FALSAS MEMÓRIAS - UMA ANÁLISE HOLÍSTICA

Por João Márcio

Escritor e Palestrante

Autor do livro Os Quatro Pilares da Educação


O filme Matrix é uma amálgama de informações que antecedem muitas descobertas científicas, algumas ainda difíceis de comprovação, mas que propões reflexões sérias e profundas sobre nossa realidade. Numas das cenas mais, empiricamente complexas, a personagem Trinity está fugindo dos agentes quando depara-se com um helicóptero. Ela não sabe pilotá-lo, entretanto, para surpresa de todos, usando seu telefone, pede auxílio ao companheiro que trabalha fora de matriz e ele, literalmente, insere arquivos de informações sobre o helicóptero em seu cérebro. Em questão de segundos, Trinity já “sabe” pilotar o veículo e consegue escapar dos seus perseguidores.

 

Sabe-se que a memória é uma conjunto de informações armazenadas ao longo da vida e não seria possível “inserir” memórias no cérebro de forma tão rápida e objetiva. Porém, o mundo muda e as coisas modificam-se. A ciência, como uma área do conhecimento humano que não cessa suas pesquisas e nem detém-se com suas descobertas, está sempre revelando aspectos ignorados de nós mesmos e do nosso mundo.

 

Existem a memória a longo prazo, a curto prazo, a explícita e a implícita: A memória a longo prazo é aquela que conserva-se, depois do acontecido, no hipocampo, criando várias conexões sinápticas duradouras. A memória de curto prazo é aquela útil para decorar um número de telefone mas logo é esquecida pela inutilidade da informação. A memória explícita começa a partir dos 2 anos com o surgimento da linguagem. A memória implícita existe desde a fase intra-uterina e registra todas as sensações do feto ao meio ambiente, intermediado pela sua mãe. Em experiências regressivas, Freud descobriu que o próprio bebê tem “memórias” de seu período uterino e adquire uma saudade oceânica naquele lugar tranquilo e seguro.

 

Através do estudo dos mecanismos de geração de armazenamento e de memória, duas equipes de neurocientistas foram capazes de implantar falsas memórias em camundongos, abrindo a porta para a possibilidade de aprender novas habilidades técnicas ou neuroquímicos eletricidade.

Neurocientistas do MIT e da Universidade da Califórnia em San Diego, desenvolvidos várias técnicas que foram implantados em roedores. Os pesquisadores foram capazes de controlar e gerar memórias "sintéticos", a partir do fato de que as memórias são armazenadas em um número surpreendentemente pequena de células cerebrais. A técnica foi alcançada através da administração de uma droga que lembrado ratinhos, uma sala segura que foi realmente o que eles haviam recebido choques elétricos. Em outros pulsos de luz foram utilizados diretamente em órgãos-alvo do cérebro do roedor. Para os cientistas esta descoberta abre a porta não só para os seres humanos podem lembrar de algo que nunca aconteceu, mas também que uma pessoa pode te ensinar novas habilidades através de procedimentos subsequentes neuroquímico ou elétrica. Se é possível instalar falsas memórias em ratos, quanto tempo estaremos inseridos banco de dados cerebrais em seres humanos?

Não sabemos, porém, no plano astral, já existem ações típicas que revelam o avançado arsenal tecnológico de magos negros, dragões e especialistas do mal que usam seus mecanismos para manipular, hipnotizar, controlar os encarnados. No livro Legião, Angelo Inácio narra a ação de vários grupos de magos negros que possuem em seus laboratórios armas, ferramentas para roubar a memória dos encarnados, alterá-las e até substituí-las. É um processo de obsessão grave mediante técnicas complexas onde o encarnado adquire memórias implantadas que criam um colapso mental e comprometem seu equilibrio psíquico. Através de incisões em seu corpo mental, os encarnados sofrem essa violação em seu campo cerebral, recebendo arquivos pré-fabricados e artificialmente moldados para atender os interesses de seus obsessores.

A neurociência já reconhece a “síndrome das falsas memórias”. Falsas memórias ou Memórias ilusórias é um termo utilizado para se referir a quaisquer informações armazenadas na memória sem um estímulo real objetivo mas que são recordadas como se tivessem sido efetivamente vivenciadas pelo sujeito. Seu estudo começou com Alfred Binet na França em 1900 estudando a falsificação de memórias feita por crianças. Seu principal impacto é visível durante psicoterapias, em depoimentos na área jurídica e em auto-biografias.

Uma das formas de estimular a formação de falsas memórias é o chamado de "procedimento de sugestão de falsa informação" que envolve questionar sobre a presença de um estímulo compatível durante um fato vivenciado sugestivamente. Quanto mais aceitável, provável e conveniente a presença este estímulo seja subjetivamente mais provável dele ser incluído na memória do sujeito. Outros fatores identificados como importantes nessa falsificação são os limites da memória, a quanto tempo aconteceu o evento original, a importância pessoal desse evento e quantas vezes essa memória já foi recordada.

Outro fator importante é o impacto emocional do evento vivenciado, quanto maior o impacto, tanto negativo quanto positivo, desse evento maior a facilidade de recordá-lo posteriormente evolvido com falsas memórias. O mecanismo neurológico por trás disso provavelmente é a intereação do hipocampo (área relacionada ao processamento de memórias) com o sistema límbico (área relacionada as emoções) especialmente a amígdala cerebelosa (relacionada a ansiedade). A criação de falsas memórias é extremamente perigosa quando feita por testemunhas de crimes que estão sendo julgados, pois podem levar tanto inocentes a serem considerados culpados de crimes hediondos e mortos (em locais que existe pena de morte) quanto culpados de crimes hediondos serem inocentados e assim podendo cometer novos crimes.

 

Pessoas com alto nível de neuroticismo foram identificadas como sendo mais vulneráveis a elaboração de falsas memórias. Provavelmente isto ocorre pois essas pessoas tendem a ter altos níveis de vulnerabilidade psicológica, mais afetos negativos, baixa auto-estima, grande número de respostas de enfrentamento mal adaptadas, frequentemente se depreciam e exageram em seus auto-relatos de sintomas. De forma semelhante, a presença de depressão e ansiedade ao mesmo tempo diminuem o número de acertos e aumentam o número de falsos positivos (falsas memórias) em testes de memorização Em crianças, pais separados podem sugestionar, através de mecanismos subliminares inseridos em seu inconsciente, reações adversas, agressivas ou indisposição com o companheiro oposto.

 

É o caso da mãe que consegue, sem intenção deliberada e consciente, instigar na filha o ódio que ela sente do marido criando uma situação complica, de profundo ressentimento entre sua filha e o seu pai. A criança torna-se refém de memórias falsas, mesmo que não esteja mentindo para si mesma, apenas reagindo a pseudo lembranças incutidas em seu cérebro ainda em formação. Uma alienação parental muito recorrente hoje em dia.

O sábio indiano Krishnamurti dizia assim:

“O que é a memória? Você estava em Bangalore e hoje está em Madrás. Recorda de Bangalore. A recordação de uma experiência passada ou de um acontecimento é memória. Isso deixou um vestígio – de dor ou de prazer – que não tem importância. Por que deixou um vestígio? O que significa a palavra experiência? Experiência significa: passar por, empurrar, expelir... Quando esta experiência não se apaga completamente, deixa um vestígio. Sobre o que se imprime esse vestígio? Há uma substância em que deve imprimir-se esse vestígio. O resíduo é a experiência. Veja o que ocorre: a experiência incompleta deixa um vestígio sobre as células cerebrais que contém a memória. A memória é matéria. De outro modo não poderia ser contida nem deixaria um vestígio nas células do cérebro, que também são matéria. Veja o que acontece, senhor. Cada experiência incompleta deixa um vestígio que se converte em conhecimento, cujo peso embota a mente. O cérebro, como conhecimento acumulado, recebeu informação que por sua vez é conhecimento.”

 

Esses resíduos ficam armazenados na massa encefálica e no corpo mental do perispirito, porém, não são registros puros e objetivos de situações do passado. São construções anacrônicas onde o presente interfere na percepção do passado. Em seu livro Os Sete Pecados da Memória (2001), Daniel Schacter, professor de psicologia na Universidade de Harvard, analisa os tipos de lapsos de memória mais comuns e denomina-os de “pecados” da memória. Tais “pecados” afetam todos nós e não apenas pacientes com graves limitações de memória. Os sete pecados seriam:

Transitoriedade: referente ao enfraquecimento da memória com o passar do tempo.

Distração: que ocorre quando a nossa desatenção durante a memorização.

Bloqueio: situação em que a existência de memórias indesejadas que bloqueiam a informação a ser evocada.

Atribuição equivocada: onde ocorre uma mistura entre o evento a ser evocado e outros eventos (reais ou não).

Viés pessoal: onde editamos nossas memórias de acordo com nossas experiências e valores pessoais.

Sugestionabilidade: referente a memórias falsas implantadas em nossas mentes, decorrentes de perguntas, sugestões ou comentários durante interrogatórios.

Persistência: em que não conseguimos nos livrar das memórias indesejáveis. Todos esses erros mnemônicos fazem parte do funcionamento normal do cérebro.

