FEDERALISMO E DEMOCRACIA: A cidadania ativa por meio da iniciativa popular no processo legislativo

Marcio Renard Lima de Araujo
Ruana Talita Penha de Sá

Sumário: Introdução; 1 Aspectos gerais do Federalismo; 1.2 O Federalismo no Brasil e suas especificidades; 2 Aspectos gerais da democracia; 2.1 Democracia semidireta; 3 Cidadania Ativa; 4 Levantamento de projetos por iniciativa popular que viraram lei no Brasil; Considerações Finais; Referências.


RESUMO
O trabalho a seguir, discutirá um tema de suma relevância para a consolidação da democracia. Atualmente, o exercício da cidadania ativa por meio da iniciativa popular tem suscitado inúmeras indagações e controvérsias, porém é importante frisar que esta nova noção de cidadania e ao mesmo tempo edificação de nova democracia é algo benéfico ao regime representativo do país. No entanto, faltam esclarecimentos, a cerca do método para à eficiência do projeto. Neste artigo, enfatizando o campo do federalismo e ao mesmo tempo fazendo um link com a cidadania ativa nesse tipo de regime, discutir-se-á a necessidade transformação da sociedade e de criação de meios que viabilizem consolidação e efetividade de tal mecanismo no regime representativo/ federativo.

PALAVRAS-CHAVE
Federalismo ? Democracia ? Cidadania ativa ? Iniciativa popular



Introdução


O Brasil desde que passou a configurar-se como uma republica, optou por organizar-se na forma de Estado Federal. No entanto, por vários Problemas, em sua maioria de cunho cultural, ainda hoje encontra dificuldades de consolidar essa forma de organização. A colonização, a monarquia pós independência e o período de ditadura, que por muito tempo afastou do povo seus direitos políticos, contribuíram para a apatia política dos cidadãos brasileiros.
Após de um longo período de ditadura, onde os cidadãos estavam afastados das decisões do Estado, a promulgação da Constituição Federal em 1988 representou um marco para historia da democracia brasileira. Através desta, que fora intitulada "Constituição Cidadã" se restaurou as instituições democráticas desse país. Para a consolidação dessa democracia a constituição conferiu aos seus cidadãos a soberania popular, que será exercida principalmente na forma representativa, mas também estabelece alguns mecanismos para a participação direta. Para tanto, chama-se atenção para a necessidade da participação de sujeitos ativos, que tenham consciência da importância do exercício da cidadania.
Nesse sentido, busca-se demonstrar como os cidadãos podem se valer do instituto da iniciativa popular para deflagrar o processo legislativo na busca de uma justiça social. Para tanto, foram feitas pesquisas bibliográficas de documentais Partindo de uma analise histórica da origem do federalismo e suas características, objetivou-se demonstrar como se deu a sua implantação no Brasil e as suas peculiaridades. Em um segundo momento, foi feito uma breve analise da democracia no Estado brasileiro que se da de forma semidireta, constituindo um equilíbrio entre forma representativa e a forma de participação direta. Buscou-se, ainda, demonstrar a importância de sujeitos ativos e como estes podem exercer uma cidadania ativa por meio da iniciativa popular. Por fim, diante das poucas leis vigentes no país proveniente de iniciativa popular, evidencia-se que a efetividade desse mecanismo de participação tem sido mínima.
Dessa forma, podemos perceber que a cidadania ativa é o meio mais adequado para preencher a "lacuna" deixada pela crise representativa. E nesse sentido, os sujeitos coletivos de direitos são co-responsáveis pelo exercício dessa "nova cidadania" na qual assentam sua ideologia na luta de ter direitos e na construção e consolidação do Estado Democrático de Direito.


