FINANCIAMENTO DE CAMPANHA
Publicado em 30 de outubro de 2014 por JOÃO FRANCISCO NETO
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA
João Francisco Neto
Há um tema na agenda política nacional que repousa solenemente nas gavetas do Supremo Tribunal Federal (STF) e sobre o qual pouco ou nada se fala nos debates em pleno período eleitoral: o financiamento das campanhas eleitorais, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.650, proposta pelo Conselho Federal da OAB, em face de violações de dispositivos constitucionais pela atual lei eleitoral. É mais um dos assuntos que não dão votos e, por isso, ficam fora do programa dos candidatos. O problema é que aí está origem de grande parte da corrupção que assola o país. Embora a lei imponha regras aparentemente severas para as contribuições feitas às campanhas políticas, todo mundo sabe que é “por debaixo dos panos” que rola o grosso do dinheiro que financia os enormes gastos de uma campanha eleitoral. Não é de hoje que vemos grandes escândalos de corrupção, cuja origem reside exatamente nas doações efetuadas por grupos empresariais interessados em obras e contratos com o governo. Ademais, em se tratando de recursos “não contabilizados” (um eufemismo para caixa-dois), nada impede que, após a eleição, seja realizada uma espécie de partilha das sobras de campanha. Por tudo isso, e muito mais, é que vem sendo cogitada a possibilidade de que as campanhas eleitorais sejam financiadas somente com dinheiro público, caso em que ficaria absolutamente proibida toda e qualquer doação de pessoas físicas e jurídicas. O assunto não está pacificado e comporta muita controvérsia nos setores da sociedade civil que se debruçam sobre esse tema. De acordo com o modelo atual, o que se vê é uma verdadeira infiltração (para não dizer dominação) do poder econômico no processo de financiamento eleitoral no Brasil, que favorece a criação de relações promíscuas entre os candidatos e seus benfeitores. Ressalte-se que no Brasil vigora um sistema misto de financiamento de campanhas eleitorais, conforme regulamentado pela Lei 9504/97 (Lei das Eleições) e a Lei 9096/96 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), uma vez que parte das despesas é custeada por verbas do fundo partidário e pela propaganda eleitoral gratuita (gratuita somente para os partidos, porque as emissoras são recompensadas com dispensa de pagamento de impostos).
Na prática, a lei não consegue fixar um limite para os gastos eleitorais dos partidos e candidatos, que se sentem livres para buscar fundos junto a empresas e pessoas físicas, além dos recursos próprios de cada candidato. Essa é a parte privada do financiamento das campanhas eleitorais, que acabam movimentando somas astronômicas. Assim, a vitória de um candidato não se deve tanto à qualidade de suas propostas, mas sim à quantidade de recursos que conseguir angariar. Há estatísticas sobre isso: quanto mais se arrecadar, maior a probabilidade de ser eleito. Diante da constatação de que há uma correlação entre o volume de recursos empregados na campanha e o número de votos recebidos, fica claro que os candidatos mais pobres, ou sem grandes financiadores, dificilmente obterão sucesso na empreitada eleitoral. Veja-se que o atual o modelo favorece a criação de relações espúrias entre o candidato e os grandes doadores; se eleito, o candidato, agora capturado pelos interesses dos doadores, tudo fará para a satisfação de seus benfeitores, além de se empenharem para obter mais verbas para as futuras campanhas de reeleição. Este ambiente institucional propício à corrupção leva desestímulo aos candidatos desprovidos de recursos e ao cidadão comum, que a tudo assiste. Daí se vê que o sistema atual, além de antirrepublicano, é contrário ao espírito constitucional, pois a própria Carta Política de 1988 prevê, em seu artigo 14, que a legislação eleitoral deverá proteger “a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”, justamente o contrário do que vem ocorrendo. O que fazer, então? Financiar as campanhas só com dinheiro público? Deixar tudo como está? É mais um desafio para a já sofrida sociedade civil.
João Francisco Neto
Mestre e doutor em Direito Econômico e Financeiro (Faculdade de Direito da USP)
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