1. Introdução

  A família contemporânea passa por mudanças em muitas dimensões, especialmente nas relações intergeracionais e de intimidade, caracterizadas pela maior expressão dos afetos e busca de autonomia dos seus membros, a embasar a construção subjetiva individual. Neste capítulo são analisadas as principais repercussões das mudanças na família no contexto das transformações sociais desde a segunda metade do século XX.

   A indicar novo direcionamento dos estudos sobre família em contexto de mudança. A hipótese da mutação antropológica em ato põe em relevância o estudo aprofundado das dimensões relacionais na definição teórica da família, uma vez que, articuladas a processos subjetivos e grupais, devem ser consideradas na formulação de intervenções psicossociais e de políticas públicas.

  O tema família constitui um desafio às investigações das Ciências Humanas.Ao longo dos tempos, tal questão está entre as que mais têm causado polêmica. As diversas posições sociais e políticas fazem referência a ela, existindo quase sempre uma preocupação em tudo o que lhe diz respeito. Para alguns, a família, como instituição, está relacionada ao inevitável conservadorismo.

   Outros a consideram um recurso para a pessoa e para a sociedade, por inserir o indivíduo em processos fundamentais da constituição da identidade. Fica evidente o papel central da família em processos humanos, como a formação dos vínculos afetivos com os pais (filiação), com irmãos (fraternidade), avós e tios, cônjuges, etc., os quais possuem grande repercussão para o desenvolvimento da personalidade.     

   Além disso, as mudanças e transições mais importantes do ciclo de vida.pessoa são processos relativos ao contexto familiar, como é o caso do casamento, da maternidade, da paternidade, do envelhecimento, assim como das experiências do nascimento e da morte.

  A metodologia desenvolvida por este estudo, através da análise dos arranjos familiares de inserção no mercado de trabalho considerando-se o tipo de família, possibilita verificar, no grupo familiar, alguns dos efeitos das alterações das possibilidades de emprego oferecidas pelo mercado de trabalho e das novas características dos desempregados, como decorrência do baixo ritmo de expansão da economia e da mudança do padrão de incorporação da força de trabalho introduzido a partir da reestruturação produtiva e organizacional nos diversos setores de atividade.

  A análise das taxas familiares de participação, ocupação, desemprego e inatividade para o período 1990-94 evidencia que, apesar do aumento da disponibilidade de seus componentes para o mercado de trabalho, indicado pela crescente taxa de participação em todos os tipos de família, não ocorreu expansão da absorção desses contingentes pelo mercado de trabalho (expressa pelas taxas de ocupação estáveis), resultando em mais elevadas taxas de desemprego em 1994.

   Como agravante dessa situação, entre 1997 e 1999 ocorreram aumento da taxa de participação e queda da taxa de ocupação para o total da PIA e para cada um dos tipos de família pesquisados, resultando em taxas de desemprego crescentes, em patamares antes não conhecidos na região.

   Os rearranjos de inserção dos componentes da família no mercado de trabalho diferenciam-se por tipos de família, mas o mais frequente em praticamente todos os tipos é o caso do aumento da participação da mulher-cônjuge e da mulher-chefe entre os ocupados da família e, no caso da família com a presença de filhos na etapa final do ciclo de vida familiar, o aumento da participação do chefe e da cônjuge entre os ocupados, que se dá ao mesmo tempo em que cresce o desemprego dos filhos adultos.

   Os atuais arranjos e rearranjos de inserção dos componentes da família no mercado de trabalho são definidos articuladamente pela dinâmica da economia e das relações.

   No século XX, um conjunto de acontecimentos especialmente relacionados ao processo de urbanização e desenvolvimento das cidades e à entrada das mulheres no mercado de trabalho levou a mudanças econômicas da sociedade que contribuíram não só para o início do processo de autonomia e independência financeira da mulher diante do homem como também acenam para mudanças nos usos, costumes, valores e projetos de família.

   Por conta dessas alterações o modelo de família baseado na complementariedade de papéis com o pai provedor e a mãe dona de casa em período integral começa a sofrer rupturas, sinalizando o início da decadência da versão mais tradicional da família nuclear.