1. Aspectos gerais do Federalismo


A análise da organização e estrutura de um Estado se dá por três aspectos, que são: a forma de governo, o sistema de governo e a forma de Estado. Por formas de Estado, entendemos a maneira com Estado organiza seu território e estrutura o seu poder. O conhecimento das formas de organização territorial de poder nos leva a organização em Estado unitário, Estado Federal e a Confederação. Dentre essas formas trataremos especificamente da forma federativa de Estado que atualmente é adotada por diversos países.
O federalismo caracteriza-se pela presença de duas esferas distintas e autônomas de poder, uma central (representada pelo governo federal) e a outra descentralizada (governos membros). Soares (1998, p. 138), no entanto, adverte que embora a divisão clássica do poder político territorial dentro de uma federação envolva duas esferas territoriais, isto não impede que uma terceira esfera territorial de poder possa emergir com o mesmo status de unidade federativo. É importante destacar, ainda, que na forma federativa as estruturas executiva, legislativa e judiciária estão presentes nos dois níveis de formas distintas. Essa distribuição do poder político nos dois níveis (governo central e subunidades) propicia um equilíbrio federativo pelo mecanismo checks and balances (freios e contrapesos) que busca coibir o autoritarismo e garantir a liberdade.
O Sistema Federal tem sua origem no ano de 1787 nos Estados Unidos da América após a independência das treze colônias inglesas, quando cada uma passou a considerar-se um novo Estado independente e soberano. Porém, era necessário proteger-se da possibilidade da antiga metrópole retomar o controle, e para tanto se uniram em uma confederação. Como na confederação os Estados mantinham a sua soberania a relação era instável, tornando o pacto pouco eficaz em atender as necessidades dos novos Estados.
Diante da fragilidade da confederação e a necessidade de se proteger das constantes ameaças, os Estados reuniram-se na Filadélfia em busca de soluções, dando inicio as bases do Federalismo. Segundo SOARES (98, p. 139), nos EUA o surgimento do sistema federal se deu como um conjunto de preceitos constitucionais acordados entre duas forças divergentes: as centrípetas onde os principais interesses centravam-se na necessidade de se fortalecerem militarmente, estabelecer um mercado amplo que favorecesse a economia e ainda a pacificação entre as treze colônias; e as forças centrífugas cujo interesse primordial era a manutenção do status quo das colônias, o que significa a manutenção do aparato regional que só era possível se cada colônia preserva-se sua autonomia. Assim, havia o interesse de estabelecer a unidade nacional, mas por outro lado desejavam manter a autonomia política de cada colônia.
Dentro do pacto federativo os Estados preservam sua autonomia, no entanto abdicam de sua soberania e a transferem a um órgão central responsável pela centralização e unificação. Nesse contexto Gilmar Mendes (2007, p.754) leciona que no federalismo a soberania é atributo do Estado Federal como um todo, ao passo que os estados membros dispõem de outra característica, a autonomia, entendida como a capacidade de autodeterminação dentro dos limites estabelecidos pelo poder soberano.
Atualmente há vários países organizados territorialmente na forma federativa, entre eles o Brasil. SOARES (1998, p. 145) aponta dois elementos de suma relevância que levam à união federada que são: a dimensão territorial, pois um poder centralizado encontra dificuldades em governar grandes espaços geográficos, principalmente quando se pretende governar grandes áreas territoriais tendo um regime político democrático; e as heterogeneidades territoriais onde o federalismo seria condição necessária para a vigência de um governo democrático nesse contexto de pluralidade. É importante ressaltar que ao adotar o federalismo, é necessário adaptá-lo de forma que sua organização respeite as características intrínsecas de cada país.
1.2 O Federalismo no Brasil e suas especificidades
Embora o ideário federalista ligado à idéia republicana tenha sido despertado anteriormente em uma parcela dos brasileiros, a forma de Estado Federal só foi adotada no Brasil com a Proclamação da República a partir do decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889. Diferente da formação dos EUA que se deu por um movimento centrípeto, ou seja, de fora pra dentro, o que vemos no Brasil é que essa formação foi resultado de um movimento centrífugo, de forma que um Estado Unitário (centralizado) fora descentralizado. Em decorrência desse fato histórico que podemos justificar a maior autonomia dos estados norte-americanos frente aos Estados-membros brasileiros. (LENZA, 2010, p. 341).
Para entender as dificuldades do federalismo que fora adotado a partir da nova forma de governo é necessário que não se deixe passar despercebido o período colonial que deixou fortes heranças negativas. A colonização portuguesa e suas características, escravagista e latifundiária, fizeram parte da formação cultural dos brasileiros. Segundo CARVALHO (2005, p. 17) chegou-se ao fim do período colonial com a grande maioria da população excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um sentido de nacionalidade. Mesmo após sua independência o novo país ainda carregava os traços coloniais e a herança de "uma tradição cívica pouco encorajadora".

