TEORIA DA FIDELIDADE PARTIDÁRIA E O FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA BRASILEIRA

 

A filiação partidária é disciplinada pela lei federal n.º 9.096 de 19 de setembro de 1995, complementada por resoluções do Tribunal Superior Eleitoral que disciplinam o calendário específico em que as listas com os nomes dos filiados são entregues nos cartórios eleitorais, resoluções estas que são editadas quase todos os anos.

Sobre isto dispõe a lei em questão no seu art. 18 e 19:

Art. 18. Para concorrer a cargo eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritária ou proporcional.

Art. 19. Na primeira semana dos meses de maio e dezembro de cada ano, o partido envia, aos Juízes Eleitorais, para arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos de filiação partidária para efeito de candidatura a cargos eletivos, a relação dos nomes de todos os seus filiados, da qual constará o número dos títulos eleitorais e das seções em que são inscritos.

 

 

Para se candidatar, o cidadão deve estar filiado a um partido político, cuja disciplina deverá orientar seu desempenho parlamentar, depois de eleito. A Constituição não exige a permanência do parlamentar no partido, assim como não prevê medidas para impedir a troca de partidos.

A Lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965, que instituiu o Código Eleitoral, determina, em seu art. 87, caput, que só podem concorrer às eleições candidatos registrados por partidos. No parágrafo único estabelece que nenhum registro será admitido fora do período de seis meses antes da eleição.

Cruz (2010) ao analisar a Consulta/TSE n.º 1167, Res. n.º 22.089, de 20.9.2005, Rel. Min. Gomes de Barros, conclui que além da regular filiação ao partido político, deve este estar com sua validade atestada pelo Tribunal Superior Eleitoral, sob pena de, em caso de extinção da agremiação a menos de um ano do pleito eleitoral, impossibilitar que seu filiado concorra ao pleito, que assim dispõe: Partido político. Registro. Estatuto. Cancelamento. Hipóteses. Um dos requisitos para concorrer a cargo eletivo é estar o eleitor filiado a partido político pelo menos um ano antes do pleito (art. 18 da Lei n.º 9.096/95). Se o partido vier a ser extinto a menos de um ano das próximas eleições, seus filiados estão impossibilitados de concorrer a esse pleito.

A filiação a determinado partido mostra que aquele cidadão possui afinidade com o programa partidário, com sua ideologia política, passando a impressão de que dará cumprimento, caso este eleito, às prioridades partidárias divulgadas (CRUZ, 2010).

A identificação com o partido gera votos para o candidato daquele partido, e muitas vezes essa empatia se dá pela ideologia cultivada pelo mesmo, presumindo-se que o filiado tenha também como metas políticas aquelas divulgadas pelo partido respectivo.

A Resolução-TSE nº 23.117/2000 dispõe sobre a filiação partidária, aprova nova sistemática destinada ao encaminhamento de dados pelos partidos a Justiça Eleitoral e das outras providências.

A filiação partidária não se faz apenas num ato formal de adesão a um partido político, apenas como condição de elegibilidade, o filiado, portanto, deve manter uma linha de pensamento coerente com o instituído pelo partido em seus estatutos, sobretudo quanto à orientação política e ideológica divulgada pela legenda. Vinculação essa que influencia em sua decisão manifestada no voto, razão pela qual há de ser preservada a fidelidade partidária.

A Fidelidade Partidária surgiu em meio à ditadura militar, quando no Brasil apenas poderiam existir dois partidos políticos. Sendo o ARENA ligado ao regime partido da situação, e o MDB, que era o partido de oposição. O governo então buscou meios de não permitir que os parlamentares trocassem de partidos para garantir sempre sua maioria no parlamento, fazendo, em 1969, de forma muito tímida, a inserção na constituição do instituto da fidelidade partidária.

A Constituição da República do Brasil consagra a instauração de um Estado Democrático de Direito, sendo importante ressaltar que um dos pilares do regime democrático é a existência de partidos fortes com um programa de governo bem elaborado, discutido e socialmente conhecido (ACCIOLY, 2009).

Discorre ainda que os partidos políticos são instâncias associativas permanentes e estáveis, dotadas de ideologia e programa político próprios, destinadas à arregimentação coletiva, buscando, em último plano, conquistar o controle do poder político, seja pela ocupação de cargos ou influência nas decisões políticas.

Com efeito, Accioly ressalta que a fidelidade partidária é aspecto indispensável ao fortalecimento das instituições políticas. Por muitos anos ocorreu uma valorização do candidato em detrimento do partido, situação essa que facilitou a migração partidária, muitas vezes com finalidade meramente eleitoral ou pessoal, em face da ausência de compromisso com os programas partidários.

A fidelidade é a obrigação de que um político deve ter para com seu partido, tendo por base a tese de que se no Brasil todos os candidatos a cargos eletivos precisam de partidos políticos para se eleger, eles não podem se desvincular do partido para o qual foram eleitos, sob pena de perderem o mandato.