   Dependendo do momento histórico, dos acontecimentos políticos e dos interesses por eles despertados, há uma determinada composição histórica, social e econômica que, de certa forma, determina ou impõe um certo modelo de família.      Assim, não é possível tratar de apenas um modelo de família, mas, sim, de famílias. 

   Observamos, também, que há um fenômeno que é comum no que respeita à formação familiar de nossa época: a importância da criança no âmbito da formação familiar. Apesar das mudanças, ao que parece, a família independentemente da forma como é constituída é ainda o principal elo de transmissão de valores e do sistema social.

 

 

 

 

 

 

2.Desenvolvimento

   Minha análise sobre os arranjos familiares de inserção no mercado de trabalho têm por suposto que a diferenciação interna à família com base nos papeis familiares e nas relações de gênero preside as escolhas individuais e as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho.

   A disponibilidade dos componentes da família para o mercado de trabalho é afetada pelas relações de hierarquia, relações de gênero e atribuições que tecem as relações familiares e que definem as possibilidades de inserção em atividades remuneradas.

   Dessa maneira, não ocorre substituição pura e simples de um componente da família por outro nas atribuições de manutenção do grupo doméstico, porque as possibilidades de inserção, qualificação e remuneração são distintas.As taxas de participação dos membros adultos da família expressam com bastante clareza a divisão sexual do trabalho definida a partir das atribuições dos gêneros que, sob a concepção tradicional da família, estimam o homem ao trabalho e a mulher à família, apesar das novas tendências do mercado de trabalho já apontadas neste texto e das crescentes taxas de participação apresentadas pelas mulheres e, em especial pelas que vivem em famílias nucleadas pelo casal (as cônjuges).

   As limitações que as representações sociais das atribuições femininas impõem à inserção das mulheres-cônjuges e mães em atividades remuneradas ficam evidentes também nas taxas de ocupação mais baixas por elas apresentadas, tanto quando comparadas às de outras mulheres em posições familiares diferentes, tais como filhas adultas e mulheres-chefes de família, bem como quando comparadas às taxas de ocupação de maridos e de filhos adultos.

   Entretanto, acentua-se na década de 90 o crescimento da participação das mulheres casadas em atividades no mercado, ocorrendo, de forma mais intensa em alguns tipos de família, como se verá. Em 1985, a taxa de participação das cônjuges é da ordem de 37%, fica cerca de 39% entre 1986 e 1990; cresce entre 1990 e os anos do final da década, passando de 39,2%, no ano inicial, para 51,6% em 1999 e, 52,2% em 2000 (Montali eLopes, 2003).

   A tendência de redução do peso do chefe entre os ocupados da família e de crescimento da importância dos demais componentes da família já era apontada pelos estudos sobre os anos 80 (Jatobá, 1990). Mas, a partir de 1990 foi possível detectar o estabelecimento de um novo padrão familiar de inserção no mercado de trabalho (Montali, 1998).

   Se no início da crise da década de 80 os chefes família os arranjos e rearranjos de inserção dos componentes da família no mercado de trabalho são definidos articuladamente pela dinâmica da economia e pela dinâmica das relações familiares e das relações de gênero. A composição familiar predominante da etapa do ciclo de vida familiar também influi nos arranjos articulados pelos diferentes tipos de família.

   A análise de um período mais longo possibilitou perceber que alteram-se tanto a composição familiar em alguns tipos de família, como os arranjos de inserção. Os resultados do estudo sugerem que ocorreu um rearranjo entre os diferentes componentes da família fortemente relacionado ao crescente desemprego e às novas características dos desempregados.

  A mobilização dos componentes da família para o mercado de trabalho neste período de elevado desemprego - que se acentua a partir de 1992 até o momento presente - é bastante diferenciada daquela que foi analisada por ocasião do momento recessivo de 1981-1983 (Montali,1995). Sem ignorar as alterações nas características da composição familiar, da pequena redução no seu tamanho e da mais significativa redução na proporção de filhos menores de 10 anos, consideramos nessa interpretação que a mudança do padrão de absorção da força de trabalho vigente na década de 90 em relação aos anos iniciais de 80, tem papel preponderante nas mudanças dos arranjos familiares de inserção no mercado.

