Resumo: O artigo analisa a proposta teórica do pensador espanhol Jesús Mosterín, em seu livro “Filosofia de la Cultura”. Combinando Antropologia, Biologia e Genética, o autor procura introduzir o conceito de unidade de informação cultural, os memes, através do qual acredita ser possível discutir a evolução da humanidade, bem como entender seus atuais conflitos.

 Palavras-chave: Antropologia, Cultura, Filosofia, Evolução, Unidade de Informação Cultural.

 Abstract: The article analyze the theoretic purpose of the spanish thinker  Jesús Mosterín, in his book “Culture Philosophy”. Arranging Anthropology, Biology and Genetic, the writer try to introduce the concept of cultural information unit the memes with it he believes that is possible to discuss the evolution of the mankind and understand their actual conflicts.

 Keywords: Anthropology, Culture, Philosophy, Evolution, Cultural Information Unit.


I – A Cultura como informação

             Jesús Mosterín, autor do livro Filosofía de la Cultura”[1], o qual procurarei analisar neste artigo, inicia sua obra enfatizando a importância da informação para a vida. Preliminarmente, discorre sobre o significado das informações genéticas, o papel do genoma e do aparelho neurológico, destacando o cérebro como um rápido processador de informações, em um patamar biológico. Depois, procura demonstrar que o cérebro consegue também transmitir as informações de cérebro a cérebro, através de uma rede denominada cultura.

            Começando por conceituá-la como a informação que se transmite por aprendizagem social (p.16), Mosterín se propõe a desenvolver uma análise etimológica do termo, mostrando sua relação original com o verbo latino colere, cujo significado era cultivar o campo, em função do que se criou a metáfora comparando o espírito de um homem rude com um campo sem cultivo e, decorrentemente a cultura animi com o cultivo da alma. Posteriormente, no século XVII espanhol, a metáfora se aplicou á escrita e, de forma pejorativa, aos passatempos das classes ociosas.

            Em seguida, Mosterín passa à análise da noção antropológica de cultura, mais atual, lembrando Edward B. Tylor, para quem cultura era “um complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, leis, oral, costumes e demais capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade”, ou seja, não herdado geneticamente. Dessa forma, teríamos os cabelos de determinada cor – isso é genético – mas, por efeito cultural, o cortamos, penteamos e tingimos.

            Muitas vezes, para Mosterín, a cultura vem socorrer a Natureza. Quando nossos olhos não enfocam adequadamente, ela nos proporciona os óculos de grau, e quando o diabético não regula naturalmente as taxas de açúcar de seu sangue, proporciona a insulina. Dessa forma, ele conclui, tudo aquilo que o organismo é capaz de fazer, porque está geneticamente preparado para isso, constitui seu aspecto natural, e tudo aquilo que o organismo é capaz de fazer por haver aprendido socialmente constitui  a cultura, a qual se transmite por aprendizagem social.   

            Na medida em que a cultura se transmite, sobretudo pela prática de ensinar e aprender, em sua constituição os sinais seriam importantes, constituindo as informações sintáticas, semânticas e pragmáticas. A primeira contendo o aspecto estrutural, a Segunda proporcionando a correlação e a terceira capaz de mudar o estado do receptor.

            Depois de discorrer sobre a informação pragmática, Mosterín lembra que os animais superiores obtêm informações por herança biológica ou aprendizagem (p.27). A primeira genética nuclear ou não nuclear, a Segunda descritiva, prática e valorativa. Lembrando que a imitação é a base da cultura, assegura que esta pode se formar também individualmente, à base de ensaio e erro, um método bom mas perigoso, posto que alguns erros podem ser mortais.

            Argumenta que o uso de ferramentas, como forma de produzir e reproduzir as condições materiais de vida, não é propriedade dos humanos, como afirma a Antropologia clássica. Para tanto, cita inúmeros exemplos de animais que provêm suas condições de vida a partir delas.

            Retomando a questão da informação cultural, o texto assinala que ela não está programada nos genes, sendo gerada por uma invenção ou descobrimento mais ou menos casual e transmitida por imitação ou aprendizagem. Não obstante, o sistema de comunicação não seria obrigatoriamente cultural. Como exemplo, cita o caso dos cucos criados em ninhos de aves de outra espécie, ou mesmo ensurdecidos, que mantiveram a fluidez de seus cantos, demonstrando-os inatos e geneticamente programado. Cita também casos de outras aves que, criadas fora de seu habitat, aprenderam e transmitiram às suas gerações cantos estranhos aos seus.

            A observação desses fatos produziria a dúvida: os animais possuiriam ou não linguagem? A resposta, para Mosterín, depende do conceituo de linguagem com o qual se trabalhe. Se entendermos por linguagem um sistema de comunicação que se serve de símbolos para transmitir informações acerca das coisas, então as abelhas a possuiriam.

            Mosterín afirma que não é o tipo de função nem o grau de complexidade que determina se uma determinada conduta é natural ou cultural, mas o modo como ela se originou, se por herança biológica ou por aprendizagem. Apesar disso, ele acredita poder-se falar em cultura animal, a partir de determinados comportamentos aprendidos que atendem as necessidades de preservação da vida, seja através da satisfação da fome ou da ocultação do perigo, como acontece, por exemplo, com os cercopitécos, macacos da Ásia e da África.

