Fenomenologia de Peirce: Uma Análise do Repórter Eco[1]

Helena Schiavoni Sylvestre[2]
Adenil Alfeu Domingos[3]
Universidade Estadual Paulista, São Paulo, SP


Resumo

O artigo em questão tem por objetivo analisar um programa televisivo com a temática ambiental sob a ótica da fenomenologia de Charles Anders Peirce. Optou-se pela escolha do Repórter Eco devido ao seu pioneirismo no telejornalismo ambiental nacional, e por este ser responsável por estabelecer um padrão no formato do gênero. Para realizar um estudo mais aprofundado, os signos que compõem o Repórter Eco serão analisados em si mesmos, ou seja, em suas propriedades intrínsecas.         

Palavras-chave: semiótica; fenomenologia; meio ambiente; telejornal; Repórter Eco


Introdução

O artigo em questão tem por objetivo analisar um programa televisivo com a temática ambiental sob a ótica da fenomenologia de Charles Anders Peirce. Para isso, optou-se pela escolha do Repórter Eco devido ao pioneirismo no telejornalismo ambiental nacional, e por este ser responsável por criar um padrão no formato do gênero. Para realizar um estudo mais aprofundado, os signos que compõem o Repórter Eco serão analisados em si mesmos e nas suas propriedades internas.           
A semiótica do filósofo Charles Sanders Peirce (1839-1914), diferentemente das semióticas anteriores, passa a considerar todo tipo de fenômeno como signo. Para Peirce, tanto um grito quanto um pedaço de papel riscado são considerados fenômenos, e, portanto, podem ser enquadrados naquilo que Peirce denominou de categorias fenomenológicas. O filósofo dividiu as categorias fenomenológicas em três categorias gerais, dentro das quais todos os signos podem ser encaixados. São elas as categorias em primeiridade, secundidade e terceiridade. Dentro ainda da semiótica peirciana, o signo tem uma natureza triádica, e pode ser analisado em si mesmo, em relação ao objeto a que se refere ou em relação a seu interpretante em potencial.    
Neste artigo, o telejornal ambiental Repórter Eco será analisado com base no primeiro aspecto dessa natureza triádica do signo, que é a análise do signo em si mesmo. Sendo assim, todos os fenômenos que tiverem ocorrência no Repórter Eco serão enquadrados de alguma maneira às três categorias peircianas, e serão divididos entre os quali-signos (qualidade; signos em primeiridade), os sin-signos (existentes; signos em secundidade) e os legi-signos (leis; signos em terceiridade).        
A semiótica de Peirce foi a metodologia escolhida para analisar o telejornal, pois trata-se da semiótica mais adequada, que consegue estudar todo e qualquer tipo de linguagem. Dessa forma, é possível que se aborde todos os aspectos da montagem do Repórter Eco, desde a cenografia até pequenos detalhes, como a vestimenta e o tom de voz do apresentador. 
Os telejornais são inseridos em um sistema de signos que se caracterizam pela junção entre a linguagem verbal e a linguagem oral. Para essa mistura, dá-se o nome de linguagem híbrida. Portanto, a maneira mais conveniente para se realizar a análise de vídeos, é através de uma leitura semiótica, já que esta permite a leitura de todo e qualquer tipo de signo. 
Segundo Santaella[4], esse método de análise consegue sanar dúvidas a respeito de mensagens de naturezas diversas, e suas possíveis misturas (a chamada hipermídia). Além disso, elucida sobre as possíveis aplicabilidades das mensagens, e quais as possíveis interpretações que o receptor pode obter ao sentir e entender a mensagem destinada a ele.     
Para dar início à aplicação da semiótica/fenomenologia de Charles Peirce ao telejornal Repórter Eco, é necessário que o conceito de signo, segundo Peirce (SANTAELLA, 2002), seja exposto: “Deixe-nos usar a palavra ‘signo’ para significar qualquer coisa que, ao ser percebida, leva para uma mente alguma cognição ou pensamento que se aplica a algum objeto. Assim, eu chamaria um retrato de signo. Chamaria uma sentença um signo”. No caso do telejornal tratado neste artigo, os vídeos apresentados com conteúdo ambiental causarão algum efeito no telespectador. Este efeito cumpre o papel de interpretante.        