   Também não deixando de levar em conta a importante mudança no papel da mulher na sociedade, temos por hipótese que a nova tendência na articulação dos arranjos familiares de inserção no mercado expressa a referida mudança no padrão de absorção da força de trabalho que reduziu postos de trabalho principalmente para ocupações predominantemente masculinas e promovendo crescente desemprego daqueles que eram os principais mantenedores das famílias (chefes masculinos e filhos, bem como filhas maiores que 18 anos).

   Fazem parte desse quadro, a partir de 1992, as dificuldades de absorção dos jovens pelo mercado de trabalho. Frente ao desemprego de parte dos componentes da família e à dificuldade em aumentar o número de pessoas ocupadas das unidades familiares, a mudança mais frequente, verificada em praticamente todos os tipos de família é o aumento da participação da mulher cônjuge e da mulher-chefe de família entre os ocupados, especialmente nos anos 90.

   No caso das famílias na etapa final do ciclo de vida familiar, com a presença de filhos, a mudança se manifesta no aumento da participação do chefe e da cônjuge entre os ocupados, que se dá ao mesmo tempo em que cresce o desemprego dos filhos adultos.

   Os rearranjos familiares de inserção observados a partir de 1991 - diferenciando-se dos arranjos anteriormente encontrados em 1990 e na década de 80 - indicaram o maior partilha mento da responsabilidade da manutenção da família e um deslocamento dessa responsabilidade dos principais mantenedores identificados para cada tipo de família em pesquisa anterior (Montali, 1995), para outros componentes da família.

   A presente análise que abrange todos os anos da década de 90 e que, portanto inclui períodos de recessão e de expansão, confirmou as peculiaridades dos arranjos familiares de inserção articulados sob o novo padrão de incorporação da força de trabalho que se delineou a partir dos processos envolvidos na reestruturação produtiva, desencadeada com maior intensidade a partir do inicio dos anos 90.

   A análise dos arranjos familiares de inserção tendo por referência o tipo de família, possibilitou verificar, sobre o grupo familiar, alguns dos efeitos das alterações das possibilidades de emprego oferecidas pelo mercado de trabalho nos anos 90. A análise das taxas familiares de participação, ocupação, desemprego e inatividade para essa década, evidencia, comparando-se os anos 1994 em relação a 1990. Que apesar do aumento da disponibilidade para o mercado de trabalho de seus componentes indicada pela crescente taxa de participação em todos os tipos de família - com a exceção daquela da chefe feminina sem cônjuge, uma das mais elevadas-, não ocorreu expansão da absorção desses contingentes pelo mercado de trabalho. Nos anos de 1995 e 1996, de recuperação da economia sob a vigência do Plano Real, eleva-se a taxa de ocupação no primeiro ano, com queda no segundo. Este fato, acompanhado de elevação da taxa de participação resultou em aumento da taxa de desemprego semelhante à de 1992. Nos anos do final da década observa-se o agravamento dessa situação na medida em que assiste-se em 1997, 1998 e 1999 ao aumento da taxa de participação e à queda da taxa.

1.Conclusão

   A entrada da mulher no âmbito do trabalho traz repercussões na organização e na estrutura de funcionamento familiar, levando à proposição de novas configurações, arranjos familiares com interferências diretas na relação mãe-filho e na dinâmica familiar.

   Um dos principais desafios para a mulher está em conciliar tempo para tarefas domésticas, acadêmicas, trabalho externo e poder permanecer com os filhos, de forma a ser possível estabelecer um vínculo afetivo harmonioso e consistente.   Nesse sentido, é possível dizer que na vida conjugal os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher tem se confundido cada vez mais e que a configuração familiar tem-se delineado diferentemente da estrutura familiar tradicional assim como a relação mãe-filho também é tocada por essas vicissitudes.

   Hoje podemos ver que inúmeros são os desafios que permeiam a vida familiar contemporânea, são as violências intra e extra familiar, desemprego, pobreza, drogas e tantas outras situações que por si acabam afetando dolorosamente a família e desafiando sua capacidade para resistir e encontrar saídas.

