As velhas sabedoria e prudência que muitos pensadores consideram ser a Filosofia, têm, ao longo de mais de dois milénios, preocupado os responsáveis políticos e educadores e, com maior ou menor ênfase, procura-se manter esta área do saber, em função, muitas vezes, das intencionalidades ideológicas dos regimes políticos, havendo a tentação de se consagrar nos instrumentos legais as orientações que, em cada época, são mais adequadas às situações e aos regimes que os suportam.

Naturalmente que a organização curricular e seus programas, devem obedecer a uma política de educação, delineada nas suas grandes linhas, em obediência à Constituição política do País, nas leis específicas e sua regulamentação. A Filosofia deve inserir-se, inequivocamente, em qualquer política da educação, com objetivos bem definidos, que possam conduzir o homem para as atividades críticas, construtivas e responsáveis, sem demagogias nem aproveitamentos político-partidários e ideológicos.

O curso elementar de Filosofia, elaborado por A. Ribeiro da Costa, e cuja segunda edição data de 1866, da qual já se resumiu o capítulo consignado à Filosofia do Direito - Direito Natural -, certamente teve em conta as disposições constitucionais Portuguesas da época e, possivelmente, os valores e princípios que foram proclamados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em França, conforme analisarei de seguida, com uma breve consulta à Constituição Política Portuguesa de 1838.

Em 20 de Março de 1838 as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes decretaram a “Constituição Política da Monarquia Portuguesa” que viria a ser publicada no Diário do Governo Nº 98 de 24 de Abril do mesmo ano. Esta constituição divide-se em 11 títulos a saber: Título I - Da Nação Portuguesa, seus Territórios, Religião, Governo e Dinastia; Título II - Dos Cidadãos Portugueses; Titulo III - Dos Direitos e Garantias Portugueses; Título IV - Dos Poderes Políticos: Título V - Do Poder Legislativo; Título VI - Do Poder Executivo; Título VII - Do Poder Jurídico; Título VIII - Do Governo Administrativo e Municipal; Título IX - Da Fazenda Nacional; Título X - Das Províncias Ultramarinas; Título XI - Da Reforma da Constituição;

Muito sucintamente, abordarei o capítulo relativo aos Direitos e Garantias dos Portugueses, porque é o assunto que importa discutir numa perspectiva de educação para os Direitos Humanos, para a plena cidadania, e, desde logo, se verifica que tais direitos e garantias abrangem, no conjunto dos 139 artigos da Constituição, um total de 24 artigos, o que corresponde a cerca de 17% do texto Constitucional, com preocupações no âmbito dos direitos dos Portugueses.

Ao longo do período compreendido entre a Revolução Francesa de 1789 e a correspondente tradução na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão do mesmo ano e a segunda década do século XIX, ou seja, durante cerca de cem anos, Portugal procurou sempre ampliar e aperfeiçoar o seu Direito, através dos instrumentos legais ao dispor dos seus Governantes, quer ao nível constitucional, quer no âmbito educacional.

Com efeito, Filosofia e Direito, parecem “condenados” a complementarem-se, independentemente de sectores e/ou áreas de atividade da sociedade humana e aos quais poderíamos acrescentar um outro pilar, que de resto já vem, igualmente, da antiguidade: a Religião, porque verificamos, inclusivamente, nas Constituições Portuguesas, uma forte referência legal ao instituto da religião, ainda que, por vezes, a imparcialidade do Estado não se verifique, quando defende como religião oficial a “Católica, Apostólica, Romana”, não proibindo, mas condicionando quaisquer outras, pelo menos aos estrangeiros: conforme refere «A Religião Católica, Apostólica, Romana continuará a ser a religião do Reino. Todas as outras religiões serão permitidas aos estrangeiros com o seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo.» (PEREIRA (1961:74 Artº 26º).

Acontece que, pese embora o esforço para nos situarmos na mentalidade da época, hoje, século XXI, não podemos conceber uma tal situação discricionária relativamente aos Direitos Humanos e, efetivamente, através do Direito e da Filosofia, evoluímos para uma sociedade moderna, tolerante, aberta aos valores e princípios que nos devem reger em harmonia.

A Constituição da República Portuguesa, na sua versão de 1992, constitui um instrumento jurídico de primordial importância porque nela se consagram fundamentais e amplos Direitos, Liberdades e Garantias, que, a título meramente ilustrativo, citaria: «Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na constituição; 13º - Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei; 24º - A vida humana é inviolável; Em caso algum haverá pena de morte; 27º - Todos têm direito à liberdade e à segurança; 41º - A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável; 43º - 1. É garantida a liberdade de aprender e de ensinar; (...) 46º - Todos os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, construir associações desde que estas não se destinem a promover a violência...» (CRP, 1992: Artº12º)

A Organização Curricular e Programas de Filosofia para o Ensino Secundário, virá na linha dos grandes valores e Princípios Constitucionais, em matérias que de facto contribuem para o desanuviamento e bem-estar dos portugueses, contudo, nós, professores de Filosofia, Cidadania e áreas das ciências sociais e humanas temos a sensação que estas disciplinas não estarão a ser devidamente valorizadas pela tecnocracia vigente, na medida em que cada vez mais há quem superiorize a ciência e a técnica, em detrimento das áreas socioculturais e isto nota-se, de uma forma por vezes com comentários humilhantes, não só em certos círculos técnico-profissionais, como, o que se torna ainda mais lamentável em alguns ambientes académico de nível superior.

Em todo o caso, parece oportuno destacar, no âmbito deste trabalho, os aspetos importantíssimos constantes num dos Programas de Filosofia para o Ensino Secundário que integra as seguintes Unidades Programáticas: I. Unidade Inicial - A Intenção Filosófica e a Diversidade dos Saberes: - Do vivido ao Pensado - O lugar da Filosofia; II. Unidade Antropológico-Axiológica - A Dinâmica do Ser Humano no Mundo; A Acção e a Questão dos Valores: - A Acão Humana-Os Valores (…) Conflito de Gerações, Responsabilidade Ecológica, Busca de Felicidade, Direitos Humanos Violência e Agressividade, Manipulação e Mass Media; III Unidade Histórico-Problemática - A Filosofia no Tempo: - O Problema da Filosofia e da sua História - Tradição e Inovação em Filosofia

Podemos aceitar que se trata de um programa interessante, contudo, dificuldades de vária ordem, nomeadamente: carga horária insuficiente, saídas profissionais excessivamente reduzidas (atualmente, nem para o ensino, para a maioria dos licenciados em Filosofia), demasiada tecnocracia; maior importância dada ao saber-fazer em detrimento do Saber-ser, Saber-estar e Saber-conviver-com-os-outros, têm contribuído para que a Filosofia em Portugal, não ocupe o lugar que por mérito, tradição e necessidade lhe cabe, de direito e de facto, nas atuais sociedades contemporâneas. A título de exemplo, no Brasil, estuda-se Filosofia logo nas primeiras séries do ensino fundamental.

Finalmente, contrariando todas as regras metodológicas clássicas, gostava de incluir nesta reflexão, justamente, o que de mais importante me parece na advertência da 2ª. Edição feita pelo autor do compêndio de 1866, já referido, destacando, a título de reforço da minha tese, a defesa da vitalidade filosófica, a dimensão insubstituível da formação do homem, no início de um novo milénio.

Com efeito: «No corpo da obra encontrarão também os leitores alguns acrescentamentos, tais como, na Introdução, a doutrina relativa à utilidade e relações de Philosophia com as outras sciências, e às condições e elementos da sciência.» COSTA, 1866:1).

Depois, mais à frente, sob a epígrafe “Índole e ponto de visa superior da Philosophia”, Ribeiro da Costa, reforça, obviamente com total autoridade, praticamente, a século e meio do nosso tempo, o que desejo defender na Filosofia, ou seja, a faculdade superior que ela encerra na condução das nossas vidas, e, invocando a necessidade da divisão das ciências, refere a dado passo: «As explicações parciais não satisfazem plenamente; de porquê em porquê o espírito humano vai subsistindo, até chegar à razão última, à unidade ao que se chama synthese. É este ponto de vista superior, esta unidade, esta explicação ou synthese mais geral dos seres, que sempre a Philosophia teve por missão achar. Neste sentido, a Philosophia, para nos servirmos de uma imagem, é como o espectador que do alto da montanha, abraça com a vista as diversas porções do território, que se estendem até ao horizonte, e sem distinguir a diversidade dos seus produtos e habitantes, vê distinctamente brotar a seus pés as fontes da vida, que animam e vivificam essas diversas regiões.» (COSTA, 1866:3

Prosseguindo na sua apresentação introdutória, o mesmo autor tenta uma definição de Filosofia, dando-nos então a sua posição: «A Philosophia é a sciência que se ocupa de resolver estes três problemas (Quem sou eu? Qual é a minha origem? O porquê da minha existência? ou onde está o meu fim ou o para quê da minha existência); solução que é o ideal a que o homem aspira e do qual se aproxima incessantemente, sem poder jamais chegar à solução completa. Deste modo, a Philosophia pode definir-se a sciência que procura expor a natureza, atributos e faculdades das substâncias espirituais, consideradas em si mesmas, e nas suas relações gerais com as outras substâncias.» (COSTA, 1866:3).

Finalmente, conclui a sua introdução, resumindo da seguinte forma: «A Philosophia como todas as sciências, provém d’uma inclinação natural que o homem tem de procurar conhecer-se a si e ao que o rodeia; (...) VII. A Philosophia é para as outras sciências como o tronco para os ramos da árvore, ou como a vida para os diversos órgãos e funções do organismo humano.» (COSTA, 1866:3).

 

Bibliografia

 

ARANHA, Maria Lúcia Arruda, (1996). Filosofia da Educação. 2a Ed. São Paulo: Moderna.

 

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, Versão 1992, Porto: Porto Editora

CONSTITUIÇÃO FRANCESA DE 1791. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de Agosto de 1789, in HAARSCHER, Guy. (1993) A Filosofia dos Direitos do Homem, Trad. Armando F. Silva, Colecção Direito e Direitos do Homem, Lisboa: Instituto Piaget

COSTA, António Ribeiro da, (1866). Curso Elementar de Philosophia. 2a Ed. Porto: Typographia de António J. S. Teixeira.

HARRSCHER, Guy, (1997).  “A Filosofia dos Direitos do Homem”, Trad. Armando P. Silva, Lisboa:  Instituto Piaget

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA, (1997). Organização Curricular e Programas, Ensino Secundário, Lisboa: Ministério da Educação/Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário

PEREIRA, António Manuel, (1961). As Constituições Políticas Portuguesas – Além da Carta Constitucional e seus Actos Adicionais às de 1822, 1838, 1911 e a Actual, Porto: Edição do Autor.  

 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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