De tudo isso se conclui que a fenomenologia peirciana fornece as bases para uma semiótica anti-racionalista, antiverbalista e radicalmente original, visto que nos permite pensar também como signos, ou melhor, como quase-signos fenômenos rebeldes, imprecisos, vagamente determinados, manifestando ambigüidade e incerteza, ou ainda fenômenos irrepetíveis na sua singularidade. (SANTELLA, 2002)          

           
Por fim, convém destacar que as obras de alguns teóricos e estudiosos serão utilizadas como base para a construção da análise em pauta. Entre elas, encontram-se as obras de Lucia Santaella, indispensáveis à bibliografia de qualquer pesquisa sobre a semiótica de Charles Sanders Peirce.


A Semiótica de Charles Sanders Peirce    

Segundo Deledalle, a Semiótica de Peirce recusa o sujeito do discurso. Sendo assim, ela é considerada como uma semiótica social. Ao contrário de Saussure, que contrapõe Fala e Língua, Peirce elimina o sujeito do discurso. A recusa da existência de um “eu” subjetivo por Peirce, o aproxima de Bakhtine. (SOARES, L., 2006)

Para Peirce, não existe alma individual, mas sim coletiva. Qualquer um de seus discursos aborda toda a humanidade, e não o sujeito como indivíduo.
Ao citar Peirce em uma de suas obras, Lucia Soares (2006) diz que os signos estão sempre em movimento, em transformação. Diferentemente de Saussure, que coloca os signos em uma estrutura fixa e imutável, a semiótica peirciana permite que os signos se desloquem entre estruturas, de maneira metamórfica. De acordo com JB Cardoso, Santaella coloca a semiótica perciana como

um percurso metodológico-analítico que promete dar conta das questões relativas às diferentes naturezas que as mensagens podem ter: verbal, imagética, sonora, incluindo suas misturas, palavras e imagem, ou imagem e som etc. (2004)     

 A autora, porém, diz que esta é uma teoria muito abstrata, e que, portanto, para se obter uma análise afinada do objeto de estudo, a aplicação da semiótica reclama pelo diálogo com teorias mais específicas dos processos de signos que estão sendo examinados. Sendo assim, no caso deste artigo em específico, para uma análise mais aprofundada de telejornais, torna-se necessário o conhecimento sobre teorias do texto jornalístico, propriedades da imagem, cenografia etc.

Na definição de Peirce, o signo tem natureza triádica, ou seja, pode ser analisado sob três aspectos:      
- em si mesmo, nas suas propriedades internas (é sob este aspecto que será realizada a análise do telejornal Repórter Eco);  
- na sua referência àquilo que ele indica, se refere ou representa (o objeto);
- nos efeitos em potencial que produz nos seus receptores. Nas possíveis interpretações que ele tem.     
Esta mesma tríade é constituída por três elementos: signo, objeto e interpretante. O signo é o elemento intermediário entre o objeto e o interpretante. O terceiro elemento da tríade, o interpretante, é o efeito interpretativo que o signo produz em uma mente (seja ela real ou apenas potencial).    Por fim, existem dois tipos de objeto: o objeto imediato e o objeto dinâmico. O objeto imediato “é o objeto dinâmico tal como está representado num dado signo (ou tal como o signo o apresenta)” (Santaella apud JB Cardoso, 2008). Já o objeto dinâmico é aproximadamente o equivalente à realidade.       
Os interpretantes são divididos em três tipos: interpretante imediato, o interpretante dinâmico e o interpretante lógico. O interpretante imediato refere-se ao potencial que o signo tem para despertar determinadas reações. O interpretante dinâmico refere-se à multiplicidade, às variações, já que um único signo pode despertar reações diferentes em mentes distintas. Por fim, o último interpretante, o lógico ou final, é inatingível.


