RESUMO

Este relatório final de pesquisa aborda as formas de acesso à justiça nas varas de família do Fórum Des. Rodolfo Aureliano da Silva no Recife, em continuidade aos estudos desenvolvidos durante a vigência da bolsa PIBIC/Fundaj 2009-2010, que teve como subprojeto: Família e acesso à justiça no Recife. A metodologia utilizada, no primeiro instante, para a coleta de informações, foi a pesquisa bibliográfica e documental, pretendendo-se, a partir dos dados coletados, conhecer o perfil dos litigantes que procuram a justiça e os tipos de causas mais comuns. Posteriormente, utilizou-se como ferramenta de coleta e análise entrevista não estruturada para obter informações sobre o funcionamento do juizado de família. Percebeu-se que a ação de alimentos é uma das mais frequentes nas varas de família, tendo em vista sua relevância para satisfazer as necessidades básicas do indivíduo. Esse estudo se justifica pela importância da problemática e por levar à compreensão de que a distribuição do direito e da justiça, além de ter estreita relação com a desigualdade socioeconômica, está diretamente relacionada com a situação de exclusão vivenciada socialmente. Afinal, é fundamental compreender como públicos distintos percebem seus direitos, procuram exercer sua cidadania e têm suas demandas apreciadas e atendidas pelo Estado, já que a justiça é um dos espaços mais importantes para se avaliar a capacidade dos sistemas democráticos de assegurar a equidade de direitos.  

PALAVRAS-CHAVE: Acesso à justiça. Processos. Família.


INTRODUÇÃO

Este relatório de pesquisa apresenta os resultados finais do subprojeto Família e processos judiciais no Recife, que trata das formas de acesso à justiça nas varas de família do Fórum Des. Rodolfo Aureliano da Silva no Recife.

            A distribuição do direito e da justiça, além de ter estreita relação com a desigualdade socioeconômica, está diretamente relacionada com a situação de exclusão vivenciada socialmente. Por isso, é fundamental compreender como públicos distintos percebem seus direitos, procuram exercer sua cidadania e têm suas demandas apreciadas e atendidas pelo Estado. Essa é a relevância da problemática, pois a  justiça é um dos espaços mais importantes para se avaliar a capacidade dos sistemas democráticos de assegurar a equidade de direitos. A escolha das varas de família justifica-se pelo fato de que há uma grande demanda da população que procura a justiça para solucionar seus conflitos de ordem privada, além de não haver estudos no Brasil sobre família que se norteiem nos dados produzidos pela justiça.

            O presente estudo deu continuidade à pesquisa desenvolvida durante a vigência da bolsa PIBIC/Fundaj 2009-2010, que teve como subprojeto: Família e acesso à justiça no Recife, momento em pudemos analisar o processo histórico de instalação das varas de família no Recife, tendo como pano de fundo a problemática do acesso à justiça.

            A pesquisa foi iniciada com o levantamento bibliográfico, em fontes secundárias, que são os textos de livros, artigos produzidos por outros estudiosos, para que, assim, pudéssemos melhor compreender as fontes primárias, que foram as próprias leis e os números da justiça. Em seguida, foram identificados os dados do movimento processual em primeira instância, assim como todos os projetos de lei na área de família que estão em tramitação no Congresso. Posteriormente, foi pesquisado a respeito do juizado informal de família, por meio de entrevista aberta para coleta de informações sobre o  seu funcionamento.

            O programa de estudos previsto para a execução deste subprojeto teve duração de um ano, compreendendo o levantamento de dados e o estudo teórico das fontes de pesquisa a serem examinadas, de acordo com o programa geral de estudos do projeto Família, direito e sociedade: estudo das mudanças legais e dos seus reflexos na organização da justiça em Pernambuco, desenvolvido no âmbito da Coordenação Geral de Estudos Sociais e Culturais da Fundação Joaquim Nabuco, sob a coordenação do pesquisador Dr. Alexandre Zarias.