   Se por um lado as conquistas no âmbito do trabalho promoveram uma maior inserção da mulher em diferentes segmentos da sociedade, por outro, essa mesma conquista roubou a possibilidade de controle de seu tempo, sobretudo no que se refere à dedicação aos filhos e ao desempenho da função educativa dentro da família.

   Desta forma, a FAMÍLIA NUCLEAR foi ganhando importância nesse processo de mudança, reforçando a ideologia da igualdade entre as pessoas (direitos para todos). Todavia, percebe-se uma diversidade de arranjos domésticos e familiares para viver em família, os sentimentos familiares existentes reforçam seus laços.

 4. Referencial bibliográfico

   ÁRIAS, A. (1996), Sobre a evolução de situação social na Região Metropolitana de São Paulo na década dos 90 sob a ótica da renda familiar. Brasília: IPEA.

ACOSTA, Ana Rojas e FALLER, Maria Amalia Vitalle – Família: Redes, Laços e Polícias Públicas – 2º ed. - São Paulo: Editora Cortez.

NEDER, Gizlene. Ajustando o foco das lentes: um novo olhar sobre a organização das famílias no Brasil. “Racismo e cidadania no Brasil. Porto Alegre, Antonio Sérgio Fabris Editor, 1994, in NEDER.

MOTTA, A. B. Gênero, família e fases do ciclo de vida. Caderno CRH, n. 29, PP. 13-21, 1998.

MATESCO, Virene R. (1995), "A dinâmica da reestruturação produtiva". Conjuntura Econômica, Fundação Getúlio Vargas, ano 49 (5): 48-51.        

MATTOSO, Jorge e BALTAR, Paulo. (1996), "Transformações estruturais e emprego nos anos 90". Cadernos Cesit, Instituto de Economia da Unicamp, 21.        

MONTALI, Lilia. (1995), Família e trabalho na conjuntura recessiva: crise econômica e mudança na divisão sexual do trabalho. Tese de doutorado, Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo.    

 

 

 

 

 

1. Introdução

  A família contemporânea passa por mudanças em muitas dimensões, especialmente nas relações intergeracionais e de intimidade, caracterizadas pela maior expressão dos afetos e busca de autonomia dos seus membros, a embasar a construção subjetiva individual. Neste capítulo são analisadas as principais repercussões das mudanças na família no contexto das transformações sociais desde a segunda metade do século XX.

   A indicar novo direcionamento dos estudos sobre família em contexto de mudança. A hipótese da mutação antropológica em ato põe em relevância o estudo aprofundado das dimensões relacionais na definição teórica da família, uma vez que, articuladas a processos subjetivos e grupais, devem ser consideradas na formulação de intervenções psicossociais e de políticas públicas.

  O tema família constitui um desafio às investigações das Ciências Humanas.Ao longo dos tempos, tal questão está entre as que mais têm causado polêmica. As diversas posições sociais e políticas fazem referência a ela, existindo quase sempre uma preocupação em tudo o que lhe diz respeito. Para alguns, a família, como instituição, está relacionada ao inevitável conservadorismo.

   Outros a consideram um recurso para a pessoa e para a sociedade, por inserir o indivíduo em processos fundamentais da constituição da identidade. Fica evidente o papel central da família em processos humanos, como a formação dos vínculos afetivos com os pais (filiação), com irmãos (fraternidade), avós e tios, cônjuges, etc., os quais possuem grande repercussão para o desenvolvimento da personalidade.     

   Além disso, as mudanças e transições mais importantes do ciclo de vida.pessoa são processos relativos ao contexto familiar, como é o caso do casamento, da maternidade, da paternidade, do envelhecimento, assim como das experiências do nascimento e da morte.

  A metodologia desenvolvida por este estudo, através da análise dos arranjos familiares de inserção no mercado de trabalho considerando-se o tipo de família, possibilita verificar, no grupo familiar, alguns dos efeitos das alterações das possibilidades de emprego oferecidas pelo mercado de trabalho e das novas características dos desempregados, como decorrência do baixo ritmo de expansão da economia e da mudança do padrão de incorporação da força de trabalho introduzido a partir da reestruturação produtiva e organizacional nos diversos setores de atividade.