Categorias Fenomenológicas          

Segundo Santaella, a fenomenologia do semioticista Peirce analisa e descreve as experiências que estão abertas a todo ser humano, em qualquer lugar e de qualquer natureza. A ideia, em Peirce[5], é um fenômeno ou faneron, sendo tudo o que é, de qualquer maneira, em qualquer sentido, presente na mente. “Fenômeno é tudo aquilo que aparece à mente, corresponda a algo real ou não”. Peirce classifica todos os tipos de fenômenos em três categorias: primeiridade, secundidade e terceiridade. Além disso, levanta elementos e características que pertencem a todos os fenômenos e participam de todas as experiências (fatos, acontecimentos). Ou seja, Peirce divide todo e qualquer fenômeno em três categorias genéricas, que são as chamadas categorias fenomenológicas.          
A princípio, quando nos deparamos com um acontecimento (um fenômeno), a primeira reação é puramente a contemplação do ocorrido (primeiridade), as primeiras sensações. O segundo passo é conflitar as experiências anteriores do indivíduo com o existente. Ao passarem pela terceira e última categoria, os fenômenos sofrem generalizações e são enquadrados dentro de leis gerais. Os fenômenos aparecem à consciência primeiramente sob a forma de qualidade, depois existência e por último sob a forma de leis.    
A primeira categoria peirciana, (qualidade) refere-se à qualidade sensível das coisas, sem que exista relação com qualquer outro objeto ou situação. Faz referência à qualidade absoluta dos objetos, sem haver qualquer relação com outros sentimentos. A partir do momento que o signo em primeiridade é pensado, quando a qualidade passa a estar incorporada em um objeto real, ele passa a entrar na segunda categoria (signo em secundidade). Ao estar ligado a um fato, o sentimento torna-se algo singular, único. Torna-se algo real. A terceiridade é a categoria fenomenológica que cria leis nas quais todos os signos são incluídos. Segundo Licia Soares,    
             

ela corresponde ao pensamento em signos, no momento em que se interpreta as relações estabelecidas entre os signos. O terceiro é um signo mediador entre o intérprete e os fenômenos, o signo que traduz um objeto de percepção em um julgamento de percepção. Por isso, ele é um legislador. (SOUZA, 2006)


De acordo com Santaella, existem ainda três paradigmas no processo seqüencial de produção da imagem. O paradigma pré-fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico.
O paradigma pré-fotográfico fica encarregado de enquadrar as imagens produzidas artesanalmente. Já o paradigma fotográfico, se refere às imagens do mundo visível, captadas com algum aparelho de registro, como a máquina fotográfica ou a filmadora. Para que este tipo de registro seja efetuado, é necessário que situações reais antecedam o momento do registro. Por último, o paradigma pré-fotográfico implica na construção de imagens sintéticas, completamente estruturadas por meios eletrônicos. “... inteiramente calculadas por computação, imagens que se libertaram de quaisquer dispositivos fotossensíveis químicos ou eletrônicos que registram o traço de um raio luminoso emitido por um objeto pré-existente”. (SANTAELLA, 2002)
O telejornal ambiental Repórter Eco deve, portanto ser encaixado no segundo paradigma, já que o programa é composto por vídeos com imagens que têm o intuito de registrar a realidade, aquilo que é existente. Lembrando que não convém no momento definir conceitos de “verdades”. O conteúdo exposto em vídeo pode gerar interpretações variadas, de acordo com os enquadramentos das imagens. Porém, tudo aquilo que é filmado não deixa de ser real, de ser um registro de acontecimentos factuais.


