É uma taquiarritmia supraventricular que se caracteriza pela ausência de atividade elétrica e contrátil atrial, rítmica e sincronizada. Sua incidência aumenta com o avançar da idade, acometendo cerca de 10% dos indivíduos de ambos os sexos na faixa etária de 80 anos ou mais. Por esta razão essa arritmia é tida como distúrbio de ritmo causada pela degeneração ou apoptose do miócito. Entretanto, a origem da fibrilação atrial em indivíduos mais jovens faz com que outras causas possíveis dessa arritmia estejam presente.

Do ponto de vista etiológico, a fibriação atrial pode ocorrer em corações normais, secundária a doencas cardíacas propriamente ou a causas extra-cardíacas. Na clínica a fibrilação atrial é classificada como aguda ou paroxística, com episódios com duração de até 48 horas e com reversão espontânea; ou crônica, que pode ser do tipo persistente, ou seja, aquela que não foi submetida a nenhuma tentativa prévia de reversão e, a forma permanente, que se apresenta refratária a todos os tipos de tratamento. Do ponto de vista eletrofisiológico, a fibrilação atrial pode se originar em circuitos de microreentrada atrial, que tanto podem surgir por alterações relacionadas a estrutura do miócito, tal como acontece com lesões fibróticas atriais (miocardiopatias, cardiopatias congênitas, processos inflamatórios) como também secundária a alterações do período refratário atrial e também da condutibilidade do impulso elétrico (ou seja, alterações funcionais). Sabe-se por exemplo, que ectopias atriais originadas no território de veias pulmonares ou no átrio direito (próximo da desmbocadura das veais cavas) pode causar remodelamento histológico e eletrofisiológico dos átrios manifestado pela redução do período refratário atrial e da velocidade de condução do impulso. Tais condições instabilizam o miócito e aumentam a chance de se desorganizar a sua atividade elétrica. Períodos intermitentes de taquicardia atrial ou até mesmo episódios curtos de fibrilação atrial podem causar alterações cumulativas nos átrios predispondo ao surgimento da fomra crônica.

É conhecido hoje o fato da fibrilação atrial ter origens distintas que, apesar de se manifestar de maneira similar ao eletrocardiograma, apresenta peculiaridades próprias com relação a forma de apresentação clínica, risco de complicações e conseqüentemente, de tratamento.

Diagnóstico da Fibrilação Atrial
Do ponto de vista clínico pacientes com fibrilação atrial referem palpitações taquicárdicas e irregulares aos esforços ou em repouso, falta de ar, até quadros de insuficiência cardíaca. Pelo exame físico caracteriza-se por irregularidades no pulso arterial, ora cheio ora fraco aleatóriamente, indicando difentes volumes sistólicos. A ausculta cardíaca notam-se variações na intensidade das bulhas concomitantemente a diferentes durações dos ciclos cardíacos. Existe uma diferença entre a freqüência dos ruidos cardíacos à ausculta e o pulso periférico sendo a primeira maior que a segunda. O pulso jugular está praticamente ausente, não se observando as típicas ondulações próprias do ciclo cardíaco.

O eletrocardiograma se caracteriza pela ausência de ondas P que são substituídas por ondulações irregulares da linha de base, conhecidas como ondas f , com freqüência maior que 400 pm. As ondulações podem ser do tipo grosseiras ou finas. Ainda não se conhece verdadeiramente a importância da caracterização dessas ondas do ponto de vista prático. Os intervalos RR são irregulares, com complexos QRS normais ou com padrão de bloqueio de ramo. Observam-se alterações da repolarização ventricular causadas pela freqüência ventricular irregular e pela presença de ondas f sobre o segmento ST e ondas T.

Complicações da Fibrilação Atrial
A complicação mais temida associada a fibrilação atrial é o tromboembolismo periférico. Várias são as causas dessa complicação, devendo-se ressaltar o fato de que muito dos casos correspondem aos pacientes com predisposição genética cuja formação de trombos seria precipitada pela estáse sangüínea própria da arritmia. Outras causas seriam as lesões do endocárdio atrial ou alterações da coagulabilidade causada pela arritma. O tromboembolismo definitivamente influencia o prognóstico de pacientes com fibriação atrial e esse fato é comprovado pela maior sobrevida dos pacientes quando submetidos a anticoagulação crônica, particularmente aqueles com maior risco (tabela 2).

Tratamento
Há muita controvérsia sobre qual a forma ideal de tratar pacientes com fibrilação atrial. Dentre as opções estão o restabelecimento do ritmo sinusal por meio da cardioversão química ou elétrica, ou então o controle da resposta ventricular associada à anticoagulação crônica. As duas condutas são benéficas mas apresentam vantagens e desvantagens, devendo essas serem pesadas na hora de se decidir qual o procedimento mais apropriado. Na Seção Médica de Eletrofisiologia do Instituto Dante Pazzanese a maioria dos pacientes é submetida a pelo menos uma tentativa de reversão antes de serem considerados fibriladores crônicos permanentes. São excessões indivíduos com fibrilação atrial com duração maior que dois anos; aqueles que não podem utilizar fámacos para prevenção de recorrências; pacientes com fibrilação atrial paroxística recorrente que já se mostraram refratários a prevenção de recorrências; pacientes com fibrilação atrial e resposta ventricular lenta.

Antes da reversão, química ou elétrica, deve-se iniciar a anticoagulação na fibrilação atrial com duração maior que 48 horas ou em qualquer paciente com valvulopatia mitral ou insuficiência cardíaca, independente da duração da arritmia. O valor do INR deve estar no intervalo entre 2 e 3 por pelo menos três semanas.

A cardioversão química é conduzida com a administração de fármacos ambulatorialmente (tabela 1). A vantagem dessa conduta é o retorno ao ritmo sinusal em cerca de 50% dos pacientes. Na fibrilação atrial aguda, com duração de até 7 dias, a administração oral de propafenona a pacientes sem contra-indicação a este agente, restabelece o ritmo sinusal em até 85% dos casos, sendo uma das condutas preferidas na atualidade. A quinidina deve ser evitada devidos aos riscos de efeitos pró-arrítmicos. O sotalol está limitado a indivíduos com coração normal, mas o índice de sucesso desse agente é baixo em comparação aos demais. A amiodarona é um fármaco eficaz e pode restabelecer o ritmo sinusal em cerca de 53% dos pacientes. Tem vantagem de poder ser administrada a pacientes com disfunção ventricular. Na falha do reversão química está indicada a cardioversão elétrica. Esta, realizada com o paciente internado, deve ser conduzida preferencialmente com o paciente já em uso de antiarrítmico. A aplicação dos choques obedece a seqüência 100, 200, 300 e 300 joules de choque monofásico (ou a metade dessas cargas quando se aplicam choques bifásicos) com as pás aplicadas na região anterior do tórax, sendo interrompida após a documentação do ritmo sinusal ou terminado o protocolo. Deve-se ressaltar que para pacientes em uso de amiodarona há o risco de aumento do limiar de desfibrilação elétrica sendo necessária, geralmente, a aplicação de maior número de choques. Após o restabelecimento do ritmo sinusal, o antiarrítmico deve ser mantido devido ao risco elevado de recorrências na sua ausência. Na experiência da institutição o índice de sucesso com essa técnica é de 85%.

Tabela 1 – Fármacos empregados na reversão química da fibrilação atrial

Propafenona 600 mg via oral (dose única) para fibrilação atrial < 7 dias 
                     300 mg a cada 8 horas
Sotalol          160 a 320 mg ao dia
Amiodarona 600 a 800 mg ao dia na primeira semana
                   400 mg ao dia na segunda semana
                   200 a 400 mg ao dia após a terceira semana


Prevenção de Recorrências
Esta etapa é parte fundamental do tratamento do paciente com fibrialção atrial. A prevenção é realizada com a administração de fármacos antiarrítmicos e a sua manuntenção crônica depende do risco de surgimento de novos episódios. A propafenona, sotalol e a amiodarona são os fármacos mais indicados. Em pacientes com crises freqüentes, os antagonistas de cálcio (verapamil ou diltiazem) estão indicados como agentes que melhor estabilizam os átrios juntamente com os antiarrítmicos. O diurético e inibidor da enzima de conversão devem ser prescritos em pacientes com disfunção ventricular ou com história de insuficiência cardíaca, pois comprovadamente reduzem o risco de recorrências. A terapêutica coadjuvante aos antiarrítmicos, além da correção dos fatores desencadeantes da fibrilação atrial são fundamentais para se prevenir novos episódios.

Em pacientes jovens, com a forma idiopática, que apresentam recorrências freqüentes e já preencheram o critério de refratariedade ao tratamento, podem ser submetidos a tentativa de ablação com cateteres e radiofreqüência para isolamento do foco arritmogênico. Os pacientes valvulopatas ou coronarianos que vão passar por correção cirúrgica da cardiopatia podem também serem submetidos, no mesmo ato sob visão direta, a ablação epicárdica atrial para o tratamento da fibrilação atrial. Os pacientes refratários ao tratamento e que evoluem com fibrilação atrial, devem ter a freqüência cardíaca controlada com fármacos associada a anticoagulação crônica nos casos com risco de tromboembolismo (tabela 2). Os pacientes de maior risco para essa complicação são aqueles com idade acima de 65 anos, diabéticos, pacientes com hipertensão arterial, insuficiência cardíaca e aqueles com história prévia de tromboembolismo periférico.

Tabela 2 – Farmacos emtpregados para o controle da freqüência ventricular na fibrilação atrial.

Controle rápido da freqüêcia ventricular
Cedilanide 0,4-0,8 mg
Verapamil 5,0-10 mg
Diltiazem 0,25-0,35 mg
Metoprolol 5,0 mg (total até 15 mg)
Amiodarona 5-10 mg/Kg (150 a 300 mg)

Controle crônico da freqüência ventricular

Digoxina 0,25 mg
Verapamil 160 a 240 mg ao dia
Diltiazem 120 a 180 mg ao dia
Propranolol 80 a 320 mg ao dia
Atenolol 100 mg ao dia

A freqüência cardíaca ideal deve ser estabelecida caso a caso, mas está ao redor de 80 a 100 bpm com o paciente em repouso ou até 110 bpm com o paciente em atividade, como por exemplo, realizando caminhada. Freqüências cardíacas muito baixas ou muito elevadas limitam a atividade física e devem ser evitadas. Os pacientes com freqüências cardíacas persistentemente elevadas associadas a deterioração da função ventricular, a ablação da junção atrioventricular para indução de bloqueio atrioventricular total seguida de implante de marcapasso definitivo é uma conduta a ser considerada visando-se a melhora da qualidade de vida.

Prognóstico
Pacientes com fibrilação atrial paroxística não tratados tender a perpetuar a arritmia num prazo médio de 5 anos. O prognóstico de pacientes com fibrilação atrial depende da cardiopatia subjacente mas é pior do que o de pacientes da mesma idade sem a arritmia, para ambos os sexos. Pacientes que evouluem com fibrilação atrial associada a insuficiência cardíaca têm menor sobrevida do que aqueles sem insuficiência cardíaca. As principais causas de morte são o tromboembolismo sistêmico e a insuficiência cardíaca refratária.

LEITURA COMPLEMENTAR
1 - Fibrilação Atrial. Moreira DAR ed. Editora Lemos, São Paulo, 2005.
2 - Fibrilação Atrial: Epidemiologia, Fisiopatologia e Tratamento. Lorga AM ed. Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo 2004; 14:677-832.
3 - Fuster V, Ryden LE, Asinger RW, et al. ACC/AHA/ESC Guidelines for the management of patients with atrial fibrillation:executive summary. Circulation 2001; 104:2118-2150.
4 - Prystowsky EN, Benson DW, Fuster V, et al. Management of patients with atrial fibrillation: A statement for healthcare professionals from the subcommittee on electrocardiography and electrophysiology, American Heart Association.
Circulation 1996; 93:1262-77.
5 - Martinelli Filho M, Moreira DAR, Lorga A, et al. Diretriz de fibrilação atrial. Arq Bras Cardiol 2003; 81 (supl):VI, 1-24.
6 – Nattel S, Ehrlich JR. Atrial Fibrillation. In Zipes DP, Jalife J (eds.) Cardiac Electrophysiology. From Cell to Bedside. Saunders Philadelphia. 2004:512-522..
4 -Nattel S. New ideas about atrial fibrillation 50 years on. Nature 2002; 415:219-226.
7 - Alboni P, Botto GL,, Baldi N, et al. Outpatient Treatment of Recent-Onset Atrial Fibrillation with the “Pill-in-the-Pocket” Approach. N Engl J Med 2004; 351:2384-91.
8 - Boriani G, Diemberger I, Biffi M, Martignani C, Branzi A. Pharmacological cardioversion of atrial fibrillation.
Current management and treatment options. Drugs 2004; 64:2741-62.