  A análise das taxas familiares de participação, ocupação, desemprego e inatividade para o período 1990-94 evidencia que, apesar do aumento da disponibilidade de seus componentes para o mercado de trabalho, indicado pela crescente taxa de participação em todos os tipos de família, não ocorreu expansão da absorção desses contingentes pelo mercado de trabalho (expressa pelas taxas de ocupação estáveis), resultando em mais elevadas taxas de desemprego em 1994.

   Como agravante dessa situação, entre 1997 e 1999 ocorreram aumento da taxa de participação e queda da taxa de ocupação para o total da PIA e para cada um dos tipos de família pesquisados, resultando em taxas de desemprego crescentes, em patamares antes não conhecidos na região.

   Os rearranjos de inserção dos componentes da família no mercado de trabalho diferenciam-se por tipos de família, mas o mais frequente em praticamente todos os tipos é o caso do aumento da participação da mulher-cônjuge e da mulher-chefe entre os ocupados da família e, no caso da família com a presença de filhos na etapa final do ciclo de vida familiar, o aumento da participação do chefe e da cônjuge entre os ocupados, que se dá ao mesmo tempo em que cresce o desemprego dos filhos adultos.

   Os atuais arranjos e rearranjos de inserção dos componentes da família no mercado de trabalho são definidos articuladamente pela dinâmica da economia e das relações.

   No século XX, um conjunto de acontecimentos especialmente relacionados ao processo de urbanização e desenvolvimento das cidades e à entrada das mulheres no mercado de trabalho levou a mudanças econômicas da sociedade que contribuíram não só para o início do processo de autonomia e independência financeira da mulher diante do homem como também acenam para mudanças nos usos, costumes, valores e projetos de família.

   Por conta dessas alterações o modelo de família baseado na complementariedade de papéis com o pai provedor e a mãe dona de casa em período integral começa a sofrer rupturas, sinalizando o início da decadência da versão mais tradicional da família nuclear.

   Dependendo do momento histórico, dos acontecimentos políticos e dos interesses por eles despertados, há uma determinada composição histórica, social e econômica que, de certa forma, determina ou impõe um certo modelo de família.      Assim, não é possível tratar de apenas um modelo de família, mas, sim, de famílias. 

   Observamos, também, que há um fenômeno que é comum no que respeita à formação familiar de nossa época: a importância da criança no âmbito da formação familiar. Apesar das mudanças, ao que parece, a família independentemente da forma como é constituída é ainda o principal elo de transmissão de valores e do sistema social.

 

 

 

 

 

 

2.Desenvolvimento

   Minha análise sobre os arranjos familiares de inserção no mercado de trabalho têm por suposto que a diferenciação interna à família com base nos papeis familiares e nas relações de gênero preside as escolhas individuais e as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho.

   A disponibilidade dos componentes da família para o mercado de trabalho é afetada pelas relações de hierarquia, relações de gênero e atribuições que tecem as relações familiares e que definem as possibilidades de inserção em atividades remuneradas.

   Dessa maneira, não ocorre substituição pura e simples de um componente da família por outro nas atribuições de manutenção do grupo doméstico, porque as possibilidades de inserção, qualificação e remuneração são distintas.As taxas de participação dos membros adultos da família expressam com bastante clareza a divisão sexual do trabalho definida a partir das atribuições dos gêneros que, sob a concepção tradicional da família, estimam o homem ao trabalho e a mulher à família, apesar das novas tendências do mercado de trabalho já apontadas neste texto e das crescentes taxas de participação apresentadas pelas mulheres e, em especial pelas que vivem em famílias nucleadas pelo casal (as cônjuges).

   As limitações que as representações sociais das atribuições femininas impõem à inserção das mulheres-cônjuges e mães em atividades remuneradas ficam evidentes também nas taxas de ocupação mais baixas por elas apresentadas, tanto quando comparadas às de outras mulheres em posições familiares diferentes, tais como filhas adultas e mulheres-chefes de família, bem como quando comparadas às taxas de ocupação de maridos e de filhos adultos.