O jornalismo ambiental no meio televisivo e as propostas do Repórter Eco

Durante décadas, assuntos que abordassem o meio ambiente e a ecologia eram tratados com superficialidade e com uma abordagem mais conservadora nos meios de comunicação de massa. Evitava-se o aprofundamento sobre o tema para que não se gerassem comentários polêmicos. No caso da televisão, Lucia Guido destaca o fato de que as devastações ambientais são frequentemente abordadas nas produções videográficas, mas apenas com um caráter sensacionalista, sem discutir de maneira aprofundada as causas e as conseqüências dos desastres ecológicos.   
Em terras brasileiras, os telejornais com temática ambiental surgiram há menos de duas décadas. O primeiro programa veiculado a tratar sobre o tema foi o Repórter Eco. Dessa vez não como mais um produto sensacionalista, mas com a séria proposta de abordar o meio ambiente e a ecologia de maneira aprofundada e em pró da “melhoria da qualidade de vida, de prestar um serviço público e ainda de informar sobre os principais temas ambientais da atualidade”. (Disponível em: < www.tvcultura.com.br/reportereco > Acesso em: 10 fevereiro 2011).    

 

Figura 1: SITE OFICIAL REPÓRTER ECO (www.tvcultura.com.br/reportereco)


Desde 1992, ano em que ocorreu a Rio-92, Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o Repórter Eco está no ar. Há 18 anos o telejornal é veiculado uma vez por semana para tratar de assuntos que abordem o meio ambiente e a ecologia. De acordo com o site oficial do telejornal, a princípio o objetivo do programa era “antecipar e aprofundar os assuntos que seriam abordados na Rio-92”. Porém, logo o telejornal começou a obter reconhecimento, e passou a ganhar espaço para veicular reportagens com a temática ambiental que abrange o Brasil e o mundo.

O programa se especializou na divulgação dos projetos, ações e pesquisas nacionais ou mundiais, com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida, de prestar um serviço público e ainda de informar sobre os principais temas ambientais da atualidade. (Disponível em: < www.tvcultura.com.br/reportereco > Acesso em: 10 fevereiro 2011).

O Repórter Eco é uma revista semanal televisiva que tem como proposta explorar e aprofundar a temática ambiental. Todas as edições do programa referem-se, portanto, a um tema em comum, que, é a abordagem de       

‘pesquisas para o desenvolvimento sustentável e conservação dos biomas brasileiros, proteção da rica diversidade biológica e cultural do país, projetos para manter para o futuro os recursos hídricos, estudos de controle da poluição do ar, solo, terra e água, ecologia urbana, fontes de energia alternativas e renováveis, astronomia, antropologia, arqueologia, arquitetura ecológica, redução, reuso e reciclagem de resíduos sólidos, comércio justo, patrimônio histórico, cultural e arquitetônico, e ecoturismo’. (Disponível em: < www.tvcultura.com.br/reportereco > Acesso em: 10 fevereiro 2011).


Como o telejornal está incluso dentro dos variados gêneros televisivos, os vídeos exigem textos verbais para complementar as informações imagéticas. Além disso, pelo fato de ser um telejornal com perfil de revista, o texto utilizado tem um caráter menos rígido, mais maleável e que tem por função principal complementar as informações transmitidas através das imagens. Em cada edição, um tema específico é abordado dentro da temática maior, que é o meio ambiente.          

 

Figura 2: Filmagem do Repórter ECO em Santarém/PR

 

 