            A pesquisa realizada contribuiu para o projeto principal, que tem como objetivo geral pesquisar os efeitos que as recentes mudanças do direito de família, especialmente as da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, produziram na demanda por justiça e na organização do poder judiciário. Entre seus objetivos específicos estão: descrever a história da codificação civil no Brasil; investigar as mudanças por que passou o direito de família brasileiro ao longo dos séculos XIX e XX; analisar os dados da nupcialidade conjuntamente com os dados socioeconômicos populacionais; examinar o movimento processual de primeira e segunda instância na área do direito de família; e estudar o conteúdo dos processos judiciais das varas de família.

             Como previsto no cronograma do subprojeto, foi discutido o projeto principal com o orientador, em reuniões mensais. Além disso, foi consultada a bibliografia recomendada, que forneceu subsídios para a realização da pesquisa que diz respeito às varas de família do Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano da Silva.

 

1 Objetivos

             O objetivo geral desta pesquisa foi investigar as formas de acesso à justiça a partir dos processos judiciais das varas de família do Fórum Des. Rodolfo Aureliano da Silva no Recife. Durante o desenvolvimento deste subprojeto, pretendeu-se examinar a hipótese segundo a qual o nível socioeconômico é um dos fatores que influenciam a decisão de uma pessoa iniciar um processo judicial. Entre os objetivos específicos estão: 1. a classificação dos processos judiciais nas varas de família; 2. a determinação do universo de processos tramitados no ano de 2000; 3. a definição da amostra dos processos e, finalmente, 3. a consulta dos processos escolhidos aleatoriamente, segundo o plano amostral, para o registro de dados a respeito do perfil dos litigantes (sexo, idade, renda, cor, local de residência, valor da causa, etc.)

 

2 Materiais e métodos

             A primeira tarefa de pesquisa foi o levantamento bibliográfico, uma das atividades com a qual nos detemos durante o primeiro momento da pesquisa. A partir de conceitos e discussões teóricas, fontes secundárias, buscamos as respostas para nossos questionamentos por meio das fontes primárias, as leis e os números da justiça. Fizemos um estudo histórico do novo conceito de família por meio da atual Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), fazendo uma análise a partir da leitura da Lei com o fim precípuo de compreender as transformações no entendimento do significado da família perante a justiça. A pesquisa foi do tipo exploratória de natureza descritiva, para a qual demos uma abordagem quanti-qualitativa, por utilizarmos os dados estatísticos já existentes no Fórum e interpretarmos os dados coletados por observação participante e entrevistas não estruturadas, no primeiro momento da pesquisa, foram utilizadas duas técnicas: pesquisa bibliográfica e documental. O levantamento de dados foi feito por meio da pesquisa documental, fontes primárias, e da pesquisa bibliográfica, fontes secundárias.

             Durante a pesquisa, o TJPE forneceu os dados referentes aos números de processos distribuídos de 2000 a 2009 nas varas de família do Recife.

             Esses dados já tinham sido solicitados durante a vigência da bolsa de iniciação científica anterior. O objetivo era selecionar, desse universo, uma amostra de processos para análise do perfil dos litigantes nas varas de família. Nesses processos seriam utilizadas as variáveis sexo, idade, cor, renda, local da residência, valor da causa etc.

             Contudo, os dados obtidos  não condizem com a movimentação processual de primeira instância nas varas de família no Recife. Isso pôde ser verificado numa das varas da capital, na qual, por meio de consulta ao sistema de tramitação dos processos (Judwin), verifiicamos que os dados obtidos anteriormente não eram consistentes. Portanto, não utilizamos os dados fornecidos pelo TJPE para análise.

             Outra atividade realizada foi a pesquisa de todos os projetos de lei na área de família que estão em tramitação no Congresso, por meio do site www.ibdfam.org.br do (Instituto Brasileiro de Direito de Família–IBDFAM )e do site www.camara.gov.br da Câmera dos Deputados.

             Posteriormente, foi pesquisado a respeito do juizado informal de família, em que utilizamos como ferramenta de coleta e análise de dados a entrevista não estruturada, cujas questões emergiam das informais porém profícuas conversas, que nos ajudaram a diagnosticar a situação do juizado de família.

                                                       

3 Revisão da Literatura

             Devido às constantes modificações da sociedade, ao longo dos anos, o Direito de Família não ficou estático, sofrendo mudanças legislativas, dado que o direito positivo deve acompanhar as mudanças sociais e se adequar a novas realidades. Mudam-se as sociedades e moldam-se as regras para que a lei não se torne letra morta. Antes da Constituição Federal de 1988, o casamento era reconhecido como único meio legítimo para a formação da família. Hoje a Carta Magna reconhece a existência de outros meios de constituir família.

