É dado saber que este artigo sintetiza as ideis de Haroche em sua obra " Fazer dizer, querer dizer e que para uma melhor apreciação faz-se importante a leitura da obra na integra:

Fazer Dizer, Querer Dizer de Claudine Haroche

Thiago B. Soares

Claundine Haroche apresenta uma revisção espistemologica da análise de discurso de lingua francesa, produzindo uma verdadeira arte de sua tese de doutoramento, que cabe ressaltar foi orientada por Michel Pechêux.
De início, em Da Ambigüidade Lingüística a Uma Desambigüização Extralingüística o autor inicia por retomar a dicotomia saussureniana signo/significado, levando-a a uma categoria de ambigüidade. Parafraseando o autor, usar para querer saber os problemas da significação, como o do sentido, é querer saber mais sobre os sistemas e arranjos de uma língua (pág. 34)
Não deixando de lado a questão das significações Haroche passa ao extralingüístico como atuante e influenciador do discurso, usando uma citação de Ducrot e Todorov (ver ) para corroborar esta idéia:

"Duas direções de gravitação: uma, em que a linguagem é ?de situação?, isto é, conta com elementos extralingüísticos de complemento (linguagem prática); a outra, em que a linguagem visa constituir um todo tão fechado quanto possível, com tendência a se fazer completa e precisa, a usar palavras-termos e frases-julgamentos".

Tal pensamento apresenta o modo que o discurso não é fechado em si mesmo de forma a depender dos fatores extralingüísticos para que possa haver sentido efetivo.
À frente Haroche explana sobre os fatos ambíguos da língua que segundo ele estão fundamentalmente ligados a posição implícita que é tida como: 1) um problema fechado na língua (lingüístico); 2) um problema mais aberto, ou seja, entre o lingüístico e o extralingüístico; 3) aqui é ainda mais abrangente, porquanto é de ordem maior o extralingüístico do que o lingüístico (pág. 38). A respeito de cada um é discorrida uma explanação. Até o item 2 o problema estava na língua já o três dá foco ao sujeito falante.

"A gramática de qualquer língua dada se remete /.../ a um conjunto de distinções necessárias, conjunto que tem um valor prático: o de estruturar e de facilitar o pensamento, a comunicação e a compreensão". (m.Black,op. Cit. 1969, p. 63 [ Haroche p.43])

O autor deixa claro que os dois domínios que fazem uso, com riqueza, são a poesia e o humor. Tanto um como o outra costuma trabalhar e se fazer nas ambigüidades.
Por conseguinte Haroche relembra o percurso do sujeito falante, que vem do religioso (era medieval), sujeito-de-direito (era moderna) e suas inserções no discurso de cada um. O caráter de cada sujeito (que como L. Althusser[ em nota de rodapé pág. 51] entende o sujeito como ambivalência, pelo fato de haver uma subjetividade livre e um ser que deve ser assujeitado a uma autoridade superior, assim o sujeito tem liberdade para ser assujeitado de uma forma sendo levado a crer que possui liberdade. " No fundo, toda restrição é um indicio de uma ?atitude mental? da parte daquele que fala ou escreve: ela emana de uma preocupação de objetividade e de probidade"( . Dessaintes, La construction par insertion incidente, ed. d?Artey,Paris, 1960, p. 34. [Haroche p. 50])

Cap.2, Elementos para uma análise diacrônica do modo de formação e de funcionamento da noção de determinação da noção de determinação na Gramática