Os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial, lingüística, cultural e religiosa. Mas tinham também deixado uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista. À época da independência, não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira. (CARVALHO 2005, p. 18)


Com a independência estabeleceu-se no novo país um governo inspirado nas monarquias constitucionais e representativas européias. No entanto, as influências advindas da revolução francesa coexistiam com os (dês)valores existentes aqui. Instituiu-se no Brasil um liberalismo às avessas que pregava ideais liberais, mas não se desvencilhava do sistema de escravidão, coronelismo e conservadorismo. Diante disso, ainda que no Brasil se tenha obtido avanços na esfera dos direitos políticos, os direitos civis ainda esbarravam em grandes limitações.
Foi com Constituição de 1891 que o Brasil passou oficialmente a se organizar na forma federalista e as antigas províncias passaram a ser denominadas de estados e ter seus presidentes eleitos pela população. A divisão política territorial descentralizada que deveria ter efeitos positivos e aproximar a população do governo só foi satisfatória para as elites locais. A nova forma de organização favoreceu a formação de "solidas oligarquias estaduais". Apenas os grandes estados conseguiram exercer sua autonomia, pois dominavam o congresso e tinham força para conservar sua autonomia. Segundo Carvalho (2005, p. 41):

Nos casos de maior êxito, essas oligarquias conseguiram envolver todos os mandões locais, bloqueando qualquer tentativa de oposição política. A aliança das oligarquias dos grandes estados, sobretudo de São Paulo e Minas Gerais, permitiu que mantivessem o controle da política nacional até 1930.

E o sistema federativo fora implantado no Brasil seguindo os moldes do norte-americano sem atentar para a diferente realidade que se tinha aqui. O período colonial, e mesmo após a independência, com suas características negativas impediu a formação de cidadãos conscientes, muitos sequer sabiam a importância de eleger um representante político. Nesse contexto as eleições de representantes não ficava a cargo do exercício de um direito de cidadão, mas do domínio econômico dos políticos locais que se utilizavam do poder Estatal para garantir seus próprios interesses, permitindo a sobreposição do interesse privado sobre o público que vemos até hoje. Os cidadãos em toda história do país nunca foram preparados para exercer suas obrigações cívicas e por tanto não tinham força para libertar-se.
O Federalismo brasileiro enfrentou, ainda, no governo de Vargas, uma forma de governo autoritária, que é incompatível com o próprio sistema federal (SOARES, 1998, p. 149). Durante a ditadura militar, houve um grande enfraquecimento dos estados da federação frente ao grande fortalecimento do poder central devido à suspensão da autonomia administrativa e fiscal e dos direitos políticos.
Visto isso, podemos perceber facilmente que ao longo de sua história o Brasil criou diversas barreiras que dificultaram que o federalismo saísse do plano formal e fosse uma forma de Estado eficiente na busca de vencer os obstáculos na construção de um país dotado de pluralidade de interesses.
A Constituição atual, promulgada desde 1988, foi responsável pela redemocratização do Estado brasileiro gerando novos compromissos com os direitos políticos, civis e sociais. A nova Constituição projetou uma ordem institucional e federativa com características diversa das anteriores, visando a legitimação da democracia, com uma maior abertura para a participação popular.
Mesmo com todas as dificuldades que o Brasil enfrenta para manter o sistema federativo e equilibrar as forças centralizadoras e descentralizadoras, não se pode negar que o regime democrático, pautado na soberania popular, e a forma descentralizada são os mais adequados para conciliar os interesses divergentes, atender os anseios de uma sociedade plural e promover o desenvolvimento desse país dotado de uma enorme área geográfica.

2 Aspectos gerais da democracia

Observa-se que distintas são as concepções de democracia que transcorrem as sociedades, desde sua primeira acepção no Mundo Antigo. A primeira tentativa de implantação de um governo democrático moderno aconteceu na America do Norte, quando a partir da já referida independência das 13 colônias inglesas implementou-se um regime democrático baseado na representação política dentro de uma estrutura federalista de Estado que se diferenciava das monarquias européias.
A consolidação da democracia representativa no ocidente se deu de forma bem gradativa, desde as conquistas das políticas liberais até a aquisição do sufrágio universal. Nesse contexto é valido ressaltar a problemática e a discussão acerca da representação política, pois no que concerne ao Brasil, a problematização esta pautada num reflexo de confrontos entre ideais liberais, democráticos e participativos. Nesse sentido, a crítica a essa indagação esta assentada na seguinte ideia:

Do lado pró- representação há nítida distinção, que vão do liberalismo clássico da exclusividade da representação parlamentar às teses sobre extensão da cidadania e radicalidade da soberania popular. Do lado anti-representação, o espectro de posições abrange desde o autoritarismo do Estado forte centralizador, com a encarnação da representação da nação do chefe carismático, ate o elitismo da ?democracia da gravata lavada?.( BONAVIDES, Paulo, 1991, p.26)

É relevante aqui explicitar como se deu e quais os obstáculos da consolidação da democracia no Brasil.
Dessa forma, adverte-se que a problemática de tal representatividade em nosso país, permanece efetivamente numa representação disfarçada, na qual há um significativo distanciamento entre representantes e representados e que isso é explicito, quando "o partido não é mais um representante do povo, ele é um substituto do povo, e aquilo que se propunha como democracia degenerou em partidocracia." (DALLARI, Dalmo de Abreu, 1985 apud RIBEIRO, Hélcio). Portanto, nessa perspectiva a soberania popular não existe senão como um engodo.
Há nesse sentido, diversas concepções e alternativas para se entender o porquê desse distanciamento entre os governantes e o povo soberano, no qual pode ser entendido através do artificialismo das leis e do ponto de vista de tutela do poder e por outro lado pode ser compreendido a visão de que o povo da nação brasileira acredita na política somente em uma forma de "salvação", no qual são os próprios representantes que detêm o poder de interesse.

2.1 Democracia semidireta

Diante dos contextos explicitados é que surge a democracia semidireta ou participativa, que vem a emergir nos tempos modernos. Esta tem por finalidade integrar os institutos de participação direta à democracia representativa, e tem seu exercício consolidado a partir do processo de elaboração legislativa. Acredita-se que a vontade representativa seja a vontade popular, como adverte Paulo Bonavides (2002, p.275) "o poder é do povo, mas o governo é dos representantes, em nome do povo: eis aí toda a verdade e essência da democracia representativa". No contexto da democracia semidireta a população exerce sua cidadania não apenas nas eleições, mas também no campo do legislativo, apresentando de forma direta propostas de lei que atendam suas necessidades, sendo, assim, contribuinte político e jurídico. Diante disso, mecanismos institucionais foram fundados no intuito de equilibrar a balança entre a democracia direta dos antigos e a democracia representativa dos modernos. Para tanto, a Constituição brasileira logo em seu primeiro artigo, afirma ser o povo titular de todo o poder que o exerce meio de representantes ou de forma direta. No que tange a forma direta, estão previstos constitucionalmente três instrumentos: o plebiscito, referendo e a iniciativa popular. Existem ainda outros meios de participação popular direta, mas que, no entanto, não foram adotados pela nossa constituição como o direito de revogação e o veto.
Conforme a consolidação da democracia semidireta, há nesse sentido inúmeras indagações acerca da real efetividade da "nova" vertente da democracia no sentido estrito. Em que tais questionamentos estão pautados na dúvida sobre a capacidade ou interesse dos cidadãos para participar em propostas de leis, atos normativos/ administrativos ou questões políticas de cunho nacional. Para boa parte dos contrários a participação popular acreditam que a massa populacional é composta por pessoas ignorantes, manipuláveis, imaturas, apáticas, sendo um risco tal contingente populacional eleger representantes ou aprovar leis, porém com a solidificação da democracia representativa.

A alienação política da vontade popular faz-se parcialmente. A soberania esta com o povo, e o governo, mediante o qual essa soberania se comunica ou exercer, pertence por igual ao elemento popular nas matérias mais importantes da vida política (BONAVIDES, Paulo, 2002, p.275)


Destarte, é valido agora mencionar os institutos da democracia semidireta e salientar que estes não foram pensados somente nos tempos modernos, pois essa concepção de "ingerência direta do povo na obra legislativa", foi preconizada desde séculos passados. Já dizia Rousseau que o povo não tinha representantes e sim comissários, no qual tais representantes nada poderiam concluir de maneira definitiva. Nesse ponto, torna-se necessário tratar dos institutos que permitem ao cidadão o exercício concreto no processo legislativo dando destaque a três deles: iniciativa popular, referendo e plebiscito.
Resumidamente, o plebiscito é uma consulta à opinião pública para decidir uma questão política ou institucional, podendo esta ser de caráter normativo, ou não. A consulta realizada antecede à sua formulação legislativa, autorizando ou não a realização da medida em questão. O referendo, por sua vez consiste em uma consulta à opinião pública para a aprovação de normas legais ou constitucionais relacionadas a um interesse público. Ao contrário do que acontece no plebiscito, a consulta é feita após a aprovação do projeto normativo, ratificando ou não o ato legislativo/ administrativo. Nesse sentido pode-se dizer que a distinção primordial entre ambos o mecanismos está pautada em duas naturezas: quanto a questão em causa e quanto ao momento de convocação.
Por meio iniciativa popular é possível que cidadãos comuns participem diretamente do processo legislativo, a partir de elaboração de leis que serão apreciadas pelo poder legislativo, desde que os requisitos necessários sejam atendidos. Estes requisitos, no entanto, representam grandes barreiras para o exercício desse instituto. No sistema federalista brasileiro, há a previsão desse mecanismo nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios.
Visto isso, podemos dizer que tais mecanismos de participação ativa dos cidadãos no processo legislativo, são compreendidos como "corretivo necessário à representação política tradicional- indispensável, porém insuficientes" (BENEVIDES, 1994, p.10). Ainda nessa perspectiva, os tipos de democracia semidireta são um "aperfeiçoamento dos direitos políticos dos cidadãos, que já participa do processo eleitoral para o Executivo e o Legislativo". (BENEVIDES, 1994, p.10)
Portanto, a existência, ou melhor, a consolidação e efetivação dos institutos da democracia representativa são primordiais para participação popular ter interesse que lhe dizem respeito e, sobretudo, lhes mantenham informado sobre acontecimentos de cunho nacional. E isso faz pensar que os mecanismos de participação direta ampliam a possibilidade de cada cidadão discutir temas de cunho político e de interesse público fornecendo assim a educação política aos cidadãos, contrariando dessa forma o pensamento de muitos ao acreditarem que tais questões são complexas para serem discernidas pela massa populacional.

3 A cidadania ativa por meio da iniciativa popular


É importante frisar que o conceito de cidadania fora discutido desde muito tempo. Rousseau no Contrato Social atribui a cidadania aos cidadãos merecedores, isto é, aqueles que detinham de uma virtude cívica para o exercício ativo dos serviços da coisa publica. Contudo, conforme a explanação de Maria Victoria Benevides (1991), em nosso país tal termo é frequentemente visto por uma ótica de ambigüidade, no qual há vertentes que a analisam de forma distinta, os eixos de "esquerda" consideram a cidadania unicamente um disfarce de democracia, pois descriminam todos os cidadãos, independente de qualquer classe social e dessa maneira apenas evidencia a desigualdade. O eixo de "direita", por sua vez analisa a cidadania como uma implicação de igualdade, no qual reconhece a desigualdade como sendo legítima e analisa os cidadãos de classe inferior como uma categoria social perigosa.
Na discussão sobre a questão de cidadania é relevante advertir que tal abordagem é discutida frequentemente dentro ou fora de instituições acadêmicas, e nessa seara também é discutido a "ausência" dessa cidadania no Brasil. Sendo válido falar da proposta de uma "nova cidadania", na qual expressa hoje vontade e anseios de uma parte significativa da sociedade.
Assim sendo, essa nova cidadania deriva, segundo Evelina Dagnino (1994), de movimentos sociais. Estes lutam por direitos dando ênfase a construção da democracia e além disso instituem uma estratégia de edificação democrática visando assim uma transformação social.
Nesse sentido tal compreensão da nova cidadania, nos remete a noção de uma redefinição de direitos, no qual enfatiza a concepção de um direito a ter direitos, corroborando ainda a ideia da não vinculação com classes dominantes e com o Estado. Ela requer a constituição de novos sujeitos sociais ativos, que lutem pelos seus direitos e pelo seu reconhecimento. Como afirma Evelina Dagnino (1994, p.108) "ela é uma estratégia dos não-cidadãos, dos excluídos, uma cidadania ? de baixo para cima?".
Contudo, o Estado Social exige participação efetiva por parte dos cidadãos, isto é, o exercício da cidadania ativa, e essa atividade deve ser praticada principalmente no Brasil, onde seu regime representativo é descaracterizado e deve a população se opor contra inúmeras corrupções e também na ausência de autoridades de lei sob os representantes (governantes).
Nessa seara, observa-se que a cidadania "inativa" (eleição dos governantes) tornou-se insuficiente e que nos tempos atuais revela carência, também no campo da vontade popular. O regime representativo, ao invés de ser um meio, transformou-se em um fim, sendo imprescindível a ordem jurídica adotar organismos para que a sociedade civil possa cominar sua real vontade. Isso é possível através da democracia participativa, ou semi-direta, que remete ao contingente populacional a exigência por meios legítimos a revogação ou revisão de leis consideradas injustas pelas classes populares.
Nesse contexto surge o instituto da iniciativa popular, no exercício da cidadania ativa devendo este ser praticado pelos sujeitos coletivos que almejam pelo reconhecimento e garantia dos direitos. Essa prática deve se dar através de um "diálogo" entre sociedade e o Estado, pois tal conversa acontece devido a crise da democracia representativa,em que os instrumentos legais elaborados pelo Estado não são satisfatórios à sociedade e esta vem por meio dos mecanismos de participação direta constitucionalmente garantido reivindicar ou transformar leis que sejam verdadeiramente compatíveis com seus anseios e necessidades.