             Atualmente, existem as famílias constitucionalizadas, que são as previstas na Constituição, e as não constitucionalizadas. As primeiras estão previstas no art. 226, CF/88, são as compostas pelo casamento, união estável e a família monoparental. O casamento é a união de pessoas de sexos diferentes que manifestam suas vontades perante uma autoridade, enquanto a união estável  é formada por pessoas que passam a viver em comum sem a chancela de uma autoridade. A família monoparental é composta por apenas um pai ou uma mãe, por exemplo, a viúva que passa a viver só com os filhos.

             Após a Constituição de 1988, passou-se a reconhecer doutrinária e jurisprudencialmente as diversas formas de família, que já existiam no mundo dos fatos, mas ainda não eram consideradas famílias pelo Direito; Essas famílias são denominadas por alguns doutrinadores, a exemplo de Maria Berenice Dias, de famílias plurais,  que são todas as demais formas de família não constitucionalizadas, a exemplo da união concubinária, que é a união de pessoas com impedimento matrimonial; a união homoafetiva, que é a parceria de pessoas do mesmo sexo; a família anaparental, em que não há a figura do ascendente, como por exemplo, a família que é apenas formada por irmãos; a eudemonista, que consiste na busca pela felicidade individual ou coletiva e que se unem por laços de afetividade, como é o caso de amigos que vivem juntos no mesmo lar.

              “O fato é que a família está menos centrada no matrimônio e o novo código passou a dar especial atenção aos seus membros de modo igualitário” (ZARIAS, 2008, p.64). Pela pluralidade das formas de família, não se conseguiu ainda definir o que seja família com tanta precisão, mas o projeto de lei do Estatuto das Famílias (PL 2.285/2007), propõe uma definição abrangente (art.3°) “...toda a comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar, em qualquer de suas modalidades”.

A realidade social nos obrigou a trazer uma nova concepção de família ao longo dos anos, desvinculando-se de seus paradigmas originários (casamento, sexo, procriação), para valorizar as relações de afetividade, carinho e amor (NASCIMENTO, 2010, p. 23).

 

            Segundo Zarias (2008, p. 87), no CC/1916, não havia outra definição possível de família, senão referindo-se ao casamento civil. O referido autor ainda cita um trecho do diploma legal anterior: “art.229 – “criando-se a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns.”

            Outra grande modificação trazida para o meio familiar pela Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) foi a completa igualdade de gêneros e também dos filhos adotados com os biológicos, havidos dentro ou fora do casamento. Todas essas modificações foram umas das causas para a revogação do Código Civil de 1916 pelo Código Civil de 2002. O novo diploma legal teve que abandonar a visão patriarcalista do código anterior, tendo, inclusive, que substituir a expressão “pátrio poder” pela expressão “poder parental” ou “poder familiar”, ou seja, o novo código adequou-se à atual Constituição, dando igualdade de direitos e deveres aos pais em conjunto.

            Conforme Muniz Filho (2010, p.43), a valorização do afeto no novo modelo familiar constitucional ratificou a nova função social da família, constituindo, atualmente, o principal vínculo dessa entidade. Nas novas relações familiares, os valores afetivos são considerados mais elevados, formando, assim, uma parentalidade socioafetiva, deixando o parentesco de ser consequência exclusiva de um fator biológico natural, mas também de uma situação social.

            A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) trouxe para a nova organização familiar os princípios basilares que regem o novo Direito de Família, quais sejam: o princípio da igualdade na chefia familiar ou poder parental, §5°, do art. 226, CF/88, entre os cônjuges e companheiros, §3°, art. 226, CF/88, entre os filhos, §6°, art. 227, CF/88; o princípio da solidariedade familiar, art. 1.694, CC; o princípio da não intervenção ou da liberdade, §7°, art. 226, CF/88 e CC, arts. 1.513 e 1.565, §2°; o princípio do melhor interesse da criança, CC, arts. 1.583 e 1.584; o princípio da afetividade e o princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, art. 1°, III, CF.