ARAS (2006) esclarece que a fidelidade e a disciplina partidárias são figuras que integram o elenco de direitos e garantias fundamentais, de aplicação imediata, cabendo aos partidos políticos estabelecer, nos seus estatutos, as regras descritivas das infrações e respectivas penalidades, dentre as quais, se pode incluir a perda do mandato, sem confrontar nenhuma outra norma da mesma índole constitucional.

O Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu em março de 2007, a fidelidade partidária, que se aproveitando da inércia do poder legislativo, usou de sua forma atípica para afirmar que o mandato do parlamentar pertence ao partido pelo qual foi eleito e não ao candidato, tanto nas eleições proporcionais, quanto nas eleições majoritárias, uma vez que é indispensável à filiação partidária para o ingresso na vida política eleitoral brasileira.

Logo depois, este entendimento proferido pelo TSE foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal, possibilitando a saída do parlamentar sem a perda do mandato quando houver justa causa, em casos de perseguição dentro do próprio partido, incoerência ideológica partidária, ou se o parlamentar sair para constituir fundação de um novo partido.

Para Nunes Júnior (2010) é condição de elegibilidade e, portanto, pressuposto para a candidatura e aquisição do mandato eletivo, a filiação partidária, que a Constituição exige (art. 14, § 3º, V), é fator determinante da fidelidade partidária, no sentido de exigir dos filiados a observância dos princípios doutrinários e das diretrizes programáticas constantes dos estatutos partidários.

A Emenda Constitucional nº 52, de 2006, assim dispõe:

É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Para o Direito Eleitoral, a infidelidade partidária é a troca de partido de uma pessoa eleita por interesse próprio, sem que se enquadre nas exceções permissivas elencadas na legislação, das quais são observadas na figura da justa causa, ou seja, quando ocorre a incorporação ou fusão do partido, a criação de novo partido, a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, e, a grave discriminação pessoal.

A infidelidade partidária é extremamente prejudicial ao fortalecimento da democracia, e ao mesmo tempo é certamente uma das principais causas do enfraquecimento das instituições partidárias. Diante desse contexto e levando-se em consideração o momento de má fama e de fragilidade enfrentada pelas instituições partidárias, clama-se por medidas tendentes a prestigiar a fidelidade partidária, visando, assim, ao fortalecimento da estrutura democrática brasileira (ACCIOLY, 2009).

Ainda que o parlamentar obedeça às diretrizes estabelecidas pela direção partidária, este poderá, em determinadas circunstâncias, discordar de alguma orientação ou decisão, por razões de foro íntimo ou de natureza política, ideológica, ou religiosa.

Assim, a troca de partido tem contribuído para reduzir o grau de representatividade do regime democrático, pois não respeita a vontade do eleitor. E o voto dado a um parlamentar de um determinado partido é transferido, de forma indireta, após as eleições, para outro partido, alterando a representação eleita, sem consultar o eleitor (NUNES JUNIOR, 2010).

A Lei nº 5.682, de 1971 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), regulava a matéria, além de impor, como a norma constitucional, que se cassasse o mandato do parlamentar que deixasse o partido pelo qual se elegeu ou descumprisse o programa e as diretrizes partidárias estabelecidas pelos órgãos de direção. E assim manteve-se inalterado até a sua abolição pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985, tornando-se um fator determinante para o enfraquecimento dos partidos políticos.

Atualmente a Constituição Federal não prevê a perda do mandato por infidelidade partidária e nenhuma outra lei poderá acrescentar hipótese, sendo vedado ao Poder Judiciário, ao interpretar a lei, dar-lhe interpretação extensiva. Contudo, a Lei nº. 9.096/95 possui dispositivos que tratam da infidelidade partidária, in verbis:

Art. 23. A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido.

§ 1º Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipificada no estatuto do partido político.

§ 2º Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa.

Art. 24. Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto.

Art. 25. O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários.

Art. 26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito.

Para Accioly (2009), durante muitos anos preponderou o entendimento de que o mandato pertencia ao mandatário, reconhecendo-se, assim, como sendo um direito subjetivo. Ou seja, durante os últimos anos, o candidato eleito por uma agremiação poderia trocar livremente de partido, levando consigo o mandato obtido nas urnas, independentemente de o mesmo ter utilizado ou não os votos de legenda ou se beneficiado de recursos e da estrutura partidária do grêmio que o acolheu.

Em casos de infidelidade partidária a Resolução 22.610 de 2007 no julgamento dos Mandados de Segurança de n.º 22.602, 26.603 e 22.604, o Supremo Tribunal Federal restou assentado que a mesma, sem justa causa, acarreta a perda do mandato eletivo, entendendo a Suprema Corte, por conseguinte, que o mandato eletivo pertence ao partido político, e não ao filiado eleito. Dispõe-se então:

Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º - Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal.

§ 2º - Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subseqüentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral.

§ 3º - O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução.