   Entretanto, acentua-se na década de 90 o crescimento da participação das mulheres casadas em atividades no mercado, ocorrendo, de forma mais intensa em alguns tipos de família, como se verá. Em 1985, a taxa de participação das cônjuges é da ordem de 37%, fica cerca de 39% entre 1986 e 1990; cresce entre 1990 e os anos do final da década, passando de 39,2%, no ano inicial, para 51,6% em 1999 e, 52,2% em 2000 (Montali eLopes, 2003).

   A tendência de redução do peso do chefe entre os ocupados da família e de crescimento da importância dos demais componentes da família já era apontada pelos estudos sobre os anos 80 (Jatobá, 1990). Mas, a partir de 1990 foi possível detectar o estabelecimento de um novo padrão familiar de inserção no mercado de trabalho (Montali, 1998).

   Se no início da crise da década de 80 os chefes família os arranjos e rearranjos de inserção dos componentes da família no mercado de trabalho são definidos articuladamente pela dinâmica da economia e pela dinâmica das relações familiares e das relações de gênero. A composição familiar predominante da etapa do ciclo de vida familiar também influi nos arranjos articulados pelos diferentes tipos de família.

   A análise de um período mais longo possibilitou perceber que alteram-se tanto a composição familiar em alguns tipos de família, como os arranjos de inserção. Os resultados do estudo sugerem que ocorreu um rearranjo entre os diferentes componentes da família fortemente relacionado ao crescente desemprego e às novas características dos desempregados.

  A mobilização dos componentes da família para o mercado de trabalho neste período de elevado desemprego - que se acentua a partir de 1992 até o momento presente - é bastante diferenciada daquela que foi analisada por ocasião do momento recessivo de 1981-1983 (Montali,1995). Sem ignorar as alterações nas características da composição familiar, da pequena redução no seu tamanho e da mais significativa redução na proporção de filhos menores de 10 anos, consideramos nessa interpretação que a mudança do padrão de absorção da força de trabalho vigente na década de 90 em relação aos anos iniciais de 80, tem papel preponderante nas mudanças dos arranjos familiares de inserção no mercado.

   Também não deixando de levar em conta a importante mudança no papel da mulher na sociedade, temos por hipótese que a nova tendência na articulação dos arranjos familiares de inserção no mercado expressa a referida mudança no padrão de absorção da força de trabalho que reduziu postos de trabalho principalmente para ocupações predominantemente masculinas e promovendo crescente desemprego daqueles que eram os principais mantenedores das famílias (chefes masculinos e filhos, bem como filhas maiores que 18 anos).

   Fazem parte desse quadro, a partir de 1992, as dificuldades de absorção dos jovens pelo mercado de trabalho. Frente ao desemprego de parte dos componentes da família e à dificuldade em aumentar o número de pessoas ocupadas das unidades familiares, a mudança mais frequente, verificada em praticamente todos os tipos de família é o aumento da participação da mulher cônjuge e da mulher-chefe de família entre os ocupados, especialmente nos anos 90.

   No caso das famílias na etapa final do ciclo de vida familiar, com a presença de filhos, a mudança se manifesta no aumento da participação do chefe e da cônjuge entre os ocupados, que se dá ao mesmo tempo em que cresce o desemprego dos filhos adultos.

   Os rearranjos familiares de inserção observados a partir de 1991 - diferenciando-se dos arranjos anteriormente encontrados em 1990 e na década de 80 - indicaram o maior partilha mento da responsabilidade da manutenção da família e um deslocamento dessa responsabilidade dos principais mantenedores identificados para cada tipo de família em pesquisa anterior (Montali, 1995), para outros componentes da família.

   A presente análise que abrange todos os anos da década de 90 e que, portanto inclui períodos de recessão e de expansão, confirmou as peculiaridades dos arranjos familiares de inserção articulados sob o novo padrão de incorporação da força de trabalho que se delineou a partir dos processos envolvidos na reestruturação produtiva, desencadeada com maior intensidade a partir do inicio dos anos 90.

