Thiago B. Soares[1]

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[1] Doutorando (PPGL-UFSCar). E-mail: [email protected]

“Os fins justificam os meios”? Como pergunta ontológica não cabe aos dias de hoje (?); como questão ética deixa tanto a desejar em cuja ordem do discurso (cf. FOUCAULT) do politicamente correto hodierno é refutada; enquanto ponto de articulação heurística da política com a esfera social não é mais relevante, porquanto não responde a nada tampouco a alguma demanda da sociedade contemporânea, se o responde o faz em regimes autocráticos em cujo predomínio é a tirania. Portanto, em que tempo-espaço “os fins justificam os meios”?

Nesse diapasão, NiccolòMachiavelli (1469 – 1527), ou em português, Maquiavel, é um dos grandes defensores dos fins que justificam os meios e, por conseguinte, um dos responsáveis pelas mudanças nas ideias políticas, na medida em que pregava um estado fortalecido em uma mão, isto é, no monarca, que por sua vez, tinha a responsabilidade de manter a lei e a ordem a todo custo, sobretudo, para se manter como soberano. Esse pensador italiano prescinde, de certa forma, do governo idealizado de Platão (427 – 347 a. C.), porquanto é pensando nas falhas humanas que escreve sua obra prima, a saber, “O príncipe” em que deixa bem claro sua razão estratégica em prol de não mais permitir que a religião seja imperante, já que ela deve ser utilizada pelo governo do senhor. Embora Maquiavel seja um dos precursores na forma de pensar o estado moderno cujo governante deve possuir total controle de seus “servos” e da nobreza, pois o príncipe está sobre ambos, sua visão de homem é relativamente negativa na medida em que o pressupõe como sendo fraco para decidir o melhor por si mesmo, então, necessitando da mão-de-ferro da alteridade máxima. Nas palavras do florentino, “Julgo, no entanto, que seja melhor ser impetuoso do que cauteloso, porque a sorte é mulher e, querendo dominá-la, é necessário bater nela e forçá-la” (MAQUIAVEL, 2008, p. 148). Em outras palavras, para manter o poder o príncipe deve ser invulnerável e para tanto não medir esforços e ser impetuoso sem se importar com nada mais do que o poder. Portanto, os fins justificam os meios, ao passo que o objetivo não é só alcançar o poder, mas manuteni-lo. O homem, então, sai de seu estado puramente servil à religião para estar sob a tutela de quem o proteja enquanto é protegido.

Tendo no horizonte o que foi dito, “os fins justificam os meios” é fundamentalmente uma reflexão axiológica na qual se infunda o período do Renascimento no qual viveu Maquiavel. Em outros termos, para se manter no poder era preciso controle numa eterna condição sinequa non.

De acordo com Maquiavel, poder e controle eram os objetivos de um príncipe, em lugar da compaixão e da justiça. A mentira era perfeitamente aceitável; discutir sobre o que seria a definição do “é” também era considerado normal. O ideal era fazer o que você quisesse e não ser pego. Inspirar respeito era uma aspiração secundária que vinha depois de instaurar o medo. Naturalmente, o argumento era justificado com a noção de que tudo era feito em prol dos cidadãos (MANNION, 2010, p. 69).

Quer dizer, Maquiavel apresenta, entre outras coisas, o método mais adequado para quem visa manter-se no poder, condensado nas próprias palavras dele,“os fins justificam os meios”. Todavia,

Para sermos justos com Maquiavel, é preciso declarar que ele não defende a vilania como princípio. O seu campo de investigação está além do bem e do mal, assim como as pesquisas de um físico nuclear. Se quisermos conseguir poder, diz o argumento, precisamos ser implicáveis. Se isso é bom ou mau, é uma outra questão, mas não interessa a Maquiavel (RUSSELL, 2013, p. 270).

À luz do esclarecimento de Russell, podemos ver nos fins que justificam os meios uma estrada reflexiva concernente ao campo ontológico e, por extensão desse, ao político. Noutros termos, é de suma importância compreender os caminhos e desvios cuja método do pensador florentino pode tomar. Porquanto, queiramos ou não, um dos adeptos de “os fins justificam os meios” foi Adolf Hitler e de seu ponto de vista, como deixa claro os livros de História e os relatos de sobreviventes do holocausto, os meios poderiam ser extremamente trágicos, ainda que os fins fosse banalmente pueris. 

Referências

MANNION, James. O Livro Completo da Filosofia: entenda os conceitos básicos dos grandes pensadores – de Sócrates a Sartre. Trad. Fernanda Monteiro dos Santos.  – 6ª ed. – São Paulo: Madras, 2010.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 3ª ed. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Editora Escala, 2008.

RUSSELL, B. História do pensamento ocidental: A aventura dos pré-socraticos a Wittgenstein. Trad. Laura Alves e Aurélio Rebello. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.