Ficha Limpa: uma análise socioeconômica

Allan Nunes Lopes1

Bruna Ariane Cardoso2

Igor Ribeiro de Almeida3

Jéssica Barbabela de Castro Zebral de Freitas4

 

Palavras-chave: FichaLimpa, corrupção, rent-seeking.

1 INTRODUÇÃO

O sistema político de qualquer nação é determinante fundamental da trajetória deste, por ser um elemento em torno do qual se articulam os demais aspectos da sociedade, principalmente as relações econômicas.

No decorrer da história política do Brasil, conceitos como corrupção, autoritarismo, e práticas de beneficiamento próprio já foram demonstradas e realizadas de diversas formas. “No Brasil, considerando-se a formação historicamente patrimonialista e a tradição de impunidade, o terreno é especialmente fértil para práticas corruptas” (PINHO apud DOIN et al., 2012, p.2).

Com o passar do tempo, o povo brasileiro foi se tornando cada vez mais insatisfeito com esses problemas, e ao mesmo tempo,surgiram inúmeros conflitos, que se evidenciaram principalmente no período de ditadura militar que ocorreu no Brasil entre 1964 e 1985.

Através deste cenário de insatisfação e desejo de mudança que foi evoluindo ao longo tempo, alguns grupos e associações da sociedade começaram a mobilizar-se objetivando a aprovação de uma reforma política. Surgiu então um movimento social, liderado por alguns segmentos da sociedade que aos poucos foi se fortalecendo, e sendo amparado também por instituições ligadas à Igreja Católica como a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e organizações de representatividade como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Por meio dessa mobilização, a sociedade iniciou nos anos de 1996 e 1997 a campanha “Combatendo a Corrupção Eleitoral” e em abril de 2008 o movimento se fortaleceu através da chamada “Campanha Ficha Limpa”.

O objetivo deste estudo é apresentar o cenário no qual ocorreu o movimento que articulou a aprovação da Lei da Ficha Limpa, relacionando-a as práticas de rent-seeking, destacando como seu instrumento principal a corrupção. Assim, serão analisadas as consequências que se desencadearam a partir da aprovação da Lei em questão, avaliando seu alcance e sua eficácia em atender aos objetivos pretendidos com tal reforma política.

Após esta introdução será apresentado na seção 2 a teoria do rent-seeking, sendo que 2.1 trata do conceito e definições de rent-seeking, esclarecendo seus aspectos e como este se estabelece e na seção 2.2 serão abordados como temas a política e os partidos através de definições e a forma como se relacionam com a sociedade.

Na seção 3 será realizado o estudo de caso. Em 3.1 será descrito o histórico da Ficha Limpa, demonstrando seu processo de construção, a seção 3.2 tratará de uma análise empírica, a seção 3.3 de um estudo do processo eleitoral e a seção 3.4 tratará de uma analise de desenvolvimento econômico a partir da aprovação da referida Lei.

2 RENT-SEEKING

2.1 O conceito

 

 

O termo “rent-seeking” segundo Mendes (2014) significa de forma literal, caça à renda e é bastante utilizado para entender algumas ações da economia, principalmente em relação às principais políticas públicas, tais como políticas eleitorais e governamentais. Suas principais características é a tentativa de maximização de retorno, atraindo benefícios e a realocação do bem estar, como será discutido a seguir.

De acordo com Souza (2011), o termo rent-seeking compreende o comportamento individual idêntico ao do profit-seeking, com objetivo de extrair parte do excedente social em proveito próprio. O profit-seeking consiste na procura por lucros gerando economias externas, situação em que a produtividade marginal social de um fator ou produto supera sua produtividade marginal privada.

O estudo dessa prática é importante, visto que, aborda o desenvolvimento econômico através de um produto global, a distribuição de renda e o nível de bem estar social. Segundo Souza (2011), o rent-seeking implica distorção dos preços, o que afeta a alocação de recursos públicos, beneficiando determinados grupos em detrimento de outros.

Para melhor entendimento do assunto, é importante conhecer o conceito de renda econômica, que segundo Mendes (2014), é o montante que um fator de produção (capital, trabalho e terra) recebe acima do valor que seria suficiente para manter esse fator em sua atual ocupação. Ou seja, a renda econômica é considerada uma renda extra, um retorno acima daquele necessário. De acordo com Souza (2011), a renda econômica define-se como a parte percebida em excesso ao custo de oportunidade, isto é, equivale ao valor auferido acima do melhor uso alternativo do fator.

Ainda sobre a realocação do bem estar, segundo Mendes (2014), há rent-seeking quando alguém emprega esforço para aumentar a sua participação na riqueza já produzida pela sociedade, sem que tal esforço gere nova riqueza. Dessa maneira, é importante destacar que a pessoa ou o grupo adquire a riqueza que já existe na sociedade, ao invés de criar uma nova, ocasionando quase sempre mudanças estruturais piores.

É importante analisar o rent-seeking através das atuais circunstâncias que caracterizam o Brasil, principalmente aquelas relacionadas ao sistema eleitoral. Dessa maneira, é fácil vincular o rent-seeking a essas ações, que de acordo com Mendes (2014), estão relacionadas às políticas de governo, que podem partir de um agente privado, demandando algum tipo de proteção ou benefício governamental, como podem partir de uma autoridade governamental demandando propina de uma empresa ou setor econômico. Nesse caso, a propina seria a renda econômica, obtida acima da remuneração normal do servidor público corrupto.

As práticas de rent-seeking, de modo geral, são mais encontradas em pais com alto grau de intervenção estatal. A prática sugere a existência de uma nova classe social e da burocracia que envolve. De acordo com o estudo feito pelo governo brasileiro, Mendes afirma:

O problema do rent-seeking é que ele leva à má alocação de recursos na economia, reduz a produtividade e prejudica o crescimento econômico de longo prazo. Isso ocorre por vários motivos: a)Tempo e dinheiro são gastos com vistas a subtrair renda de outros, sem criar riqueza nova. O mesmo dinheiro que é investido em lobby e financiamento de campanhas eleitorais poderia ser investido em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, por exemplo. Note-se que a prática de rent-seeking por alguns participantes do mercado leva os seus concorrentes a reagirem, também embarcando em práticas similares para não perder mercado. b)Os limitados recursos da sociedade, disponíveis para investimentos, não vão para as mãos das empresas que têm os projetos mais competentes e promissores, mas sim para as empresas que têm maior conexão política. As chances de criação de riqueza tornam-se menores. Ademais, como sempre existe a possibilidade de refinanciar ou não pagar os débitos do empréstimo público, em caso de fracasso, o esforço empreendido para tornar um empreendimento bem sucedido também serão menores. (MENDES, 2014, p.2)

Diante de uma situação monopolista, segundo Mendes (2014), as empresas fazem lobby junto ao governo para que este eleve as tarifas de importação dos produtos estrangeiros que concorrem com a produção nacional. Desse modo as empresas acabam fixando preços mais elevados, garantindo seus lucros acima daqueles que teria se houvesse maior concorrência.

Outro modo de garantir a renda econômica para as empresas ou grupos de pessoas, consiste na aprovação de uma lei limitando o número de profissionais que pode atuar no setor. Sendo assim há um bloqueio de entrada de novos concorrentes e desse modo monopolizando o mercado e restringindo as possibilidades de expansão de oferta. Como é o caso da fixação de um número limitado de licenças de táxis em uma determinada cidade ou região.

A renda econômica pode ser garantida também através dos sindicatos de trabalhadores, que segundo Mendes (2014), ao organizarem a ação de seus filiados, e ameaçarem parar a produção se não receberem um determinado nível salarial, geram renda para seus filiados, em favor de outros trabalhadores, que estão desempregados e fora do sindicato.

Desse modo, podemos concluir que esse ato alimenta as empresas ineficientes, pois o capital e trabalho por ela utilizados poderiam ser alocados de forma mais lucrativa e produtiva, elevando assim o crescimento da economia do país.

De acordo com Souza (2012), o conceito de rent-seeking está relacionado diretamente ao fato de uma pessoa, empresa ou grupo que, através de esforço, gasta tempo e dinheiro tentando garantir uma renda econômica para si ou para seu próprio grupo.

2. 2  Política e partidos

 

 

De modo geral, a política consiste na ciência de governança de um Estado ou Nação e através desse, compatibilizar interesses. E é através dos partidos, que se faz ponte entre governo e população.

Dessa maneira, os partidos políticos surgiram para defender a democracia existente na sociedade, através da liberdade e dos direitos individuais, e a população deve trabalhar junta para modelar o governo que escolher.. Os partidos recrutam candidatos e fazem campanha para os elegerem a cargos públicos e assim mobilizando as pessoas a participarem na escolha dos governantes.

Porém, a má administração pública ocasiona em atos conhecidos como Corrupção. A corrupção ainda é um dos grandes problemas enfrentados pela sociedade, principalmente em esferas municipais, onde atinge a população de forma direta. Muitas vezes pode ser apontada como a causa principal da pobreza.

3 LEI DA FICHA LIMPA

3.1 Histórico

 

 

O processo de construção da democracia brasileira vem alterando elementos da cultura política desde a década de 1980 até os dias atuais. Nesse contexto, a corrupção é um dos focos que qualquer movimento social ou governamental propõe soluções. (DOIN et al, 2012).

Segundo o professor Juberto Santos (s/d), a campanha da fraternidade preocupa-se com a realidade social do povo, de forma a promover a justiça. A finalidade da campanha da fraternidade de 1996, regida pela Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), demonstra o motivo e a origem da ficha limpa, sendo o tema em questão a "Fraternidade e Política". O objetivo geral dessa campanha era contribuir para a formação política dos cristãos que exercem sua cidadania, sendo sujeitos da construção de uma sociedade justa e solidária.

Dando continuidade a essa campanha, em fevereiro de 1997 houve a campanha "Combatendo a corrupção eleitoral", promovida pela Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP). Todavia, a Ficha Limpa só conseguiu respaldo após uma campanha nacional pela sua aprovação. Esta campanha tinha como objetivo enviar um projeto de lei de iniciativa popular para a câmara dos deputados, através da coleta de um por cento do eleitorado nacional. (SANTOS, s/d).

Conhecida como Lei Complementar 135/10, ficha limpa foi uma lei publicada no dia 4 de junho de 2010, com a função de impedir candidaturas de pessoas condenadas pela justiça, por praticarem crimes de corrupção, abuso de poder econômico, homicídio e tráfico de drogas. A lei também amplia os casos e períodos de inelegibilidade, ou seja, impedindo temporariamente a capacidade eleitoral, estabelecendo assim o período de oito anos o tempo em que o político fica impedido de se candidatar quando for condenado por crimes eleitorais, hediondos, contra o meio ambiente e outros. (PONTUAL, 2010).

Segundo Pontual (2010), a lei foi sancionada sem vetos pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. A Ficha Limpa alterou a Lei Complementar 64/90, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam proteger a probidade administrativa e a moralidade do exercício do mandato. De iniciativa popular, a lei recebeu 1,6 milhões de assinaturas colhidas pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

Qualquer projeto de Lei para ser posto em prática no Brasil leva tempo, devido ao excesso de burocratização e o descaso das partes responsáveis. Se tal projeto tiver cunho popular, ter como público alvo autoridades políticas e como objetivo principal a transparência e justiça, pode-se dizer que são raras as chances de ser posto em execução.

A iniciativa popular veio em socorro da sociedade civil não somente como forma de resistência legal, mas também legítima para exigir a criação de uma lei que estivesse de acordo com os anseios sociais, na busca pela diminuição da corrupção e pela moralidade pública. Todavia é flagrante o desinteresse dos membros do parlamento nacional em tornar de fácil acesso à sociedade civil as técnicas de democracia participativa. São várias as barreiras impostas para que não se concretize, no Brasil, o efetivo exercício da cidadania. A iniciativa popular foi somente o primeiro passo na longa e difícil trajetória da Lei da Ficha Limpa, que passou ainda por votação e aprovação pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, pela sanção do Presidente da República e por posterior publicação. (SILVA, 2011, p.13)

Após uma mobilização popular considerável, foi entregue em setembro de 2009, na câmera dos deputados o projeto de lei popular 519/09, Ficha Limpa. Entretanto, a lei gerou polêmica inicialmente quanto a sua validade para as eleições de 2010, pois começou a vigorar em junho daquele ano, data de sua publicação no Diário Oficial da União. (PONTUAL, 2010)

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que a lei seria aplicável as eleições gerais de 2010, contudo o Supremo Tribunal Eleitoral (STE) vetou sua aplicação naquele ano, pelo fato da existência de uma lei que contrariava a alteração no processo eleitoral no mesmo ano das eleições. Sendo assim a Lei da Ficha Limpa foi aplicada pela primeira vez nas eleições regionais de 2012. (SILVA, 2011).

Pelo fato de ter sido aprovada graças a grande mobilização de brasileiros, a lei da ficha limpa se tornou um marco fundamental na luta contra a corrupção e a impunidade no Brasil, além de demonstrar o exercício da democracia brasileira. (SANTOS, s/d).

Segundo Pontual (2010), da Agência Senado, conhecida como Lei Complementar 135/10, a Ficha Limpa foi uma lei publicada no dia 4 de junho de 2010 e se divide em dois principais aspectos: impedir a candidatura de indivíduos condenados pela justiça, por praticarem crimes, incluindo o homicídio, o tráfico de drogas, a corrupção e o abuso de poder; incluir a ampliação dos casos e o período de inelegibilidade, uma vez que anteriormente o tempo de inelegibilidade para pessoas condenadas pela Justiça variava de três a oito anos. A partir da Ficha Limpa, o período de inelegibilidade passou para oito anos em que a pessoa fica impedida de se candidatar quando condenada por crimes, como racismo, crimes hediondos, ao meio ambiente e outros.

A Lei Ficha Limpa, possui alguns pontos principais que Pontual (2010) destaca, como a corrupção, processo administrativo, efeito suspensivo, renúncia, parentes, doação ilegal, crimes dolosos, contas rejeitadas e por fim a colaboração. O crime de corrupção eleitoral, quando implica a cassação do registro ou diploma é considerada uma causa de inelegibilidade. Também é considerado inelegibilidade quando magistrados e integrantes do Ministério Público deixarem os cargos na pendência de processo administrativo.

O efeito suspensivo é mais complexo, pois tem como finalidade a conciliação do desejo da sociedade de evitar que pessoas sem ficha limpa disputem cargos eletivos e o direito ao contraditório e à ampla defesa. A Lei da Ficha Limpa também aumentou a lista de crimes que impedem a candidatura em processos iniciados por ação penal pública, crimes dolosos. (PONTUAL, 2010).

3.2 Análise empírica

A Lei da Ficha Limpa provocou debates na sociedade. Entre defensores, críticos, alguns atribuem grande importância no combate à desonestidade administrativa e moralização da política brasileira e outros condenam, devido ser uma lei inconstitucional. (SILVA, 2011).

A trajetória da lei e o contexto social envolvido retratam uma repercussão na base do planejamento perante àquele atual cenário político brasileiro e o alcance e controle das consequências das formas de divulgação do processo de aprovação da lei.

Segundo o ministro Carlos Brito (2007), a democracia significa tirar o povo da situação de expectador e colocá-lo como agente das decisões que lhe digam respeito. Em critério de disseminação de ideia, a internet foi uma ferramenta capaz de promover um rápido compartilhamento de informações, sendo que estas não favoreciam discursos de pessoas influentes do país e que adotavam uma manutenção de poder. Em média, a cada acesso de uma pessoa, esta repassou os alertas para outras quarenta e sete pessoas, segundo Tanaka, citado por Silva (2011). Apesar da maior facilidade de partilhar dados e notícias, percebeu-se que a mobilização perdia o vigor de insatisfação.

A iniciativa do processo legislativo não deveria desfazer a mobilização dos cidadãos. Sem o acompanhamento, as milhões de assinaturas seriam somente para satisfazer as exigências legais. De acordo com Falcão e Oliveira (2012), houve uma indagação a respeito do tema para os eleitores, isto é, a visão perante o Poder Judiciário no processo eleitoral.

A partir de dados e conclusões do survey, sobre as eleições de 2010, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2012, 88% dos eleitores declararam ter acompanhado as eleições pela televisão, 86% através de conversas com familiares e conhecidos e 82% pela propaganda eleitoral gratuita. A impressa e o rádio atingiram respectivamente 52%e 45% dos eleitores.

Com base nesses dados, é perceptível que a televisão continua sendo a maior fonte de informação do eleitor. Sabe-se que a televisão atua como um formulador de conteúdo político, ou seja, produzir, editar e veicular os debates, e também colocar no ar apenas o conteúdo produzido pelos candidatos e partidos políticos. (FALCÃO; OLIVEIRA, 2012).

O fato de ter acompanhado as eleições não implica que o brasileiro tenha se informado sobre o episódio da Lei da Ficha Limpa. Ao serem questionados sobre as principais notícias ou fatos marcantes daquele ano, segundo a survey, apenas 54% dos entrevistados souberam responder. Dentre as respostas, apenas 1% dos entrevistados citaram a Lei da Ficha Limpa e 8% comentou sobre a corrupção.

Segundo Falcão e Oliveira (2012), as menções às notícias de maior destaque variam de acordo com a renda e a escolaridade dos entrevistados, isto é, quanto maior a renda e a escolaridade, maior a proporção dos entrevistados que citou alguma notícia marcante.

Cerca de 59% dos entrevistados eram incertos sobre os conhecimentos a respeito do Poder Judiciário e sua importância naquele cenário. Dentre esses, 59% supostamente sabiam a respeito do conteúdo, 44% mencionaram a ficha limpa, seguido pela fiscalização da boca de urna e do combate à corrupção.

É este o cenário de desconhecimento que se situa o episódio da Ficha Limpa. Uma decisão que deveria interferir nas candidaturas e em milhões de votos, mas que houve ausência de percepção do eleitor sobre este impacto. Segundo a survey, sabendo que quanto maiores a escolaridade e a renda, maior o conhecimento da lei e do conteúdo, aproximadamente 44% do eleitorado considerou se o candidato escolhido era ou não ficha limpa na hora de votar.

Depois de mensurar o quanto e o quê a população sabe sobre a lei da ficha limpa, cerca de 87% dos brasileiros concordaram que ela deveria valer nas eleições de 2010.

Segundo França (2014), as pesquisas feitas pelo Datafolha, antes e depois das manifestações de junho de 2013, houve um aumento no percentual de eleitores dispostos a anular ou votar em branco, que em números passou de 7% para 17%. Além desse descrédito com a política brasileira, ocorreu uma taxa de 67% na taxa de rejeição ao voto obrigatório.

Portanto, revela-se um evento que reforça um processo de não cidadania e de uma crise de uma suposta democracia, isto é, seja por desconhecimento dos eleitores ou desistência de uma política séria. Então, pressupõe-se uma contínua improbidade no sistema político brasileiro.

3.3 Processo eleitoral

Para Câmara (2013), a política democrática do Brasil é ainda um misto de interesses, de vantagens individuais, isto é, um componente cultural contido na tradicional política nacional é caracterizado pela corrupção e patrimonialismo.

Segundo a análise de Singer, citado por Câmara (2010), a responsabilidade em manter o país em equilíbrio junto aos fundamentos da economia era da política do governo Lula, pois o mesmo refletiu um tom de responsabilidade, segurança e vínculo com este estrato da população.

O governo Lula realizou políticas sociais, de forma que gerou uma migração de parcela considerável de eleitores. Assim, indaga Câmara (2013) a respeito da existência do voto racional dos indivíduos mais pobres do país.

Sabe-se que uma porcentagem do eleitorado brasileiro tem um partido político específico que é fidelizado. Isto implica que o partido deve-se portar de valores e fazer propostas que busquem soluções para a problemática, a partir do contato com uma parte da sociedade. Dessa hegemonia, não somente surge a escolha do candidato privilegiado, mas que também trata da perspectiva de entendimento da sociedade, uma vez que esta define o futuro governo. (Câmara, 2010).

Conforme Câmara (2013), enquanto uma porcentagem da sociedade continuar próximo ao partido que concede a garantia dos benefícios sociais, isto é, visualizar somente interesses próprios, a consequência será um processo da hegemonia política. Portanto, menor a probabilidade de os eleitores darem importância sobre o assunto da Ficha Limpa.

3.4 Desempenho econômico

Segundo Lisboa e Latif, citado por Henriques (2014), a história do Brasil é marcada por relações de governos e firmas. Há concessões de vantagens, proteções setoriais que buscam um desenvolvimento econômico. Mas para ocorrer tais benefícios, o governo falta com transparência, uma vez que os custos são incididos sobre a sociedade. Para Silva e Siqueira (2014), o governo promove a exploração via tributos indiretos para atingir a expansão dos gastos públicos, pois esses são menos perceptíveis pela sociedade.

Os setores mais protegidos atualmente são os setores com maior valor agregado e produtos de consumo, e que também são os que possuem maiores tarifas. Ao contrário, setores básicos na economia como atividade de extração e siderurgia não possuem tal proteção. Superficialmente, parece ser uma estratégia razoável de desenvolvimento econômico, mas essa influência do Estado pode se tornar uma ferramenta de controle sobre decisões relativa a destinação de recursos. (HENRIQUES,2014).

Para Carvalho citado por Henriques (2014), concessões de crédito por bancos públicos brasileiros a algumas privilegiadas firmas, sustentam a tese de que políticos podem obter benefícios privados das firmas como apoio eleitoral, através de empréstimos que intervém no comportamento das firmas. Essa alocação de recursos a princípio expande a taxa de emprego, mas somente nas regiões em que há presença de aliados políticos que sofrem forte competição eleitoral.

O resultado é a presença de reeleições, mantendo um grupo restrito de pessoas no poder. No entanto, o maior problema seria que essas políticas servem as somente para regiões atrativas, aumentando assim uma desigualdade social.

Outro problema que se pode observar é que a Lei da Ficha Limpa possui brechas, com uma jurisprudência explícita e passível de manipulação. (LIMA, 2014). A lei já permitiu o impedimento de pelo menos 240 candidatos conforme dados dos Tribunais Regionais Eleitorais. Contudo, alguns políticos impedidos de se candidatarem, aproveitaram uma falha da lei, uma vez que indicaram ao seu cargo suas esposas. Já o candidato para o senado Maluf, mesmo sendo condenado por crime de improbidade administrativa no suposto envolvimento devido ao superfaturamento do túnel Ayrton Senna, conseguiu anular sua condenação em segunda instância.

Casos concretos ou de simples denúncia de corrupção estão sempre nas principais notícias. Podem-se citar exemplos relevantes como a aprovação da emenda da reeleição, mediante a compra de diversos deputados federais e que o próprio presidente estaria envolvido; a Encol, maior construtora do Brasil, deu calote em aproximadamente 42.000 famílias e que estaria devendo ao INSS em torno de R$120 milhões; e na Previdência Social que ao longo de sua existência permitiu os principais dirigentes enriquecerem com propinas e comissões. (BATISTA, 2000).

Os grupos se formam a partir de elos fracos dos problemas sociais ou econômicos. Para eliminar a atuação destes indivíduos, somente o fortalecimento do ambiente institucional do país, com o intuito de instituir regras mais rígidas, maior transparência às políticas e permitir uma competição no mercado eliminando alguns privilégios. Contudo não se deve atingir o alvo de forma radical, isto é, caso eliminar de uma só vez o rent-seeking, talvez cause uma desestabilidade política que possa impactar fortemente o crescimento econômico e o equilíbrio social. (HENRIQUES, 2014).

Pode-se, portanto, pensar em outras alternativas.

Limitar o espaço para a prática de rent-seeking seria, então, uma forma de aumentar o crescimento de longo prazo e a justiça distributiva em uma sociedade, evitando que alguns “espertos, organizados ou conectados” extraiam renda do restante da sociedade. A imposição de restrições ao comportamento rent-seeking é feita, basicamente, por meio de maior transparência dos atos públicos e garantia de funcionamento, com independência política, de agências de Estado responsáveis por impor regulação à ação de agentes econômicos. (MENDES, 2014, p.7)

Segundo o juiz Marlon Reis citado por Lima (2014), a Lei da Ficha Limpa está completamente consolidada. Essa lei foi pensada para rejeitar os casos mais graves de atitudes desonestas, mas não deve substituir o papel do eleitor, isto é, compete a sociedade o fator decisivo para eleição dos futuros governadores.

Em vista disso, percebe-se que a influência do desempenho econômico sobre o comportamento econômico não pode deixar de levar em conta o ambiente institucional, especialmente a descontinuidade no mecanismo do rent-seeking do governo incumbente quanto da mídia na disputa eleitoral brasileiro. (MONTEIRO, 2011).

4 CONCLUSÃO

 

O assunto corrupção já se caracteriza como parte do contexto histórico e político do Brasil há muito tempo. Em consequência desse fato, já surgiram ao longo dos anos diversos movimentos sociais que buscaram medidas em prol de reformas políticas para a construção de uma sociedade mais justa.

A lei da Ficha Limpa é resultado dessa mobilização popular, que, visando combater principalmente os atos de corrupção por parte dos candidatos políticos, foi considerada um marco na luta contra esse crime e contra a impunidade.

O desenvolvimento econômico de um país depende essencialmente de sua capacidade de geração e distribuição de renda. O rent-seeking diminui o bem estar social e reduz a produtividade, comprometendo o desenvolvimento econômico do país. Estas práticas ocorrem quando pessoas, grupos ou empresas buscam apropriar-se de forma indevida de um excedente social em benefício próprio.

Verificou-se através deste estudo que embora a Lei da Ficha Limpa tenha sido um acontecimento histórico de democracia que se mostrou importante por seu caráter de mobilização popular, a aprovação desta lei não foi totalmente eficiente em alcançar seus objetivos. É evidente que muitos candidatos foram impedidos de se candidatar nas eleições de 2012 e 2014, mas a lei é frágil e existem brechas, pelapossibilidade de manipulação da jurisprudência e na abertura que concede para casos como a candidatura de esposas dos candidatos barrados.

Muitos grupos e segmentos ainda recebem tratamento diferenciado no Brasil, sendo essa minoria da população uma parcela privilegiada e que se financia através do trabalho da maioria das pessoas. Um dos principais motivos para isso é a incapacidade dos representantes eleitos em governar de forma justa e eficiente.

Visando o crescimento e desenvolvimento econômico do país, é preciso limitar o espaço de atuação das práticas de rent-seeking para impedir a realocação indevida de renda resultante dessa prática. Essa limitação só é possível através da maior transparência por parte do setor público, garantindo maior eficiência e responsabilidade na administração dos recursos públicos.

É importante ressaltar que a Lei da Ficha Limpa não substitui o papel do eleitor no momento de decidir. O voto é um direito através do qual o eleitor pode contribuir para eleger candidatos que sejam capazes de atender indiretamente aos pressupostos da Lei em questão.

A melhor garantia da presença de representantes que realmente possuem a “ficha limpa” para realizar as atividades governamentais passa necessariamente pela escolha de cada um e, portanto, esta deve ocorrer de forma consciente.

REFERÊNCIAS

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