Feliz Natal?

- Oi.

- Oi.

Era novamente o menino.

Desta vez falava diretamente comigo.

Um estranho calafrio percorreu meu corpo, apesar do calor escaldante.

- Um dia você me chamou de o “Espírito do Natal”, que havias conhecido pessoalmente numa igreja.

Lembrei-me do fato, mas permaneci em silêncio. Aliás, silêncio tem sido meu forte atualmente.

Senti um toque de tristeza em seu olhar e em sua voz. Rememorei sua passagem pela igreja vazia naquela vez e pressenti, não sei como, que não iria gostar nada do que ele me diria a seguir.

- Sabe? Queria poder te dizer Feliz Natal, da maneira mais usual e hipócrita da moda, mas não creio ser justo abolir a sinceridade, nem por um momento.

Sua voz era firme e carregava um timbre de desafio. Eu apenas ouvia.

- Ontem conheci o filho de um homem-bomba. Ele é o homem-bomba do futuro. Sabe por quê? Porque a intolerância continua maior que o amor. Outro dia conheci um autêntico mendigo. Sabe o que é um mendigo? Saiba que conhecer um autêntico mendigo, não é coisa para qualquer um...

Como num pacto de silêncio de minha parte, ele falava e eu apenas ouvia.

- Um mendigo – disse-me ele – é uma mensagem viva, que tenta lembrar aos homens uma frase a respeito de “olhar os lírios do campo...”, conhece-a?

Respondi que sim, apenas com os olhos. Ele percebeu que eu havia entendido a mensagem embora eu permanecesse mudo diante de seu olhar.

- Pois é, os homens-bomba e os mendigos proliferam, mas a humanidade não percebe seus recados. Logo virá a gripe do frango, a gripe suína  e receio que a mensagem permaneça incompreensível. Compreende isso?

Eu já não sentia só o calafrio. Era um próprio iceberg.

- Eu queria te dizer Feliz Natal, mas sinto muito.

Esta foi sua última frase. Então um grito e o som de uma sirene quebrou o silêncio da noite e acordei.