Eram pouco mais de oito horas e a sala do presidente da companhia estava lotada. Um micro ônibus trouxera funcionários de todas as obras da Construtora especialmente para essa ocasião.  Até mesmo a bandinha do coreto da cidade natal do aniversariante havia sido trazida. Seu Chico do tarol, Ferreirinha da tuba, Afonso trompetista e outros antigos integrantes estavam todos ali, felizes por terem sido convidados para a tão especial comemoração e até fizeram questão de vestir a velha farda vermelha.

A secretária Zélia, toda eufórica, corria de um lado pro outro arrumando os últimos detalhes.

-João, tu que és alto, me ajuda a colar esse feixe de bolas que está se soltando.

Bandeirinhas, balões coloridos e uma enorme faixa com os dizeres: “FELIZ ANIVERSÁRIO, CHEFE!”, enfeitavam a enorme sala. Com a ajuda de Ricardo, o garçom da empresa, Zélia havia retirado todos os documentos e objetos da mesa do chefe para colocar o enorme bolo de aniversário de cinquenta anos, além dos pratinhos de doces e salgados.

Roberto Gomes, o gerente de informática, conseguira com muita dificuldade um lugarzinho na mesa de reuniões e já fazia pose com o copo cheio do uísque caro que fora servido sem a permissão do aniversariante. Numa data tão especial ele provavelmente não se importaria.

-Zélia, você tem certeza que ele vai gostar? Perguntei preocupado, conhecendo bem o temperamento arredio do empresário para quem eu já trabalhava há oito anos. 

–Você sabe como ele é – respondeu ela – mas a minha intuição diz que assim que ele chegar aqui vai adorar. Não vejo a hora de ver a carinha de surpresa dele.

Luiz Pezinho, como era carinhosamente chamado o funcionário da portaria, já estava preparado para interfonar tão logo a luxuosa Mercedes preta atravessasse o portão. 

Claro que ninguém havia trabalhado até as 09h30min quando o patrão chegou à empresa. Toca o interfone e uma Zélia ofegante avisa:

- Gente, o homem chegou, façam silêncio pra ele não desconfiar.

A porta se abre bruscamente e aquele sujeito com a cara amassada de quem dormiu mais que o necessário, entra abruptamente. .

“-Parabéns pra você, nesta data querida...” todos cantaram animados, acompanhados da velha bandinha do coreto.

O homem observa impaciente enquanto o grupo termina o coro de “É pique, é pique...”.

Seguiu-se um silêncio total até que a engenheira Lilian, percebendo o constrangimento, arrisca: “-Discurso, discurso...”.

Novo silêncio. O patrão baixa a cabeça e sem dizer uma palavra entra no banheiro da sua sala, deixando a porta entreaberta. De lá ouve-se o som líquido do jato de urina encontrando-se com a água do vaso. Do lado de fora, a plateia embasbacada aguardava durante os minutos que pareciam uma eternidade.

Ainda fechando o zíper da calça que havia sido tingida com alguns respingos do referido líquido, o aniversariante encara a plateia franzindo a testa e dispara energicamente:

- Muito obrigado, mas agora todos ao trabalho. Vamos, vamos, vamos pessoal. Vamos trabalhar!!!

Acho que foi nesse dia que descobri que sofro de claustrofobia, pois ainda sinto o desespero de ter ficado entalado naquela porta por onde todos queriam sair ao mesmo tempo.  A verdade é que todos queriam sumir dali, e como não era possível, o jeito foi disputar a porta de saída com a tuba do Ferreirinha e os demais “convidados”. Todos ao mesmo tempo.

No escritório, durante o expediente, não se falava em outra coisa. Uns diziam que ele ficou emocionado e por isso reagiu daquele jeito. Outros que ele não gostou de terem mexido na pequena imagem da santa Edwiges, protetora dos endividados que estava sobre a mesa. No entanto, Armandinho, o motorista particular, revelou que ele saiu furioso de casa porque a mulher havia esquecido o seu aniversário e ainda por cima não o acordou mais cedo. O fato é que todos ficaram arrasados. Mário, do departamento financeiro, teve uma crise de choro, foi preciso água com açúcar para acalmá-lo. 

Mais tarde o Departamento de Recursos Humanos divulgou uma tímida mensagem convidando a todos para uma pequena comemoração no final do expediente, cujo real objetivo, descobriu-se depois, era consumir os quitutes da frustrada festinha.

No dia seguinte o patrão viajou e só voltou quinze dias depois.

Moral da história: sempre desconfie da intuição de uma secretária eufórica.