4 Levantamento de projetos por iniciativa popular que viraram lei no Brasil


Exposto isso, passaremos ao levantamento de propostas por iniciativa popular que viraram lei no Brasil.
Desde 1988 a Constituição Federal trouxe em seu texto mecanismos de exercício da democracia direta, permitindo que o cidadão possa participar diretamente do processo legislativo por meio da iniciativa popular. O dispositivo, no entanto só foi regulado em 1998 com a Lei nº 9.709 de autoria do ex-deputado federal Almino Afonso.
Embora se tenha dado aos brasileiros o direito de propor leis que atendam os anseios e necessidades da população, o rigor das regras para que a população apresente projetos ao Poder Legislativo é apenas um dos entraves que dificultam o exercício e efetivação desse direito. Estes obstáculos burocráticos explicam a pouca participação popular, em mais de duas décadas da promulgação da "Constituição Cidadã" apenas quatro projetos de lei oriundos de iniciativa popular viraram norma no Brasil.
A primeira lei por iniciativa popular aprovada pelo congresso foi a Lei nº 8.930/94. Essa lei deu nova redação ao art. 1o da Lei no 8.072, a lei de Crimes Hediondos. A partir dela incluiu-se no rol dos crimes hediondos o assassinato praticado por motivo torpe ou fútil, ou cometido com crueldade.
Outro projeto de lei dessa natureza, o segundo aprovado, combate a corrupção eleitoral e virou lei em 1999, a Lei 9.840 de iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) buscava coibir a compra de votos e impedir o uso da maquina administrativa.
O terceiro projeto por iniciativa popular a virar lei, foi o que passou mais tempo em tramitação. A proposta data de janeiro de 1992, contudo só foi sancionada em 2005. A Lei nº 11.124 foi responsável pela criação do Fundo Nacional de Habitação.
Por fim, a Lei Complementar 135, aprovada em 2010, que ficou conhecida como a Lei Ficha Limpa. A partir dessa lei, os políticos condenados criminalmente por órgão colegiado ficam impedidos de se candidatar a cargo político e o período de inelegibilidade dos candidatos, após o cumprimento da pena, que anteriormente era de três, passa a ser de oito anos.
Atualmente estão em tramitação dois projetos de lei, o PL 6928/02 da deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e o PL 7003/10, do deputado Dr. Rosinha (PT-PR), que visam minimizar os entraves burocráticos possibilitando a maior efetividade desse tipo de iniciativa.

Considerações Finais

Diante do que fora delineado ao longo deste trabalho, podemos perceber que, embora o Estado brasileiro apresente características, principalmente no contexto das heterogeneidades, que apontam a forma federativa como a melhor forma de organização para o nosso país, há que se vencer muitas barreiras para a consolidação efetiva do Federalismo no Brasil. As heranças históricas negativas coloniais e as oscilações entre governos democráticos e autoritários que contribuíram para um formação cultural patrimonialista onde frequentemente há a predominância dos interesses particulares sobre o interesse coletivo e público, os acordos políticos, o domínio de oligarquias em algumas regiões e as desigualdade econômicas entre os entes federados fomentam um processo centralizador.
As marcas negativas estão impregnadas na cultura brasileira, sobretudo na formação, ou melhor, na não formação de cidadãos conscientes de seus deveres e direitos cívicos. As desigualdades sociais e os limites colocados pela cultura são empecilhos para o incremento da participação popular.
No Brasil é necessário uma transformação social e a reconstrução do conceito de cidadania, pois cidadania representa bem mais que a simples participação no processo eleitoral, o cidadão ativo é aquele que intervém diretamente nas atividades estatais e se mobiliza não só para a efetivação de seus direitos, mas para a consolidação de novos direitos a fim de promover uma justiça social. Para tanto, se faz necessário promover a formação de uma cultura democrática mais participativa
Conforme exposto neste trabalho, no Brasil a legitimidade de desencadear um processo legislativo não se restringe aos ocupantes de cargo no poder legislativo, sendo conferida, ainda, ao cidadão a possibilidade de participação por meio da iniciativa popular. Embora seja este um meio de difícil aplicação prática, é imprescindível que não se permita que essas dificuldades tornem ineficaz esse dispositivo constitucional de manifestação da vontade popular. Pois diante da crise da democracia representativa e estando a democracia participativa intimamente ligada a própria noção de Estado Democrático de Direito que tem seus alicerces no equilíbrio entre a legalidade e a legitimidade (SILVA, 2009, p. 26), é indispensável para a consolidação do regime democrático a criação meios para efetivação desse instituto, que representa uma das principais formas de exercício direto da soberania popular, mas que, na prática, não tem tido aplicação significativa.

REFERÊNCIAS
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