   A análise dos arranjos familiares de inserção tendo por referência o tipo de família, possibilitou verificar, sobre o grupo familiar, alguns dos efeitos das alterações das possibilidades de emprego oferecidas pelo mercado de trabalho nos anos 90. A análise das taxas familiares de participação, ocupação, desemprego e inatividade para essa década, evidencia, comparando-se os anos 1994 em relação a 1990. Que apesar do aumento da disponibilidade para o mercado de trabalho de seus componentes indicada pela crescente taxa de participação em todos os tipos de família - com a exceção daquela da chefe feminina sem cônjuge, uma das mais elevadas-, não ocorreu expansão da absorção desses contingentes pelo mercado de trabalho. Nos anos de 1995 e 1996, de recuperação da economia sob a vigência do Plano Real, eleva-se a taxa de ocupação no primeiro ano, com queda no segundo. Este fato, acompanhado de elevação da taxa de participação resultou em aumento da taxa de desemprego semelhante à de 1992. Nos anos do final da década observa-se o agravamento dessa situação na medida em que assiste-se em 1997, 1998 e 1999 ao aumento da taxa de participação e à queda da taxa.

1.Conclusão

   A entrada da mulher no âmbito do trabalho traz repercussões na organização e na estrutura de funcionamento familiar, levando à proposição de novas configurações, arranjos familiares com interferências diretas na relação mãe-filho e na dinâmica familiar.

   Um dos principais desafios para a mulher está em conciliar tempo para tarefas domésticas, acadêmicas, trabalho externo e poder permanecer com os filhos, de forma a ser possível estabelecer um vínculo afetivo harmonioso e consistente.   Nesse sentido, é possível dizer que na vida conjugal os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher tem se confundido cada vez mais e que a configuração familiar tem-se delineado diferentemente da estrutura familiar tradicional assim como a relação mãe-filho também é tocada por essas vicissitudes.

   Hoje podemos ver que inúmeros são os desafios que permeiam a vida familiar contemporânea, são as violências intra e extra familiar, desemprego, pobreza, drogas e tantas outras situações que por si acabam afetando dolorosamente a família e desafiando sua capacidade para resistir e encontrar saídas.

   Se por um lado as conquistas no âmbito do trabalho promoveram uma maior inserção da mulher em diferentes segmentos da sociedade, por outro, essa mesma conquista roubou a possibilidade de controle de seu tempo, sobretudo no que se refere à dedicação aos filhos e ao desempenho da função educativa dentro da família.

   Desta forma, a FAMÍLIA NUCLEAR foi ganhando importância nesse processo de mudança, reforçando a ideologia da igualdade entre as pessoas (direitos para todos). Todavia, percebe-se uma diversidade de arranjos domésticos e familiares para viver em família, os sentimentos familiares existentes reforçam seus laços.

 4. Referencial bibliográfico

   ÁRIAS, A. (1996), Sobre a evolução de situação social na Região Metropolitana de São Paulo na década dos 90 sob a ótica da renda familiar. Brasília: IPEA.

ACOSTA, Ana Rojas e FALLER, Maria Amalia Vitalle – Família: Redes, Laços e Polícias Públicas – 2º ed. - São Paulo: Editora Cortez.

NEDER, Gizlene. Ajustando o foco das lentes: um novo olhar sobre a organização das famílias no Brasil. “Racismo e cidadania no Brasil. Porto Alegre, Antonio Sérgio Fabris Editor, 1994, in NEDER.

MOTTA, A. B. Gênero, família e fases do ciclo de vida. Caderno CRH, n. 29, PP. 13-21, 1998.

MATESCO, Virene R. (1995), "A dinâmica da reestruturação produtiva". Conjuntura Econômica, Fundação Getúlio Vargas, ano 49 (5): 48-51.        

MATTOSO, Jorge e BALTAR, Paulo. (1996), "Transformações estruturais e emprego nos anos 90". Cadernos Cesit, Instituto de Economia da Unicamp, 21.        

MONTALI, Lilia. (1995), Família e trabalho na conjuntura recessiva: crise econômica e mudança na divisão sexual do trabalho. Tese de doutorado, Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo.