O tema família será sempre objeto de estudo e ocupação para os cristãos. Afinal de contas, precisamos conhecer as orientações divinas sobre o assunto e, também, investir o que for necessário para a formação sadia da família. Neste estudo, gostaríamos de ampliar o debate em torno do tema, procurando entender a família nos tempos modernos e analisar a melhor forma de nos preparar para enfrentar dias tão difíceis.

            O fato é que o "ser família" hoje é bem diferente do que o foi no passado. E não estamos nos reportando a um passado remoto não. Estamos falando de pouco mais de duas décadas atrás, quando a família experimentava um outro tipo de modelo. Hoje, vive-se um novo tempo para a família e é para dias como esses que precisamos estar bem preparados; sabendo responder com "mansidão e temor" a quem queira saber da "razão da esperança" que há em nós (1Pd 3.15). A família é de fundamental importância para a preparação do indivíduo para a vida e, como cristãos, não podemos dispensar seus favores.

            Como cristãos, estamos às voltas com questionamentos sobre o valor da família, aos quais devemos responder com sabedoria divina. Algumas perguntas que precisam de resposta são: O que podemos fazer para preservar a família como bem maior recebido de Deus? De que maneira a família continua significante em dias tão mudados? Quais são e como fazer os ajustes necessários para prosseguir no ideal de família em nossos dias? Vamos procurar respondê-las ao longo deste estudo.

 

A família em face da modernidade

            Se tem uma instituição que sofreu com as grandes transformações ocorridas no mundo a partir das décadas finais do século XIX e ao longo de todo o século XX esta instituição foi a família. Os novos valores, a industrialização crescente, a busca desenfreada por progresso, as doutrinas humanistas e materialistas, a ode a um tipo de liberdade que se opõe à moral cristã, tudo isso contribuiu para desajustes internos que levaram à uma nova formulação do "ser família" e, em muitos casos, à perdas irreparáveis para aqueles que não conseguiram se adequar aos novos tempos.

            Dentre tantas influências e resultados impostos à família pela modernidade, vamos destacar alguns que marcaram este momento e de alguma forma engendraram mudanças no contexto familiar.

a) Perda do referencial - A família sempre foi o lugar do "eterno retorno". Podíamos sair para trabalhar, estudar, viajar e nos divertir, mas sabíamos que tínhamos um lar para onde, ao voltar, tudo se ajustaria novamente a uma normalidade tranquilizadora. A modernidade trouxe outras alternativas. O indivíduo ampliou o seu mundo e de uma visão intra-lar, passou a cultivar uma visão exo-lar ou extra-lar. A casa já não mais é acolhedora, ela é conservadora e conseqüentemente inibidora de descobertas, de crescimento, de expansão, como o mundo de ofertas lá de fora insiste em nos alcançar. Então, a família passou a ser o epicentro de abalos morais e relacionais que expulsavam o indivíduo para fora - num sentindo inverso de sua vocação -, instigado que era pelas tentações advindas do poder desmantelador das seduções da modernidade sobre sua vida.

b) Superficialidade - A perda do referencial familiar - numa transição sutil do poder de influência, principalmente sobre os mais novos membros da família (crianças, adolescentes e jovens) -, transição esta do poder de coerção da família para o poder liberalizador da sociedade, da mídia e do dinheiro, fez com que surgisse uma era de relacionamentos superficiais, descartáveis, bem ao gosto de cada um e de interesses menos nobres. Esta superficialidade gerou novos relacionamentos intra-lar dos tipos: "cada-qual-vive-como-quer" e "ninguém-é-de-ninguém", onde relacionamentos frios, distantes, vivendo-se sob a sombra do amor e da comunhão do passado, vão transformar a residência em mero dormitório ou lugar de passagem para voltar a ganhar o mundo de fora no dia seguinte.

            c) Descompromisso - Nessa modernidade detentora de novos valores, os membros da família passam a ter compromisso somente com a sua satisfação pessoal. O hedonismo marcante dos nossos dias - em que a satisfação e o prazer pessoais precisam ser alcançados a qualquer custo - é também decorrente dessa modernidade que, ao promover uma superficialidade de relacionamentos, também impõem um total descompromisso para com o outro. O próximo como alvo de atenção humanitária e cristã {como no exemplo do "Bom Samaritano" (Lc 10.25-37) ou do ensino de "amar ao próximo como a si mesmo" (Mc 12.28-34)}, deixou de ser a quintessence da virtude solidária, para ser "o inimigo", "o competidor", "o frustrador de sonhos". Ninguém quer se comprometer com nada nem com ninguém. Já temos problemas demais para resolver.