            Os princípios têm sido utilizados para a interpretação das normas de família até onde o legislador não previu. Segundo Zarias (2008, p. 63), com o advento da Constituição de 1988, o Código Civil deixou de ser o centro na regulação dos dispositivos referentes à família. Os princípios constitucionais tornaram-se ainda mais importantes na aplicação das leis constantes no CC/2002.

            O exemplo mais recente diz respeito à união homoafetiva que, no dia 5 de maio de 2011, foi reconhecida como entidade familiar pelo Supemo Tribunal Federal (STF). A decisão foi tomada por unanimidade, ao julgarem conjuntamente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, proposta pelo governo do Rio de Janeiro. O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor. Nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. Outro fundamento chave utilizado foi o de dar uma interpretação ampla ao artigo 226, §3°, devendo portanto ser revogado o art. 1.723 do Código Civil, que apenas reconhecia a união estável entre pessoas de sexo diferente. Esse entendimento é jurisprudencial, ainda não tendo sido editada uma lei nesse sentido.

 

No direito brasileiro, a legitimidade de certos aspectos das relações de família deslocou-se da norma para o âmbito das decisões judiciais. Atualmente, as questões que cercam o casamento, a separação, o divórcio, os alimentos, entre tantas outras da mesma espécie, encontraram no sistema judiciário um espaço institucionalizado de definição do que é a família, com sentidos que vão muito além daqueles possíveis de serem deduzidos a partir do Código Civil (ZARIAS, 2010).

 

         Pelo que expõe o pesquisador acima, o judiciário abre espaço para as novas concepções de família.

         O  PL 2.285/2007, que trata do Estatuto das Famílias, aguardando votação no Congresso, é um dos textos normativos mais avançados e modernos do mundo em matéria de direito de família. O projeto  pretende deslocar toda a matéria de direito de família  do Código Civil para lei ordinária.

         O Estatuto é baseado na concepção de família como um direito fundamental. Por isso, o texto amplia os perfis de entidades familiares que devem ser protegidas pelo Estado. Além das famílias formadas pelos dois pais e seus filhos e as formadas por um dos pais e filhos, o estatuto adota também a ideia de famílias compostas por grupos de irmãos ou mesmo por grupos de parentes.

         O projeto incorpora à lei boa parte da jurisprudência, modernizando, assim, uma legislação há muito distanciada da realidade social. Em sua essência, imprime a ética da solidariedade, dignidade, responsabilidade e afetividade. Esse Estatuto, sobretudo, valoriza a família como a verdadeira fonte do amor e da responsabilidade. Quanto à união homoafetiva, o Estatuto reconhece em seu art. 68 a união entre duas pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável, assegurando também a guarda e convivência com os filhos; a adoção de filhos; direito previdenciário; direito à herança.

 

4 Apresentação e discussão dos resultados obtidos

 

       O Supremo Tribunal Federal (STF) criou o Banco nacional de dados do poder judiciário (BNDPJ) em 1989. Conforme explicitado por Zarias (2008), o sistema desenvolveu-se no contexto dos debates da reforma do poder judiciário, que se iniciou na década 1990, com a Proposta de Emenda Constitucional nº. 96. Essa iniciativa deu início a uma série de discussões que se arrastaram por mais de 12 anos, culminando na chamada Reforma do Judiciário, com amparo na Emenda Constitucional nº. 45 de dezembro de 2004 (ZARIAS, 2008). Ainda de acordo com esse autor, o referido banco de dados (BNDPJ) já havia sido regulamentado pela Resolução 285. O passo seguinte para o seu aperfeiçoamento foi a criação do Sistema de estatística do poder judiciário (Resolução nº 76 de 12 de maio de 2009), que adotou uma nova metodologia de organização dos dados, utilizando indicadores para avaliação do desempenho dos tribunais e da prestação de serviços judiciais. De acordo com essa resolução, os Tribunais de Justiça estaduais passaram a produzir relatórios estatísticos que possibilitam a avaliação de seu desempenho.