            Depois de alertar que a moderna classificação dos seres vivos é bem mais criteriosa que as anteriores, Mosterín discute a classificação dos homídeos. Enfatiza que análises recentes demonstram que o DNA de um humano e o DNA de um chimpanzé são diferentes em apenas 1%, e que este está muito mais próximo daquele do que do gorila. Isso justificaria o fato de alguns autores teimarem em propor a reclassificação dos chimpanzés e dos gorilas no gênero homo. Referindo-se ao Homo sapiens sapiens, discorre sobre seu aparecimento e circulação, mostrando também as diferenças genéticas entre o Homo e os não-homídeos. Em seguida, analisa a evolução da linguagem.

            Começa demonstrando que a laringe humana é mais baixa que a dos primatas, apenas uma das diferenças, que alcançou também áreas motoras e sensoras do córtex cerebral, a posição da língua e o controle da respiração. Prossegue examinando e descrevendo o aparelho fonador humano, finalizando por lembrar que a partir do neolítico a evolução cultural foi bastante acelerada.

            Ao analisar esses traços, Mosterín assinala a presença de dois órgãos processadores de informação: o genoma (sistema de genes característico do indivíduo e presente no cromossoma de cada uma de suas células, exceto nos gamelos) e o cérebro, ambos capazes de detectar, assimilar, armazenar, modificar, usar e transmitir informações. Adverte para o fato de que no universo da Biologia os estudos moleculares dividem os cromossomas em cistrons. Assim, um cistron é um segmento de cromossoma responsável pela codificação de uma cadeia polipéptida de aminoácidos de uma proteína.

            Também a informação cultural que se transmite de cérebro a cérebro pode ser dividida em unidades simples: uma idéia, um uso etc.  Os antropólogos denominam traço cultural a essa unidade simples, considerando-o a unidade da cultura. Pode ser um objeto, uma maneira de fazer algo, uma crença, uma atitude.

            Em 1976, DAWKINS[2] (1976:206) criou o neologismo memes, que recorda tanto a memória como a mimesis (imitação). Agora, ao invés de genes e traços culturais, passou-se a falar genes e memes. Dessa forma, lembra Mosterín, nossa Natureza está constituída por nossa informação genética, articulada em genes. Nossa cultura, por sua vez, por nossa informação mimética, articulada em memes. Trata-se, diz, enquanto teoria memética da cultura, em algo análogo aos conceitos mendelianos de caráter hereditário.

            Um dos momentos mais significativos do pensamento do Autor aparece aqui, no capítulo seis. Nele, Mosterín procura demonstrar que a cultura de uma pessoas (o conjunto de memes ou traços culturais armazenados em seu cérebro) está submetida a constantes mudanças, pois a cada dia aprendemos algo ou esquecemos algo. A partir daí, analisa a dinâmica da evolução cultural, o modo de transmissão cultural, os conceitos de cultura atual e virtual.

            Ao fazê-lo, lembra que a cultura é sempre conservadora e que por maior que seja o conteúdo de mudança contido em um meme, os demais permanecem estáveis. Lembra LINTON[3] (1936):

            “Sempre são muito poucas as invenções originadas dentro de qualquer sociedade ... o crescimento rápido da cultura humana, como conjunto, se deve à capacidade de todas as sociedades para adquirir elementos de outras culturas, incorporando-as dentro da sua. Essa transferência de elementos culturais de uma sociedade a outra se conhece com o nome de difusão”.

            Se o contato traz consigo a difusão, diz Mosterín, o isolamento traz modificações e fragmentações. Exemplo claro disso ocorreu com o latim, face  ao isolamento de diversas populações da Europa Meridional, face ao esfacelamento do Império Romano. Assim, como as mutações genéticas e as recombinações sexuais produzem  inovações na informação transmitida geneticamente, com a cultura, a invenção, erros de transmissão e derivações produzem inovações de todo tipo.

            No que diz respeito aos conteúdos culturais descritivos, Mosterín inicia afirmando tratar-se de uma informação descritiva, pragmática, caracterizada por sua capacidade de alterar as crenças ou representações do receptor. Como toda pragmática, é relativa ao receptor. Nesse contexto, Mosterín discute a epistemologia de DRETSKE[4], cuja  definição pressupõe a veracidade absoluta da informação descritiva. Mosterín entende que esta pode ser verdadeira ou falsa e que a noção de DRETSKE não serve para analisar os conteúdos culturais que, freqüentemente, são falsos.

            Para ele, as representações culturais, produtos quase sempre da aprendizagem social, podem ser cognitivas, místicas e ficções. Temos no primeiro caso os conhecimentos geográficos, sobre as montanhas, rios, caminhos, estações meteorológicas, plantas animais etc.  Neste caso, exemplifica-se com conhecimento comum, contudo, há aqueles especializados, trocados por subgrupos sociais, como os médicos, artesãos, as famílias. Nem todas as representações são cognitivas, ou seja, nem todas assentam-se em um mapa da realidade. Isso porque a tentativa de explicação dos homens vai muito além de sua capacidade. Uma morte por homicídio, diz Mosterín, não deixa dúvidas, mas uma morte por câncer, por exemplo, comporta a invenção de que a morte ocorreu por mal olhado ou encantamento. Em outros casos, ocorrem os mitos, ficções narradas na tribo, dando conta da origem do mundo, dos fenômenos naturais e assim por diante.