Essa garantia concedida ao mandatário ocasionou uma desvalorização da sigla partidária, que passou a ser utilizada, muitas vezes, como forma única de se obter um mandato, não tendo o filiado qualquer preocupação em defender os ideais partidários, tampouco de atuar em conformidade com a sua ideologia, gerando, assim, uma intensa troca- troca entre filiados e partidos.

O art. 2º da Resolução 22.610, estabelece que o Tribunal Superior Eleitoral tem competência legal para processar e julgar pedido relativo a mandato federal; nos demais casos, a competência cabe ao Tribunal Eleitoral do respectivo estado.

Diante do exposto, com base na Resolução nº 22.610, de 2007, Nunes Junior (2010), salienta que o ocupante de cargo proporcional ou de cargo majoritário que, sem justa causa, se desvinculasse do partido sob cuja legenda fora eleito, estaria suscetível à perda do respectivo mandato, conforme estabelece a resolução nº 22.610, no seu art. 10.

Art. 10 - Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo, comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias.

 

 

Para entender os partidos políticos é essencial, também tratar de democracia, visto que o desenvolvimento daqueles vem associado intrinsecamente ao desta. Observa-se que a democracia ocorre quando há existência de um espaço público, de uma comunidade de homens livres e iguais, capazes de criar as leis que os regem, no qual os próprios envolvidos têm de entrar em acordo, prevalecendo a força do melhor argumento, sendo a soberania popular a verdadeira consagração da democracia.

Diante disso, os partidos políticos surgem como liames entre o sistema político, a opinião pública e a sociedade civil. Portanto, se configuram em instâncias associativas permanentes e estáveis, dotadas de ideologia e programa político próprios, destinadas à arregimentação coletiva, buscando, em última instância, conquistar o controle do poder político, seja pela ocupação de cargos ou influência nas decisões políticas.

De forma que os cidadãos se filiem a um determinado partido político por se assemelharem ao conjunto de pensamentos e de idéias que possam, uma vez aplicados, produzir as esperadas mudanças sociais. É importante considerar que a filiação partidária, requisito de elegibilidade, é formada por filiados da área territorial respectiva, estando à mesma a depender da existência prévia de uma estruturação partidária local efetiva ou, até mesmo provisória. O filiado assume um compromisso perante a agremiação de seguir o que determinada suas normas estatutárias, compromisso este denominado de fidelidade partidária.

Mas, já algum tempo, constata-se que no âmbito nacional vem ocorrendo um crescente enfraquecimento das instituições, o que causa um desânimo acentuado da população com relação aos políticos e aos respectivos partidos. Tendo como um dos mais graves problemas o troca-troca de partido entre filiados, que além de enfraquecer as instituições partidárias também altera, na maioria das vezes, a representatividade partidária, causando, assim, danos graves ao princípio da representatividade e ao próprio regime democrático.

Por conseguinte, verifica-se que essa ausência de lealdade aos princípios e aos demais integrantes da agremiação, leva os partidos políticos a um descrédito eleitoral. E ainda pode levar o regime democrático a riscos inoportunos que em curto prazo podem transformá-lo em autoritário ou até mesmo em totalitário.

A infidelidade partidária até pouco tempo não tinha nenhuma consequência jurídica, até o surgimento da Resolução TSE n° 22.610 de 25/10/2007, que determinou o processo da perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária. Decidiu-se então que os mandatos eletivos, tanto das eleições proporcionais, quanto das eleições majoritárias, pertencem aos respectivos partidos políticos. E que a mudança de sigla, sem justa causa, ocorrida em data posterior à vigência desses decretos, implica perda do mandato eletivo pelo respectivo titular, podendo o Partido Político de sua eleição originária pleitear judicialmente a retomada desse mesmo mandato eletivo.

A infidelidade partidária enfraquece a democracia brasileira, bem como as instituições que a compõe, debilitando assim os partidos políticos, pois há um descrétido do candidato eleito, já que após trocar de partido, também muda-se sua ideologia. Concebe-se como correta a decisão do STF e do TSE na resolução n° 22.610, visto que assegura aos cidadãos um mínimo de certeza de que o seu voto será direcionado à ideologia partidária da qual compartilha e confia, sendo o candidato eleito merecedor da confiança do seu eleitorado, demonstrando que a força popular ainda reside na debilitada democracia brasileira.

REFERÊNCIAS

ACCIOLY, J. A. Perda do mandato eletivo por infidelidade partidária. (Especialização em Direito e Processo Eleitoral). Universidade Estadual Vale do Acaraú. Fortaleza (Ce), 2009.

ARAS, A. Fidelidade partidária: a perda do mandato parlamentar. Rio e Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006.

CRUZ, Rodrigo Moreira. Perda do mandato por infidelidade partidária. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2425, 20 fev. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14390>. Acesso em: 16 agosto 2013.

NUNES JUNIOR, A. T. A perda do mandato em razão da infidelidade partidária. (Pós-graduação em Ciência Política), Universidade de Brasília, 2010.