HOMO HOMINI LUPUS
A assertiva de Plauto, introduzida na filosofia política moderna pela pena de Thomas Hobbes, não nos permite esquecer que o zelo pela segurança é condição sine qua non para que se possa viver em sociedade. Nos dias atuais, ainda atormentados pelo brutal assassinato da juíza Patrícia Acioly, no Rio de Janeiro, estamos certos de que honraremos sua memória se ao menos formos capazes de extrair daí uma nova lição. Para Hobbes, o homem é o lobo do homem quando abandonado a sua própria sorte. Por isso, necessita do Estado para garantir-lhe a segurança e superar o estado de guerra de todos contra todos. Pois vemos agora que é preciso acrescer a isto o inarredável dever do Estado de proteger seus próprios membros, mormente os autores de sentença envolvendo o crime organizado.
Assim, inflamado por um caso com ampla repercussão midiática, reacende-se o debate em torno da falta de segurança a que estão muitas vezes submetidos os membros do Poder Judiciário. No entanto, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) parece não tratar bem o seu "pupilo": o Judiciário. Não é demais lembrar que o CNJ tem como função precípua a inspeção e correição do Poder Judiciário, ou seja, zelar por ele. Porém, o CNJ acabou com as esperanças dos desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da quarta região de aumentarem a segurança do órgão e, consequentemente, de seus servidores e usuários, ao rejeitar o número proposto pelo TRT de aumento no número de servidores, principalmente no que diz respeito ao cargo de Técnico Judiciário - Especialidade Segurança, no Projeto de Lei 7623/2010.
No cargo de segurança, a proposta inicial do TRT4 era a criação de 44 novos cargos para Técnicos Judiciários - Especialidade Segurança. No entanto, após ser aprovado pelo Pleno do TST, o Conselho Nacional de Justiça reduziu a zero ? isso mesmo, a zero ? o número de novos cargos a serem criados para a área de segurança. Deste modo, o projeto chegou à Câmara dos Deputados, em julho de 2010, com esse número zero de cargos para a área de segurança e com todos os outros números de cargos de Técnicos Administrativos e Analistas Judiciários reduzidos, por imposição do CNJ. E assim foi aprovado. Na última semana, o Senado Federal confirmou sua aprovação, nos mesmos termos já mantidos pela Câmara.
Em face dos fatos apresentados, tememos que incidentes como o acontecido com a juíza do Rio de Janeiro voltem a ocorrer, quiçá alcançando a plaga gaúcha. A Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul está em pleno crescimento, com o aumento de comarcas (serão 17 novas varas nos próximos anos em todo o estado), juízes e novos prédios por todo o estado, previstos para os próximos 5 anos (serão 35 novas construções, somando-se a reformas dos já existentes), de acordo com o Planejamento Estratégico e Plano de Obras do órgão. Cabe então indagar: quem fará a segurança dessas novas instalações e novos servidores? Delegar tal tarefa essencial à iniciativa privada, pela via da terceirização, significaria rendição à lógica do encolhimento do Estado, que vai pouco a pouco perdendo sua própria razão de ser. Outra possibilidade, não menos inócua, seria atribuir tal tarefa à já assoberbada estrutura policial, que sequer consegue dar conta de suas atribuições específicas. Por fim, outro cenário que vem sendo debatido é a criação de uma Polícia Judiciária, o que significaria criar uma complexa estrutura, e ter que igualmente dotá-la de pessoal, para exercer as mesmas funções que podem ser exercidas pela figura já existente do Técnico Judiciário - Especialidade Segurança.
É tão grande e incontestável a necessidade que, apesar do veto do CNJ, o TRT4 abriu concurso este ano para Segurança; no entanto, só poderá preencher os cargos que gerarem vacância por falecimento ou aposentadoria de servidores. O órgão abriu o concurso com a especificação "Cadastro Reserva", o que quer dizer "sem vagas no momento", já que não conseguiu criar os novos cargos pretendidos e o certame já está em fase de conclusão, aprovando diversos candidatos, mas que não serão convocados.
Em síntese, é imperioso que a Administração Pública entenda que abastecer o Poder Judiciário com o número necessário de Técnicos Judiciários ? Especialidade Segurança é o caminho adequado para enfrentar o grave colapso que se avizinha. Os próprios órgãos diretamente envolvidos na questão, como bem demonstra o exemplo do TRT4, estão a elaborar projetos de lei, pedindo a criação desses cargos. No entanto, o CNJ ou o Tribunal de Contas vetam esses requerimentos, alegando prejuízo ao orçamento.
Ora, se Plauto na Roma Antiga e Thomas Hobbes nos albores da Modernidade já ensinaram que a segurança é um dos direitos sociais mais essenciais e que deve, portanto, alcançar também os membros do Judiciário, não temos mais o direito de julgar que o dispêndio com a criação de cargos públicos de segurança seja desperdício. Não. Definitivamente, não! É, isto sim, uma urgência. Ou ainda esperaremos que outras Patrícias Acioly nos recordem a antiga lição ? Homo Homini Lupus est.