            d) Competitividade - Então, estes tempos modernos nos jogam dentro do cruel alçapão da competitividade. Temos que ser bons para prevalecer. Mais que isto, temos que ser os melhores. E isto não só com relação ao mercado de trabalho mas também em todos os demais aspectos da vida: cultura, sociedade, esportes e até família. Foi deflagrado um processo de competição geral em que estamos sempre nos medindo, comparando, batendo com o outro para conferir quem sabe, quem faz e acontece e quem é o melhor. Então o outro deixa de ser parceiro para ser adversário. E a vida vai se tornando cada vez mais árida e atroz.

            e) Urgência - Paralelo a tudo isto, impõe-se um angustiante sentido de urgência. O que precisa ser feito deve ser feito já. Vivemos uma sociedade apressada, onde a correria é sua marca e o frenesi sua paixão. Não paramos, pensamos, ponderamos. Agimos. E no agir desavisado e  tresloucado, nem sempre a presença da sensatez e do equilíbrio, mas a ânsia da realização para se conquistar um lugar ao sol. E muitas vezes isto contamina as famílias cristãs e a própria igreja que cai num ativismo emburrecedor que consome energia e aniquila esperanças.

            A modernidade, com sua herança nem sempre bendita, precisa ser avaliada face aos problemas enfrentados pelas famílias de nossos dias a fim de que não haja maiores prejuízos do que os que já estão ocorrendo.

 

Uma sociedade em constante mutação

            Uma outra marca dos tempos modernos é a sua facilidade em promover mudanças rápidas. Esta mutabilidade apressada destes dias, também provoca desajustes internos na família, visto que esta possui um perfil mais conservador e caracteriza-se por ser um espaço de afirmação de valores. Mas a sociedade moderna não está preocupada com isto, principalmente em se tratando de valores e princípios cristãos, que para o mundo são inibidores do prazer e da satisfação pessoal.

            Vamos considerar alguns aspectos dessas mudanças ocorridas no mundo moderno que, de alguma forma, afetam a família.

            a) A rápida obsolescência dos equipamentos - A sociedade em constante mutação que nos abriga e nos acolhe nos dias de hoje possui como ponta visível desse iceberg destrutivo, a rápida obsolescência das máquinas e equipamentos por ela criados. Nada é duradouro. As novas fabricações possuem caráter efêmero, passageiro, com a marca cruel da descartabilidade. Tudo isto leva a uma substituição contínua das posses da família, por novas acumulações que tomam o lugar das anteriores. Uma geração viu surgir o DVD e o CD e assistiu o ocaso das fitas e vídeos cassete e dos LPs. A mesma geração viu o surgimento da internet, do celular e a derrocada do aparelho de fax. Os agora obsoletos celulares da primeira fabricação deram lugar aos modernos aparelhos que acessam a internet. O que esta sociedade em constante mutação ensina à família, por via indireta, também é a descartabilidade das pessoas. Objetos descartáveis influíram na fragilização das relações humanas. O conceito de "bens duráveis" se reduziu minimamente. E neste pacote a família se misturou.

            b) O avanço avassalador da tecnologia - O que está por trás desta rápida saturação dos produtos - e a necessidade imposta pelas leis de mercado para o surgimento e a oferta de novos, com um plus sedutor -, é o avanço espetacular das descobertas tecnológicas. O ser humano evoluiu no aspecto tecnológico e se brutalizou nas relações sociais. Como nunca as sociedades experimentam o terror da violência e das drogas. Até parece que o progresso almejado intensamente e parido à fórceps, não gerou outra coisa senão o desgaste, a superficialidade e a frustração em lugar do conforto, da tranqüilidade e do bem-estar tão desejados.

            c) A incômoda pluralidade das idéias - Paralelo a tudo isto, a modernidade viu surgir um novo tempo em que as idéias se intercambiam e se espraiam pela sociedade como se fossem produtos de consumo da prateleira do supermercado da mente e da alma. Cada um segue o que quer, pensa o que quer, acredita ou deixa de acreditar no que quiser e ninguém tem nada a ver com isso. A sociedade, então, começou a perder suas raízes e a viver sob a égide do "hoje", segundo a vã filosofia dos que não acreditavam na ressurreição: "comamos e bebamos, pois amanhã morreremos" (1Co 15.32). Mas esta idéia imediatista e utilitarista da vida só ajudou a solapar com os valores cristãos e a minar a influência benéfica da família na formação dos indivíduos para viver em sociedade.

            d) A rejeição angustiante aos valores morais -  Como conseqüência, esse mundo plural impôs uma nova ética e uma nova moral onde se "é proibido proibir". Vivemos numa verdadeira sociedade do "vale tudo", em que qualquer intervenção no sentido de disciplinar, corrigir, é vista de forma atravessada, não sendo bem recebida, inclusive dentro das igrejas. Assim, estes novos tempos experimentados pela família, viram aparecer uma avalanche de violência, uma onda de drogadependentes, uma exaltação ao homossexualismo, o aumento do índice de gravidez na adolescência e tantos outros males que comprometem a vida futura de gente que se perde sem rumo e não se dá conta do poço sem fundo em que está se metendo.

 

Adequar-se, sem desfigurar-se

            Já que não podemos negar as realidades à nossa volta - elas estão aí mesmo - assumir postura de avestruz diante delas é querer tapar o sol com a peneira da inconsciência e abrir caminho para  o caos. Devemos, então, procurar avaliar estes tempos tão difíceis e adequar a realidade da família e da fé aos tempos modernos. Adequar, sem, todavia, desfigurar os princípios e valores cristãos que devem reger nossas vidas. É mudar a forma, no que se fizer necessário, sem prejudicar o conteúdo da fé. Só assim, vamos construir famílias contextualizadas e dinâmicas, num mundo que exige cada vez mais a razão de ser do cristianismo. À teoria, devemos somar a vida; à doutrina, a experiência; ao culto, o serviço; aos relacionamentos, o amor; ao Evangelho, o compromisso; à evangelização, o testemunho. Só assim, vamos ser relevantes num mundo sem esperança.

            A família deve ajustar-se aos novos tempos para não perder o bonde da história, mas deve cuidar-se no sentido de não permitir que influências nocivas venham a prejudicar seus alicerces e fazer desabar seus pilares mais caros: amor, solidariedade, fé, companheirismo, proteção, crescimento e espiritualidade. Dos novos tempos que vivemos em nossa sociedade podemos aprender que a vida caminha para frente e nós não podemos simplesmente ficar acomodados ao passado, numa nostalgia inócua que só traz melancolia à vida. Também aprendemos que o progresso é inelutável e que devemos saber aproveitá-lo, não se esquecendo nunca de lançar um olhar crítico sobre o que ocorre à nossa volta para que saibamos recusar o que não presta quando isso se fizer necessário. Aprendemos que precisamos ser mais ágeis em nossos pensamentos, decisões, condutas e ações, pois o mundo moderno é apressado e não espera os lerdos. Aprendemos que precisamos possuir convicções profundas acerca do que cremos e do que queremos, para que não sejamos tragados pelo aluvião de  informações e de influências, nem sempre benéficas, que são despejadas sobre a família pela mídia.

 

Aplicações para a vida

            Vamos tomar o texto bíblico de Efésios 6.10-18, quando o Apóstolo Paulo trata da questão da "armadura de Deus" para falar de alguns procedimentos que a família deve tomar para precaver-se das investidas dos tempos modernos sobre ela:

            1ª) A família precisa fortalecer-se em Deus (v. 10) - É na força do poder de Deus que a família encontrará condições de resistir a todas as investidas malignas que queiram destruí-la.

            2ª) A família precisa estar firme para vencer as ciladas do Inimigo (v. 11) - O Diabo é astuto e promove ardis para derrotar a família. Mas, se seus membros buscarem forças em Deus, quando houver tais investidas, terão condições de estar firmes em Deus e prevalecer.

            3ª) A família precisa entender que a sua luta é no plano espiritual (v. 12) - Quando limitamos nossas ações ao plano material, ocupando-nos tão somente do "comer, beber e dormir" da vida, esquecemo-nos que há valores maiores que precisam ser cultivados e que há batalhas espirituais que precisam ser travadas e vencidas.

            4ª) A família precisa vestir a "armadura de Deus" (vv. 13-18) - A armadura de Deus inclui peças vitais para quando chegar o "dia mau" poder resistir e ficar firme: verdade, justiça, evangelho da paz, fé, salvação, Espírito, Palavra de Deus, oração, vigilância e perseverança. Estas são peças fundamentais no vestuário de Deus para a família cristã. Sem elas, somos tragados pelos tempos difíceis em que vivemos.