tal previsibilidade e segurança. Desta forma, tem-se que observado os critérios para a variação ritual, conforme os requisitos e pressupostos apresentados, admite-se a flexibilização, sem afetar o principio do devido processo legal, e ao mesmo tempo, garantindo a segurança jurídica do sistema. Desta forma, o estudo do paper será delineado para a abordam do procedimento em si, e dos mecanismos autorizadores da flexibilização – mediante a observância dos pressupostos e requisitos para tanto. De forma subsequente, no estudo do segundo tópico será feita uma valoração desses dois elementos do direito processual, que é a flexibilidade procedimental e o princípio do devido processo legal, e o desvalor que um tem sobre o outro, ou seja, até que ponto um pode afetar o outro para que seja facilitado o processo. No terceiro tópico, será delineado o estudo com fim de analisar tal compatibilidade da flexibilização procedimental, permitida pelo principio da adaptabilidade, frente à casos peculiares, com o objetivo de garantir e efetivar a segurança jurídica pleiteada pelo formalismo processual.

Palavras-chave: Flexibilização. Procedimento. Devido processo legal.

 

INTRODUÇÃO

 

Embora o Direito processual civil brasileiro seja, na sua essência, rígido, este

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¹ Paper apresentado à disciplina de Processo de Conhecimento II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB

² Aluna do 5º período do Curso de Direito da UNDB, <[email protected]>.

³ Aluna do 5º período do Curso de Direito da UNDB, <[email protected]>.

4 Professor orientador.

contempla elementos constitucionais que por ora – ainda que contraditoriamente – estabelecem certa flexibilização no seu rito procedimental. Assim sendo, ao mesmo tempo em que o procedimento obedece a um rito rigoroso para o exercício da atividade jurisdicional, como meio para a própria efetivação da garantia e proteção de bens jurídicos tutelados, este em determinados casos se atém às particularidades do caso concreto, conferindo a necessidade

de uma liberdade procedimental não possibilitada pelo rito processual.

 Em decorrência disso, visto que há elementos aquém da via legal necessários para o efetivo atendimento às necessidades particulares do caso concreto, é que se direciona o estudo do paper, buscando analisar as possibilidades de compatibilização, em primeiro momento, de tal flexibilidade decorrente da própria liberdade à atividade jurisdicional do juiz – garantida constitucionalmente – frente à aparente colisão ao princípio do devido processo legal e sua devida consequência para a segurança jurídica do ordenamento.

Partindo-se da premissa de que a devida tutela jurisdicional não pode ser negada, e de que tem o órgão jurisdicional a função de efetivar essas tutelas, não pode o Direito brasileiro valer-se de procedimentos excessivamente formalistas, uma vez que tais ritos não mais se adéquam aos anseios atuais, devendo o direito – portanto - na sua plenitude, alcançar as particularidades devidas de cada caso – sem prejuízo da segurança jurídica. Sendo assim, em decorrência de tal fato, o estudo direcionado será feito com fim de analisar a compatibilidade do procedimento flexível, permitida pelo principio da adaptabilidade, frente à casos peculiares, com o objetivo de garantir e efetivar a segurança jurídica pleiteada pelo formalismo processual.

 

 1 FLEXIBILIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO: PRESSUPOSTOS E REQUISITOS

Segundo Alexandre Câmara (2010, p. 146) o procedimento se apresenta como mecanismo essencial para a legitimação da atividade estatal, sendo assim, aspecto extrínseco do processo. Desta forma, o procedimento constitui um mecanismo formal pelo qual o processo se instaura, desenvolve e termina, ou seja, concebe a coordenação dos atos, que interligados mediante a unidade teleológica, tem como fim o exercício do poder jurisdicional – sendo, portanto, representação da ordem legal do processo (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER; 2008, p. 297).

Em virtude disso, a inexistência de determinação legal para o cumprimento do procedimento, culminaria na desordem e incerteza do ordenamento jurídico, uma vez que tal determinação é uma garantia das relações processuais - sejam recíprocas ou em relação ao juiz -, que devem ser certas e determinadas, de forma a admitir a possibilidade de produzir o melhor resultado, que na medida do possível, induza à legalidade do sistema (Idem, p. 345).