Figura 3: Filmagem do Repórter ECO em São Lourenço da Serra/SP

Análise com base nas categorias fenomenológicas - Repórter Eco em Primeiridade

A fenomenologia de Peirce se fundamenta na existência de três categorias genéricas dentro das quais pode ser incluído todo e qualquer fenômeno que tem a potencialidade de funcionar como signo. Peirce nomeou essas categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade. Sendo assim, analisaremos o Repórter Eco sob a perspectiva dessas três categorias.
O signo que se encontra na primeira categoria (primeiridade) é chamado de quali-signo. O quali-signo equivale à primeira impressão causada pelo signo no momento em que seu referente (objeto) é apresentado a uma mente qualquer. Refere-se à qualidade interna do signo. Em “Semiótica Aplicada”, Santaella coloca que o aspecto do quali-signo, quando aplicado aos vídeos, encontra-se na qualidade das tomadas, dos enquadramentos, dos movimentos de câmera, no tom da voz que está discursando, entre outros. Resumidamente, o quali-signo está basicamente nos aspectos relativos somente à aparência do vídeo. Inclusive nos aspectos que envolvem cor, textura, luminosidade, etc.
As cores é um dos elementos mais marcantes quando se trata de analisar o signo em primeiridade. São as cores que dão uma identidade visual primária ao signo. JB Cardoso cita Dondis em sua obra, e coloca que segundo a autora, as qualidades dos signos podem ser mais bem percebidas nos planos fechados, nos quais não consegue se distinguir claramente que objetos compõem a imagem, e, portanto em um primeiro momento não se consegue formular nenhum pensamento a respeito daquilo que está sendo transmitido (secundidade).            
Nas edições do Repórter Eco, quando o tema em pauta foi Poluição Sonora, por exemplo, o telejornal utilizou em alguns momentos de paisagens naturais que foram colocadas em plano fechado propositalmente. A filmagem de uma cachoeira com águas caindo em alta velocidade bem próxima à câmera fez com que a imagem ficasse desfocada. Esse signo em primeiridade causa uma sensação de intensidade, de agressividade e ao mesmo tempo causa a impressão de que o telespectador faz parte da cena, do ambiente cenográfico (e o volume alto utilizado propositalmente contribui para estas sensações).     
Ainda analisando esta edição sobre Poluição Sonora do Repórter Eco, podemos perceber que nas cenas feitas nos meios urbanos, optou-se por filmar situações com grande movimentação ou movimentos bruscos, como o fluxo intenso de veículos nas grandes cidades e trabalhadores fazendo uso de britadeiras. Supõe-se que esses tipos de imagens foram utilizados para causar propositadamente no telespectador uma sensação de desconforto, e pode-se arriscar dizer que acaba também causando sensação de pânico em relação à sociedade urbanizada.        
Nas cenas filmadas em meio à natureza, os vídeos foram editados para deixar algumas delas em câmera lenta, causando a sensação de serenidade e harmonia.
Em outra edição do telejornal, no qual o tema foi a biodiversidade do pantanal, percebe-se algumas intenções no uso de enquadramentos próximos ou longes. Quando a paisagem pantaneira era filmada, as cenas eram panorâmicas para mostrar a grandeza e a vastidão do bioma brasileiro. Entretanto, quando as cenas continham imagens das espécies típicas do pantanal, o enquadramento era fechado, quase levando o telespectador para dentro da cena, mostrando a diversidade e a peculiaridade de cada animal que ali habita.          
Deve-se destacar ainda o uso que o Repórter Eco faz dos closes no apresentador. Como coloca Lucia Guido, dependendo da importância daquilo que é falado na abertura do telejornal, o apresentador é colocado em primeiro plano, plano médio ou superclose, que faz o telespectador instintivamente prestar mais atenção no que está sendo dito, do que estava antes. Quando se trata de fazer a análise de um telejornal, não se pode desconsiderar a figura do apresentador. Seu porte diante da câmera, seu tom de voz e suas vestimentas. No caso do telejornal abordado neste artigo, começaremos analisando a postura dos apresentadores.      
Apesar de o Repórter Eco não ser apresentado em uma bancada com um cenário de fundo padrão, como o Jornal Nacional, por exemplo, a postura dos apresentadores diante das câmeras é sempre padrão. Corpo ereto, com movimentos leves de tronco e movimentos sutis das mãos para reforçar o que está sendo falado. O tom de voz é sempre natural, suave e quase sempre ligeiramente descontraído. As vestes têm sempre um tom mais informal, ou seja, não são roupas sociais, mas também não são trajes esportivos. Todos estes detalhes colaboram para que o telejornal transmita uma sensação de confiabilidade, seriedade, cumplicidade e também de serenidade em relação às informações transmitidas.     
Lembramos que o que fizemos até aqui foi realizar uma análise das qualidades dos signos. Portanto, os elementos das cenas estão sugerindo determinadas qualidades abstratas. Não podemos garantir que todos os telespectadores verão o telejornal sob a mesma ótica, mas o objetivo principal é prever as qualidades em potencial contidas dentro dos signos. Sobre isso, Santaella coloca:


Não se trata evidentemente de uma previsão precisa, pois qualidades não têm limites muito definidos, de modo que seus efeitos não são, por isso mesmo, passíveis de mensuração. Trata-se, isto sim, de hipóteses que apresentam uma certa garantia de estarem corretas” (JB Cardoso, 2002)

Repórter Eco em Secundidade

Os signos, quando analisados em secunidade são chamados de sin-signos. Os sin-signos nada mais são do que os quali-signos corporificados em algo existente, singular. Algo singular só consegue existir através de qualidade. Portanto, todo sin-signo, sem exceção, passam pela primeiridade antes de ser uma singularidade (secundidade).
Segundo Santaella em Semiótica Aplicada,

Basta que algo exista no mundo e essa existência lhe dá fundamento para funcionar como signo. Isso acontece porque existir significa estar situado em um determinado universo, do que decorre que qualquer existente é um feixe de determinações que apontam para várias direções do universo de que o existente é parte (SANTAELLA, 2002)


Cada edição do Repórter Eco é um sin-signo, pois cada um deles é composto por imagens com qualidades que lhes são únicas, exclusivas. As qualidades que foram citadas no item anterior do artigo, quando aplicadas em exclusividade, em situações específicas, passam a tornarem-se signos em secundidade.   
Como já foi dito anteriormente, o Repórter Eco opta por realizar filmagens panorâmicas quando se trata de filmar vastas paisagens, por exemplo. No caso já citado, em uma das edições do programa, este tipo de cena foi aplicado ao pantanal, exibindo as características do bioma, que tipo de flora e fauna o compõe, entre outras especificidades.
De acordo com João Batista, todo cenário tem por objetivo comunicar algo em particular. Nos telejornais, os cenários devem estar sempre relacionados de alguma maneira às matérias exibidas. As composições imagéticas juntamente com o texto têm o intuito de transmitir algo específico. No caso específico do Repórter Eco, a cenografia é quase composta integralmente por locações externas, com filmagens em ambientes em meio à natureza, ou em ambientes urbanos.         
Em primeiridade, as edições do telejornal visam transmitir certas sensações ao telespectador. Sensações e qualidades que não podem ser tratadas com exatidão, mas que passam a ter objetivos específicos quando corporificadas em sin-signos. O Repórter Eco é um telejornal especializado em meio ambiente, que utiliza de uma linguagem simples e didática para o possível entendimento de vários públicos. Entretanto, o programa tem um caráter educacional intrínseco a ele que, apesar de torná-lo acessível a quase todos os tipos de telespectador, enquadra-se melhor a um público específico. Como coloca Santaella, é principalmente nas situações educativas que os vídeos com caráter educacional conseguem adquirir seu significado mais completo.    

Repórter Eco em Terceiridade      

A terceira categoria peirciana, chamada de legi-signo, é responsável por enquadrar os sin-signos em categorias gerais. Como o próprio nome já indica, os legi-signos são leis dentro das quais todos os existentes podem ser encaixados. Sendo assim, todo signo padrão é um legi-signo. Livros são legi-signos, programas de computador, jogos de videogame e obviamente, os vídeos também são considerados signos em terceiridade.    
No caso do telejornal em análise neste artigo, todas as edições se enquadram na classe de imagens videográficas. Mais especificamente, o Repórter Eco encaixa-se no gênero jornalístico e ambiental, pois se adéqua perfeitamente às leis que perfilam esses gêneros televisivos. Portanto, apesar de cada edição do programa abordar assuntos distintos uns dos outros, de maneira geral, todos eles se enquadram dentro de uma temática geral mais abrangente, o meio ambiente.       
Sem deixar de fazer parte das classes anteriormente citadas, o Repórter Eco também se encaixa no gênero vídeo-reportagem. Isto significa que as edições do telejornal são moldadas de acordo com um formato padrão. Segundo Santaella, o vídeo-reportagem faz uso de recursos variados, como as entrevistas, a voz off, a aparição da figura do apresentador, entre outras características que fazem parte da estrutura clássica do jornalismo televisivo.
A abertura do programa com imagens em meio à natureza, a exibição do logotipo no formato do globo terrestre escrito Repórter Eco em verde fazendo alusões às vegetações, as aparições padronizadas do apresentador em momentos específicos nas edições, os enquadramentos singulares das imagens captadas, entre outros, fazem com que o telespectador consiga identificar o telejornal em poucos segundos. Isso ocorre porque apesar de cada edição se diferenciar das outras, todas se inserem em um mesmo padrão que caracteriza o Repórter Eco. João Batista Cardoso coloca que:

em cada manifestação individual, em cada edição do programa, essas propriedades possibilitarão ao espectador identificar o programa, localizar-se com relação ao início ou término, acompanhar as informações detalhadas nas matérias, ou, até mesmo, saber quando terão início os intervalos comerciais        (JB Cardoso, 2008)          

Apesar de existirem singularidades que façam com que o telejornal seja facilmente identificável, o programa é moldado de forma a se encaixar nos padrões dos telejornais que abordam o meio ambiente como temática principal. Sendo assim, o conteúdo das filmagens, a maneira como as fontes são entrevistadas, a forma como o apresentador coloca seu texto como complementação e explicação das imagens, tudo colabora para que o Repórter Eco siga os moldes de um gênero específico do telejornalismo. Todas essas características então atuam como legi-signos, sempre incorporando os sin-signos para se atualizarem constantemente.    

Considerações Finais          

Ao longo dos anos, os gêneros televisivos passaram a ganhar variações diversas, e no Brasil, o gênero ambiental surgiu há pouquíssimo tempo. A princípio, a temática ambiental tinha espaço restrito na mídia, e o seu tratamento era bastante superficial. Entretanto, no início dos anos 90, o Repórter Eco entrou no ar com condições de modificar estes padrões. Ao realizar a análise do Repórter Eco com base na semiótica perciana, chega-se à conclusão que o telejornal montou uma estrutura de produção que já não é mais exclusiva da TV Cultura. Os legi-signos mostram que muitas das características do programa se assemelham a outros programas que tratam sobre o mesmo tema. Isto significa que apesar de muito escasso ainda no país, o número de produtos do gênero televisivo ambiental (especialmente o gênero de vídeo-reportagem) está em crescimento. 
Por último, conclui-se que utilizando a fenomenologia de Peirce, foi possível analisar todos os aspectos construtivos do telejornal Repórter Eco. Analisando os signos em si mesmos, pôde-se observar que além de transmitir informações, o gênero televisivo tem que se preocupar com a forma pela qual se chega a esse objetivo. 

Referências Bibliográficas  

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CARDOSO, J.B. Semiótica das locações. Uma leitura do ambiente natural como espaço cenográfico. Tese de Doutorado. PUC, Campinas


GUIDO, L.F.E. EDUCAÇÃO, TELEVISÃO E NATUREZA, Uma Análise do Repórter Eco. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação, 2005.


MEDEIROS, T.T.Q. A Fenomenologia Pragmaticista de Charles S. Peirce. PROMETEUS Filosofia em Revista, v.2, n.3, p.1-15, 2009.


SANTAELLA, L. Semiótica Aplicada. São Paulo: Thomson, 2002.


SANTAELLA, L.; NÖTH, W. IMAGEM: Cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2001.


SOARES, L. Contribuições da Semiótica de Peirce paras os Estudos da Narrativa. CALIGRAMA Revista de Estudos e Pesquisas em Linguagem e Mídia, v.2, n.1, p.1-18, 2006.

Disponível em: <http://www2.tvcultura.com.br/reportereco/reportereco.asp> Acesso em: 20 de novembro de 2010

 



[1] Trabalho apresentado no IJ 8 – Estudos Interdisciplinares da Comunicação do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste realizado de 12 a 14 de maio de 2011.

[2] Estudante de Graduação 5º. semestre do Curso de Jornalismo da FAAC-Unesp, email: [email protected]

[3] Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da FAAC-Unesp, email: [email protected]

[4] SANTAELLA, L. Semiótica Aplicada. São Paulo: Thomson, 2002.

[5] SANTAELLA, L. O Que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.