Haroche introduz este capítulo com a observação de que a gramática não possui mecanismos adequadamente suficientes para dar conta da ambigüidade. Para que possa ser analisada a forma em que o princípio de não contradição possui tanta importância, a autora faz um transpasse no tempo, chegando à idade media. Tempo subsidiado pela religiosidade e dogmas vistos como verdade unívoca.
A crise da "Dupla Verdade", no século XIII, inicia por abalar as estruturas socioreligiosas. O problema da fé versus razão tem maior força, a divinização de tudo ou a racionalização.
"O princípio da não contradição é constitutivo das relações entre sujeitos e saber na ordem religiosa, sob uma forma específica: a de uma subordinação completa do sujeito ao texto e ao dogma" (Haroche p.57), isto é, limitar a o sujeito de forma a deixá-lo incapaz de ação (intelectual). Como é claro que a Pedagogia Religiosa impõe ao sujeito seus preceitos e deixando este totalmente submetido à ideologia cristã e práticas rituais (e não discursivas), ela acaba por reconhecer nele um (passivo) sujeito religioso.
À frente Haroche mostra que os processos de jurídico sobre o religioso vão-se traduzir, fundamentalmente, sob a forma de um problema de língua. "Villers-Cotteret (1539) exprime, de forma indireta e tácita, idéia de que a ambigüidade, propriedade do Discurso Divino, se torna sub-repticiamente propriedade específica do discurso jurídico", o último como derivado do primeiro, ou usando-o suplemento embasador.
Como a história comprova houve uma apreciação pela língua nobre, ou da corte, que representava para o vulgo uma língua hermética, quase fora de seu alcance, no entanto o poder eclesiástico não permitia que se vulgariza-se. Então a língua do direito e a litúrgica devem ser herméticas, de forma a assujeitar a massa a bem querer destes poderes.
A autora remonta os processos pedagógicos de destituição da ambigüidade nos séculos XII e XIII. Primeiramente a instituição religiosa usava a pedagogia da leitura de textos, estes por sua vez tinha que ser unívocos, tendo em conta o caráter o mais frequentemente sagrado do texto. Haroche coloca a graça de Abelardo (ver) que deu importância tanto à leitura, questionamento e, em seguida, à disputa, que se pode entender a entendimento da possível verdade, ou seja, a disputa do certo por via da interpretação.
"O sujeito se torna leitor, e, como preço a pagar ao privilégio desta leitura, ele, investido de sua ignorância necessária, é o lugar, então insignificante, de formulação de questões, o lugar de resolução das contradições encontradas no texto." (Haroche. p. 73) Neste ponto fica claro o papel (paciente) do sujeito, quanto dominado pela obscuridade dos dogmas, de forma a não ter saída do sistema cíclico repressor naquela época.
Os sistemas de leituras vão dar início aos de questionamento que por sua vez darão ao sistema de disputa. O primeiro não dando margem a intervenção do leitor, isto é, um processo de repetição automática, o que já não vai ocorrer com o questionamento, porquanto este permite indagações, ainda que de forma restrita (visto que só é possível questionar sobre algo que se tenha o mínimo de conhecimento, entrando também o conhecimento lingüístico, que estruturava a maioria das vias de comunhão [posto o texto como meio de comunicação mais básico] das instituições religiosas). No entanto o exercício de disputatio era uma das três funções dos mestres em teologia nas faculdades, logo pode-se perceber que é acontecimento ainda muito fechado.
Haroche desponta sobre muitos dos aspectos que deram forma ao questionamento e suas possíveis origens e comenta que:

"Se todos concordam quanto ao fato de que a contradição desempenha um papel indiscutivelmente fecundo na gênese e na elaboração da pergunta, parece, entretanto indispensável que nenhuma contradição persista na resposta que a autoridade dá" (Haroche. p. 75).

Tece a respeito da compreensão o seguinte comentário: "Os sujeitos que compreendem cada uma a seu modo, logo, diferentemente, compreendem mal". Ficando claro que a poder sempre era detido por uma elite social/religiosa, que possuía artifícios para interpretar a sua maneira, de forma a manipular a massa.
A autora chega ao tocante do nascimento do sujeito-de-direito, abordando a questão da liberdade e assujeitamento das massas. No caso de termos que tem seu sentido ampliado como texto, que no século XII, significa "livro do evangelho" e passa, no século XIII, a ter um caráter menos hermético. Também da criação de vocábulos não existentes como é o caso da palavra interprete, que parece datar do século XIV.
Essa "determinação religiosa" vai passando por um processo de mudança, gradativo, que dará lugar à idéia de "determinação institucional pedagógica". Esta última vai em seguida se apagar, diante as idéias de "determinação individual", que corresponderam ao sujeito político-júridico e lingüístico, com a aproximação da Revolução Francesa, copiando Haroche.
Tem-se, na França, a revolução lingüística que com o enfraquecimento da ordem religiosa e os avanços do Direito, irá possibilitar ao sujeito, neste ponto jurídico, "livremente determinador", acesso ao saber (não considerando os leigos, ou seja, em um sentido genérico). A França faz uso de sua língua em todos o seus documentos ( Édito Villers-Cotterets) oficias, deixando o Latim de lado.
"(O problema da ambigüidade (que suscita a relação do sujeito com o conhecimento) coloca-se de nodo no século XVI, sob a forma geral de um problema de língua (de uma escolha de língua) e da elaboração de mecanismos) lingüísticos (Haroche. p. 85)
Como o decreto impõe um língua, juntamente com ela vem a ideologia, "na realidade, o édito repete o princípio do assujeitamento deslocando-o entretanto da ordem religiosa para a jurídica" (Haroche. p. 86)
Haroche cita o discurso de Belot (ver):

"O principal argumento de Belot [escreve Brunot] referes-se ao fato de ser de primeira importância manter as ciências escondidas. O conhecimento que se dá as povos teve como conseqüência, religião, a heresia, na filosofia, a sofística, na política, a insubmissão e a decadência" ( Haroche p. 89).

À frente a autora relata o embate das concepções jesuítas e jansenistas, que divergem fundamentalmente frente às relações entre sujeito, religião e saber, e, por conseguinte, em matéria de língua. "Duas tendências, aparentemente contraditórias, aparecem nos jansenistas: a primeira, em que o discurso deve permanecer parcialmente obscuro, e ser, assim, apenas o reflexo imperfeito da onisciência divina (...)". (Haroche. p. 93)
No entanto o discurso ainda é interditado, isto é, fechado em si mesmo, sem ter contato com a realidade exterior e é Vaugelas, como tece Haroche, que elabora de fato uma verdadeira teoria de desambigüização interna da língua. Ele vai evitar o uso do contexto (como fato de desambigüização) no processo de compreensão. Como para os jesuítas acreditavam que a língua era a "roupa do pensamento", para os jansenistas, ou contrário, a língua é o viés pelo qual se exprime em uma relativa indeterminação a imperfeição da idéia. Duas irão concepções surgir assim com o problema da ambigüidade e da desambigüização, parafraseando Haroche. A primeira (a de Bouhours) a colocar que o discurso é um justo reflexo do pensamento. Ele pressupõe que há uma estabilidade entre os signos e que estes estão relacionados (combinados), de certa forma autônoma, intrinsecamente com seus significantes. A segunda, a de Port Royal, coloca a dependência do discurso em relação com fatores externos como o contexto de produção, situação e o sujeito produtor.
A escritora deixa dizer que os jesuítas por suas análises irão trabalhar com a idéia de um assujeitamento do indivíduo, por meio de um discurso mais límpido, fato que irá contribuir para dar a ilusão do sujeito ser a origem de suas próprias palavras.
De agora até o fim do capítulo Haroche vai cuidar da determinação na língua clássica no século XVII. Toda essa breve passagem do sujeito na história serve de sustento para à introdução dos trabalhos gramáticas desenvolvidos, principalmente, no século XVII, que logo terão repercussões em vários trabalhos nos séculos posteriores.
A autora deixa claro que a grande preocupação no século XVII era a determinação de mecanismos estilísticos, lexicais, sintáticos e, mais amplamente gramaticais. Não se percebe que houve uma preocupação com a liberdade de sujeito, porquanto o mesmo era ainda preso aos átrios do estado (aqui no sentido de produtor/dominador, não somente das possíveis estruturas e mecanismos lingüísticos). Vaugelas (ver) propõe uma determinação do indeterminado, fazendo uso da sintaxe para tal. Também anuncia igualmente o princípio segundo o qual, parafraseando Haroche, o antecedente deve, sempre, preceder imediatamente o relativo. Passa, nesse século, como diz Haroche, haver uma grande preocupação com o arranjo das palavras para que aja uma única compreensão, o que comprova bem isso é: "O objetivo desse século é o de poder tomar qualquer palavra ao pé da letra (...)" diz a escritora (p. 102)
Em um ponto a seguir autora marca a presença da ideologia do estado: "A ideologia dos gramáticos se revela assim fortemente marcada pela ideologia jurídica de centralização administrativa, ligada à constituição do aparelho do estado" (p. 103). A elitização continua por este viés da língua. A ponte de gramáticos restringirem o uso de marcas lingüísticas como a elipse com a justificativa da desambigüização da língua.
Para Haroche Arnaul e Lancelot, em trechos sitos na obra, querem dizer que "o sujeito que determina o nome quando este não pode ser conhecido por mecanismos da língua, e é a falta de conhecimento do sujeito que faz com que o nome seja indeterminado". (Haroche. p. 107). Haroche explicita que o formalismo (sintaxe) torna-se indissociável do pensamento. "A linguagem e o pensamento estão, a partir de então, congundidos na sintaxe, onde, outrora eles estavam claramente dissociados (Haroche. p. 109).
Por findar este capitulo Haroche repara que o século XVII apesar de ser visto como século da liberdade (visto a Revolução Francesa) as palavras estavam desligadas de todo o contexto e assim presas a determinações. Findando com concluir que o projeto desenvolvido, no séc. XVII, era o da determinação do léxico, das formas.