Entretanto, a observância da disciplina legislativa das formas do procedimento não pode produzir efeito mitigador da rapidez e naturalidade do processo, dando voz ao exagero do formalismo processual, assim como também não se deve restringir, de todo, as exigências formais apresentadas, ou ainda deixando a cargo do juiz o ofício de determinar o devido procedimento – solução que beira o arbítrio em tal. Esse entendimento concebe que a racionalidade deve ser, portanto, adotada em tais procedimentos, baseados em critérios também racionais, objetivando alcançar a finalidade imposta sem privilegiar demasiadamente o aspecto formal (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER; 2008,p. 346).

A concepção do princípio da instrumentalidade das formas – na qual os atos processuais não dependem de forma, exceto quando legalmente cominados (BATISTELLA, p.2) – encontra-se expressamente denotado, admitindo a possibilidade da liberdade de formas no processo consoante ao entendimento de que a forma tem como objetivo gerar segurança jurídica e previsibilidade, devendo ser conservadas, porém, somente em tal medida, conferindo à disciplina do art. 154 do Código de Processo Civil a solução intermediária entre o rigor absoluto e a liberdade total (WAMBIER, 2006, p. 165-166):

Art. 154. “Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”.

Admitida, portanto, à flexibilização procedimental, esta deve obedecer a critérios, que vão nortear a forma de variação ritual, sob a pena de gerar insegurança jurídica e imprevisibilidade ao sistema. Desta forma, em face do entendimento que a rigidez procedimental não induz, necessariamente, à afetação da segurança jurídica, é que se objetiva delinear os pressupostos e requisitos que fundamentam tal flexibilização. No que tange aos pressupostos, estes serão apresentados sob duas espécies: pressupostos gerais e específicos, que farão uma abordagem dos antecedentes prévios à análise da variação procedimental (MARTINS, 2012, p. 41).

Sendo assim, conforme Luiza Dias Martins (2012, p. 44) constituem pressupostos gerais para a flexibilização: “a insuficiência do procedimento regular previsto em lei – quando não atender a utilidade que se presta a tutela jurisdicional -, a flexibilização do procedimento stricto sensu (variação ritual deverá versar unicamente sobre as regras de procedimento) e o caráter excepcional da medida – terá adoção autorizada apenas em situações excepcionais”. Já no que consta aos pressupostos específicos, estes se apresentam no modelo judicial e voluntário, respectivamente, conforme elucidado:

Ou seja, a flexibilização do rito ope iudicisnão poderá representar nenhum prejuízo a direitos já adquiridos no curso da relação processual por uma das partes, de modo a se evitar eventual arbítrio do julgador. É vedado ao magistrado, por exemplo, após já apresentada a defesa, determinar que o prazo para tanto seria inferior ao observado, o que conduziria à intempestividade da referida manifestação. Por fim, quanto à flexibilização voluntária do procedimento, é identificado como pressuposto específico a capacidade do sujeito ser parte na relação processual, o que não se confunde com a capacidade civil das partes (MARTINS, 2012, p. 45).

 

Ademais, ao tratar dos requisitos – outra forma de impedir que o sistema se torne imprevisível e inseguro – estes consistirão na análise sob três aspectos: o primeiro pautado na finalidade, o segundo no princípio do contraditório e o último, na motivação, que representam as formas de limitação dos procedimentos de flexibilidade do processo (GAJARDONI, 2007, p.87 e 88).

A rigor, a primeira condição para a variação ritual é a finalidade, concedida excepcionalmente em três hipóteses: se versar sobre direito material – quando o instrumento predisposto pelo sistema não for apto à tutela do direito -; se estiver relacionada com a higidez e utilidade dos procedimentos (quando for possível dispensar elementos formais irrelevantes, desprezando o culto à forma); e por último, quando há relação com a condição da parte – em virtude da hipossuficiência e equilíbrio, para gerar igualdade processual e material. A segunda forma de limitação diz respeito ao principio do contraditório. Tal princípio, segundo Fernando Gajardoni (2007, p. 89 e 90), não pode ser decomposto, apresentando uma faceta formal, que se constitui apenas se as partes tiveram oportunidade de participar do processo, e outra material, na qual se materializa apenas se a participação foi capaz de influir na decisão proferida. Sendo assim, essa condição se instrumentaliza através do conhecimento e participação das partes no processo de flexibilização procedimental. Quanto ao critério da motivação, trata-se de imposição de ordem política, representada com mais afinco na própria atividade do órgão jurisdicional, e que consiste na necessidade de fundamentação da decisão que altera o iter legal – sendo inviável a falta de justificativa para a realização da flexibilização procedimental (GAJARDONI, 2007, p.94 e 95).

 

 2 FLEXIBILIDADE E A COLISÃO COM O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

É fato que o princípio do devido processo legal, que é garantido pela Carta Magna de 1988, abrange um grande rol de direitos e garantias com o fim de seguir a democracia e servir a cidadania.  Ele é considerado um princípio base, uma vez que norteia todos os demais princípios que regem o processo. Esse princípio, por um lado, assegura às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais, enquanto que de outro lado, garantem o exercício do poder; é aplicável a qualquer procedimento que tenha a vida, liberdade e patrimônio. (GAJARDONI, 2007, p. 100).

O devido processo legal em seu sentido formal é a efetiva possibilidade gerada a parte de ter acesso à justiça, o que deduz pretensão e defende-se de modo mais amplo possível compatível as regras previamente estabelecidas. Por isso que não é necessário de que as regras abstratas sejam fixadas pela via legislativa, muito menos que sejam modeladas genericamente, sem a possibilidade de adequação judicial. (GAJARDONI, 2007, p. 101).

O que se chega a concluir é que enquanto a flexibilização do procedimental não venha a impedir o acesso à justiça por parte dos litigantes, juntamente com o direito de ação e de ampla defesa conforme o que prevê a Constituição Federal e as normas processuais, é de possibilidade plena a variação de ritos, inclusive uma parte delas tendem a potencializar a eficácia das garantias constitucionais supracitadas, uma vez que mantida a previsibilidade dessas variações rituais, o que é assegurado pelo contraditório útil. (GAJARDONI, 2007, p. 101).

É de importante ressalva que a Constituição Federal, em seu artigo quinto, não determina que o processo siga à risca todas as normas procedimentais que são estabelecidas em lei. O que ela determina é que seja dada às partes a oportunidade de ser assegurado o direito de um processo plenamente justo, sendo respeitadas todas as garantias constitucionais advindas desse processo, e dadas as possibilidades previstas em normas processuais, o que pode ser alcançado ainda que com um procedimento que se adapte à realidade. (GAJARDONI, 2007, p. 102).

Portando, conclui-se que o procedimento flexibilizado não é violador da cláusula do devido processo legal, pois haverá a conservação na operação de todas as garantias constitucionais referentes ao processo, principalmente o contraditório.

 

3 ADEQUAÇÃO PROCEDIMENTAL E A EFETIVA SEGURANÇA JURÍDICA

É oportuno salientar que em decorrência dos atos processuais não estarem dotados de espontaneidade – regulados, portanto, por preceitos determinados que definem o mecanismo de atuação – estes vem concebidos em função de sua utilidade para o processo, uma vez que se tratam de normas técnicas (GAJARDONI, 2007, p.84).

É em razão disso, contudo, que a alteração no rito do procedimento se torna possível, visto que esses preceitos predeterminados, que se apresentam como garantias, não podem “substantivar-se em fim próprio por si mesmo”, porque seria conduzir ao formalismo essa transposição em fim daquilo que é meramente meio (Idem, p.84).

Ademais, a interpretação de que o procedimento obedece de maneira absoluta a rigidez processual, dissipa seus fins, que é o de atender o indivíduo, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, conforme a tutela mais justa – atentando-se, dessa forma, aos resultados obtidos e não com as formas preestabelecidas do ordenamento. Contudo, apesar de tal interpretação, não se nega que o processo deva obedecer a um mínimo do procedimento estatuído (pois é a partir deste que há a regulamentação do processo), mas questiona-se o estabelecimento do vínculo obrigatório com as normas cogentes, como se houvesse previsibilidade e segurança adequada somente nas hipóteses em conformidade com o devido processo legal (GAJARDONI, 2007, p. 86).

Tem-se ainda que o juiz, investido dos poderes cedidos pela Constituição Federal, também é agente público do Estado, portanto, reprodutor do seu poder. Sendo assim, é devido ao julgador o reconhecimento da capacidade de verificar, conforme o bom senso e a sensibilidade, o mecanismo da flexibilização, adequando de acordo com as particularidades do caso concreto. Até mesmo porque o processo de flexibilização não fere a segurança jurídica do ordenamento quando realizado mediante a observância dos pressupostos e requisitos apresentados, acrescentando ainda o fato de que a espera pelo processo legislativo demanda tempo incompatível com determinadas tutelas – uma vez que os litígios não acompanham na sociedade as alterações legislativas - sendo mais adequado admitir tal possibilidade (idem, p. 85).

 

CONCLUSÃO

           

É de se concluir que a flexibilização dos procedimentos processuais é plenamente aceitável no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que possui pressupostos e requisitos e que, estes cumpridos, não fere de forma alguma o princípio do devido processo legal muito menos afeta a segurança jurídica.

A mudança no rito processual pode vir a facilitar o andamento do processo, dando-lhe mais rapidez e eficácia, o que é favorável às partes e também ao próprio judiciário, que é um órgão considerado de difícil manejo por conta de sua rigidez procedimental, portanto a flexibilização é considerada uma maneira de fortalecer o acesso à justiça e o princípio da ampla defesa por parte dos litigantes          .

O formalismo caracterizante do processo civil surgiu a partir dos primeiros diplomas de processo no Brasil, de maneira que a mudança de paradigma não seria de forma alguma harmoniosa e instantânea,  por isso tem que ser fruto de uma criação conjunta entre a comunidade jurídica. É preciso sempre buscar formas de diminuir os impactos que a morosidade traz ao judiciário, mas sem deixar de   observar os principais princípios do processo. (BRAGA, 2012).

Por isso que flexibilizar o procedimento, requer cuidados especiais para não exceder os poderes de gestão atribuídos ao magistrado, e nem deixar que interesses subjetivos tomem o papel principal nesse contexto. Deve-se alcançar o equilíbrio em ser célere e eficiente, assegurando contraditório e a ampla defesa entre outros princípios tão debatidos no âmbito dos estudos de processo se tornam cada vez mais difíceis. A impossibilidade de  fornecer uma  defesa  técnica  com  qualidade  a  todos jurisdicionados também deve ser levada em consideração ao pensar que estes estariam mais vulneráveis a possíveis arbitrariedades, o que faz da inserção de tal instituto, por ventura,  em  nosso  sistema processual,  que  esta  seja em  passos  lentos,  com  muita cautela, para que se possa chegar ao melhor resultado,  construído sempre que gerar efeito para as partes com seu devido exercício do contraditório. (Idem).

 

 

REFERÊNCIAS

BATISTELLA, Sergio Renato. O principio da instrumentalidade das formas e a informatização do processo judicial no Brasil. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/S%C3%A9rgio%20Batistella.pdf. Acesso em 19 de Maio de 2013.

BRAGA, Igor Ramos. O papel do magistrado e a flexibilização do procedimento no sistema processual contemporâneo. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/23864/o-papel-do-magistrado-e-a-flexibilizacao-do-procedimento-no-sistema-processual-contemporaneo/2. Acesso em: 19 de Maio de 2013.

CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010.

CINTRA,Antonio; DINAMARCO, Cândido; GRINOVER, Ada. Teoria geral do processo. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilidade procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2007.

MARTINS, Luiza Dias. A flexibilização procedimental e o projeto do novo código de processo civil: análise e expectativa. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC, 2012.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento.v.1. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006.