FINALIDADES DO CASAMENTO


Não há lugar para qualquer entendimento acerca do casamento, sem antes adentrar aos contornos característicos do tema. É de todo certo, afirmar que a família surgiu primeiro que o Estado, já que os povos mais antigos viveram socialmente em famílias, antes mesmo da organização política do Estado. Disso se conclui que a família é a base estrutural do Estado, por isso, há proteção estatal às famílias. Não resta a menor dúvida, de que em épocas mais eqüidistantes a união entre o homem e a mulher se assemelhava em mui com o casamento moderno, uma vez que, ambos educavam e protegiam seus filhos, tendo relação permanente. Na realidade a família servia para a proteção do indivíduo, tal ocorria, por exemplo, na defesa contra agressores, assim como, na garantia da subsistência. Mais ainda, era de extrema importância a procriação, em verdade, a família numericamente maior, composta por mais homens, sofria menos ameaças do que aquela família constituída com menor contingente masculino e numérico.
Em síntese, família engloba todas as pessoas ligadas por laços de sangue, que surgiram de um mesmo tronco ancestral, como também as pessoas ligadas por adoção e afinidade. Assim, forma o parentesco, entendido como o laço que vincula entre si, pessoas. No primeiro caso o parentesco é consangüíneo, orienta-se pela igualdade de sangue. Diferentemente do segundo caso, no qual é tido como afim ou por afinidade.
Na realidade, o que identifica a família é o afeto especial, entre pessoas que se afeiçoam pelo convívio diário, vivem na mesma casa, esse é o afeto familiar.
Observa-se que o direito de família é ramo do direito civil responsável por regular as relações entre indivíduos unidos pelo parentesco, pela união estável e pelo matrimônio ou casamento. Pode-se dizer, com razão, que está intimamente ligado à própria vida, de tal sorte, dentre os muitos ramos do direito privado, o casamento é o instituto mais debatido, até mesmo o mais alvejado, visto por muitos como "camisa-de-força" ou até mesmo como instituição antiquada e inútil. Convicção um tanto quanto rígida, como a do filósofo alemão Schopenhauer, merece abordagem: "em nosso hemisfério monógamo, casar é perder metade de seus direitos e duplicar seus deveres".
Daí ser essencial conceituar o casamento como união formal, lícita e permanente entre o homem e a mulher, ou seja, de duas pessoas de sexo diferente, em concordância com a lei, com o condão de se ajudarem reciprocamente, de reproduzirem e de criarem a prole, tendo a função natural de conservar e perpetuar a espécie humana.
Merecem referências as definições feitas pelos autores Pontes de Miranda e Portalis. Para o primeiro, casamento: "é contrato solene, pelo qual duas pessoas de sexo diferente e capazes, conforme a lei se une com o intuito de conviver toda a existência, legalizando por ele, a título de indissolubilidade do vinculo, as suas relações sexuais, estabelecendo para seus bens, à sua escolha ou por imposição legal, um dos regimes regulados pelo Código Civil, e comprometendo-se a criar e a educar a prole de que ambos nascer". Já para o segundo, o casamento: "É a sociedade do homem e da mulher, que se unem para perpetuar a espécie, para ajudar-se mediante socorros mútuos a carregar o peso da vida, e para compartilhar seu comum destino".
Nessa trilha, dá-se fundamental mencionar o Digesto (XXIII, 2, 1) atribuída a Modestino, presente no Corpus iuris civilis, publicada entre os anos de 529 e 534 d.C., pelo Imperador Justiniano I, é o que diz: "Nuptiae sunt coniunctio maris et feminae, consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio". Se lê que "Núpcias são a conjunção do homem e da mulher, o consórcio de toda a vida, a comunicação do direito divino e do humano".
Não se deve perder de vista, ainda, a definição de casamento feita nas Institutas (I, 9, 1) atribuída a Ulpiniano, no mesmo Corpus iuris civilis, define como: "Nuptiae autem sive matrimonium est viri et mulieris coniunctio, individuam consuetudinem vitae continens". Está escrito "Núpcias ou matrimônio consistem na conjunção entre o homem e a mulher, importando numa indivisível comunhão de vida."
Pois bem, há de se atentar aos requisitos necessários para sua existência, vejamos: é ato solene, conclui-se que tem forma soleníssima; as normas reguladoras são de ordem pública; é exigível diversidade de sexos; não cabe termo ou condição; estabelece comunhão plena de vida; representa união permanente; permite liberdade de escolha do nubente. Portanto, é preciso, atentar para o fato de que esses são os caracteres peculiares