Cap.3, A Elipse e a Incisa na Gramática (Da Determinação à Indeterminação na Gramática)

Neste capítulo Haroche faz a distinção histórica (gramática) da elipse e da incisa, apoiando-se em vários teóricos correlatos a área da linguagem. Tanto uma como a outra formam rupturas (na linearidade) do discurso, podendo assim acasionar possibilidades de ambigüidades. A gramática, segundo a autora, se esforça para reafirmar o caráter linear do discurso e da frase, delimitando silenciosamente o funcionamento global pela elipse, concedida como falta necessária e a incisa como um acréscimo contingente.
Para Haroche a gramática deve pois dar conta dos arranjos entre os termos: é exclusivamente nesse ótica que ela pode se propor a analisar frases ambíguas(p. 118). Em seguida a autora deixa claro que a gramática não poderia em nenhum caso ter por objetivo dar conta da significação das frases ambíguas por seu caráter incompleto.
Entre os vários teóricos da linguagem que tratam da elipse Haroche retoma Saussure quando diz: "a elipse é um excedente de valor".
A elipse, em análises de lingüística funcional, explica-se por uma necessidade fundamental de economia: "A necessidade de economia [sublinha assim H. Frei] exige que a fala seja rápida, que ela se desenvolva e seja compreendida no mínimo de temp. Daí as abreviações, os atalhos, os subentendidos, as elipses..." (Haroche. p. 122).
A atora parte para as concepções de Jespersen (ver). Este divide a elipse em duas: diacrônicas, caso de elemento suplantado (desaparecido) em alguma época posterior; sincrônica, elementos que do ponto de vista lógico (ou gramatical) falta, deixando assim a frase incompleta ou subentendida. Jespersen também acredita que a elipse ajuda na concisão do discurso que do contrário seria excessivamente prolixo.

"As frases em que analisamos um elemento implícito seriam muito pouco naturais se quiséssemos reintroduzir a palavra correspondente. De modo, seria enfraquecer o enunciado fazer figurar nele, explicitamente, tudo o que o interlocutor pode perfeitamente compreender, sem tais explicitações" (Haroche. p. 123)

Haroche se apóia em Bally (ver) que diz haver uma "elipse de situação", ou seja, ausência de signo que pode ser claramente apreendido pela situação (contexto de produção). A autora apresenta Robert Godel (ver) que crítica Bally, dizendo que há sempre uma equivalência exata do signo latente com o signo explicito.
Passa a frente com R. Lê Bidois que cita alguns exemplos de elipse que segundo os interlocutores, podem ser consideradas seja como evidentes, seja como totalmente ininteligíveis. Pelo exemplo usado pode-se entender que fatos de comunicação elegem seus usuários restringindo seu linguajar, sendo assim um garçom pode pedir no balcão um grande para três e ser entendido. Este teórico indica o laço estreito da elipse com a subjetividade.
Saussure é novamente ponto de apoio para Haroche que o cita: "Se raciocinarmos em geral, veremos que ?nada é elipse? sendo os signos sempre adequados ao que exprimem. Reciprocamente, nenhuma palavra tem sentido sem elipse". Para Haroche ele chega ao ponto crucial que é o do pressuposto teórico que fundamenta a elipse. "Elipse: essa palavra parecer supor [diz Saussure] que se sabe a priori de quantos termos ?deveria? se compor a frase" (Haroceh. P. 127).
A elipse deixa entrever a relação dos signos uns com os outros, pelo valor.

