Estrada de Ferro “Tocantins-Araguaya”

 

Por Carlos Barbosa

Idealizada em 1869, por Couto de Magalhães, ex-governador das Províncias do Mato Grosso e Goyas, uma via férrea na região tocantina que contornasse o trecho encachoeirado e ligasse a região do Alto ao Baixo Tocantins começou a tornar-se realidade em fins do século XIX, em 1890, quando a Companhia Férrea e Fluvial do Tocantins e Araguaya foi criada e pelo decreto nº862 cedeu privilégios ao General Joaquim Rodrigues de Moraes Jardim.

A estrada de Ferro Tocantins teve início de fato em 1894/1895 quando começaram os trabalhos na localidade de Alcobaça, atual Tucuruí. A obra da via férrea trouxe para Alcobaça levas de migrantes como cametaenses, mocajubenses, nordestinos e sertanejos. Esse fato contribuirá para que ocorresse na localidade um crescimento desordenado e esperança de progresso técnico e econômico vindo com os trilhos do trem.

Havia uma discordância sobre de onde se deveria iniciar os trabalhos, se de Nazaré dos Patos ou se de Alcobaça. A opção por Alcobaça levou em consideração sua localização geográfica, mesma condição que levou ao estabelecimento do povoado em 1781. Devido a sua localização Alcobaça tornou-se um entreposto comercial entre Marabá e Belém. Toda a produção da região de Goiás e sul do Maranhão que era escoada pelo Tocantins passavam por ali. Entretanto havia riscos na navegação do rio, as cachoeiras e corredeiras, que poderiam por a perder toda a produção. A construção de uma via férrea se justificava pela vontade de se unir a região do Alto ao Baixo Tocantins facilitando o escoamento da produção daquela região. Os interesses econômicos na região foram acentuados quando foram descobertas, nos afluentes do Tocantins, áreas de exploração de caucho.

A construção da ferrovia prosseguiu lenta e gradualmente ao longo da primeira metade do século XX. Sofrendo saques durante os períodos em que esteve abandonada por não haver verbas suficiente para sua conclusão, ou por epidemias entre os trabalhadores quando não por ataques indígenas e de animais. Sua vida útil, devido aos problemas aconteceu já durante a época da Segunda Guerra Mundial, quando havia a preocupação de bloqueio da foz do Amazonas ou do litoral nordestino do Brasil, houve casos de torpedeamento de vários navios no litoral brasileiro. Deste modo, a geoestratégia foi uma condição essencial para a retomada e conclusão da Estrada de Ferro Tocantins que funcionou em sua totalidade de trajeto da década de 1940 a 1974 quando o Governo Federal decidiu substituir a EF Tocantins por uma estrada de rodagem, sendo os trilhos arrancados, extinguindo a ferrovia.

 

Histórico

É de 1869 a idéia de construir uma Estrada de Ferro que contornasse as corredeiras e baixios do médio Tocantins. Isso se tornou realidade com a formação da “Companhia de Viação Férrea e Fluvial do Tocantins Araguaia”, cessionária do privilégio e mais favores, concedidos pelo decreto do Governo provisório n. 862 de 16 de outubro de 1890, ao General Joaquim Rodrigues de Moraes Jardim.

Somente em 1905 a Companhia conseguiu um empréstimo no exterior para dar cumprimento ao seu contrato de construção, cujos trabalhos foram iniciados nesse mesmo ano. Mais tarde a “Companhia de Estradas de Ferro do Norte do Brasil” para quem passaram as concessões, deu maior impulso a esses serviços.

Em 1908, foram iniciados os trabalhos, tendo em 1916 sido alcançado o quilômetro 82, na metade do trecho Alcobaça-Praia da Rainha, quando por dificuldades financeiras, a Companhia concessionária entrou em liquidação.

Foi então suspenso o serviço de seus tráfegos terrestre e fluvial e começou a odisséia que havia de marcar, tão tristemente, os dias da desditosa ferrovia. Primeiramente entregue ao depositório judicial, foi essa estrada de ferro vítima de assaltos de quantos aventureiros acharam proveitoso o saque de seu material em acervo.

Em 1920, pelo Decreto 14.369, foi declarada a caducidade do contrato e a União arrematou a Estrada, durante o governo de Epitácio Pessoa, em hasta pública dois anos mais tarde. Sendo que em 1925 ela foi arrendada ao Estado do Pará. O estado do Pará em angustiante crise financeira, muito pouco pode fazer pelo seu desenvolvimento e deixou-a quase a mercê de exploradores inescrupulosos que a usavam como fazenda de sua propriedade. Assim se arrastou ela, com hiatos de paralisação de tráfego e períodos de alguma tentativa fracassada de restauração até o ano de 1932.

A tentativa mais séria de sua remodelação foi feita em 1927, no governo Dionísio Bentes, quando o arrendatário mandou abrir a rodovia que partiu do km 82 ao porto de Jatobal, visando com isso o estabelecimento do tráfego rodo-ferroviário. Infelizmente esse serviço não foi precedido dos indispensáveis trabalhos de reconstrução da via férrea. Em 1928 com o desmoronamento da ponte de madeira existente no km. 67, sobre o rio Pucuruí, houve o seccionamento da linha nesse ponto, interrompendo o tráfego entre Alcobaça e a ponta dos trilhos.

Esse fracasso provocou desânimo geral para quaisquer outras iniciativas e fez com que, em 1932, o interventor Magalhães Barata solicitasse ao Governo Federal a rescisão do contrato de arrendamento da EF Tocantins pelo Estado do Pará. A administração da ferrovia entregue a então Inspetoria Federal de Estradas, que somente em 1938 atacou com intensidade os serviços, conseguindo no ano seguinte, colocar em tráfego, toda a extensão da ferrovia.

No período 1932-38, o Governo Federal manteve a via férrea tocantina com verba anual de 200:000$000, quantia que mal bastava para as necessidades mais rudimentares. Com tão parcos recursos, nenhum empreendimento pode ser objetivado e a administração da Estrada ficou reduzida à contingência de atender somente a imperiosa exigência de conservação de um e outro trecho da superestrutura da linha e às necessidades de manutenção dos serviços da oficina da Locomoção, em Alcobaça.

Somente em 1938, foi possível ao Governo Federal aumentar a verba de custeio da EF Tocantins para 600:000$000 e conceder um crédito especial de 2.000:000$000 para sua reconstrução e prolongamento de suas linhas do km. 82 ao Porto de Jatobal. Foram, então, realizados os seguintes serviços:

  • Limpeza dos 82 quilômetros de linha inteiramente conquistados pela mataria;
  • Reconstrução da rodovia Couto de Magalhães;
  • Construção da ponte de alvenaria, com estrutura metálica, sobre o Rio Pucuruí;
  • Substituição de 30% da dormentação já totalmente apodrecida;
  • Construção de 82 quilômetros de linha telegráfica e instalação de aparelhos telefônicos;
  • Reparação de partes do material rodante que estava completamente abandonado;
  • Restauração de todas as caixas d’água

Realizados esses serviços básicos iniciou-se uma era de promissoras esperanças para a EF Tocantins. Os recursos do crédito aberto pelo decreto n° 234, de 2/2/38, mal bastavam para atender as necessidades primarias de reconstrução da estrada, como etapa fundamental para qualquer trabalho de prolongamento, mas, assim mesmo, foram atacados esses trabalhos e assentados os trilhos em cerca de dois quilômetros. Entretanto, as condições de tráfego da Estrada melhoraram sensivelmente e estando ela sob a mesma direção que a EF Bragança, foram deslocadas desta última duas locomotivas de peso três vezes maior que o das locomotivas liliputianas que trafegam nas suas linhas despregadas e vacilantes.

Em 1939, foi iniciado o prolongamento da linha, sendo alcançado Jatobal (km118) em 1944, embora ainda faltassem alguns trabalhos complementares.

Em 1940, a E F Tocantins contava com 83 quilômetros de linha e com 5 locomotivas, 2 carros de passageiros, 4 vagões fechados para mercadorias, 4 vagões para animais, 4 gôndolas e 6 plataformas. Além disso, a ferrovia possuía chassis para a construção de mais 12 veículos.

Pelo Decreto 7.173 (19/12/1944) a administração da Estrada passou para Fundação Brasil Central. Houve um trabalho de manutenção da ferrovia e incorporação de material rodante (locomotivas, vagões, carros) fornecido pelo DNEF, dentre os quais citamos a locomotiva 153 da EFS.

Em 1967 o Governo Federal decidiu substituir a EF Tocantins por uma estrada de rodagem, sendo que em 1974 os trilhos foram arrancados, sendo extinta a ferrovia.

 

Os Objetivos da Construção da Estrada de Ferro Tocantins

A construção da Estrada de Ferro Tocantins-Araguaya foi idealizada inicialmente para a superação das corredeiras do rio Tocantins e assim facilitar o transporte dos produtos que eram encaminhados para Belém da região de Marabá, Goiás e sul do Maranhão.

O trecho encachoeirado do Rio Tocantins esta inserido na região entre Alcobaça e Jatobal, que durante o período de verão se torna mais perigoso devido as fortes correntezas nas áreas dessas cachoeiras, corredeiras e rebujos. Os navegadores daquelas águas precisavam ser cuidadosos, pois havia o risco de naufragar e perder o carregamento.

A velha vila portuária que sobreviveu por muitos anos da extração da Castanha do Pará transformou-se em fins do século XIX quando da implantação da Companhia de Viação Férrea e Fluvial do Tocantins Araguaia. Entretanto as mudanças seguiram os passos da ferrovia, lenta e gradualmente. Em outros termos, a transformação de Alcobaça esteve em longos hiatos decorrentes do abandono e faltas de investimentos nas obras da ferrovia.

A Estrada de Ferro Tocantins que, no século XIX, esteve vinculada ao ideal de facilitar o transporte de produtos da região, ganhou nova força e novos ideais. Durante a década de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, muitos navios foram torpedeados na costa brasileira e oferecia-se risco de bloqueio do Nordeste e da Foz do Amazonas. Por este prisma, uma ferrovia na região permitiria um fácil acesso de tropas e reforçaria os laços de unidade nacional.

Anterior ao período da Segunda guerra tivemos a região de Marabá até Tucuruí tornando-se, a partir dos anos 20, uma importante área de exploração de castanha-do-pará. Com o objetivo de garantir o escoamento da produção de castanha de Marabá a Belém, determinou-se o prosseguimento da construção da Estrada de Ferro Tocantins, que contornaria os doze quilômetros de corredeiras do Rio Tocantins, unindo as localidades de Tucuruí (conhecida na época por Alcobaça) e Jatobal.

Contudo, apesar de ser considerada o símbolo maior de progresso pois “técnicos de renome mundial já determinaram que a estrada de ferro é o meio de transporte ideal para grandes massas de transportes a grande velocidades”na década de 1960 se via a manutenção da referida ferrovia um custo muito alto, por esta justificativa se optou por desativa-la, remover os trilhos restantes e substituí-la por uma rodovia, uma situação que se concretizou em 1974.

"Tudo esta consumado. Ouvimos o que foi a despedida dos ferroviários à sua velha estrada. Lágrimas incontidas e rebeldes correram de muitos pares de olhos. De nada serviu, o óculos escuro de que me armei. Várias vezes usei o lenço. Não pude colocar a pedra recomendada pelo diretor Raimundo Ribeiro de Souza no lugar do meu coração. Ele mesmo, o Diquinho, mesmo com uma pedra no coração, fumou vários cigarros antes do discurso que proferiu. Trocou o coração mas quase corta os lábios de tanto mordê-los. Agora resta-me apenas dizer mais um 'ADEUS' à Estrada de Ferro Tocantins! Fostes riscada do plano ferroviário, mas ninguém poderá riscar-te do meu coração. ‘Estás pagando o progresso do Brasil’".

Epílogo do texto do ferroviário Orlando Silva, escrito pela ocasião do fechamento da Estrada de Ferro Tocantins.

 

As Transformações Decorrentes das Obras da Estrada de Ferro Tocantins

A construção da ferrovia em Alcobaça transformou o modo de vida de uma velha vila portuária dependente da exploração da castanha, madeira, agricultura e pecuária.

Observando a evolução do município vemos que seguia o leito do rio Tocantins, sua principal via de comunicação com os outros municípios do Alto e Baixo Tocantins. Entretanto esse desenvolvimento se viu alterado em 1895 com a instalação da Companhia de navegação férrea.

As levas de migrantes invadiram a localidade e transformaram o modo de vida daqueles que sobreviviam basicamente da pesca. Ignácio Moura esteve em Alcobaça pouco depois de terem sidos iniciados os trabalhos da ferrovia. Segundo ele a localidade era triste;

“...Sua situação deveria ser melhor estudada, avaliando-se sua importancia futura, demografando-se, planejando e até localizando a grande cidade, que, pelas imperiosas circunstâncias topográficas são escassas e mesquinhas, oferecendo apenas uma lombada de terra entre o barranco, que a cada inverno foge cada inverno para o rio, e uma zono de pantanosa para o centro, que serve de nascente aos pequenos rios da zona, envenenando as fontes e tornando más as condições de salubridade publica...

Sobre o espaço físico de Alcobaça, Ignácio Moura afirma que dispunha em 1895:

“Ali se achava erguido, sem estilo algum, o casarão coberto de folhas de zinco, todo de madeira, destinado a servir de escritoria e de resistência da administração e do pessoal técnico da Estrada de Ferro de Alcobaça à Praia da Rainha, ultimamente transformada em Companhia das Estradas de Ferro do Norte do Brasil. Oito a nove casas cobertas de telhas de zinco ou de madeira, destinadas a oferecer acomodações ao resto do pessoal de construção, armazéns, escritório, completam toda a casaria, que formava naquele ano a povoação...”

Em 1899, quando os trabalhos foram interrompidos, Alcobaça praticamente se extinguiu, “... o pessoal se retirou em massa e espavorido, abordo das lanchas atopetadas de gente, para Belém...” por causa das doenças que dizimaram a maior parte dos trabalhadores.

Os trabalhos reiniciaram em 1905, com o empréstimo junto aos franceses, pois uma ferrovia na região tocantina era, conforme o álbum do governo de Augusto Montenegro, “indispensável ao desenvolvimento e progresso dessa importante parte do território do Estado”. O impulso nas obras seguiria até 1916 quando por motivo de dificuldades financeiras os trabalhos foram suspensos e a empresa liquidada.

Neste período de abandono, abriu-se espaço para que a ferrovia sofresse saques em trechos e patrimônio, principalmente por seus próprios funcionários, que aproveitaram materiais na construção de prédios espalhados pela cidade atualmente.

Uma tentativa mais séria de remodelação foi feitaa em 1927, quando se mandou abrir uma rodovia a partiu do km 82 ao porto de Jatobal, visando com isso o estabelecimento de um tráfego rodo-ferroviário. Infelizmente esse serviço não foi acompanhado dos indispensáveis trabalhos de reconstrução da via férrea. Em 1928 com o desmoronamento da ponte de madeira existente no km. 67, sobre o rio Pucuruí, houve o seccionamento da linha nesse ponto, interrompendo o tráfego entre Alcobaça e a ponta dos trilhos.

Ainda nos anos 20 tivemos a construção de uma micro-barragem para abastecer de água através de uma tubulação, a as máquinas da ferrovia e as casas dos funcionários. Da mesma forma se construiu em Tucuruí a Hidráulica para abastecer de energia elétrica a localidade e o patrimônio da Estrada de Ferro.

A partir de 1939 a estrada de ferro retomou seu pleno funcionamento. Os povoados em seu trajeto se desenvolveram grandemente.

Tucuruí se remodelou, os funcionários foram se estabelecendo ao longo das margens do igarapé Santos e deram origem ao que viria ser o bairro da Jaqueira. O prédio da administração da ferrovia vivenciou a expansão para o que veio a ser o Jardim Paraíso e Mangal. Uma pista de pouso fora construída, onde hoje é a Avenida 31 de Março e a medida em que a cidade crescia novos bairros foram surgindo,  primeiro ao longo da Avenida Veridiano Cardoso e depois em função da Trans-Cametá. Atualmente a cidade cresceu em função das obras da Hidrelétrica.

 

Considerações Finais

A Estrada de Ferro Tocantins nasceu da necessidade de se transpor as corredeiras do Rio Tocantins, um obstáculo que punha risco ao comércio com a possibilidade de naufrágios aos barcos que vinham da região do Alto Tocantins e Araguaia no sentido Marabá-Belém.

Os transportes ferroviários se mostraram, em diversos exemplos, como o meio de transporte ideal para grandes massas de transportes a grandes velocidades. Entretanto, na Amazônia e Brasil vemos que se optou pelo modelo rodoviário e assim tivemos a substituição das Ferrovias.

As ferrovias foram importantes, pois através delas muitos povoados se desenvolveram ao longo da região tocantina, ocupando os vastos desertos das margens do rio Tocantins redesenhando o quadro demográfico e facilitando o transporte de produtos na região, desenvolvendo e aquecendo a economia local.

Apesar dos benefícios que a Estrada de Ferro Tocantins trouxe para as pessoas que trabalharam durante anos e em varias funções, as quais passaram ao município, sendo uma verdadeira escola, teve um fim triste com sua desativação, que hoje ainda traz saudade para alguns ex-funcionários.