            A cultura universal comporta também a ciência, uma informação gerada por aprendizagem individual (descobrimento ou invenção) e transmitida por aprendizagem social. No caso, a ciência é tanto informação descritiva como prática e valorativa.

            Um pouco mais adiante, Mosterín se dispõe analisar o que chama de informação prática, lembrando, nessa categoria, a informação genética bem como a informação técnica, produto da aprendizagem social. Nesse sentido, delonga-se observando os diferentes aspectos dessa informação técnica.

            Busca analisar a tecnologia ou a engenharia, diferenciando-a de uma simples técnica. Para ele, a tecnologia representa um conjunto de técnicas. Algumas destas, diz ele, são transmitidas de geração para geração, por imitação, sem necessidade de livros ou escolas. Outras, as modernas, produto da modernidade, exigem uma articulação melhor para sua transmissão. As duas técnicas mais importantes, para muita gente, seriam a agricultura e a medicina.

            Até pouco tempo, os isolamentos geográficos determinavam o isolamento cultural. Na verdade, a cultura de cada grupo representava um conjunto de soluções aos problemas a ele apresentado.  Alguns desses problemas eram peculiares, como, por exemplo, aqueles referentes às questões marítimas, para os povos insulares, ou às montanhas para os povos montanheses. Dessa forma, em seus habitats os grupos elegiam formas de produzir e reproduzir as condições de vida, criando hábitos e costumes face aos quais o comportamento vizinho ou de povos distantes eram vistos de forma pejorativas.

            Mosterín começa explicando dessa forma as origens do etnocentrismo  que ainda assombra a modernidade (a forma virulenta e moderna de etnocentrismo é o nacionalismo), lembrando que para os gregos, muito etnocêntricos, somente a sua língua era digna de tal nome. As outras eram um mero bla-bla ou bar-bar, motivo pelo qual eram por eles denominados bárbaros. Menciona ainda um outro tipo de etnocentrismo perigoso, o fundamentalismo religioso ou ideológico, baseado na fé cega em alguma religião ou ideologia.

            No que diz respeito ao relativismo, que também critica, o exemplifica com as idéias de Sextos Empirikós e Paul Feyerabend. O primeiro, céptico grego, e o segundo, filósofo da ciência, afirmam que não há nenhuma razão objetiva para que possamos considerar a teoria da evolução biológica superior à creacionista, ou mesmo acreditar que a astronomia é superior à astrologia, ou que a medicina é mais eficaz que a feitiçaria. Para Mosterín, tanto o etnocentrismo quanto o relativismo são incoerentes do ponto de vista filosófico.

            É exatamente nesse momento que Mosterín propõe sua grande tese, ou seja, sua teoria a respeito da Natureza humana.

            Começa advertindo para o fato de que quase todas as etnoculturas locais tendem a um processo de convergência, conseqüência do progresso dos meios de comunicação e da informática, com a informação circulando pelo planeta à velocidade da luz, terminando com o isolamento cultural. Mosterín acredita que isso leve à maior uniformidade do planeta. Na medida em que cada área cultural antes sua própria matemática, sua própria medicina, seus próprios mitos acerca do mundo, agora se usaria a mesma matemática, se curaria as mesmas enfermidades com a mesma medicina, tendo-se a mesma idéia a respeito da origem do homem e do universo. Assim, Mosterín aponta o que chama de raiz da crise atual da cultura, o desequilíbrio cultural, explicando dessa forma, por exemplo, as crises dos países desenvolvidos.

            Finalizando, apresenta em apêndice a concepção popperiana de cultura aceita em determinadas sociedades contemporâneas onde se propõe a teoria das realidades que forma o “Mundo 3”, algo relacionando à informação, ainda que seja possível pensar um modelo até para a Natureza.

            Com efeito, “Filosofia de la Cultura”, de Jesús Mosterín,  é uma obra que combina alguns conceitos antropológicos elementares com outros filosóficos e biológicos, uma tentativa de reflexão sobre as origens do homem e a dinâmica de seu comportamento ao longo do tempo. Para tanto, desde os capítulos iniciais, procura resgatar de um possível esquecimento  algumas conceituações básicas que acredita esquecidas, lembrando que a cultura é uma informação transmitidas inter-cérebros, através de um processo cumulativo que inclui formas de organização social, em seus mais diferentes aspectos, bem como as técnicas utilizadas nessa organização. Distinguiu herança genética de herança social, atribuindo àquela que se sabe fazer a partir de uma programação natural e a esta as conseqüências do processo de socialização.

            Buscando alguns recursos simples na Semiótica, Mosterín oferece também critérios classificatórios para os sinais de largo uso, tentativa de identificar para os atos instintivos e para os culturais a mesma possibilidade classificatória. Sob essa óptica, informações descritivas, práticas ou valorativas poderiam ser encontradas tanto na vida natural quanto na social.

             Depois de argumentar em termos evolucionistas, preocupado com aquilo que popularmente é chamado elo perdido entre o homem e o macaco, desenvolve um estudo acerca dos homídeos, das origens e da evolução da linguagem, um perfeito pano de fundo para sua primeira tese: a teoria dos memes  e sua relação com os genes.