indispensáveis ao casamento, sem os quais se torna impossível a realização.
Suprida a definição do casamento, bem como mencionado os elementos fundamentais para a sua formação, todavia, como se vê, há necessidade de adentrar ao assunto principal: a finalidade do casamento.
Conforme ensinança provinda do jurista Inácio de Carvalho Neto (2007:39) "As finalidades do casamento em regra apontadas pela doutrina tradicional são: disciplina das relações sexuais entre os cônjuges, proteção à prole e mútua assistência."
Ao exprimir as finalidades do casamento, torna-se indispensável ressaltar que os fins variam de acordo com a visão filosófica, jurídica, religiosa ou sociológica.
A Sua Santidade o Papa Pio XI, na encíclica Casti Connubii assim expunha: "Matrimonni finis primarius est procreatio atque educatio prolis; secundarium mutuum adjutorium est remedium concupiscentiae", ou seja, "O fim principal do matrimônio é a procriação assim como educação da prole; secundariamente, mútua assistência e remédio à concupiscência". Vale frisar, que tal concepção, evidentemente, paira sob a visão religiosa quanto à finalidade do casamento.
Em cotejo, existem diferentes posições doutrinárias acerca da finalidade do casamento, a primeira posição assevera que a finalidade mor do casamento, é o amor físico, em outras palavras, a satisfação sexual. Mas há controvérsia, pois acreditam que esse ponto de vista não procede, tendo em vista o casamento de pessoas em idade avançada, com privações da função reprodutora, não culmina na satisfação sexual. Não obstante, a primeira posição rebate, entendendo haver a existência de outras formas de prazer sexual, não somente aquelas ligadas aos órgãos reprodutores, tidas como zonas erógenas primárias (órgão sexual masculino e feminino), versam no sentido de que a obtenção do prazer dar-se-á também pelas zonas erógenas secundárias (boca, pescoço e nuca, mamas e mamilos, orelhas, entre outros.)
A segunda posição doutrinária compreende como o intuito do matrimônio a procriação, entendimento preocupante, haja vista, que desestabiliza a segurança da família e do lar. Assim, sem a procriação, teria que anular todos os casamentos em que não constitua prole, idéia descabida. Em se tratando de casamento "In extremis vitae momentis" (em momento vital extremo), fica óbvio a falta de plausibilidade, dessa corrente, se a finalidade maior basear na procriação. Nessa vertente, torna inteligível o primeiro livro da Bíblia, o livro Gênesis (1,28), que manifesta a finalidade da criação dos dois sexos: "Crescei e multiplicai-vos, e enchei a Terra", agasalha assim o intuito da reprodução.
O Código Civil de 2002 prevê a finalidade do casamento, de acordo com o artigo 1.511:
"O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges."
Sem titubear, a finalidade suprema da união legítima entre o homem e a mulher é a comunhão plena de vida, estimulada pelo amor e afeição existente entre o casal, assentada na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, bem como na mútua assistência.
E, sendo certo, o desenlace para o presente artigo, está na confirmação de que as finalidades do casamento, como a procriação, a educação dos filhos e a satisfação sexual, já mencionadas, são importantes, porém, secundárias, não essências. É incerto rechaçar, como finalidade do matrimônio o afeto conjugal, ou seja, o carinho, respeito, companheirismo, entre os cônjuges.
Por derradeiro, com notável saber da ciência do direito, apregoou Lafayette Rodrigues Pereira, o conselheiro Lafayette: "o fim capital, a razão de ser desta instituição, está nessa admirável identificação de duas existências, que, confundindo-se uma na outra, correm os mesmos distinos, sofrem das mesmas dores e compartem, com igualdade, do quinhão de felicidade que a cada um cabe nas visissitudes da vida".



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Separação e divórcio: teoria e prática./ Inacio de Carvalho Neto./ 8ª edição./ Curitiba: Juruá, 2007.

Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família / Carlos Roberto Gonçalves. ? 7.ed. ver. e atual. ? São Paulo : Saraiva, 2010.

Manual prático de direito de família / Jônatas Milhomens, Geraldo Magela Alves. ? Rio
de Janeiro : Forense, 2007.

Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. 71. Impressão. Rio de Janeiro : Imprensa Bíblica, 1990, p. 35, Gênesis 1.28

A vontade de amar / Artur Schopenhauer. Trad. Aurélio de Oliveira. Rio de Janeiro: Ediouro.

Institutas do Imperador Justiniano / Flavius Petrus Sabbatius Justinianus. Trad. José Cretella Júnior ? RT (textos fundamentais). 2ªed. 2005.