Embora causem transtornos e graves problemas sociais também possuem sua função dentro das necessidades psíquicas do indivíduo como no caso onde a pessoa “cria”, armazena falsas informações sobre seu passado para legitimar suas histórias sobre si mesmo, preservando a integridade do eu. Peter Berger, no livro Perspectivas Sociológicas, afirma que nossa biografia é uma construção social quando as informações alheias podem conferir legitimidade aquilo que somos, na medida que nós mesmos vamos modificando nosso passado para adaptar-se a nossa auto imagem.

Cada vez que alteramos nossa auto imagem, modificamos o passado para adequar-se numa percepção temporal e espacial áquilo que somos no presente. Ou seja, segundo famoso sociólogo, estamos constantemente criando nosso passado, aqui e agora, no presente e fomentando memórias futuras que se coaduna com nossa visão de agora. É algo bem esclarecido na filosofia existencialista quando Heidegger, Sarte, Kierkegaard, colocam o poder de ser quem somos, alterando aquilo que fomos ou seremos. No presente, dizem eles, está o poder de mudar nossa vida, nossa história.

 

Toda biografia, é um ato anacrônico de construir aquilo que fomos de acordo com aquilo que somos. Diferente do que muitos reducionistas sociais professam, não somos produtos de nosso passado, de nossa infância, porque tanto o passado como nossa infância estão sujeitos a uma reconfiguração no presente.

O filósofo Osho disse:

A mente é passado, é memória, todas as experiências acumuladas num certo sentido. Tudo o que você já fez, tudo o que já pensou, tudo o que já desejou, tudo o que já sonhou - tudo, seu passado inteiro, sua memória - mente é memória. E a menos que se livre da memória, você não conseguirá dominar a mente. Quando eu pergunto “Quem é você?” você me diz seu nome - isso é uma lembrança. Seus pais lhe deram um nome um tempo atrás. Eu pergunto “Quem é você?” e você me fala de sua família, do seu pai, da sua mãe - isso é uma lembrança. Eu pergunto “Quem é você?” e você me conta o que estudou, seu nível de instrução, que fez mestrado em Artes ou que tem doutorado ou que é engenheiro ou arquiteto. Isso é uma lembrança. Quando eu pergunto “Quem é você?”se você de fato olhar para dentro, só terá uma resposta: “Não sei”. Tudo o que disser será apenas uma lembrança, não você de verdade.

 

Se Debbie Ford em seu livro O segredo da sombra afirma que sentimo-nos seguros dentro de nossa história pessoal, ela define-nos mas também nos limita, por isso, Carlos Castaneda propõe apagar nossa história pessoal para libertar-se a uma vida de totalidade e integridade. Serão nossas histórias apenas retalhos fictícios de auto ilusões que criamos para nós mesmos, justificando aquilo que somos, e mantendo-os protegidos contra a vida que nos pede mudança e transformação?!

O ser humano é maior do que sua própria mente. Sua mente é uma construção social. Da mesma forma, sua memória não merece total confiança já que ela, pela sua flexibilidade, pode ter sido moldada de acordo com seus preconceitos, racionalizações e repressões psicológicas.

Quando o sistema social faz de tudo para mantê-lo dentro de seus limites pessoais, criando coações e penalidades e mesmo assim você atreve-se a quebrar o acordo tácito, silencioso(Rubem Alves) entre você e seus outros significativos; quando a sociedade tenta colocá-lo sob script familiares(Eric Berne) e refém de prisões metafísicas(Aldous Huxley), você pode ter transcender suas memórias, usá-las mas não grudar-se nelas, nem permitir que elas ditem sua vida, suas ações, sua visão de mundo. E como diria o grande Peter Berger, na obra, já citada, Perspectivas Sociológicas:

“...Quaisquer que sejam nossas possibilidades de liberdade, elas não se poderão concretizar se continuarmos a pressupor que o "mundo aprovado" da sociedade seja o único que existe. A sociedade nos oferece cavernas quentes, razoavelmente confortáveis, onde podemos nos aconchegar a outros homens, batendo os tambores que escondem os uivos das hienas na escuridão. "Êxtase" é o ato de sair da caverna, sozinho, e contemplar a noite...”

 

Bibliografia:

A Construção social da realidade – Peter Berger e Thomas Luckman

Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley

Comentários sobre o viver – Krishnamurti

Consciência – Osho

Encontros com o nagual – Armando Torres

Ensinamentos de Don Carlos – Victor Sánchez

Espelhos da Vida – João Márcio

Legião – Robson Pinheiro Santos e Angelo Inacio

Liberte-se do passado – Krishnamurti

O cérebro que se transforma – Norman Doidge

O que você diz depois de dizer olá? Eric Berne

O Segredo da Sombra – Debbie Ford

Os Quatro Pilares da Educação – João Márcio

Os sete pecados da memória - Daniel Schacter

Perspectivas Sociológicas – Peter Berger

Senhores da escuridão – Robson Pinheiro e Angelo Inacio

Viagem a Ixtlan – Carlos Castaneda