            Mosterín começa lembrando que a teoria memética foi introduzida nas discussões sobre cultura em 1976, por DAWKINS[5], que chamava a atenção para a semelhança entre genes e traços culturais, para os quais criava o conceito de memes, graças ao que a teoria memética da cultura se tornaria análoga ao conceito mendeliano de caráter hereditário. Dessa forma, buscando demonstrar que a menor unidade cultural, o traço cultural básico, agora denominado memes, seria a base da comunicação social, aproxima-o sobremaneira da comunicação genética. Assim, os memes seriam unidades de informação cultural no sentido técnico de bits  (combinação binária), diferenciados na medida em que não se somam, por não serem unidades quantitativas aditivas mas desiguais. Nesse caminho, dar-se-ia a exibição de uma concepção de cultura constituída exclusivamente pela informação e não por objetos e produtos materiais, tão a gosto de KEESING[6] e DURHAM[7], ou, mais anteriormente, POPPER, GEERTZ e outros. Trata-se de uma visão social de mundo segundo a qual a cultura material seria apenas um efeito fenótipo da cultura imaterial, ou seja, a cultura repousaria em como fabricar um artefato, tornando-se este apenas uma manifestação daquele, evidenciando o meme como unidade de informação residente no cérebro, com seus efeitos fenótipos  recebendo a forma de palavras, música, imagens fotográficas, estilo de roupas, gestos etc.  Ao longo das 20 primeiras páginas, Mosterín tenta  aproximar os conceitos de cultura das concepções geneticistas, através de análises referentes à mudança cultural, modos de transmissão cultural e evolução cultural. Neste caso, a evolução, diz, ocorreria mediante a introdução ou invenção de novos memes alternativos àquilo já presente, comparando a evolução cultural com a biológica.

            Os argumentos de Mosterín acerca do paralelismo que ele imagina existir entre a construção da informação genética e da informação social acabam por conduzi-lo à uma Segunda idéia, pela qual existiram valores congênitos acompanhando nossa formação natural, ou seja, uma quantidade de informação pré-programada geneticamente codificada no DNA, condicionando parcialmente nossa cultura, como a preferência do sabor doce pelas crianças, o tipo de corpo humano no qual encontramos atrativos, o gosto por uma paisagem ou por outra, o que significa dizer que a valoração estética seria parcialmente  um produto de informações geneticamente herdadas.

            Trata-se de um equívoco. Conceitos estéticos se fundamentam, a princípio, nos processos de endoculturação, começando logo após o nascimento e se estendendo até a morte. TITIEV[8]  demonstra graficamente que a criança, ao nascer, tem um comportamento 100% instintivo, mas, recebendo desde que nasce o impacto da cultura, é levada a assimilar comportamentos padronizados, observáveis à sua volta. Sua tendência é, então, a de assimilar o máximo de cultura e conformar seu comportamento a ela, aprendendo o dispositivo simbólico que lhe permitirá comunicar-se com os outros, e que a tornará capaz de viver em sociedade, desenvolver seu processo intelectual-sentitivo,   adquirindo hábitos e costumes que disciplinarão seu comportamento 100% biológico em 100% cultural.

            Com efeito, desde a sua origem, o homem, para se tornar homem – porque ele não nasce homem mas se faz homem – se deu conta da necessidade de produzir e reproduzir suas condições materiais de existência. O fez humanizando a Natureza. Sendo produto dessas circunstâncias, as humanizou. De uma forma clara, percebeu que a produção e a reprodução dessas condições materiais de existência, uma vez procedidas em grupo, se tornavam menos penosas. A partir desse instante, no processo de humanização da Natureza e das circunstâncias, travou relações sociais definidas. Superou sua Natureza “natural” e adquiriu Natureza “social”. A necessidade de regulamentação para a vida coletiva, dos indivíduos entre si, e desses com a comunidade criou uma certa consciência, uma noção de pertencimento e a necessidade de ajustar comportamentos a essa vida coletiva. Provocou o aparecimento do bom, do mau, do bem e do mal,  do útil, e do inútil.

            Estabeleceu-se assim uma tábua de deveres e obrigações. Para sobreviver, todos eram obrigados a trabalhar e lutar diante das dificuldades, dos inimigos da tribo. Desenvolveram-se Assim qualidades como bravura, agressividade em combate, solidariedade, disciplina, ajuda mútua, amor aos filhos da mesma tribo. Ao contrário, a covardia passava a significar um vício horrível porque atentava contra os interesses vitais da comunidade.

            Evidentemente, de acordo com as relações sociais travadas no processo de produção e reprodução e suas condições materiais de vida, o homem cria a valoração do belo e do feio, do mal e do bem, do mau e do bom.  Tomemos, por exemplo, o trabalho. Valor moral inconcebível na Idade Média, no universo palaciano, tornou-se uma aquisição da cultura moderna, face às características do Capitalismo, para o qual a categoria trabalho passa a possuir valor quase  ontológico.