"O signo zero [dito por Saussure] é posto como lugar dos limites de funcionamento do sistema sintático. A elipse, convenção significante, aparece como lugar de uma relação entre pensamente, formalismo e representação" (Haroche. p. 128).

Se for ultrapassado este limite chgar-se-á ao pensamento puro. À frente a autora passa do pólo oposto à elipse, o da incisa.
Escreve a autora que sobre a completude foi-se e continua sendo um embate, entrando de forma sucinta em algumas questões sobre a completude, apoiando-se em teóricos da linguagem como se pode ver a seguir.
Toda gramática, diz Haroche, oscila entra noção de todo, de proposição "completa", acrescenta também que qualquer tipo de especificação "completa" é de um certo modo um pleonasmo. Todo um trabalho de determinação, uma preocupação de desambigüização geral, prepara, no século XVII, o nascimento, por volta de 1750, da noção de complemento. Pensadores da época acreditavam que uma palavra se juntava a outra para determinar sua significação.
Otto Jespersen (gramático funcionalista) vê na completude uma propriedade da frase, diz Haroche. "Ele define a completude pela independência (distinguindo-a de integridade sintática) ligando-a à noção de nexo. Coloca também que a completude não pode ser definida por critérios de forma, mas por critérios práticos e empíricos". Para a autora Jespersen parece indicar que se a junção é necessariamente incompleta, é que ela não se compõe de uma idéia,de uma unidade,e que uma unidade por si só não pode fazer sentido, não pode ser compreendida sem ser colocada em relação com uma outra idéia e daí se tornar um "nexo".
Exemplo como "the dog barks" é, segundo Jespersen, "unidade de significação, frases completas", "nexos", enquanto que "the barking dog" é apenas junção. Segue a postulação, Haroche, de que há uma completude interna e outra externa, ou seja, uma da sintaxe, e outra ligada à comunicação do sujeito.
Para Saussure, por Haroche, é o valor que constitui a expressão geral do mecanismo da língua, do mecanismo da delimitação, e reconhece que esta delimitação encontraria sua fonte última na significação, na significação, no sentido, e, portanto, no sujeito. "O valor é, de fato, um elemento de sentido, mas é preciso tomar p sentido, de início, como um valor" (Haroche. p. 145). "Assim Saussure se esforçou para substituir o papel do sujeito, do contexto ou da história pelos signos uns em relação aos outros" (Haroche. p. 145).
Há um pouco à frente a terminação e suas "facetas teóricas" as quais se seguiram. Para a escritora a determinação corresponde à tentativa de formulação, na sintaxe, de uma teoria da complementação que não se limita, partir de então, só às marcas morfológicas. Duas concepções de determinação (segundo Gramática de Port Royal, por Haroche) que se resumem uma determinativa e uma apositiva. Determinativa contribuiria para o funcionamento, daquilo de que se trata no enunciado e que é relativamente indeterminado no exterior do discurso. No caso da apositiva o discurso não faria nada senão refletir o que já está identificado e determinado em outro lugar.
Antes de findar este capítulo, a autora cita P.Henry (ver) pelo "propósito do funcionamento da determinação, que o sujeito é situado em seu discurso, que ele é atravessado por seu discurso, mas que ele não é fonte, que o sujeito tomado em um sistema de evidencias construídas fora do discurso, que apenas as reflete, como na relação interseqüências que caracteriza a apositiva" (Haroche. p. 151).
Por fim para Haroche o formalismo não estando apto a dar conta das relações de sentido, é a elipse que faz o sentido, que marca a relação de sentido, isto é, deixa campo para a subjetividade e apara o imaginário.


Cap 4, Análise Crítica dos Fundamentos da Forma Sujeito ( De Direito)

A autora começa este capítulo com uma indagação: de que sujeito se trata as várias ciências humanas. Logo adiante recorre à etimologia a qual demonstra que a palavra sujeito passou por várias transformações, a exemplo disso, no século XII, essa palavra significou submetida à autoridade soberana e até que, no século XVI, passou a significar pessoa que é motivo de algo.
"O sujeito não é livre, ele é falado, isto é, dependente, dominado. O conteúdo do texto difere, mas qualquer que ele seja, a dependência do sujeito ao texto, sua determinação pelo texto, estão asseguradas" (Haroche. p. 158).
Outra questão é levantada por Haroche, a psicologia parece não se preocupar com a questão do sujeito, pelo contrário parece ignora-la. Em seguida haroche tenta justificar o comportamento da psicologia, dizendo que ela foi definida como "ciência da, dos sentimentos", sendo depois "tornada científica" e, portanto, trabalhando só com a objetividade dos comportamentos.
À frente, tratando da relação sujeito, Haroche diz: "Estabeleceremos assim uma relação entre ser qualquer um [não importa quem] e ser alguém [preciso], uma relação entre ser pessoa e uma pessoa bem definida, que remete à questão da identidade a partir da religião e do direito" (Haroche. p. 161)
Diz de Benveniste (ver), que coloca o sujeito em oposição ou objeto, que é criado pelo sujeito (homem). Prossegue que Benveniste em sua análise afirma que não há sujeito a não ser falante; fundando assim a subjetividade na linguagem, ele toma entretanto o cuidado de especificar a subjetividade à qual ele se refere:

"É na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito, porque só a linguagem funda na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ego. A subjetividade de que tratamos aqui é a capacidade do locutor de se colocar como sujeito" (Haroche. p. 162)

A linguagem, como propõe Benveniste, propõe de alguma maneira, como ele sublinha em várias retomadas, formas vazias de que cada locutor no exercício do discurso se apropria e que refere à sua pessoa, definindo ao mesmo tempo a si mesmo como eu, e a um parceiro como tu.
No discorrer das origens do discernível na língua Haroche lembra a oposição tradicional correto/incorreto de Milner que começa por insistir na idéia que há necessariamente o indizível: "o fato da língua consiste em que na língua há o impossível: impossível de dizer, impossível de não dizer de certa maneira /.../ falar da língua, e de partição, é colocar que não se pode dizer tudo" (Haroche. p. 167). Ele também insta no fato de que a partição entre o correto e o incorreto, o possível e o impossível sem explicam: "o real é concebido como representável ou não /.../ Sustentar que o real da língua é representável é o passo inicial de toda gramática" (Haroche. p. 167)
Milner, segundo a escritora, designa exigências de completude: a da lingüística, que ele reconhece como cientifica, e a da gramática, que ele qualifica de imaginaria. "... A completude da língua está presente em cada um dos sujeitos que a falam" (Milner, segundo Haroche. p. 169)
Adiante Haroche admite que procura apreender a especificidade do sujeito pelo viés das relações que ele mantém com certos mecanismos sintáticos, levando com efeito "faltas" e "falhas" na linearidade, que são a elipse e a incisa.
A tese do discernível levanta, para Haroche, necessariamente a questão das relações entre escritura (simbolismo, formalismo), sujeito e história. Tudo o que é exterior ao sujeito, afirma a autora, encontramos entretanto inevitavelmente no próprio interior da lingüística, sob a forma geral do implícito e da falta, entre outros, sob a forma especifica da elipse e das proposições incompletas.
Haroche cita a força do discurso para na cabala e usa interpretações psicanalíticas como de Lacan, Freud, para demonstrar, ou tentar, a relação do "eu" neste local de memória. Neste plano o "eu", sujeito, aparenta ao mesmo tempo metafórico e literal, muito próximo do próprio fundamento da língua.
Neste ponto Haroche perpassa a "formação do sujeito", mais especificamente o de direito. Para tal faz uso de Althusser (ver) que lembra que "os sujeitos agem sem e sob determinações das formas de existência histórica das relações sócias", explica também o fato de que toda ideologia tem por função constituir indivíduos concretos em sujeitos. Para dizer de outra forma a ideologia e a própria possibilidade de ser sujeito, o que para Althusser, segundo a autora, e uma só e mesma coisa.
"A insistência sobre a categoria do sujeito e sobre a interpelação na ideologia parece, assim, colocar de lado, em Althusser, a questão da determinação, de sua relação com o sujeito, e a da história" (Haroche. p. 178).
Haroche entra em um ponto crítico que é o de controle da subjetividade. Tal controle acaba por ser exercido pelo estado, direta ou indiretamente, através de seus múltiplos órgãos que constantemente nos cercam, nos engendram idéias ufanistas e etc. Por razões econômicas, jurídicas, políticas, até religiosas, métodos de manipulação da subjetividade dão lugar à idéia de acaso e de indeterminação relativa (o que Haroche refere-se sob o termo de "determinação institucional" e depois de "individual").
Adiante a escritora lembra a idéia de matematizar o comportamento social, de controlar as modalidades de decisão e de comportamento do sujeito, que segundo Plon (ver) reaparecem no séc. XIX e XX, na constituição de uma Psicologia econômica. "Tenta-se assim substituir a subordinação do homem ao discurso religioso por uma subordinação menos visível e mais insidiosa, pois insiste precisamente na idéia de um sujeito livre e não determinado quanto a suas decisões" (Haroche. p. 183)
Para tratar de forma mais precisa sobre a matematização do comportamento social Haroche recorre a pensadores ilustres como Wolf (ver), que cria a psicometria, e seus rebatedores. Watson, no séc. XX, que com o behaviorismo a "ciência do comportamento visível", e Pavlov, não deixaram de serem citado pela marginalização de toda subjetividade com sua teoria do condicionamento, que o s trabalhos de Husserl (ver) e a psicologia da forma, tentaram rebater com maneiras diferentes, reabilitando a consciência, sem entretanto abordar realmente a questão do sujeito e a subjetividade.
É adentrado em um problema crítico, o da subjetividade pela falta, que é fundamental na psicanálise, que Haroche usa dos muitos raciocínios disponíveis neste campo do saber para perscrutar a sujeito. Com as idéias de Freud a autora lembra a oposições que o pai da psicanálise obteve de seus estudos, chegando a afastar a problemática da linearidade, assim como a da completude subjacente à falta (que para ele seria aparente), ele coloca, ao contrário, como fundamentais tanto a idéia de falta quanto a de denegação.
Passando ao sujeito do discurso e as suas relações entre o formalismo lógico e direito a autora se apóia em Pêcheux. Ela lembra que Pêcheux procurou dissociar duas questões confundidas: a da determinação e a do sujeito. Longe de encontrar a origem da determinação no sujeito, ao contrário, o estrutura de fora, pelo viés dos processos discursivos responsáveis pelo efeito de sustentação e o efeito de pré-construido.
Através das idéias de Pêcheux a autora afirma que o formalismo que atua na gramática não está, pois jamais ao abrigo da indeterminação.
Frege com o anti-subjetivismo é criticado por achar que a idéia de sujeito é um suporte para as representações. Há a critica deste postulado da neutralidade do formalismo lógico-matemático e jurídico, quanto à sua constituição e seus efeitos no sujeito, aparece assim como uma necessidade liminar para se tentar teorizar a questão da subjetividade.
Para Haroche foi a Psicanálise que recolocou em causa a questão do sujeito. Diz ela que se pode medir toda a extensão dessa recolocação na definição que a Psicanálise dá para o narcisismo: "ela vê, com efeito, a manifestação de uma autonomização patológica do eu" (Haroche. p. 208).
Ao terminar este capítulo a autora diz: "Ao tocar por pouco que seja nas qualidades tradicionalmente imputadas ao sujeito, a da responsabilidade ou da liberdade, levantamos questões de direito, mas somos também inevitavelmente conduzidos a um trabalho sobre os fundamentos da psicologia" (Haroche. p. 211)

Conclusão

Parafraseando Haroche o uso da língua fez parte dos instrumentos de grande importância da religião e depois passou para o poder político, tanto um como outro contribuíram pouco para a formação do sujeito "em si", fato que faz o sujeito ser chamado por uma unidade como "sujeito-de-direito". Estado e o poder episcopal sempre possuíram motivos para assujeitarem as massas, (ainda que cada uma desses poderes seja peculiar em seu assujeitamento de forma a não serem confundidos) não as instruindo sobre essa prática nem mesmo dando suporte para que as pessoas emergissem desse emaranhado de poder. "Encontrar o que o indefinido e o processo de individualização ocultam permitir-nos-ia, talvez, apreender algo dos efeitos do jurídico na subjetividade" (Haroche. p. 224)