É o seguinte. Somos filhos do século XX ... sei que alguns mais arrojados já são do século XXI... mas esses são filhos das famílias que formamos. Então a quantas andam as relações familiares.

Já se tornou lugar comum dizer que é crescente a crise de valores em que vive a nossa sociedade e dentro dela a família está em crise. Mas de onde vem isso? O que significa isso? Isso tem explicação?

Todas essas indagações têm respostas. Uma forma de responder é comparando nossa sociedade, seus valores e estruturação familiar com a do século XIX ou anterior.

Isso que chamamos de crise de valores, na realidade é a fisionomia do mundo que se estabeleceu a partir das transformações implantadas com o chamado Mundo Moderno, a partir do século XX. Mundo esse que alterou as estruturou e algumas bases das relações sociais: alterou as relações familiares e abriu espaço para as influências dos meios de comunicação de massa. Nas relações familiares: a mulher foi incorporada, definitivamente ao mercado de trabalho, antes ela era apenas a senhora do lar e, além disso, os casais estão se separando cada vez mais, o que raríssimamente ocorria e se acontecia era visto como um escândalo; a consequência dessas duas alterações é o aumento do número de filhos vivendo sozinhos, com babás, em creches, nas ruas... do ponto de vista dos meios de comunicação de massa, TV, que não existia ao longo do século XIX, passa, em nosso tempo a ser, cada vez mais, usada como babá das crianças. Não são poucas as residências – e você deve conhecer algumas – em que a TV tem mais voz que os pais e mães.

Veja o que afirma o professor Tedesco em seu livro "O Novo Pacto Educativo (2001, p. 34)

"Nas sociedades menos desenvolvidas, as famílias pobres costumam ser núcleos dos quais a figura paterna está ausente e nos quais as crianças passam, desde idades muito pequenas, períodos prolongados de tempo sem a presença dos pais. Produz-se, portanto, uma diminuição do tempo real que os adultos significativos passam com seus filhos. Esse tempo é agora ocupado por outras instituições (escolas, creches, locais especiais para cuidar de crianças, clubes etc.), ou pela exposição a meios de comunicação, especialmente a televisão. Vale pois a pena recordar que um dos traços mais importantes da socialização pela televisão é, precisamente, que a criança está relativamente só diante das mensagens que recebe, sem a ajuda dos adultos para interpretá-las."

O problema é que a TV não foi criada para isso, nem para ser babá, nem para ser instrutora de crianças. Os meios de comunicação de massa foram criados não para exercer função formativa, mas para atuar diante do indivíduo já formado, com valores sociais, éticos e culturais definidos. Entretanto, por causa de sua crescente ausência, as famílias entregam a esses meios de comunicação a função formativa das crianças. Na página 32, do livro já mencionado, o professor Tedesco, diz o seguinte:

"Vivemos num período no qual as instituições educativas tradicionais — particularmente a família e a escola — estão perdendo capacidade para transmitir com eficácia valores e normas culturais de coesão social. Esse 'déficit de socialização' não foi coberto pelos novos agentes de socialização — os meios de comunicação de massa, em especial, a televisão —, que não foram projetados como entidades encarregadas da formação moral e cultural das pessoas. Ao contrário, seu projeto e sua evolução supõem que essa formação já esteja adquirida e, por isso, a tendência atual dos meios é atribuir aos próprios cidadãos a responsabilidade pela escolha das mensagens que querem receber. O relativo esgotamento da capacidade socializadora da família e da escola e a ausência de regulação da ação socializadora dos meios de comunicação devem ser analisados com atenção".

O que ocorre? Os filhos dos pobres ficam sozinhos porque seus pais estão trabalhando para os ricos; e os filhos dos ricos estão sozinhos porque seus pais estão muito ocupados ganhando dinheiro, para pagar o pobre que trabalha para ele. Nos dois casos a criança não permanece em contato com seus pais; consequentemente esses não lhes transmitem os valores prezados pela família. O filho do pobre vai para a rua, aprender o que esta lhe queira ensinar; o filho do rico permanece com a babá, que o deixa assistindo TV, que transmite coisas destinadas a adultos.

E onde entra a escola nesse emaranhado?

Ocorre que a escola, no século XXI, se mantém com o modelo de vários séculos passados. Tudo se transformou, mas a escola manteve presa ao passado. E o que é pior, não se prendeu aos valores do passado, mas ao formalismo burocrático e inoperante. Por esse motivo a escola, do século XXI é ineficiente: ela mata as iniciativas tanto dos alunos como dos professores. Em nome das formalidades, da burocracia, do legalismo, a instituição ou o sistema escolar mata a criatividade e a liberdade tanto do professor como do aluno. E não sou eu quem está dizendo isso, mas o diretor da Oficina Internacional de Educação da UNESCO, o professor Juan C. Tedesco, no livro que já mencionamos. Na página 36 diz que essa rigidez e fachada clássica, da escola, representam: "puro formalismo, baseado em funcionamentos burocráticos, que debilitam ainda mais a autoridade e a legitimidade da mensagem socializadora da escola". Tudo se dinamiza, mas a escola se engessa.

O que estamos querendo dizer é que as crises ocorrem porque ocorrem mudanças nas relações, mas as estruturas e os comportamentos não acompanham as mudanças. A crise é manifestação da necessidade de atualização das estruturas e nos comportamentos.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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