            Desde esse “estado de Natureza”, o homem construiu modelos de concepções, variando entre  o desejado e o indesejado, o que se deve preservar e o que se deve desprezar, baseado em suas circunstâncias objetivas, ou seja, seu universo de referências, na forma como mantém suas relações sociais permanentes para produzir e reproduzir suas condições materiais de vida. É natural, portanto, a partir da instituição da sociedade de classes, o aparecimento de circunstâncias diferentes, portanto, de ideologias diferentes, porque constituídas de valores diferentes a se preservar, no mínimo uma ideologia do dominante e outra do dominado.

            Ora, a cultura é um fenômeno ideológico e superestrutural. Assim, a estética. Índios botocudos, no Brasil Central, aumentam os lábios com discos de madeira e consideram estético. Negras africanas esticam o pescoço com anéis, chinesas atrofiavam os pés, mulheres engordam em determinadas ilhas da Oceania, tudo em nome da beleza.

            No chamado mundo moderno, todos sabemos, esses valores estéticos são divulgados pema mídia, portanto, pela cultura forte. Negar a dimensão exclusivamente cultural da estética é no mínimo desconhecer que o homem trabalha com ferramentas diferenciadas face às realidades concretas diferenciadas.

            Evidentemente, essas idéias não apostam no pensamento de Mosterín, para quem marxistas, existencialistas e conducionistas trabalham em erro. Para criticar os primeiros, nega que a existência humana se prenda a uma Natureza de relações econômico-sociais, através de um raciocínio tosco, onde procura esgrimir o insucesso do chamado socialismo real como uma demonstração de que “a Natureza dos homens” não mudou. Por incrível que pareça, essa é a argumentação usada!

            Quanto a Sartre, adjetiva sua doutrina de absurda. Não aceita que o ser humano careça de Natureza, e que nele a existência e a liberdade precedam à essência e à determinação. Mosterín atribui tais fragilidades ao existencialismo e justifica com elas o rápido desaparecimento do pensamento sartreano.

            Na crítica aos conducionistas, limita-se a mencionar vagamente os progressos na genética como razões do descrédito.

            “Filosofia de la Cultura” é um livro que busca, a partir dessas críticas, criar condições para a grande proposta do Autor, segundo a qual existe uma Natureza  humana, um acervo genético da humanidade, graças ao qual não precisamos de que moralistas fanáticos e políticos conjeturem  uma Natureza para o homem, posto que esta já está dada desde o nascimento. Assim, ela seria o resultado de uma profunda evolução, decantada ao longo de milhares de anos, basicamente similar a todos, e se as teorias moralistas mostram o contrário, elas devem ser mudadas. Somente milhões de anos futuros poderiam mudar a Natureza humana, de nada adiantando os discursos, os governos, as leis e as revoluções. O “homem novo”, dessa forma, seria apenas um caminho enfeitado por boas intenções, que levaria ao inferno.

 

II – Por uma questão de ordem.

            Refutar as idéias de Mosterín não oferece exigências intelectuais de porte. Preliminarmente, é preciso lembrar que o homem é um ser natural, ou seja, faz parte integrante da Natureza. Não se pode conceber o conjunto dela sem nele inserir a espécie humana. Contudo, ao mesmo tempo em que se constitui em ser natural, o homem se diferencia da Natureza em seu corpo inorgânico. Ele atua sobre a Natureza para dar conta de suas necessidades, e sua ação não é apenas biologicamente determinada mas se dá, principalmente, pela incorporação de experiências e conhecimentos produzidos e transmitidos de geração a geração, por meio da educação e da cultura. Isso permite às novas gerações não voltar ao ponto de partida. Nesse processo, desenvolve idéias, conhecimentos, valores, crenças.

            Sendo o processo de produção da existência humana um processo social, é a base econômica que determina as formas políticas, jurídicas e o conjunto das idéias que existem em cada sociedade. É a transformação dessa base material, ao logo do tempo, que determina  toda sociedade , implicando novos modelos de produção, portanto, novas relações sociais determinadas, advindo daí uma nova ideologia. Nas sociedades tribais, comunais, o grupo social organizava-se por sexo e idade para produzir e reproduzir os bens necessários à sobrevivência. Às mulheres e crianças cabiam determinadas tarefas e aos homens outras. Essa primeira divisão social do trabalho, além de garantir a sobrevivência do grupo, gerou um conjunto de instrumentos, técnicas, costumes, crenças, conhecimentos, organização familiar, valores que cimentavam essas relações (ideologias) e a construção de situações ideais (utopias), formando visões sociais de mundo.

            Dentro dessa concepção, idéias e comportamentos, sendo um produto da existência humana, sofrem igualmente as mesmas determinações históricas. São, na verdade, a expressão das relações e atividades reais do homem, estabelecidas no processo de produção de sua existência.

            “A produção de idéias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real (...) Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência”[9].

            Em seu desenvolvimento, o capitalismo negou permanentemente essas evidências. Observe-se que as ciências naturais, por exemplo, foram desabrochando com ideologização menos chocante. Tal fato ocorreu não somente porque manifestava-se cada vez mais a necessidade de conhecimentos científicos e técnicos do capital em geral mas também porque o modo de produção capitalista está fundado sobre mecanismos diretamente econômicos de extração do excedente, a apropriação da mais valia, exigindo um cimento ideológico peculiar. Na medida em que esse modo de produção se tornou dominante nas principais metrópoles do mundo, no fim do século XVIII, a ciência da Natureza pode emancipar-se de uma maior dependência com as ideologias religiosas ou éticas do passado.

            Esse modelo, que busca um ideal epistemológico ou uma filosofia da cultura livre de maiores pressões ideológicas, julgamentos de valor, uma ciência axiologicamente próxima da neutralidade, corresponde, entendo, até certo ponto, à realidade das ciências da Natureza de nossa época, até porque, se é verdade que as ciências ditas exatas foram relativamente neutralizadas, e que as ideologias têm menor valor sobre seu teor cognitivo, não é menos verdade que as visões de mundo, as condições sociais e as opções partidárias determinam, em ampla medida, tudo o que se encontra antes e depois da pesquisa propriamente dita.

            Existem diferenças qualitativas quanto ao papel e a significação das visões de mundo nas ciências humanas e nas ciências naturais, e o positivismo (século XIX), o positivismo lógico (primeira metade deste século) e o pragmatismo contemporâneo (e nele Mosterín) teimam em negar, ora identificando as leis sociais com as leis da Natureza, ora dissolvendo as ciências sociais e as ciências naturais em um só método científico, com um único modelo de objetividade, ora negando às primeiras estatuto epistemológico. O historicismo procurou fundamentar a especificidade metodológica das geisteswissenschaften em seu caráter necessariamente compreensivo (versttehend), em contraste com a démache puramente explicativa das naturwissenschaften.  Sem negar o interesse dessa discussão, parece-nos que essa especificidade obedece a causas mais profundas.

            Em primeiro lugar, há o caráter histórico dos fenômenos sociais e culturais, produzidos, reproduzidos e transformados pela ação dos homens (contrariamente às leis da Natureza), já observado por Vico, em uma fórmula que Marx citou em O Capital, ou seja, a principal diferença entre a Natureza e a História consiste no fato de que o homem fez a Segunda e não a primeira.

            Em segundo lugar, há uma identidade parcial entre o sujeito e o objeto do conhecimento enquanto seres sociais. O observador – e quem lembra é Lucien Goldmann – é, de uma maneira ou de outra, parte da – ou implicado pela – realidade social que estuda e não tem essa distância buscada na hipotética relação de objetividade do cientista natural com o mundo exterior.

            Em terceiro lugar, as manifestações culturais são palco de objetivos antagônicos de diferentes classes sociais, cada uma delas interpretando o passado, o presente e o futuro a seu modo, em função de sua experiência, assim determinando o que deve ou não deve ser culturalmente preservado, os valores estéticos mais convenientes etc.

            Em quarto lugar, os cientistas, assim como os intelectuais em geral, tendem a vincular sua visão social de mundo – em que se reparte o universo cultural de uma época determinada – à sua forma  concreta de produzir e reproduzir suas condições de existência, o que significa dizer, em conformidade à ideologia do grupo, ao qual está inserido.

            Essas razões, estreitamente correlacionadas entre si, distinguindo a ciência da Natureza da ciência do homem. Fazem com que os modelos teóricos de Mosterín não se sustentem. Querer aplicar ao domínio da cultura o pretenso modelo de objetividade científico-natural advém de uma ilusão ou de uma mistificação. A objetividade institucional de Popper é uma variedade disso.

            No transcorrer de seu livro, Mosterín não assume oficialmente qualquer corrente de pensamento. Não obstante, utiliza-se de John Dewey para sustentar sua argumentação. Lembra que, em 1938, esse pensador americano se opôs ao Relativismo apelando à natureza humana comum e às necessidades derivadas dela, que umas culturas podem satisfazer melhor que outra.

            O que distinguiu Dewey foi a não integralidade com que aceitou a teoria da evolução. Para ele, a mente, da mesma forma que o corpo, é um órgão evoluído  partindo de pressupostos darwinianos:

            “Quando Decartes disse, ‘ A natureza das coisas físicas é muito mais facilmente concebida quando são contempladas adquirindo gradualmente existência do que quando são consideradas apenas como produzidas de uma só vez num estado terminado e perfeito’ o mundo moderno tornou-se consciente da lógica que daí por diante o controlaria, lógica da qual a “Origem das Espécies”, de Darwin, é o mais recente produto científico...Quando Darwin disse das espécies o que Galileu dissera da Terra, e pur si muove, emancipou, de uma vez por todas, as idéias experimentais e genéticas como um sistema de fazer perguntas e procurar explicações.[10] Com efeito, Dewey era francamente naturalista.

Racionalista, pragmático, confundindo conceitos do positivismo lógico, também influenciado por Popper, a quem busca recorrentemente, Mosterín se aferra a uma possível natureza humana, orientada pela bússola dos produtos de uma evolução basicamente similar para todos.

 

III - Conclusão.

            A oposição à Filosofia de la Cultura, de Mosterín pode ser buscada com facilidade no universo da Antropologia Cultural clássica, que ele mesmo utiliza n.

o início de seu livro

            O ser humano é a única criatura no reino animal capaz de criar e manter cultura. Assim, cada sociedade humana possui a sua, com características próprias, de sorte que membros de culturas diferentes podem comportar-se diferentemente dos membros de outra sociedade diante da mesma realidade. Observe-se, por exemplo, que um ilhéu da Oceania chora bastante ao cumprimentar um amigo, enquanto um americano toma-lhe a mão direita, balançando-lhe o braço para cima e para baixo. Já o francês prefere beijar o amigo no rosto.

            Isso nada mais é do que um padrão cultural, mas a cultura é bem mais que um conjunto de formas isoladas de comportamento. “É a soma total, integrada das características de comportamento aprendido que são manifestas nos membros de uma sociedade e compartilhada por todas”[11]

            O fator comportamental aprendido é b[básico. É essencial para o conceito de cultura que os reflexos inatos e quaisquer outras formas biológicas hereditárias de comportamento sejam desprezadas. Cultura, em sua totalidade, é resultado da invenção social, transmitida a cada nova geração, com a descontinuidade assegurada pela punição dos membros da sociedade que apresentem comportamentos rebeldes.

           

 

Mosterín confunde vida social, como tal, e processo cultural. Isso não pode ser feito. Muitos animais além do homem possuem vida social. Possuem inclusive organização social. As formigas, por exemplo, apresentam uma divisão de trabalho exemplar entre rainha, obreiras, guerreiras e zangões. Não obstante, apesar de sua complexidade, essa organização social não repousa em cultura mas em instinto. Não se conhece entre as formigas comportamento por aprendizagem. Isso quer dizer, como o faz LOEBEL[12], que um conjunto de ovos de formiga, incubados adequadamente, sem a presença de qualquer formiga adulta, produzirá um batalhão de formigas que, uma vez adultas, repetirão em todos os detalhes o comportamento de milhares de gerações que a precederam.

            O que aconteceria se privássemos um grupo de crianças de contato com seres humanos? Em primeiro lugar, a vida para esse grupo seria impossível. Se assim não fosse, o grupo seria destituído de linguagem, de instrumentos e utensílios, fogo, artes, religião, governo e todos os aspectos da vida que distinguem os homens dos animais. De fato, comeriam, beberiam, se relacionariam sexualmente, achariam abrigo, tudo isso como respostas às necessidades biológicas básicas, mas de forma instintiva e casual. Entretanto, o que comessem e a maneira como comeriam estaria em desacordo com o gosto, o comportamento e o paladar do homem de hoje. Tampouco  suas relações sexuais estariam, sujeitas às regras e demais formas de ordenação que dão a cada sociedade humana suas características sexuais próprias. Vivendo instintivamente, pareceriam animais, ainda que, com o tempo, viessem a padronizar seus comportamentos, realizar descobertas, originando uma cultura rudimentar.

            A capacidade cultural do homem é realmente conseqüência da complexidade e da plasticidade de seu sistema nervoso, que o ajusta comportamentalmente, sem promover alterações biológicas. Ao mostrar que existe capacidade criadora abaixo do nível humano, Mosterín nada inova. Seria um erro ignorar isso. Todos sabemos que os primatas inventaram ovas formas de comportamento, soluções magníficas para problemas simples, bastante estudadas em psicologia animal experimental. Wolfang Köhler demonstrou as habilidades dos chimpanzés nos processos de ligar varetas umas às outras, empilhar caixas e abrir ferrolhos, a fim de atingir seus objetivos – em geral bananas.

            Contudo, nenhum desses animais conseguem ir além desses procedimentos elementares. Limitados pela memória, facilmente esquecem o que inventam se não forem estimulados pelo homem. Na verdade, a acumulação das invenções cria uma cultura além de suas possibilidades. Não desenvolvem a fala, o que sacrifica a principal forma de cultura que é expressa em pensamento e que se transmite pela articulação da palavra.

            No mundo animal, a cultura se constitui em um tipo de fenômeno que demonstra o mais alto nível de evolução. SPENCER e KROEBER chegam a chamá-la de superorgânica. Não está na estrutura orgânica do homem. A cultura humana precede a seu nascimento e sobrevive à sua morte e aqui reside o equívoco de Mosterín. SPENCER e KROEBER propõe[13] :

 

 

 

 

 

NÍVEL DO FENÔMENO    TIPO DO FENÔMENO       HIERARQUIA DAS CIÊNCIAS

 

Superorgânico

 

 

Cultura

Antropologia, Sociologia, Psicologia Social, Ciência Política, Economia, História

Psíquico Orgânico

Animais sencientes com sistema nervoso altamente desenvolvido.

 

Psicologia e neurologia

Vital Orgânico

Protozoários e Metazoários (plantas e animais)

Química Orgânica, Zoologia, Biologia, Anatomia, Fisiologia

Inorgânico

Terra e matéria cósmica

Biofísica, Química, Física, geologia, Astronomia

 

Mosterín  trata mal a relação entre cultura e sociedade. Uma sociedade, ensina a Antropologia clássica, poder ser qualquer agregado de animais que se mantêm juntos como um grupo inter-atuante. Há nele uma consciência de espécie, uma noção de pertencimento. Cavalos selvagens que seguem um líder formam uma sociedade. Pássaros no quintal, organizados em casais também.

            A sociedade humana é igualmente um agregado de animais com idênticas características. No entanto, quase todas as relações sociais estão submetidas à cultura existente. Não existem grupos humanos sem cultura, na medida em que eles são permanentemente organizados e atuam de acordo com ela. A sociedade humana se constitui pelo casamento da população com a cultura.

            Ora, na medida em que afirmamos não ser a cultura algo inato mas sim adquirido, externo ao homem, a priori, e  negamos a existência de uma natureza humana, qual seria a essência do homem?

Sem dúvida, ela pode ser encontrada no trabalho. Trata-se de uma existência real, concreta que encontramos no trabalho alienado. Entretanto, como o trabalho é a essência do homem, essa essência só se dá como essência alienada ou negada nas relações concretas reais que o homem mantêm com seus produtos, com sua própria atividade com os outros homens na produção[14]. Melhor explicando:

 

a)       o homem tem uma essência;

b)       sua essência é o trabalho;

c)      essa essência só se manifesta em sua existência como essência alienada;

d)      portanto, a essência do homem está divorciada de sua existência.

 

Utilizo esse modelo marxiano para refutar o que Mosterín insinua como essência do homem, o que chama de natureza humana, ignorando que o indivíduo é um produto social, isto é, determinado por suas relações sociais, pelas relações de produção que determinam sua própria individualidade em determinadas condições. Por isso é possível combater em Mosterín a idéia dessa essência humana, como atributo universal que se manifestaria nos indivíduos reais. “A essência humana não é algo abstrato e imanente a cada indivíduo. É, em sua realidade, o conjunto das relações sociais”[15].

Idéias de Marx, mostram, inicialmente, que não é nem o indivíduo nem na natureza que podemos encontrar a essência  do homem, a margem dessas relações sociais das quais ele mesmo é o produto. O homem, a margem dessas relações é uma abstração, e a natureza humana, concebida como atributo individual é tão abstrata quanto ele. Não existe a natureza humana universal e a natureza dos indivíduos só podem ser desvendadas no conjunto das relações sociais que produzem tanto a natureza do homem social como a de indivíduos.

A natureza dos indivíduos, isto é, a de homens abstratos, será sempre uma essência abstrata. Somente as relações sociais que fazem dos indivíduos homens reais, concretos, é que podem nos fornecer sua essência concreta. Daí a necessidade de se entender cultura, portanto, se constrói com base nas relações dos homens com a natureza ( trabalho humano, produção) e com os outros homens ( relações sociais). O homem é um ser indiscutivelmente prático, produtor. A produção, sobretudo a material, a forma como ela se materializa objetivamente, oferece as visões sociais de mundo que nortearão a cultura humana. Não é a natureza.

Mutante, a natureza humana se particulariza historicamente. Para julgarmos os atos humanos, seus comportamento, sua cultura, precisamos entendê-lo em cada época, de acordo com suas circunstâncias.

Para tanto, Marx é muito claro:

O trabalho é em primeiro lugar, um processo que participam igualmente o homem e a natureza, e no qual o homem, espontaneamente, inicia, regula e controla as relações materiais entre si próprio e a natureza. Ele se opõe à natureza como uma de suas próprias forças, pondo em movimento braços e pernas, as forças naturais de sue corpo, a fim de apropriar-se da produções da natureza de forma ajustada e suas próprias necessidades. Pois, atuando assim sobre o mundo exterior e modificando-o ao mesmo tempo ele modifica a própria natureza” [16]


BIBLIOGRAFIA

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 TITIEV, M. (1958) “ The Science of Man: Introducion to Anthropology”, Henri Holt and Company.N.Y.

 ______________________________________________________

[1] - Alianza Editorial, Madrid, 1993.

[2] - Richard DAWKINS, “ The Selfish  Gene”, Oxford University Press.

[3] - Ralf LINTON, “ The Study of Man” , Appleton-Century ,  N.Y., tradud. Espanhola “Estudio del  Hombre”, Fondo de Cultura Económica, México, 1942.

[4] - Fred DRETSKE, “Knowledge and the Flow of Information”, Basil Blackwll, Oxford, N.Y.

 [5] - Richard DAWKINS, op. Cit.

[6] - Roger KEESING, (1974:73-97) “Theories of Culture” , Ann. Rv. Of  Anthropology, vol.3 

[7] - W.H.DURHAM (1991:4) “Coevolucion, Genes, Culture and Human Diversity”, University Press, Stanford, Califórnia, USA.

[8] - Micha TITIEV (1958) “ The Science of Man: Na Introducion to Anthropology”, Henri Holt and Company.N.Y.

[9] - Karl MARX  e Friedrich ENGELS (1980:25-26) “A Ideologia Alemã”, Editorial presença, Lisboa.

[10] - John DEWEY (1910:8) “The Influence of Darwin on Philosophy”, NY

[11] - E. Adamson LOEBEL (1972:208) “A Natureza da Cultura”, In HOMEM, CULTURA E SOCIEDADE, Harry L. Shapiro (org.) Ed. Fundo de Cultura, Porto Alegre.

[12] - Ibid.

[13] - E. Adamson LOEBEL, op. cit., p.211.

[14] - Karl MARX (1987:595 e passim) “Manuscritos Económicos-filosóficos de 1844”, In OBRAS FUNDAMENTALES DE MARX Y ENGELS, Wenceslao Roces (Org.) Escritos de Juventud de Carlos Marx, Fondo de Cultura Económica, México.

[15] - Idem, “Teses Sobre Feuerbach”, VI,

[16] - Karl MARX, (1906: 197-198) “O Capital”, I, Charles H. Kerr & Co., Chicago, EUA