           A partir dos dados produzidos pelo TJPE, identificamos as ações mais comuns nas varas de família do Recife. A maioria das ações está relacionada às classes processuais de alimentos, guarda, separação e dissolução. Na classe processual de alimentos pode ser tratada diversos assuntos, tais como o pedido de alimentos, execução de alimentos, exoneração de alimentos, investigação de paternidade cumulado com alimentos e revisional de alimentos. A classe processual de guarda abarca procedimentos como busca e apreensão de menores, fixação de guarda, guarda de menor, modificação de guarda e regulamentação de visitas. Na classe da separação judicial, são tratados assuntos de separação consensual e litigiosa. Na classe de dissolução os assuntos são de conversão de separação em divórcio e de divórcio consensual e litigioso. 

             Esses dados dizem respeito à distribuição de processos de 2000 até 2009, nas varas de família de primeira entrância da comarca do Recife.

             Não foi possível construir uma série temporal da evolução de distribuição desses processos ao longo desses dez anos. Foi verificado, durante a pesquisa, que esses dados não condizem com os registros obtidos mediante consulta ao sistema de tramitação de processos (Judwin). Nossa hipótese é a de que, nesse período, a metodologia e as formas de registro da tramitação de processos tenham sido alteradas. Até o momento, ela permitiu somente a identificação das classes mais comuns de ações nas varas de família.

             Para analisarmos a dinâmica do direito, de um lado recorrendo aos números da justiça e, do outro, da sua relação com a atividade legislativa, consultamos os projetos de lei que dizem respeito as classes processuais citadas anteriormente.         

            Foi realizada, também, uma pesquisa em todos os projetos de lei que estão em tramitação, atualmente, no Congresso Nacional. Constatou-se que existem aproximadamente 390 projetos, que giram em torno de 68 temas. Alguns exemplos de temas são: abandono afetivo, adoção, alimentos, aborto, alienação parental, biodireito, entre outros. Essa pesquisa conseguiu ser realizada por meio do site do IBDFAM e do site da Câmara dos Deputados. O objetivo de tal pesquisa foi compreender  melhor o processo legislativo da área. De acordo com a investigação, pode-se constatar que os três primeiros assuntos que cercam os projetos de leis na área de família são, o Estatuto da Criança  e do Adolescente (ECA), com sessenta (60) projetos; o Casamento com vinte e dois (22) projetos e o assunto de alimentos com quinze (15) projetos, com isso, podemos concluir que esses são os assuntos tidos de maior relevância na atualidade por aqueles que elaboram as leis, por se observar, também, que essas são as ações mais procuradas na justiça.

 

4.1 Alimentos

            Em certas ocasiões, não se pode obter sozinho a própria subsistência. Isso pode ocorrer por motivos variados, tais como enumera Sá Cruz (2010, p. 299): idade avançada, doença, imaturidade, desqualificação para o trabalho, entre outros. A autora menciona ainda a questão do desemprego como problema.

Segundo Sá Cruz, a determinação dos responsáveis pela prestação do socorro se pauta nos vínculos de família, além de questões morais e éticas. Maria Helena Diniz (2005 apud SÁ CRUZ, p. 300) considera que alimentos são necessidades básicas para a satisfação das necessidades pessoais daquele que não pode provê-las pelo próprio trabalho. Dessa forma, os alimentos constituem não somente as necessidades alimentares, mas também todas as atividades que são indispensáveis à vida e ao bem estar da pessoa, tais como assistência médica; habitação; vestuário; cultura; lazer e educação, essa última se o alimentando for menor.

            Quanto à fixação dos alimentos, o magistrado deve levar em consideração a necessidade do indivíduo requerente e a possibilidade do provedor, segundo o que se pode inferir do § 1º art.1.694 e 1.695 do atual Código Civil. Os alimentos legais são os devidos em virtude de lei, fundamentados no Direito de Família, decorrentes do parentesco, casamento ou do companheirismo.

            É cabível distinguir os alimentos provisórios dos alimentos provisionais, os primeiros são os arbitrados liminarmente pelo juiz, sem ouvir o réu, no despacho inicial da ação de alimentos movida pelo rito especial da lei de alimentos, 5.478/68. Para que isso aconteça, a lei exige que haja prova pré-constituída do casamento, ou união estável ou de parentesco. Vale destacar as principais características dos alimentos, são elas: 1- a ação de alimentos é um direito personalíssimo no que concerne ao alimentando, não podendo ser transferido para outrem; 2- no Brasil, são devidos os alimentos atuais e não os pretéritos e futuros, visto que não se poderá pleitear alimentos sobre tempos anteriores; 3- a transmissibilidade, ou seja, a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor; 4- a obrigação não é divisível entre devedores; 5- os alimentos são irrenunciáveis, o alimentando pode até não exercer o direito de cobrar, mas não poderá renunciar quando da oferta de alimentos e 6- o crédito alimentar é incessível, ou seja, não pode ser cedido, já que é direito personalíssimo, entre outras características.

