FINANCIAMENTO DE CAMPANHA

João Francisco Neto

            Há um tema na agenda política nacional que repousa solenemente nas gavetas do Supremo Tribunal Federal (STF) e sobre o qual pouco ou nada se fala nos debates em pleno período eleitoral: o financiamento das campanhas eleitorais, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.650, proposta pelo Conselho Federal da OAB, em face de violações de dispositivos constitucionais pela atual lei eleitoral. É mais um dos assuntos que não dão votos e, por isso, ficam fora do programa dos candidatos. O problema é que aí está origem de grande parte da corrupção que assola o país. Embora a lei imponha regras aparentemente severas para as contribuições feitas às campanhas políticas, todo mundo sabe que é “por debaixo dos panos” que rola o grosso do dinheiro que financia os enormes gastos de uma campanha eleitoral. Não é de hoje que vemos grandes escândalos de corrupção, cuja origem reside exatamente nas doações efetuadas por grupos empresariais interessados em obras e contratos com o governo. Ademais, em se tratando de recursos “não contabilizados” (um eufemismo para caixa-dois), nada impede que, após a eleição, seja realizada uma espécie de partilha das sobras de campanha. Por tudo isso, e muito mais, é que vem sendo cogitada a possibilidade de que as campanhas eleitorais sejam financiadas somente com dinheiro público, caso em que ficaria absolutamente proibida toda e qualquer doação de pessoas físicas e jurídicas. O assunto não está pacificado e comporta muita controvérsia nos setores da sociedade civil que se debruçam sobre esse tema. De acordo com o modelo atual, o que se vê é uma verdadeira infiltração (para não dizer dominação) do poder econômico no processo de financiamento eleitoral no Brasil, que favorece a criação de relações promíscuas entre os candidatos e seus benfeitores. Ressalte-se que no Brasil vigora um sistema misto de financiamento de campanhas eleitorais, conforme regulamentado pela Lei 9504/97 (Lei das Eleições) e a Lei 9096/96 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), uma vez que parte das despesas é custeada por verbas do fundo partidário e pela propaganda eleitoral gratuita (gratuita somente para os partidos, porque as emissoras são recompensadas com dispensa de pagamento de impostos).

            Na prática, a lei não consegue fixar um limite para os gastos eleitorais dos partidos e candidatos, que se sentem livres para buscar fundos junto a empresas e pessoas físicas, além dos recursos próprios de cada candidato. Essa é a parte privada do financiamento das campanhas eleitorais, que acabam movimentando somas astronômicas. Assim, a vitória de um candidato não se deve tanto à qualidade de suas propostas, mas sim à quantidade de recursos que conseguir angariar. Há estatísticas sobre isso: quanto mais se arrecadar, maior a probabilidade de ser eleito. Diante da constatação de que há uma correlação entre o volume de recursos empregados na campanha e o número de votos recebidos, fica claro que os candidatos mais pobres, ou sem grandes financiadores, dificilmente obterão sucesso na empreitada eleitoral. Veja-se que o atual o modelo favorece a criação de relações espúrias entre o candidato e os grandes doadores; se eleito, o candidato, agora capturado pelos interesses dos doadores, tudo fará para a satisfação de seus benfeitores, além de se empenharem para obter mais verbas para as futuras campanhas de reeleição. Este ambiente institucional propício à corrupção leva desestímulo aos candidatos desprovidos de recursos e ao cidadão comum, que a tudo assiste. Daí se vê que o sistema atual, além de antirrepublicano, é contrário ao espírito constitucional, pois a própria Carta Política de 1988 prevê, em seu artigo 14, que a legislação eleitoral deverá proteger “a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”, justamente o contrário do que vem ocorrendo. O que fazer, então? Financiar as campanhas só com dinheiro público? Deixar tudo como está? É mais um desafio para a já sofrida sociedade civil.

João Francisco Neto

Mestre e doutor em Direito Econômico e Financeiro (Faculdade de Direito da USP)

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