            Fixada a obrigação alimentar, ela perdurará enquanto existir a situação de necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante, se houver mudança em qualquer das partes a obrigação cessará. Os alimentos provisionais são iniciados quando não há prova pré-constitída. Eles são arbitrados para a manutenção da parte interessada durante o curso do processo. Para a obtenção dos alimentos provisionais não será necessário que a ação principal seja de alimentos, podendo ser outra, como de separação ou anulação de casamento, de divórcio ou de investigação de paternidade, esta é uma ação cautelar.

Atualmente, os alimentos constituem o centro da justiça de família, pois é o procedimento mais comum nos tribunais, superando em número qualquer outro relacionado aos principais institutos do direito de família. Ele marca uma linha divisória entre as pessoas que oficializam a união por meio do casamento civil e aquelas que vivem informalmente. Mais do que isso, os alimentos investem as relações sociais de uma legitimidade que extrapola a simples aplicação legal; através deles, as relações de família são legitimadas simbolicamente por força da ação da justiça (ZARIAS. 2008, p.128).

 

                                                                                                                                                                  

          Conforme o supracitado autor, a justiça de família confere relevância aos alimentos em relação aos direitos de família. Devido a essa relevância, os alimentos legitimam as relações sociais com o respaldo da justiça.

 

4.2 Juizado informal de família

         A Lei 9.099 de 1995 criou o instituto do juizado especial cível, que tem por finalidade a resolução dos conflitos de forma: a) rápida; b) informal; c) podendo ser dispensado a necessidade de um advogado e d) com atos processuais resolvidos oralmente. Isso tudo, quando forem causas consideradas simples, buscando sempre o acordo entre as partes. Os juizados surgiram com o intuito de garantir maior efetividade ao acesso das pessoas à justiça, tendo em vista que elas podem resolver conflitos sozinhas, sem a necessidade de advogado. Também não precisam pagar custas processuais e têm a possibilidade de resolverem seus conflitos de ordem privada com maior celeridade, não precisando, para tanto, terem que suportar as delongas de um processo.

              Para Cappelletti e Garth (2002, p. 12), o termo acesso à justiça comporta dois sentidos que se complementam na estrutura dos modernos sistemas de justiça. Um deles é o formal, que diz respeito à igualdade no acesso à representação judicial. O outro é o efetivo, isto é, relaciona-se com a probabilidade de realização do direito substantivo. A efetividade no acesso à justiça consiste em ter a resolução do conflito de ordem privada resolvido em tempo hábil para que se desfrute de um direito assegurado ou para que, não tendo direito, resolva-se o conflito. Ou seja, faz-se necessário não apenas o acesso formal à justiça, que diz respeito ao direito de adentrar na justiça de forma igualitária perante todos, mas de finalizar o processo judiciário, em tempo útil a se desfrutar da resolução do conflito. Com a reforma do Poder Judiciário, por meio da Emenda Constitucional n° 45 de 2004, o direito à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação foram elevados ao patamar dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, acrescentando ao art. 5° da Constituição Federal de 1988 o inciso LXXVIII (BRASIL, 1988).

         Em face da demasiada demanda que tem superlotado e agravado a situação dos processos judiciais na área de família, faz-se necessária a criação dos juizados especiais para tratar exclusivamente das causas relativas à família no modelo dos juizados especiais da lei 9.099 de 1995, que é defendida pela ministra Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça.

           O Tribunal de Justiça de Pernambuco, em recente Resolução de nº 150/2001, de 28 de maio de 2001, instituiu o Juizado Informal de Família, adotando o procedimento conciliatório prévio, acompanhado de orientação psicológica, em solução de conflitos já decorrentes da igualdade paritária dos cônjuges. É o mais recente e significativo avanço na modernidade dos serviços judiciários no Estado.

              Por meio da entrevista realizada com a conciliadora e coordenadora do juizado informal de família, tornou-se possível obter melhores esclarecimentos acerca do funcionamento do juizado. De acordo com suas informações, o departamento foi criado pelo TJPE para auxiliar as varas de família nos casos em que cabe conciliação entre as partes. O juizado atende causas exclusivamente de família quando se trata das classes processuais de separação judicial litigiosa; divórcio; alimentos; guarda entre pais; regulamentação de visitas. Os caos mais frequente são alimentos, investigação de paternidade e divórcio.

             Segundo a coordenadora do juizado, o departamento começou em 1998/99, mas só veio a ser regulamentado por meio da resolução n° 150 de 28/05/2001. O juizado informal  de família encontra-se localizado no Fórum Rodolfo Aureliano, funcionando no horário das 09:00h às 18:00h. No juizado, as pessoas são atendidas pelos conciliadores, que geralmente são ecolhidos entre aqueles que detenham algum conhecimento de Direito. No momento, são funcionários do quadro que recebem gratificações.

             A coordenadora também nos relatou que além dos juizados informais de família, existe, independente do juizado, um departamento de psicologia e assistência social, chamado de CAP (Centro de Apoio Psicossocial) e que é coordenado pela 1° Vara Família da Capital. O CAP foi criado em 1992, funcionando informalmente, mas só em 1995/98 foi formalizado, o histórico do departamento está pode ser encontrado no site www.tjpe.jus.br.

             O CAP funciona ajudando o juizado e as varas de família, em que são atendidos todos os casos de família que são encaminhados para o juizado informal. O procedimento do processo de família funciona da seguinte forma. Primeiro, o processo é distribuído para uma das varas de família da capital e as partes são intimadas. Depois, o CAP dá uma palestra de sensibilização, em que se esclarece as vantagens e desvantagens da conciliação, para que, só então, ocorra a audiência preliminar de conciliação, realizada por meio do juizado informal de família. Na audiência de conciliação, esta poderá ocorrer ou não. Se a concilação acontecer, haverá um acordo reduzido a termo, dando-se vistas ao Ministério Público e finalmente a homologação do acordo pelo juiz, tendo este força de sentença. Não ocorrendo a conciliação, haverá o ato de audiência, depois a citação do réu e a devolução do processo à vara de origem para o prosseguimento do feito. No CAP trabalham assistentes sociais e psicólogos. O trabalho do CAP funciona com cinco assistentes sociais, tem uma chefia geral e dez psicólogos.

        Assim como o Juizado Informal de Família, o Centro de Apoio Psicossocial não existe em outras cidades do estado. Foi um grande avanço na justiça Pernambucana, com experiências muito positivas, tendo em vista que, de acordo com a entrevistada, são realizadas muitas conciliações. As audiências conciliatórias são positivas, já que ninguém melhor do que as partes para resolver seus conflitos de ordem privada de forma pacífica e sem ter que se aguardar as delongas de um processo, que pela sua própria natureza, causa um desgaste psicossocial, econômico e gradual nas partes. Segundo a conciliadora e coordenadora do refeido juizado, a Srª Ana Thereza Tenório, em novembro de 2009, os acordos aumentaram cerca de 90%.

 

CONCLUSÕES

            Diante deste estudo, em que se abordaram algumas questões que envolvem  as formas de acesso à justiça a partir dos processos judiciais que tramitam nas varas de família do Fórum Des. Rodolfo Aureliano da Silva no Recife, chegou-se a algumas conclusões, que serão pontuadas a seguir.

A partir da revisão da literatura, deixou-se claro que o conceito da família no Direito sofreu alterações significativas ao longo dos anos. Isso se deve ao fato de que a sociedade brasileira modificou seu entendimento quanto ao que venha a ser família, tendo o Direito que se adequar às novas realidades vivenciadas atualmente. Compreendemos com isso que o Direito positivo deve acompanhar as mudanças da sociedade, tendo em vista que a lei não deve impor regras que não estejam sendo vivenciadas hodiernamente.

Na discussão dos resultados obtidos, apresentamos as classes processuais mais frequentes nas varas de família, que estão relacionadas aos assuntos de alimentos, guarda e dissolução de união. Embora não tenhamos conseguido os dados corretos a respeito dos tipos e da quantidade dos processos distribuídos, foi possível perceber que a ação de alimentos é uma das mais frequentes nas varas de família. Isso se justifica por sua relevância para satisfazer as necessidades mais básicas do indivíduo que as pleiteia.

Por meio da pesquisa dos projetos de lei na área de família, constatamos que o assunto dos alimentos está entre os três primeiros assuntos tratados dentre as 68 temáticas abordadas por aqueles que elaboram as leis, donde se pode inferir sua relevância. Em razão da visível demanda dos processos de ação de alimentos, havíamos nos interessado em pesquisar com maior especificidade acerca dessa classe, em detrimento das outras ações.

Sabe-se que os alimentos são de elevada importância, uma vez que são consideradas as necessidades básicas de quem os pleiteia, observado quando o sujeito não puder obter sozinho a própria subsistência. Os alimentos não significam apenas comida, mas giram em torno de todas as atividades que são indispensáveis à vida e ao bem estar da pessoa. Os alimentos são devidos com fundamento no Direito de família, decorrentes do parentesco, casamento ou do companheirismo, desde que seja comprovada a necessidade de quem os pleiteia e a possibilidade do provedor. 

Em relação à pesquisa do juizado informal de família, mostramos que a Lei 9.099 de 1995 criou o instituto dos juizados especiais, com o fim precípuo de dar maior efetividade ao acesso da população à justiça, trazendo maior celeridade, menos custas e maior informalidade, retirando burocracias demasiadas para que, assim, possa o cidadão ter o seu direito de resolução do conflito efetivamente garantido. O Tribunal de Justiça de Pernambuco, por meio da Resolução de nº 150/2001, de 28 de maio de 2001, instituiu o Juizado Informal de Família, o que consideramos de um significativo avanço  dos serviços judiciários no Estado. O juizado adota o procedimento conciliatório prévio, acompanhado de orientação psicológica.

Por meio da entrevista realizada com a conciliadora e coordenadora do juizado informal, tornou-se possível perceber que as experiências com o novo departamento são muito positivas, levando-se em consideração o grande número de conciliações realizadas, visto que a melhor maneira de se resolver um conflito é por meio da transação das partes,  posto que ninguém melhor do que elas, para de fato, saberem o caso concreto que as rodeia, não se fazendo necessário a decisão de um terceiro imparcial que não encontrava-se no momento do conflito para saber quem de fato tinha o direito. Enfim, o referido juizado diminui a quantidade de processos no judiciário que esperam ser resolvidos prolongadamente, causando desgaste psicossocial, econômico e gradual nas partes. Os juizados resolvem os conflitos conciliando as partes de maneira pacífica e sinalagmática, enquanto que a decisão do juiz resolve o conflito de maneira impositiva e unilateral.

 

REFERÊNCIAS

ANDRIGHI, Fátima Nancy. “Juizados especiais de família.” Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, n. esp., PT.2, p. 102-106, jul./abr. 2002/2003.

BRASIL, Constituição.  Constituição Federal Brasileira de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, B. Acesso a Justiça. Porto Alegre; Sérgio Antônio Fabris, editor 2002.

 CINTRA, Antônio Carlos de Araujo ET AL. Teoria Geral do Processo. 25.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

 MUNIZ FILHO, Mário Monteiro. Princípios do Direito de Família. In Baptista, Sílvio Neves. Manual de Direito de Família 2.ed. Recife: Bagaço, 2010. 397p.

 NASCIMENTO, Carmen S. C. do. “Famílias plurais – Tipos de família”. In Baptista, Sílvio Neves. Manual de Direito de Família. 2.ed. Recife: Bagaço, 2010.

 SÁ CRUZ, Carla Nancy Lemos de. “Alimentos”. In Baptista, Sílvio Neves. Manual de Direito de Família. 2.ed. Recife: Bagaço, 2010.

                                              

ZARIAS, Alexandre. “A família do direito e a família no direito – A legitimidade das relações sociais entre a lei e a justiça”. RBCS, v.25, n. 74. Outubro/2010.

 

_____. Das leis ao avesso: desigualdade social, direito de família e intervenção judicial. Tese (Doutorado em Sociologia), – Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo.